DIREITO DE PREFÊRENCIA DO ARRENDATÁRIO
RENÚNCIA
Sumário

I - A renúncia a um direito legal de preferência só pode operar depois da comunicação dos elementos essenciais do negócio projetado.
II - Exercido judicialmente o direito legal de preferência pelo arrendatário, o adquirente do arrendado não tem o poder jurídico de extinguir aquele direito mediante a posterior extinção unilateral e imotivada da relação de arrendamento.

Texto Integral

Processo nº 5214/22.0T8MTS.P1

 

Sumário do acórdão proferido no processo nº 5214/22.0T8MTS.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório[1]

Em 27 de outubro de 2022, com referência ao Juízo Local Cível de Matosinhos, Comarca do Porto, AA instaurou a presente ação declarativa sob forma comum contra BB e A..., Lda. formulando, a final, os seguintes pedidos:

a) -Ser considerado procedente por provado o Direito de Preferência da Autora na transmissão, sob qualquer forma contratual do imóvel referente à fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente a um estabelecimento comercial no r/c com entrada pelo n.º ..., do prédio sito na Rua ... e Rua ..., na freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ..., a fls. 44vº do livro ...;

b) Em consequência deverá ser considerado nulo e como tal ineficaz o contrato de transmissão do bem imóvel, seja ele qual for, celebrado entre as Rés;

c) Deverá a Autora ser notificada para preferir no contrato celebrado entre as Rés nos mesmos termos que ali se encontram descritos;

d) Ser decretado o cancelamento de quaisquer registos a favor da Segunda Ré no tocante ao imóvel referente à fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente a um estabelecimento comercial no r/c com entrada pelo n.º ..., do prédio sito na Rua ... e Rua ..., na freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ..., a fls. 44vº do livro ....

e) Ser decretado o registo da presente ação na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos no tocante ao imóvel acima descrito;

f) Que as rendas pagas pela Autora desde a celebração do contrato de transmissão e as que se forem vencendo até decisão dos presentes autos transitada em julgado, sejam deduzidas ao depósito do preço efetuado;

g) Serem as Rés condenadas a pagar as correspondentes custas do processo”.

Para fundamentar as suas pretensões a autora alegou, em síntese, que mediante contrato de arrendamento celebrado no dia 01 de junho de 2013 com a ré BB tomou de arrendamento a fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao rés do chão com entrada pelo n.º ..., do prédio sito na Rua ... e Rua ..., na freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ..., a fls. 44 vº do livro ...; o contrato de arrendamento foi sucessivamente renovado ao longo dos anos; no dia 29 de julho de 2021, foi informada que o imóvel onde se situa o estabelecimento comercial passaria a ser propriedade da segunda ré, no dia 01de agosto de 2021, razão pela qual a renda deveria ser paga àquela; em setembro de 2021, através da sua mandatária, a autora manifestou o seu interesse em adquirir o imóvel para si, querendo e manifestando interesse em exercer o direito de preferência; porém, as rés mostraram, desde logo, interesse em ficar com o imóvel e encetaram negociações com vista a um acordo extrajudicial que visava o pagamento de uma indemnização à autora, abdicando esta do seu direito de preferência; as negociações perduraram até maio de 2022, acabando por ser infrutíferas, por causa não imputável à autora[2]; perante essa circunstância, durante o mês de junho, a autora manifestou, de novo e por duas vezes, o interesse em exercer o direito de preferência, tendo solicitado informação sobre os elementos essenciais do negócio para poder exercer tal direito, não tendo obtido qualquer resposta; na ausência de resposta, em 12 de julho de 2022, a autora requereu a notificação judicial avulsa das rés, pedindo para, no prazo de dez dias, indicarem os elementos essenciais do negócio de compra e venda do citado imóvel, designadamente, preço, forma, meio e prazo de pagamento, por forma a exercer o direito de preferência de harmonia com o disposto no artigo 1091º do Código Civil e informando que a falta destes elementos essenciais, obstava ao início da contagem do prazo de “prescrição” (aspas nossas) para o exercício do direito de preferência; em 19 de julho de 2022, ambas as rés foram notificadas da notificação judicial avulsa requerida pela autora; até ao momento, a autora desconhece quais são os elementos essenciais do negócio, designadamente, preço, forma, prazo e meio de pagamento, não lhe sendo tais informações prestadas pelas rés.

Em 02 de novembro de 2022, a autora procedeu ao depósito da quantia de € 36 740,00, valor que afirma corresponder ao valor patrimonial da fração autónoma de que é arrendatária.

Citadas, as rés contestaram alegando a caducidade da ação porque desde 29 de julho de 2021 a autora tem a informação necessária para obter o título aquisitivo do direito de propriedade sobre a fração autónoma a favor da ré pessoa coletiva, impugnaram alguns dos factos alegados na petição inicial, alegando ainda que a ré pessoa singular é sócia gerente da ré pessoa coletiva; a ré pessoa coletiva é uma sociedade por quotas que se dedica, entre outras, à atividade de compra e venda de bens imóveis, tendo também como gerente CC, filho da primeira ré e foi constituída pela primeira ré e pelo seu filho em 10 de agosto de 2020, com o intuito de, mantendo a gestão das propriedades da primeira ré sob a direção daqueles concretos familiares, beneficiar do regime fiscal previsto para as pessoas coletivas, por aqueles considerado mais favorável; em 29 de julho de 2021 a primeira ré transmitiu para a segunda ré a propriedade do conjunto de três prédios, um dos quais, o arrendado à autora, pelo preço global de € 187 805,00, imóveis esses que constituíam a totalidade do património da primeira ré; ao transferir o seu património pessoal para a sociedade segunda ré, a intenção da primeira ré foi a de obter benefícios fiscais na sua globalidade; por essa razão distribuiu os valores por cada um dos imóveis em função do seu valor patrimonial a fim de a tributação em sede de IMT ser a menor possível, tal como foi estabelecido o pagamento diferido no tempo e não a pronto pagamento atendendo ao facto de se tratar de uma compra em que existe plena confiança entre a credora e a devedora; a primeira ré informou a autora, previamente à comunicação de 29 de julho de 2021, da transmissão de propriedade do locado e quando questionada se pretendia exercer o direito de preferência, a autora sempre declarou que não pretendia exercer tal direito; a primeira ré juntamente com a autora esteve no imóvel com o engenheiro responsável pela elaboração da certificação energética, documento necessário à instrução da escritura de compra e venda, tendo ambos conversado sobre a venda do imóvel nesse mesmo dia; nessa sequência, foram os elementos essenciais referidos fixados, designadamente, no que à composição do objeto e respetivo preço global – ponderada a aquisição de três imóveis – contende; impugnaram o valor patrimonial atribuído pela autora à fração autónoma, alegando que o seu valor de mercado é de € 60 000,00; concluem pugnando pela procedência da exceção perentória por ambas arguida e, em consequência, pela absolvição das rés de todos os pedidos e, não se entendendo assim, sustentam a total improcedência da ação com a consequente absolvição das rés dos pedidos.

Notificada da contestação e documentos que a instruem, a autora ofereceu articulado impugnando a exceção perentória de caducidade arguida pelas rés, reiterando que competia às rés dar-lhe conhecimento dos elementos essenciais do negócio, o que não foi feito e, em todo o caso, tal comunicação deve ser feita antes da celebração do negócio, suscitando ainda a litigância de má-fé das rés.

Em 09 de janeiro de 2023 a autora comprovou ter realizado o depósito do montante de € 1 577, 98 referente ao remanescente do preço por que foi vendida a fração autónoma em cuja venda pretende preferir.

As rés pronunciaram-se sobre a litigância de má-fé arguida pela autora, pugnando pela sua não verificação.

Em 09 de fevereiro de 2023 foi proferido o seguinte despacho[3]:

Analisada a petição inicial, afigura-se ao Tribunal suscitar-se uma questão de ineptidão da referida peça processual, por incompatibilidade substancial dos pedidos cumulativamente deduzidos, nomeadamente quanto aos pedidos b) e c).

Com efeito, ambicionando a autora fazer operar o direito de preferência de que se arroga titular, não pode a mesma pretender destruir os efeitos do mesmo negócio, e, bem assim, a posição de comprador, na qual aspira substabelecer-se – vide acórdão do STJ, de 18/10/1994, proc. n.º 085965.

A dedução cumulativa de tais pedidos sofre de uma contradição em termos, sendo que os efeitos jurídicos que se pretendem obter encontram-se em relação de antagonismo entre si.

Sem prejuízo do que se veio de expor, sufragando o entendimento jurisprudencial que entende tal vício como sanável, por aplicação analógica do art. 37º nº 4 do Código de Processo Civil (cfr. acórdão do TRC, de 31/05/2016, proc. n.º 7033/14.8T8CBR-A.C1), convida-se a autora, ao abrigo do disposto no art. 6º nº 2 do Código de Processo Civil, a indicar quais os pedidos que pretende que sejam apreciados em juízo, sob pena de absolvição das rés da instância quanto a todos eles.

Prazo: 10 dias.


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Por outro lado, defenderam-se as rés dizendo que o prédio objeto da preferência foi vendido conjuntamente com outros dois, ao abrigo do disposto no art. 417º do Código Civil.

Mais referem que, caso proceda a causa, e o direito da autora não tenha caducado, deverá preferir pelo preço total do negócio, ou seja, 187.805,00 euros.

Por outro lado, impugnam as rés o valor patrimonial atribuído ao prédio objeto da preferência, sendo que o valor real do imóvel é de 60.000,00 euros.

Após estudo da questão e na senda do douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães de 09/05/2019, acessível em www.dgsi.pt, entende este Tribunal que o valor que a autora deve depositar não é o do conjunto dos três imóveis vendidos, mas sim o valor real do imóvel cujo direito de preferência se quer exercer: “Na venda conjunta e por preço global, o “preço devido” a depositar pelo preferente que apenas pretenda exercer o direito de preferência sobre os prédios onerados com a preferência (que constituem parte dos prédios integrados na venda conjunta), é o preço real (preço strictu sensu) e proporcional desses prédios, por referência ao preço global pelo qual foi realizada a venda conjunta.”

Mais refere esse acórdão que para se determinar esse valor real e proporcional, tem de se determinar a avaliação de todos os prédios que integram a venda conjunta: “Para se determinar esse preço real e proporcional tem de se determinar a avaliação de todos os prédios que integram a venda conjunta, para efeitos de se determinar o valor real (de mercado) dos mesmos, e depois, tendo em conta esse valor real, de mercado, de todos esses prédios, determinar qual o peso, no preço global da venda conjunta, que os prédios que o preferente pretende preferir tem nesse preço global”

Assim e uma vez que as rés referem ser de 60.000,00 euros o valor real do prédio em litígio, notifique a autora para, em 10 dias, referir se aceita esse valor ou se prefere que seja determinada uma avaliação.

Caso aceite que sejam os 60.000,00 euros, deverá efetuar o complemento do depósito em falta, uma vez que apenas depositou o valor patrimonial.

Notifique.

Em resposta ao despacho de 09 de fevereiro de 2023, a autora ofereceu o seguinte requerimento:

A) Quanto aos pedidos:

Foi a Autora notificada, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 6.º, n.º 2 do Cód. de Proc. Civil para indicar quais os pedidos que pretende ver apreciados em juízo por haver contradição entre a alínea b) e alínea c) dos pedidos efetuados em sede de petição inicial.

Nesse sentido, pretende a Autora que seja apreciado o pedido na alínea c), pois o seu objetivo é preferir na aquisição do imóvel, desistindo do pedido na alínea b).

Assim e por forma a evitar confusões, apresenta-se o petitório devidamente corrigido em conformidade com o exposto e com a nova numeração:

a) -Ser considerado procedente por provado o Direito de Preferência da Autora na transmissão, sob qualquer forma contratual do imóvel referente à fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente a um estabelecimento comercial no r/c com entrada pelo n.º ..., do prédio sito na Rua ... e Rua ..., na freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ..., a fls. 44vº do livro ...;

b) Deverá a Autora ser notificada para preferir no contrato celebrado entre as Rés nos mesmos termos que ali se encontram descritos;

c) Ser decretado o cancelamento de quaisquer registos a favor da Segunda Ré no tocante ao imóvel referente à fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente a um estabelecimento comercial no r/c com entrada pelo n.º ..., do prédio sito na Rua ... e Rua ..., na freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ..., a fls. 44vº do livro ....

d) Ser decretado o registo da presente ação na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos no tocante ao imóvel acima descrito;

e) Que as rendas pagas pela Autora desde a celebração do contrato de transmissão e as que se forem vencendo até decisão dos presentes autos transitada em julgado, sejam deduzidas ao depósito do preço efetuado;

f) Serem as Rés condenadas a pagar as correspondentes custas do processo,

Tudo com as legais consequências.

B) Quanto valor do imóvel:

Foi a Autora notificada para indicar se aceita o valor de € 60.000,00 (sessenta mil euros) ou se prefere que seja efetuada avaliação ao imóvel.

Ora.

Salvo o devido respeito por opinião contrário, é entendimento da Autora que o despacho nesta parte viola as normas inerentes ao exercício do direito de preferência contidas, quer no Cód. Civil, quer no Cód. de Proc. Civil,

Razão pela qual irá interpor recurso de apelação, com subida imediata e em separado, com efeito suspensivo, nos termos do disposto no art.º 644.º, n.º 2, alínea h) e 646.º e 647.º do Cód. de Proc. Civil.

O prazo de interposição de recurso é de 15 dias, conforme dispõe o art.º 638.º do Cód. de Proc. Civil, prazo que somente termina na próxima 3.ª feira, dia 28 de fevereiro de 2023.

Assim, em face da posição assumida, reserva-se a Autora no direito de não responder ao douto despacho nesta parte.

Em 28 de fevereiro de 2023, inconformada com o segmento do despacho proferido em 09 de fevereiro de 2023 relativo ao preço do imóvel objeto da preferência, AA interpôs recurso de apelação, requerendo a atribuição de efeito suspensivo ao recurso.

Em 09 de março de 2023, as rés ofereceram requerimento pedindo a fixação do valor da causa no montante de € 60 000,00 euros e a notificação da autora para efetuar o complemento do depósito.

Em 20 de março de 2023, BB e A..., Lda. responderam ao recurso pugnando pela sua total improcedência.

Em 30 de março de 2023 foi proferido o seguinte despacho:

Compulsados os presentes autos, constata-se que o Tribunal incorreu em lapso de interpretação relativamente aos valores de compra/venda que constam na escritura junta pelas rés.

Nos termos em que se passam a expôr:

A autora, na petição inicial, declarou pretender exercer o seu direito de preferência pelo valor patrimonial de 36.740,00 euros.

As rés, na contestação, para além do mais, vieram dizer que o valor deste imóvel é de 60.000,00 euros.

Nenhuma das partes juntou a certidão das Finanças (caderneta predial) referente ao imóvel em litígio, de onde conste o valor patrimonial.

Por outro lado, na escritura de compra e venda junta com a contestação, constata-se agora que, relativamente aos valores que foram dados aos três imóveis transacionados, ocorre desconformidade entre o valor numérico e o valor por extenso.

Facto que o Tribunal não atentou aquando do nosso anterior despacho.

Daí que, tendo-se somado os valores indicados em numeração, somaram-se 38.317,98€ (prédio um), 83.859,30€ (prédio dois) e 50.327,70€ (prédio três), o que perfazia 172.504,98 euros.

Não perfazia os 187.805,00 euros indicados para a compra global dos três prédios.

Daí que a verba em litígio poderia não ter o valor de 36.740,00 euros indicado pela autora.

Analisando os valores redigidos por extenso, vemos que afinal as três verbas foram alienadas pelos seguintes valores: 38.320,00€, 83.860,00€ e 65.625,00€, o que perfaz os tais 187.805,00 euros.

Ora, o prédio cuja preferência a autora pretende exercer, foi feito constar na escritura por 38.320,00 euros, valor que foi atribuído por extenso e que corresponde à soma dos 187.805,00 euros.

Assim, o Tribunal reformula o anterior despacho, na parte em que determina que o valor a preferir seja de 60.000,00 euros, mas antes determinando que o valor a preferir é de 38.320,00 euros.

Fica sem efeito igualmente o convite para requerer a avaliação do imóvel.

Notifique a autora para proceder ao depósito da quantia em falta (38.320,00€ - 36.740,00€ = 1.580,00€), ou seja, 1.580,00 euros [[4]].

Mais a notifique para, em 10 dias, esclarecer se mantém interesse no recurso por si interposto.

Notifique.

Em resposta ao despacho que precede, em 12 de abril de 2023, AA ofereceu o seguinte requerimento:

Foi a Autora notificada para proceder ao depósito autónomo da quantia de € 1.580,00 (mil quinhentos e oitenta euros) respeitantes ao remanescente do depósito do preço.

Acontece, porém, que no passado dia 09-01-2023, já havia sido junto aos autos o DUC com o n.º ..., no valor de € 1.577,98, bem como o respetivo comprovativo de pagamento, respeitante ao depósito autónomo do remanescente do valor do bem imóvel.

Mediante o despacho agora proferido, fica em falta somente a quantia de € 2,02, (dois euros e dois cêntimos), valor pago através do DUC n.º ..., que se junta bem como o comprovativo de pagamento.

No que tange ao recurso, atenta o despacho proferido, a Autora não tem interesse no prosseguimento do recurso.

Em 27 de abril de 2023 proferiu-se despacho a considerar cumprida a obrigação de depósito do preço pela autora e julgou-se “findo o incidente de recurso por manifesto desinteresse e desnecessidade”, com isenção de custas, ordenou-se a comunicação à Conservatória do Registo Predial da pendência destes autos, dispensou-se a realização de audiência prévia, fixou-se o valor da causa no montante de € 38 320,00, proferiu-se despacho saneador relegando-se para final o conhecimento da exceção perentória de caducidade da ação, identificou-se o objeto do litígio, enunciaram-se os temas da prova, conheceu-se dos requerimentos probatórios das partes e designou-se data para realização da audiência final.

A audiência final realizou-se numa sessão e em 02 de outubro de 2023 foi proferida sentença[5] que terminou com o seguinte dispositivo:

De harmonia com o exposto, o Tribunal julga a presente ação de preferência totalmente procedente, por provada, e, em consequência, decide:

a) Reconhecer o direito legal de preferência da autora na transmissão, sob qualquer forma contratual, do imóvel referente à fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente a um estabelecimento comercial no r/c com entrada pelo n.º ..., do prédio sito na Rua ... e Rua ..., na freguesia ..., concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ... – fração B – freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...;

b) Reconhecer o direito de preferência da autora na compra e venda do imóvel identificado em a), e o direito de para si o haver, nos termos e condições contratados na escritura pública de compra e venda outorgada entre as rés no dia 29 de julho de 2021, substituindo-se à 2.ª ré;

c) Condenar a 2.ª ré a transferir para a autora a titularidade do direito de propriedade sobre o mesmo imóvel e a proceder à sua entrega;

d) Ordenar o cancelamento de todos e quaisquer registos que 2.ª ré tenha promovido a seu favor ou venha a fazer, em consequência da aquisição do imóvel melhor identificado nos autos;

e) Condenar a 2.ª ré a restituir à autora as quantias que lhes foram e vierem a ser entregues a título de rendas, desde a aquisição do imóvel até ao trânsito em julgado da presente decisão.

f) Absolver ambas as partes da questão da litigância de má fé.


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Custas:

Custas a cargo das rés, atento o seu total decaimento.

Em 14 de novembro de 2023, inconformada com a sentença cujo dispositivo precede, A..., Lda. interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1) Não se conformam as recorrentes com a decisão pela qual notificadas, a 2/10/2023 (refª Citius 452346767) da sentença proferida, pela qual se decidiu reconhecer o direito de preferência da Autora/ recorrida, a sua substituição contratual pela posição da 2ª Ré, determinar o cancelamento do registo a favor da mesma, bem como das condenações à transferência da propriedade e restituição das quantias pagas até ao trânsito em julgado;

2) A recorrente não se conforma com as decisões de julgamento da matéria de facto, entendendo, salvo o devido respeito, que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, inquinando a aplicação do Direito tendente à boa decisão da causa e justa composição do litígio, pelo que o presente recurso versa sobre a matéria de facto e a matéria de Direito;

3) Para fundamentar a decisão de julgamento do concreto ponto de facto “e)” julgado não provado, entendeu o tribunal a quo ser insuficiente as declarações e depoimentos de parte de ambas as partes;

4) Acontece que, ao contrário do que resulta da douta sentença recorrida, foi produzida prova suscetível de corroborar a versão apresentada pela 1ª R., a qual não foi, errada e olimpicamente, salvo o devido respeito, omitida pelo tribunal a quo;

5) Pelo que, pelo exposto, as concretas passagens de minutos 2:45 a 4:38, 6:24 a 7:20, 7:46 a 8:38, 9:45 a 10:21, 10:49 a 11:01, 12:26 a 12:32, 13:44 a 14:40, 15:46 a 16:12, 16:26 a 16:48,

17:34 a 17:44, 19:00 a 19:21, 19:57 a 20:29 e 20:30 e 21:30 do depoimento da 1ª Ré[aqui figura a nota de rodapé nº 11, com o seguinte teor: Vide nota de rodapé 1; a nota de rodapé 1 tem o seguinte conteúdo: “Depoimento da legal representante da Ré BB, prestado em sessão de audiência de julgamento de 25-09-2023, constante de gravação na plataforma Citius, entre os minutos 09:31 e 09:53 da referida sessão de julgamento.”], conjugadas com as concretas passagens de minutos 1:29 a 1:53, 3:45 a 5:10, 5:35 a 6:04, 6:17 a 6:52, 7:23 a 8:12, 9:46 a 10:54, 11:18 a 11:29 e 11:52 e 14:53 do depoimento da testemunha DD[aqui figura a nota de rodapé nº 12, com o seguinte teor: Vide nota de rodapé 2; a nota de rodapé 2 tem o seguinte teor: “Depoimento da testemunha DD, prestado em sessão de audiência de julgamento de 25-09-2023, constante de gravação na plataforma Citius, entre os minutos 11:33 a 11:49 da referida sessão de julgamento, de duração de quinze minutos e cinquenta e três minutos [segundos?].”], impõem que o concreto ponto de facto “e) Previamente à comunicação mencionada em 10., e antes da celebração da escritura pública de compra e venda mencionada em 6., a 1.ª r informou a autora da sua intenção de proceder à venda da propriedade do locado de que a autora era arrendatária, tendo esta declarado não pretender exercer o respetivo direito de preferência (cfr. art. 26.º da contestação)” julgado provado, seja julgado provado, sendo daquele elenco de factos removido, e neste aditado;

6) Face a prova produzida descrita e os concretos meios de prova que o impõem, devem os Venerandos Desembargadores alterar as decisões proferidas sobre a matéria de facto impugnada supra, nos termos e para os efeitos do art.º 662.º, n.º 1 do CPCiv, cumprido que está o ónus de impugnação especificada consagrado no art.º 640.º do CPCiv.;

7) A Ré/ recorrida alegou e demonstrou os factos essenciais em que se baseavam as exceções por si invocadas, tendo produzido prova bastante para a demonstração da rejeição perentória do conhecimento dos termos do negócio que impugna nos presentes autos;

8) Pelo que, tendo os factos demonstrados com o depoimento de parte – meio de prova necessário em razão do carácter pessoal dos concretos factos carecidos de prova como o são as conversas entre as partes – sido confirmados por meio de prova testemunhal, deve o tribunal julgados como provados, em detrimento da falsidade de factos alegados pela outra parte;

9) Apesar do efeito retroativo do direito de preferência – jamais posto em causa – uma vez que foi a Autora/ recorrida quem deu causa à não comunicação, o pedido da tutela das normas invocadas é absolutamente ilegítimo ex vi art.º 334.º do CCiv, não podendo o Venerando Tribunal da Relação compactuar com tal abuso de direito;

10) Ainda nesta sequência, dada a ilegitimidade do pretenso exercício do direito de exigir tomar o lugar da 2ª Ré/ recorrente no negócio celebrado no que ao concreto bem imóvel sub judice contende, não há como não conhecer, nos termos do art.º 611.º, n.º 1 in fine, da cessação da situação de arrendatária, ao momento do encerramento da discussão dos presentes autos;

11) Por tudo o exposto, devem as exceções arguidas ser julgadas procedentes, importando, consequentemente, a absolvição da Ré/ recorrente de todos os pedidos contra ela formulados;

12) Com a sentença proferida, violou o tribunal a quo as disposições constantes dos artigos dos art.º 334.º, 341.º e 342.º do CCiv e art.º 5.º, n.º 1, art.º 410.º e 413.º, 466.º, 607.º, n.º 4 e n.º 5 e 611.º, n.º 1 in fine do CPCiv.

AA contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso.

O recurso foi admitido como de apelação, com efeito meramente devolutivo, tendo subido nos próprios autos.

Colhidos os vistos dos restantes membros do coletivo, cumpre agora apreciar e decidir.

2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Da impugnação da alínea e) dos factos não provados;

2.2 Da renúncia da autora ao direito de preferência na alienação do arrendado;

2.3 Do abuso do direito por parte da autora no exercício do direito de preferência;

2.4 Da cessação da qualidade de arrendatária por parte da autora e dos reflexos dessa situação jurídica no exercício do direito de preferência.

3. Fundamentos

3.1 Da impugnação da alínea e) dos factos não provados

A recorrente impugna a alínea e) dos factos não provados, pretendendo que se julgue provada essa matéria com base no depoimento de parte da ré e bem assim no depoimento da testemunha DD, tudo nas passagens da gravação que localiza temporalmente e identifica nas conclusões das alegações, passagens que transcreve no corpo das alegações.

O ponto de facto impugnado tem o seguinte conteúdo:

- Previamente à comunicação mencionada em 10.[[6]], e antes da celebração da escritura pública de compra e venda mencionada em 6.[[7]], a 1.ª ré informou a autora da sua intenção de proceder à venda da propriedade do locado de que a autora era arrendatária, tendo esta declarado não pretender exercer o respetivo direito de preferência.

O tribunal recorrido motivou esta resposta negativa do seguinte modo:

Relativamente à factualidade não provada sob a alínea e), esta resultou da insuficiência da prova produzida nos autos para o corroborar. Sobre tal matéria, as partes expõem versões perfeitamente antagónicas.

Por um lado, autora afirmou perentoriamente nunca lhe ter sido comunicada a intenção de celebrar qualquer negócio relativamente ao imóvel de que era arrendatária, muito menos os seus termos e condições, mormente o preço e modo de pagamento.

Em sentido contrário, a 1.ª ré refere ter comunicado verbalmente à autora essa intenção de venda, ainda no decurso de 2020, ocasião em que esta, em resposta à sua interrogação acerca do interesse em exercer o direito de transferência, manifestou de imediato o seu desinteresse, em face da sua incapacidade económica.

Admitindo a 1.ª ré, no entanto, que nunca comunicou formalmente – diga-se através de carta registada com aviso de receção – as condições de venda da fração autónoma em causa, portanto, os elementos essenciais, justificando tal facto com a alegada renúncia (antecipada) por parte da autora. Mais se refere que nenhum dos meios probatórios se conferiu a credibilidade necessária para formar uma convicção segura sobre a verificação ou não verificação do referido

facto.

Tratando-se tal facto de matéria de exceção, incumbia às rés demonstrá-lo.

Pelo que, não tendo logrado fazê-lo, o mesmo tem-se por não provado.

Cumpre apreciar e decidir.

Uma vez que a recorrente observa suficientemente os ónus que impendem sobre o impugnante da decisão da matéria de facto e que a apreciação da impugnação requerida pela recorrente se reveste de utilidade à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito para que releva a matéria de facto impugnada[8], examinou-se a troca de mensagens entre as partes por via eletrónica, cujo conteúdo essencial consta da factualidade provada pelo tribunal recorrido sem impugnação da recorrente (pontos 10 a 12 dos factos provados pelo tribunal recorrido[9]) e procedeu-se à audição da prova pessoal produzida na audiência final.

BB, professora do ensino secundário, aposentada, declarou que por diversas vezes, presencialmente e por via telefónica disse à autora, que a fração arrendada à autora ia ser vendida a uma empresa detida por si e por seu filho, respondendo a autora que não queria comprar, pois nem dinheiro tinha para pagar a renda, tendo a sua amiga DD assistido a uma das conversas; nunca enviou qualquer documento à autora dando-lhe conhecimento dessa intenção de venda por haver confiança entre ambas, não obstante os sucessivos atrasos da autora no pagamento das rendas; na altura em que comunicou à autora a intenção de venda da fração, nada sabia das concretas condições de pagamento, só tendo sabido destas no momento em que foi celebrada a escritura pública de compra e venda; disse-lhe que a fração ia ser vendida pelo valor matricial e não para seu negócio[10].

CC, engenheiro, filho da primeira ré e gerente da segunda ré, revelou nada conhecer diretamente da matéria impugnada, apenas sabendo o que lhe foi transmitido por sua mãe.

AA, contabilista, arrendatária da fração autónoma atualmente da titularidade da sociedade ré, declarou que nada foi conversado com a primeira ré sobre os termos do negócio, que nunca lhe foi dito que a fração ia ser vendida, apenas tendo sabido disso mais tarde e depois da celebração desse negócio; o que a primeira ré lhe transmitiu é que seu filho ia começar a tomar conta da situação; tentou saber dos termos do negócio mas nunca conseguiu conhecê-los; queria saber dos valores do negócio a fim de saber se lhe interessava; a ré BB deslocou-se algumas vezes ao arrendado sozinha; não conhece uma amiga da ré BB de nome DD; referiu que talvez em junho/julho deslocou-se ao arrendado um senhor para efeitos de emissão de certificado energético, tendo sido prevenida pela primeira ré dessa deslocação; declarou saber que o certificado energético é necessário para a celebração de venda e arrendamento de imóveis.

EE, comerciante do ramo da hotelaria, marido da autora, revelou não ter conhecimento direto da matéria impugnada.

FF, contabilista, irmã da autora, a exercer funções no gabinete de contabilidade da autora em regime de tempo parcial desde 2016, na parte da manhã desde há quatro anos e antes também fazia uma parte da tarde; declarou que pensa que nunca viu a ré BB no arrendado nem uma senhora chamada DD; sua irmã nunca teve conhecimento das condições do negócio; não estava presente quando foi feita a visita ao arrendado para efeitos de emissão de certificado energético; depois de saber das condições do negócio, sua irmã manifestou interesse na compra da fração.

GG, engenheiro, responsável pela emissão do certificado energético da fração arrendada à autora, revelou nada saber sobre a matéria impugnada pela recorrente.

HH, reformado, antes empresário de equipamentos de laboratório, companheiro da ré BB desde 2019, de relevante para a matéria impugnada pela recorrente referiu que o filho da ré BB sugeriu que esta enviasse uma carta registada a comunicar a venda da fração arrendada à autora, sugestão que a ré BB não seguiu, tendo esta dito-lhe que telefonou à autora comunicando-lhe a venda, desconhecendo se falaram sobre valores e prazos de pagamento.

DD, reformada, professora, amiga da ré BB desde a adolescência, declarou conhecer a autora como inquilina da ré BB; conheceu a autora numa altura em que a ré BB lhe ofereceu uns móveis, tendo aberto a porta da casa da BB para daí serem retirado os móveis destinados à autora, tendo esta e o marido levado dois móveis à casa da depoente e que lhe haviam sido oferecidos pela BB; acompanhou várias vezes a BB ao arrendado por causa de rendas em atraso e uma vez em que ficou à porta da fração ouviu a BB falar à autora na venda da fração tendo ouvido falar nisso noutras vezes em chamadas telefónicas da BB à autora; inquirida pela Sra. Advogada das rés declarou que não ouviu falar em qualquer valor, apenas tendo ouvido falar em valor patrimonial e que a autora não queria comprar (respondeu à sugestão da Sra. Advogada, “sim, sim”); descreveu o interior do arrendado dizendo que tinha uma frente estreita com prateleiras, que tinha um balcão, desconhecendo quantas secretárias havia no seu interior.

A Sra. Juíza que presidiu à audiência decidiu oficiosamente acarear a autora e a testemunha DD, tendo a autora declarado que se recordava da deslocação à casa da ré BB para recolher uns móveis que esta lhe havia dado para mobilar o arrendado, sendo o serviço realizado por uma empresa de transportes; mais declarou que a descrição que a testemunha DD fez do interior arrendado não corresponde à realidade, pois que as prateleiras não são visíveis.

Rememorado o essencial da prova pessoal produzida na audiência final atinente à matéria impugnada é tempo de a apreciar criticamente.

As declarações produzidas pela primeira ré e pela autora foram totalmente opostas entre si pois que enquanto a autora referiu que a senhoria lhe comunicou que seu filho ia tomar conta da situação, nunca lhe tendo sido dito que a fração ia ser vendida e muito menos quais as condições desse negócio, já a ré BB declarou que tinha comunicado à autora que a fração ia ser vendida a uma sociedade detida por si e por seu filho, ao que a autora respondeu que não queria comprar pois nem dinheiro tinha para pagar a renda, referindo mais adiante que a venda seria pelo valor matricial e não para “fazer negócio”.

O depoimento da testemunha HH, companheiro da primeira ré, introduziu um elemento suplementar gerador de dúvida sobre o que se terá passado pois referiu que o filho da sua companheira havia sugerido a comunicação da venda à autora por escrito e mediante carta registada, sugestão que a companheira não seguiu, não se entendendo por que razão a primeira ré não seguiu essas alegadas indicações, tanto mais que considerava seu filho mais competente para resolver estas questões.

O depoimento da testemunha DD foi pouco credível pois referiu ter ouvido falar à ré BB em venda da fração quando a esperava no exterior do arrendado, à entrada do mesmo, referindo depois ter ouvido falar em valor patrimonial, designação que nem sequer corresponde à que a ré BB declarou ter mencionado e, induzida pela Senhora Advogada das rés sobre se tinha ouvido a autora dizer que não queria comprar, respondeu “sim sim”.

Importa ainda ter em atenção que a venda da fração se enquadrava num esquema de “engenharia fiscal” ou de “otimização fiscal”, visando-se uma redução dos impostos a pagar pela primeira ré, intento que não se coaduna com a transparência de procedimentos e especialmente relativamente a terceiros potencialmente em situação conflituante com os intervenientes na projetada venda.

Tudo indica que dadas as dificuldades financeiras evidenciadas pela autora com os sucessivos atrasos nos pagamentos das rendas, a ré BB e seu filho se terão convencido que aquela nunca teria condições financeiras para preferir no negócio, mesmo que o preço da venda em pouco excedesse o valor patrimonial da fração arrendada.

Assim, sopesada toda a prova, a convicção deste tribunal da Relação no que tange a alínea e) dos factos não provados converge com a do tribunal a quo, não tendo sido produzida prova que permita a formação de uma convicção positiva quanto à realidade dos factos nela vertidos.

Deste modo, improcede a impugnação da alínea e) dos factos não provados, mantendo-se intocada a decisão da matéria de facto do tribunal recorrido.

3.2 Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida e que se mantêm atenta a improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto e por não se divisar fundamento legal para a sua alteração oficiosa

3.2.1 Factos provados


3.2.1.1

Por documento escrito e assinado, com data de 01 de junho de 2013, que as partes denominaram de «Contrato de arrendamento para comércio com prazo certo», II, na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa de JJ, e BB, 1ª ré, intitulando-se donas e legítimas possuidoras da fração autónoma designada pela letra “B” correspondente a um estabelecimento comercial no r/c, com entrada pelo n.º ..., do prédio sito na Rua ... e Rua ..., na freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ...[11], cederam o uso e fruição do mesmo, para comércio, à autora, mediante o pagamento de uma renda.

3.2.1.2

O contrato mencionado em 1. [ 3.2.1.1] foi celebrado pelo período de cinco anos, sucessivamente renovável.

3.2.1.3

Por apresentação datada de 10 de agosto de 2020, foi inscrita no registo comercial a constituição da sociedade por quotas com a firma «A... Lda.», com o número de identificação de pessoa coletiva ..., e sede na Rua ..., n.º ..., 2.º Esquerdo, e objeto social «investimentos imobiliários; Administração de imóveis; Compra e venda de imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim; Prestação de serviço de designer e remodelagem; Prestação de consultoria a empresas e particulares, exceto a jurídica e a contabilística e de revisão oficial de contas. Consultoria em engenharia, reabilitação e construção civil.»

3.2.1.4

No registo referido em 3. [3.2.1.3], fez-se constar como sócios e gerentes da 2ª ré, a 1ª ré e o seu filho, CC, cada um com uma quota de € 500,00 (quinhentos euros).

3.2.1.5

No dia 2 de junho de 2021, a pedido da 1ª ré, na qualidade de engenheiro responsável pela elaboração de certificações energéticas, GG deslocou-se ao imóvel mencionado em 1. [3.2.1.1], deslocação que se iniciou às 10h00m e terminou às 11h00m.

3.2.1.6

No dia 29 de julho de 2021, a 2ª ré, intitulando-se de «Segundo – Parte Compradora» e a 1ª ré, na qualidade de «Primeiro – parte vendedora» subscreveram, perante KK, na 2ª Conservatória do Registo Predial da Maia, o escrito a que foi dada a denominação de «título de compra e venda», fazendo constar o seguinte: «a primeira interveniente [1.ª ré], vende à segunda interveniente [2.ª ré], sua representada os prédios atrás identificados pelo preço global de cento e oitenta e sete mil oitocentos e cinco mil euros».

3.2.1.7

Entre os imóveis identificados no escrito mencionado em 6. [3.2.1.6] consta a fração autónoma identificada em 1. [3.2.1.1], aí reconhecido como prédio um, com a indicação de que o mesmo se encontrava descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ..., tinha associada a inscrição matricial nº ... e um valor patrimonial tributário de € 38.317,98 (trinta e oito mil, trezentos e dezassete euros e noventa e oito cents).

3.2.1.8

De acordo com o escrito mencionado em 6. [3.2.1.6], foram acordadas as seguintes condições de pagamento: a) pagamento de € 1 805,00 (mil oitocentos e cinco euros) em cinco prestações mensais de € 361,00 (trezentos e sessenta e um euros), nos meses de agosto a dezembro de 2021 e b) € 186 000,00 (cento e oitenta e seis mil euros) em [cento e] vinte e quatro prestações mensais e sucessivas a iniciar em janeiro de 2022.

3.2.1.9

No escrito referido em 6. [3.2.1.6], na parte «Outras cláusulas», fez-se constar que: «a) As partes declaram que no negócio não houve intervenção de mediação imobiliária. b) A PARTE VENDEDORA declara que os imóveis são vendidos livres de ónus ou encargos. c) A PARTE VENDEDORA declara que os prédios fazem parte das heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de JJ (NIF ...) e II (NIF ...) sendo dispensado o registo intermédio a seu favor, nos termos do artigo 35° do Código de Registo Predial. d) A interveniente em nome da sociedade sua representada declara que a presente compra visa a prossecução do objeto social.».

3.2.1.10

No dia 29 de julho de 2021 [pelas 16h58, de acordo com o que consta da cópia da comunicação], através de mensagem de correio eletrónico (email) endereçada pela 1ª ré, sob o assunto «Aditamento ao contrato de arrendamento», foi transmitida à autora a seguinte informação: «[c]onforme conversa telefónica a nova proprietária do escritório que alugou é a empresa: A..., Lda. […], a partir do dia 1 de agosto. A empresa é minha e do meu filho: CC, sendo eu gerente da mesma. Sendo assim, a partir dessa data, os recibos serão por esta empresa emitidos e a renda será paga no seu NIB: […]. O contrato mantém-se, mas agora com novo proprietário.»

3.2.1.11

No dia 16 de agosto de 2021, pelas 10h53m, a 2ª ré endereçou à autora uma mensagem de correio eletrónico (email) com o seguinte teor: «Na qualidade de novos proprietários do imóvel arrendado sito na Rua ..., vimos por este meio informá-la que se encontra em atraso o pagamento da renda referente ao mês de Agosto. Lembramos que os pagamentos deverão ser efetuados o mais tardar até ao dia 8 de cada mês e que o incumprimento poderá levar ao pagamento de juros de mora».

3.2.1.12

No dia 16 de agosto de 2021, pelas 12h04m, a autora respondeu à comunicação mencionada em 11. [3.2.1.11], da seguinte forma: «Quando fui contactada pela D. BB a informar da situação de mudança de titular informei-a que estava ausente e só depois do dia 16 teria acesso ao email e só nessa data faria o pagamento da renda, o mesmo foi hoje da parte da manhã efetuado. Agradeço lo[go] que tenham a confirmação me enviem o respetivo recibo».

3.2.1.13

Em setembro de 2021, a autora, através da sua mandatária, demonstrou junto das rés interesse na aquisição do imóvel e bem assim em exercer o seu direito de preferência, dependendo dos termos do negócio, tendo as negociações perdurado até maio de 2022.

3.2.1.14

Durante o mês de junho de 2022, a autora manifestou, por várias vezes, o interesse no exercício do direito legal de preferência, questionando as rés acerca dos elementos essenciais do negócio, comunicações às quais não obteve resposta.

3.2.1.15

No dia 12 de julho de 2022 a autora procedeu à notificação judicial avulsa das rés, a qual foi concretizada em 19 de julho de 2022, requerendo a indicação, no prazo de 10 dias, dos elementos essenciais do negócio de compra e venda do citado imóvel, designadamente, preço, forma, meio e prazo de pagamento, por forma a exercer o direito de preferência de harmonia com o disposto no artigo 1091º do Código Civil; sob pena da falta destes elementos essenciais obstarem ao início da contagem do prazo de “prescrição” para o exercício do direito de preferência.

3.2.1.16

A presente ação de preferência deu entrada em juízo no dia 27 de outubro de 2022.

3.2.1.17

À data da transmissão mencionada em 6. [3.2.1.6] a autora não conhecia os elementos essenciais desse negócio, designadamente a composição do objeto, o preço, a forma, prazo e meio de pagamento, data e local de celebração do negócio, não tendo recebido nenhuma carta registada, com aviso de receção, contendo essa informação.

3.2.1.18

À data da instauração da presente ação em juízo, mencionada em 16. [3.2.1.16], a autora não conhecia os elementos essenciais da transmissão mencionada em 6. [3.2.1.6], designadamente a composição do objeto, o preço global, a forma, prazo e meio de pagamento e todas as estipulações particulares relevantes para a decisão de exercer ou não o direito de preferência.

3.2.1.19

No dia 3 de novembro de 2022, em cumprimento do disposto no artigo 1410º, nº 1, do Código Civil, a autora procedeu ao depósito à ordem do tribunal da quantia de € 36 740,00 (trinta e seis mil setecentos e quarenta euros).

3.2.1.20

No dia 31 de janeiro de 2023, já na pendência da presente ação, a autora recebeu uma carta registada com aviso de receção com o registo n.º ......, remetida pela 2ª ré, sob o assunto «oposição à renovação do contrato de arrendamento outorgado no dia de Junho de 2013 relativo à fração "B" imóvel sito à Rua ... nº ..., r/c, freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...».

3.2.1.21

Na referida missiva, mencionada em 19 [aliás 20 – 3.2.1.20], constava exarado o seguinte: «Serve a presente para comunicar que nos opomos à renovação do contrato [de] arrendamento ora celebrado e que teve o seu início no dia 01 de junho de 2013 o qual terminará no próximo dia 31 de Maio de 2023. Assim sendo, queria V. Exa. informar hora da sua conveniência para, no próximo dia de maio, efetuar a entrega das chaves do imóvel bem como para procedermos à visto[ria] do mesmo».

3.2.1.22

No dia 3 de março de 2023 a autora informou o Tribunal de que tinha procedido ao depósito à ordem do tribunal da quantia remanescente, em conformidade com o valor fixado por despacho judicial, no valor total de € 1 580,00 (mil quinhentos e oitenta euros).

3.2.1.23

Por despacho datado de 25 de maio de 2023, rececionado pelo Tribunal em 01 de junho de 2023, a Conservatória de Registo Predial de Matosinhos recusou o registo da ação, com a indicação de que: «o prédio – quer no articulado quer no pedido – surge como sendo o descrito sob o n.º ... do livro ... (atual ... de ...). Ora este prédio, além de não se encontrar submetido ao regime de propriedade horizontal também não se encontra respaldo no que respeita aos seus elementos identificativos com os elementos identificativos constante da petição inicial (designadamente quanto à freguesia). Fundamentação legal: artigos 68.º e 69.º, n.º 1, al. d) do Código do Registo predial e 280.º do Código Civil.», dando nota de que «pela análise do documento parec[e] que o prédio em causa será a descrição ... – fração B – ...».

3.2.1.24

O imóvel identificado em 1. [3.2.1.1] encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ... – fração B – freguesia ... e não, como indicado no contrato de arrendamento celebrado em 01 de junho de 2013 e na petição inicial, sob o n.º ..., a fls. 44.v do livro ....

3.2.1.25

O imóvel identificado em 1. [3.2.1.1] encontra-se inscrito na respetiva matriz sob o n.º ..., e não sob o n.º ..., como indicado no contrato de arrendamento celebrado em 01 de junho de 2013 e na petição inicial.

3.2.2 Factos não provados


3.2.2.1

Desde a celebração do contrato de arrendamento, em 01 de junho de 2013, a autora dispõe da (correta) informação predial do locado e da identificação da 1ª ré.

3.2.2.2

Desde o dia 29 de julho de 2021 a autora tem conhecimento da informação necessária para a solicitar cópia do título aquisitivo da propriedade da 2ª ré, incidente sobre o locado identificado em 1 [3.2.1.1].

3.2.2.3

A 2ª ré foi constituída pela 1ª ré e pelo seu filho, CC, com o intuito de manter a gestão das propriedades da 1ª ré sob a direção daqueles concretos familiares, beneficiando do regime fiscal mais favorável previsto para as pessoas coletivas.

3.2.2.4

O preço global fixado para a compra e venda dos três imóveis propriedade da 1ª ré, mencionada em 6. [3.2.1.6], a modalidade de pagamento, bem como a composição da gerência da 2ª ré expressam, manifestamente, o carácter intuitu personae do negócio jurídico celebrado.

3.2.2.5

Previamente à comunicação mencionada em 10. [3.2.1.10], e antes da celebração da escritura pública de compra e venda mencionada em 6. [3.2.1.6], a 1ª ré informou a autora da sua intenção de proceder à venda da propriedade do locado de que a autora era arrendatária, tendo esta declarado não pretender exercer o respetivo direito de preferência.

3.2.2.6

Em 2 de junho de 2021, aquando da deslocação do engenheiro responsável pela elaboração da certificação energética mencionada em 5. [3.2.1.5], a 1ª ré, o senhor engenheiro e a autora conversaram sobre a venda do imóvel.

4. Fundamentos de direito

4.1 Da renúncia da autora ao direito de preferência na alienação do arrendado

A recorrente pugna por que seja revogada a decisão recorrida porque, na sua perspetiva, por força da impugnação da decisão da matéria de facto que requereu, provou-se a renúncia da autora a exercer o direito de preferência.

Cumpre apreciar e decidir.

A impugnação da decisão da matéria de facto requerida pela recorrente improcedeu e da factualidade provada não resulta, bem pelo contrário, que a recorrida haja renunciado ao exercício do direito de preferência.

Se acaso a impugnação da decisão da matéria de facto pretendida pela recorrente tem procedido, ainda assim, sempre a pretensão da recorrente estaria votada ao insucesso, pois que a alegada manifestação de desinteresse da arrendatária na aquisição do arrendado se teria verificado sem que estivesse na posse dos elementos essenciais do negócio projetado[12] e, estando em causa um direito legal de preferência, a renúncia só pode operar depois da comunicação dos elementos essenciais desse negócio[13].

Deste modo, improcede esta questão recursória.

4.2 Do abuso do direito por parte da autora no exercício do direito de preferência

A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida porque por força da procedência da impugnação da decisão da matéria de facto por si requerida, verifica-se uma situação de exercício abusivo do direito de preferência por parte da recorrida.

Cumpre apreciar e decidir.

Esta questão recursória, à semelhança da precedente, pressupunha uma alteração da decisão da matéria de facto da sentença recorrida, alteração que apesar de requerida pela ora recorrente não foi deferida por este Tribunal da Relação pelas razões expostas quando se conheceu desta pretensão da recorrente.

Por isso, no circunstancialismo factual que resultou provado não se divisa qualquer conduta da recorrente que exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico do direito de preferência.

A única violação que resulta da factualidade provada é a da obrigada à preferência que se absteve de observar o disposto no nº 4 do artigo 1091º do Código Civil.

Pelo exposto, improcede também esta questão recursória.

4.3 Da cessação da qualidade de arrendatária por parte da autora e dos reflexos dessa situação jurídica no exercício do direito de preferência

A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida em virtude da qualidade de arrendatária da autora ter cessado na pendência da causa, verificando-se assim um facto extintivo do direito de preferência a relevar nos termos previstos no artigo 611º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Na decisão recorrida sobre esta problemática escreveu-se o seguinte:

Cabe, antes de mais, apreciar a exceção suscitada pelas rés atinente à caducidade do arrendamento, uma vez que, na sua perspetiva, o direito de preferência apenas subsistirá se também o arrendamento subsistir, o que sustentam não suceder no caso concreto, atenta a comunicação de oposição à renovação remetida pela 2.ª ré à autora e por esta recebida em 31 janeiro de 2022, com efeitos a partir de 31 de maio de 2023.

Argumentação que, desde já se adianta, não colhe, porquanto como melhor se explicará o direito de preferência do arrendatário surge na sua esfera no preciso momento em que ocorre a venda do imóvel.

Ora, nos presentes autos, encontra-se por demais demonstrado que no dia 01 junho de 2013, entre II, na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa de JJ, a 1.ª ré e a autora, foi celebrado um contrato de arrendamento, através do qual as proprietárias se obrigaram a ceder à autora o uso e fruição do imóvel sub iudice, contra o pagamento de uma renda (cfr. art. 1022.º e 1023.º ambos do Código Civil).

Considerado o fim que foi atribuído ao locado pelas partes, e as suas próprias caraterísticas, também é certo que estamos perante um contrato de arrendamento para fins não habitacionais (cfr. art. 1067.º, n.º 1 do Código Civil).

Igualmente resulta da factualidade dada como provada que, por contrato celebrado a 29 de julho de 2021, o referido imóvel foi vendido à 2.ª ré, pela anterior proprietária, a 1.ª ré.

Dispõe o art. 1057.º do Código Civil que «o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo».

Com efeito, atenta a necessidade de tutelar a posição do arrendatário, em caso de transmissão da coisa locada a terceiro essa transmissão não afeta o direito de arrendamento, estabelecendo a lei uma transmissão contratual forçada da posição do senhorio para qualquer adquirente da coisa locada. Assim, com a referida venda, ingressou a 2.ª ré na posição contratual de senhoria no contrato de arrendamento que, até essa data, vinculava a autora à 1.ª ré, permanecendo este incólume.

Ademais, como é consabido, a procedência da ação de preferência tem efeito ex tunc, passando o arrendatário (titular do direito legal de preferência) a ser proprietário do imóvel a partir da data em que ocorreu a transmissão objeto de discussão.

Sendo certo que o reconhecimento judicial do direito de preferência – como o que é objeto dos presentes nos autos – tem eficácia retroativa até ao preciso momento da alienação, por forma a que o adquirente inicial seja substituído ab initio pelo preferente.

Portanto, a invocada caducidade do arrendamento é, no entender do Tribunal, uma falsa questão, porque à data da transmissão não se encontrava controvertida a existência (ou não) de arrendamento.

Em face do exposto, julga-se totalmente improcedente, por não provada, a exceção de caducidade do arrendamento suscitada pelas rés.

Cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do disposto no artigo 611º, nº 1, do Código de Processo Civil, “[s]em prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.”

“Só são, porém, atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida” (artigo 611º, nº 2, do Código de Processo Civil).

Por força do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 1091º do Código Civil, o arrendatário tem direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de dois anos, direito de preferência que é graduado imediatamente acima do direito de preferência conferido ao proprietário do solo pelo artigo 1535º do Código Civil.

O direito de preferência conferido pela lei ao arrendatário visa permitir-lhe o acesso ao direito de propriedade com base no qual foi celebrado o contrato de arrendamento e desse modo aceder a uma situação jurídica mais duradoura do que a que emerge do arrendamento.

A comunicação do projeto da venda ou dação em cumprimento nos termos do disposto no artigo 416º, nº 1 do Código Civil é feita mediante carta registada com aviso de receção, sendo o prazo de resposta do arrendatário de trinta dias a contar da data da receção (artigo 1091º, nº 4, do Código Civil).

Pode assim concluir-se que o prazo de caducidade para o exercício do direito de preferência, na sequência da comunicação feita pelo obrigado à preferência, é de trinta dias.

No caso dos autos, não foi feita qualquer comunicação, tendo-se assim violado o direito de preferência de que era titular a recorrida, pelo que de acordo com o disposto no nº 5 do artigo 1091º, do Código Civil, conjugado com o nº 1 do artigo 1410º, do Código Civil, a recorrida tinha o direito de haver para si o arrendado, desde que o requeresse no prazo de seis meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação e procedesse ao depósito do preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação.

A inobservância dos prazos a que se acaba de aludir gera a caducidade do direito por força do previsto no nº 2 do artigo 298º do Código Civil.

No caso em apreço, a recorrente não suscita nenhum dos factos extintivos do direito de preferência da recorrida a que se acabou de fazer referência e nem tão-pouco invoca qualquer norma de direito substantivo que qualifique a oposição à renovação do contrato de arrendamento como facto extintivo do direito de preferência anteriormente exercido pelo arrendatário.

O facto extintivo invocado pela recorrente consiste na cessação da relação de arrendamento após a instauração da ação de preferência e em consequência de oposição por si deduzida à renovação do contrato de arrendamento de que é arrendatária a recorrida.

O direito de preferência exercido pela recorrida nestes autos constituiu-se no momento em que a anterior senhoria tomou a decisão de vender o arrendado[14] e tal direito foi violado pela obrigada à preferência no momento em que vendeu o arrendado a uma sociedade de que é sócia e gerente juntamente com seu filho e em partes iguais.

Como justamente se assinala na decisão recorrida, o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato de arrendamento sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo (artigo 1057º do Código Civil).

Por isso, a ré adquirente do arrendado está também sujeita ao exercício do direito legal de preferência por parte da arrendatária preterida e, desse modo, não obstante o exercício por si da faculdade unilateral e imotivada de oposição à renovação do arrendamento, isso não a exime de continuar sujeita ao exercício pela arrendatária do direito legal de preferência constituído e exercido em data anterior a essa cessação.

Não existe qualquer norma legal que exija que o arrendamento de que emerge o direito legal de preferência se mantenha até ao termo da ação de preferência e nem é concebível que um legislador minimamente sagaz previsse um tal regime quando a situação jurídica de que emerge o direito legal de preferência pode nalguns casos ser extinta de forma unilateral e imotivada pelo adquirente da coisa arrendada.

Na verdade, se a cessação da relação de arrendamento depois de exercido o direito legal de preferência fundado nessa relação fosse um facto extintivo deste direito, colocar-se-ia nas mãos de alguém sujeito ao exercício da preferência legal o poder de frustrar o desígnio legislativo de facultar ao arrendatário a aquisição do direito de propriedade do arrendado.

Exercido judicialmente o direito legal de preferência pelo arrendatário, o adquirente do arrendado não tem o poder jurídico de extinguir aquele direito mediante a posterior extinção unilateral e imotivada da relação de arrendamento.

Pelo exposto, conclui-se que também esta questão recursória improcede, improcedendo totalmente o recurso e sendo por isso as custas deste da responsabilidade da recorrente (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

5. Dispositivo

Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por A..., Lda. e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida proferida em 02 de outubro de 2023, nos segmentos impugnados.

Custas a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.


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O presente acórdão compõe-se de vinte e seis páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.


Porto, 23 de setembro de 2024
Carlos Gil
Manuel Domingos Fernandes
Fernanda Almeida
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[1] Segue-se, com alterações, o relatório da decisão recorrida.
[2] Reproduz-se o que foi alegado pela autora, não tendo esta alegado por que razão foram infrutíferas as negociações, sendo certo que a não imputabilidade é um juízo jurídico.
[3] Notificado às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 09 de fevereiro de 2023.
[4] No entanto, em 09 de janeiro de 2023 a autora já havia efetuado um depósito no montante de € 1 577,98, pelo que para completar o valor indicado por extenso no título de transmissão apenas faltava a quantia de € 2,02.
[5] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 02 de outubro de 2023.
[6] O ponto 10 dos factos provados tem o seguinte conteúdo: “No dia 29 de julho de 2021, através de mensagem de correio eletrónico (email) endereçado pela 1.ª ré, sob o assunto «Aditamento ao contrato de arrendamento», foi transmitida à autora a seguinte informação: «[c]onforme conversa telefónica a nova proprietária do escritório que alugou é a empresa: A..., Lda. […], a partir do dia 1 de agosto. A empresa é minha e do meu filho: CC, sendo eu gerente da mesma. Sendo assim, a partir dessa data, os recibos serão por esta empresa emitidos e a renda será paga no seu NIB: […]. O contrato mantém-se, mas agora com novo proprietário.»
[7] O ponto 6 dos factos provados tem o seguinte teor: “No dia 29 de julho de 2021, a 2.ª ré, intitulando-se de «Segundo – Parte Compradora» e a 1.ª ré, na qualidade de «Primeiro – parte vendedora» subscreveram, perante KK, na 2.ª Conservatória do Registo Predial da Maia, o escrito a que foi dada a denominação de «título de compra e venda», fazendo constar o seguinte: «a primeira interveniente [1.ª ré], vende à segunda interveniente [2.ª ré], sua representada os prédios atrás identificados pelo preço global de cento e oitenta e sete mil oitocentos e cinco mil euros».”
[8] Na jurisprudência publicada, há uma orientação minoritária no sentido de ser admissível a renúncia antecipada ao direito legal de preferência, como se defendeu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de maio de 1994, proferido no processo nº 084908, cujo sumário está publicado na base de dados do IGFEJ e bem assim no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 18 de novembro de 2004, proferido no processo nº 315/04-2, acessível na base de dados do IGFEJ e uma orientação maioritária de sentido oposto retratada nos seguintes acórdãos, todos acessíveis nas bases de dados do IGFEJ: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de dezembro de 1994, proferido no processo nº 087687; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01 de julho de 2004, proferido no processo nº 727/2004-8; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28 de setembro de 2017, proferido no processo nº 420/16.9T8CHV.G1; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de janeiro de 2019, proferido no processo nº 1597/17.1T8PDL.L1-6; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de janeiro de 2020, proferido no processo nº 56/17.7T8MMV.C1.
[9] Sublinhe-se que a mensagem de correio eletrónico referida no ponto 10 dos factos provados, ao invés do que foi afirmado por CC, não pressupõe uma comunicação prévia de uma venda, mas apenas a comunicação anterior de uma transmissão do direito de propriedade da fração arrendada, desconhecendo-se qual o ato jurídico concreto por que se operaria essa transmissão.
[10] Esta afirmação da declarante surgiu algo desgarrada e sem que houvesse sido formulada uma questão sobre o preço, sendo certo que antes havia sido instada por várias vezes sobre o problema das condições negociais, tendo sempre dito que apenas conheceu as condições de pagamento no dia da escritura.
[11] A autora requereu a retificação do número da descrição predial em 02 de junho de 2023, pretensão que nunca foi apreciada pelo tribunal recorrido, tendo as rés em 14 de junho de 2023 oferecido cópia da certidão permanente do registo predial, confortando a pretensão da autora e da qual decorre que a fração “B” arrendada à autora está descrita na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ..., da freguesia .... Não obstante, importa conservar o que foi exarado no contrato de arrendamento pois que estando a fração erroneamente identificada no que respeita a descrição predial e a inscrição matricial, com os dados constantes do contrato de arrendamento, ao contrário do afirmado pelas rés na sua contestação, dificilmente a autora conseguiria averiguar da transmissão do arrendado.
[12] Anote-se que é falso que com a comunicação recebida pela recorrida em 29 de julho de 2021 esta ficasse na posse dos elementos suficientes para obter o título por que se operou a transmissão do direito de propriedade da fração arrendada. De facto, como já anteriormente se viu, no contrato de arrendamento a fração estava erradamente identificada matricial e registralmente.
[13] Neste sentido, além da jurisprudência maioritária anteriormente citada, vejam-se na doutrina: Código Civil Anotado, Volume III, Pires de Lima e Antunes Varela, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, 2ª Edição revista e actualizada, reimpressão de abril de 2010, Coimbra Editora, último parágrafo da anotação 5 ao artigo 1409º do Código Civil; Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina 1990, Manuel Henrique Mesquita, quatro parágrafo da nota 128, páginas 206 e 207; Da obrigação de Preferência, Coimbra Editora 1990, Carlos Lacerda Barata, três últimos parágrafos da página 141; Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em Geral, Almedina 2021, coordenação de António Menezes Cordeiro, anotação 8 ao artigo 416º do Código Civil da responsabilidade do coordenador, página 208, sustentando-se que mesmo para as preferências convencionais, por força do disposto no nº 1 do artigo 809º do Código Civil, a renúncia antecipada não é válida.
[14] Sobre esta problemática, por todos, veja-se O Exercício do Direito de Preferência, Publicações Universidade Católica, Porto 2006, Agostinho Cardoso Guedes, páginas 355, 357, 360.