I - A alteração da epígrafe do preceito que prevê a suspensão da instância introduzido com o Código de Processo Civil de 2013 (DL 41/2013 de 26 de julho) - epígrafe essa que tem agora a redação de “Suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes” (sublinhado nosso) -, reflete uma intenção clara do legislador de vincar que, verificados os limites previstos no número 4 do artigo 272º, as partes têm total liberdade para suspender a instância por mero acordo.
II - Tal não significa que mera declaração conjunta das partes nesse sentido determine a imediata suspensão da instância.
III - Cabe ao juiz aferir se o requerimento deve ser deferido e, sendo-o, se a suspensão pode ser decretada pelo tempo indicado por acordo ou deve ser reduzida seja por forma a respeitar um máximo de três meses de suspensão ou para evitar o adiamento da audiência final. Assim sendo, apenas após despacho judicial que admita o pedido de suspensão por acordo a mesma pode operar e nos termos que esse despacho determine.
IV - Não há qualquer fundamento legal nem razão justificativa para que o prazo de suspensão requerido por acordo das partes seja contado retroativamente desde o momento da apresentação do respetivo pedido.
V - A utilidade dessa solução – que será a de evitar que as partes fiquem sujeitas à aleatoriedade do prazo que a sua pretensão demorará a ser apreciada-, pode ser alcançada por outra via: a de considerar, como é regra em qualquer pretensão das partes sujeita a despacho, que a mesma não pode ficar prejudicada por força da demora na prolação de decisão.
VI - Por regra, enquanto uma pretensão das partes que tenha de ser apreciada pelo tribunal não for objeto de despacho não pode retirar-se da mesma qualquer efeito. Todavia, uma vez feito um pedido e até que ele seja deferido ou indeferido tão pouco podem as partes ser prejudicadas pelo facto de o mesmo não ter sido objeto de decisão e enquanto não o for.
VII - Assim sendo, não pode o tempo decorrido entre a apresentação do pedido de suspensão da instância por acordo e o seu deferimento/indeferimento prejudicar as partes que a requereram.
Recorrente: A..., Unipessoal, Ldª
Recorrido: AA
Relatora: Ana Olívia Loureiro
Primeiro adjunto: José Eusébio Almeida
Segunda adjunta: Teresa Maria Sena Fonseca
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório:
1. Em 29-11-2023 AA propôs ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra A..., Unipessoal, Ldª pedindo que a mesma fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 20.501,96 € acrescida de juros de mora desde a citação.
2. A Ré foi citada por carta registada, recebida a 11-12-2023 na sede da Ré que consta da Conservatória de Registo Comercial, com a informação de que dispunha de trinta e cinco dias para contestar.
3. Em 29-01-2024 Autora e Ré requereram por acordo a suspensão da instância por 20 dias “nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 269º, número 1 c) do Código de Processo Civil” e a consequente suspensão do prazo para contestar “nos termos do n.º 2 do artigo 275.º do CPC".
4. A 31-01-2024 foi proferido despacho com o seguinte teor: Requerimentos com a referência n.º 9370544 e 9370572: “Nos termos do disposto no artigo 272.º, n.º 4 do CPC suspendo a presente instância pelo prazo solicitado.”
5. Tal despacho foi notificado às partes na mesma data por comunicação eletrónica enviada pelo sistema informático Citius.
6. Em 28-02-2024 a Ré juntou aos autos a sua contestação.
7. A 05-03-2024 foram os autos conclusos com informação da secretaria de que se entendia que a apresentação da contestação era intempestiva por se considerar que o prazo da mesma, após suspensão da instância, terminava a 19-02-2024.
8. Na mesma data foi proferido despacho que, contando da mesma forma o prazo para contestar decorrente da suspensão da instância que consta da informação dada pela secretaria, julgou a contestação intempestiva e julgou confessados os factos articulados pelo Autor na petição inicial nos termos do previsto no artigo 567º, número 1 do Código de Processo Civil.
II - O recurso:
É deste despacho que recorre a Ré defendendo a tempestividade da apresentação da contestação sustentando-se no raciocínio que sumaria da seguinte forma em sede de conclusões de recurso:
“I. Conforme consta dos autos, a Ré, ora recorrente, foi citada a 11.12.2023, dispondo de 35 (trinta e cinco dias) para contestar, terminado tal prazo a 29.01.2024.
II. Nesse mesmo dia, a Ré, juntamente com o Autor, apresentou um requerimento aos autos a requerer a suspensão da instância por 20 (vinte) dias, o que foi deferido por despacho proferido a 31.01.2024.
III. Ora, de acordo com o que a prática judiciária dita, o prazo de suspensão solicitado só inicia a sua contagem após a notificação do despacho às partes, não abrangendo o tempo decorrido até esse momento;
IV. Contudo, reconhece-se que a instância esteve paralisada a partir da entrada em juízo do requerimento subscrito por ambas as partes, não decorrendo durante todo esse tempo a contagem de qualquer prazo processual.
V. Nesse sentido se pronunciaram aliás os Acórdãos da Relação do Porto de 30.11.2010, e da Relação de Coimbra de 26.6.2012.
VI. Assim, e seguindo esse entendimento, tendo a recorrente sido notificada do despacho que deferiu a suspensão da instância em 31.01.2023, tal prazo de suspensão terminou a 23.02.2023 (20 dias da suspensão + 3 dias nos termos do artigo 248º, nº1, do CPC).
VII. Assim, aplicando-se o disposto no artigo 139º, nº 5, o último dia em que o acto poderia ser praticado, seria o dia 28.02.2023, donde se conclui que a contestação apresentada foi apresentada tempestivamente.”
IV – Fundamentação:
Os factos relevantes para a decisão da causa resultam do histórico do processado e são os que se encontram vertidos no relatório.
Poderá ainda surgir a também a necessidade de responder a uma outra questão: a de saber se o prazo que corre desde o requerimento de suspensão da instância pelas partes até à sua notificação do deferimento da sua pretensão deve relevar para efeito de contagem dos prazos processuais então em curso.
Tendo-se suspendido a contagem do prazo por força das férias judiciais iniciadas a 22 de dezembro de 2023 e findas a 3 de janeiro de 2024, nos termos do artigo 138º, número 1 do Código de Processo Civil, o trigésimo quinto dia desde a citação da Ré foi o dia 28 de janeiro de 2024, domingo, pelo que se transferiu o termo do prazo para o dia útil seguinte, ou seja, o dia 29 de janeiro de 2024.
A Apelante, reconhecendo que o prazo para contestar, contado desde a citação, terminava a 29-01-2024, defende que a suspensão da instância só se teria iniciado após a notificação às partes do despacho de 31-01-2024 pelo que tal prazo terminaria, a seu ver, a 23-02-2023 (somando já ao prazo de suspensão de 20 dias e ao prazo de 35 dias para contestar os três dias a que alude o artigo 248º, número 1 do Código de Processo Civil).
A contagem do prazo para contestar que a Recorrente defende nas suas alegações padece, contudo, de erro, ainda que se admita a sua tese. É que a notificação do despacho de 31-01-2024 – que deferiu o pedido de suspensão da instância -, apenas se pode considerar feita a 5 de fevereiro de 2024, já que os dias 3 e 4 desse mês corresponderam a um fim de semana pelo que, nos termos do artigo 248º, número 1 do Código de Processo Civil[2], se presume que a citação ocorreu no primeiro dia útil seguinte.
Assim, seguindo a tese defendida pela Recorrente, o prazo de suspensão por acordo das partes apenas se teria iniciado a 5 de fevereiro de 2024 e terminaria a 25 desse mesmo mês. Terá, aliás, sido esta a contagem feita pela Ré para apresentação da contestação, a 28-02-2024, com pagamento da multa devida pela apresentação no terceiro dia útil por força do disposto no artigo 139º, número 5 c) do Código de Processo Civil.
Prevê o artigo 272º, número 4 do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes”, que “As partes podem acordar na suspensão da instância por períodos que, na totalidade, não excedam três meses, desde que dela não resulte o adiamento da audiência final”.
Deste preceito, considerada a transcrita redação do seu número 4, o seu cotejo com as causas de suspensão “por determinação do juiz” e a sua epígrafe, resulta manifesta a pretensão do legislador de conferir às partes o poder de, sem necessidade de qualquer razão justificativa, acordarem na suspensão da instância e de sujeitar esse direito de disposição do processo a apenas duas condições: a de não determinar o adiamento da audiência final e de não ultrapassar um prazo total de suspensão por acordo superior a três meses.
Olhando, na procura da real vontade do legislador, à evolução histórica desta disposição, nos termos do artigo 9º, número 1 do Código Civil, verifica-se que na versão do Código de Processo Civil decorrente do Decreto Lei 29637 de 28 de maio de 1939, o artigo 284º estatuía, no seu número 1, que: “O juiz pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente de outra já proposta e quando entender que ocorre outro motivo justificado; mas o acordo das partes não justifica por si só, a suspensão”. Estava, pois, expressamente arredada a possibilidade de as partes acordarem na suspensão da instância que apenas poderia ocorrer se o juiz entendesse que as mesmas tinham razão justificativa para tal pretensão que tinha, assim, de ser fundamentada.
Com o Código de Processo Civil de 1995 (DL 329-A/95 de 12 de dezembro) o artigo 279º com a epígrafe “Suspensão por determinação do juiz” passou a ter um número 4 com a seguinte redação: “As partes podem acordar na suspensão a instância por prazo não superior a seis meses”. É notória a evolução legal para um regime adjetivo que consagrava a “autonomia da vontade das partes” como expressamente afirmado no seu preâmbulo.
A interpretação e aplicação deste artigo, todavia, suscitou muitas dúvidas, nomeadamente sobre se as partes apenas poderiam suspender a instância por uma única vez ou se, pelo contrário, poderiam fazê-lo por várias vezes desde que, no seu total, os períodos de suspensão não ultrapassassem os seis meses.
A alteração da epígrafe do preceito que prevê a suspensão da instância introduzido com o Código de Processo Civil de 2013 (DL 41/2013 de 26 de julho) - epígrafe essa que tem agora a redação de “Suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes” (sublinhado nosso) -, reflete uma intenção clara do legislador de vincar que, verificados os limites previstos no número 4 do artigo 272º, as partes têm total liberdade para suspender a instância por mero acordo. O legislador optou, ainda, por uma redação que não deixa dúvidas sobre a questão que antes dividiu a doutrina e a jurisprudência: as partes podem suspender a instância por mais do que uma vez desde que o total dos períodos de suspensão não ultrapasse os três meses (e que tal suspensão não determine o adiamento da audiência final).
É manifesta concluir desta síntese da evolução do preceito no sentido da afirmação da autonomia das partes. De uma previsão expressa de que o mero acordo das partes não basta como causa de suspensão da instância pelo juiz passou-se à previsão de que a suspensão da instância pode ocorrer quer por acordo das partes quer por determinação do juiz sendo essas duas causas alternativas, o que o legislador enunciou semanticamente com o uso de conjução coordenativa alternativa (“ou”).
Significa isso que a mera declaração conjunta das partes determina a imediata suspensão da instância? Cremos que não.
Não havendo dúvidas de que as partes têm total liberdade para, por acordo, determinar tal suspensão da instância dentro dos limites legalmente previstos, também não temos dúvidas contudo, que tal vontade das partes, que deve ser expressa em requerimento conjunto, é sujeita a despacho judicial, não bastando que as partes manifestem a vontade de suspender a instância para que a mesma automaticamente opere, deixando de correr quaisquer prazos. O despacho a que tal requerimento conjunto deve ser sujeito visa, desde logo, aferir se está respeitado o prazo máximo de suspensão permitido por lei e, por outro lado, verificar que da suspensão não venha a resultar o adiamento da audiência final. Donde, estamos perante uma pretensão das partes que está sujeita a controlo jurisdicional. Não cabe à secção de processos considerar de imediato suspensa a instância, cabendo ao juiz aferir se o requerimento deve ser deferido e, sendo-o, se a suspensão pode ser decretada pelo tempo requerido ou deve ser reduzida seja por forma a respeitar um total de três meses ou para evitar o adiamento da audiência final. Assim sendo, apenas após despacho judicial que admita o pedido de suspensão por acordo a mesma pode operar e nos termos que esse despacho determine.
Tal despacho tem, como todos, de ser notificado às partes (cfr. artigos 219º, número 2 e 220º, número 1 do Código de Processo Civil) sendo que só após tal notificação são as mesmas sabedoras do deferimento da sua pretensão e podem retirar efeitos do mesmo.
Pelo que, no caso, apenas a partir da notificação do despacho que deferiu a suspensão da instância podem as mesmas considerá-la suspensa, desconhecendo, até então, se a sua pretensão foi ou não deferida.
Em sentido diverso do que sustentamos, e defendendo a solução em que se baseia a decisão recorrida, podem ver-se, nomeadamente, os acórdãos da Relação de Évora de 29-09-2022 e de 23-02-2011[3] em cujos sumários se pode ler, respetivamente o seguinte:
- “I. O início do prazo de suspensão da instância por acordo das partes à luz do disposto nº4 do art.º 274º do CPC computa-se a partir da data em que foi junto ao processo tal acordo;
II. Tal acordo surge como um corolário do princípio dispositivo em sentido amplo, entendido este como a liberdade de decisão sobre a instauração do processo e, embora com limitações, sobre o termo e suspensão do mesmo;
III. A cessação da suspensão da instância neste caso ocorre automaticamente com o decurso do prazo fixado não carecendo de ser previamente notificada às partes”; e,
“1 - Estando perante um pedido de suspensão da instância por acordo das partes, no uso do poder dispositivo que a lei lhe concede, deve ter-se por suspensa a instância no dia seguinte à entrada do requerimento, sendo o despacho proferido pelo juiz do processo meramente homologatório do acordado.”.
Discordamos, salvo o devido respeito deste entendimento já que, como afirmado acima, cabe ao tribunal aferir do cumprimento dos requisitos legais para a suspensão por acordo (tendo em conta a existência de duas limitações temporais para o mesmo).
A liberdade dada às partes para auto disporem do processo não significa senão que as mesmas não têm de justificar por qualquer forma o seu pedido, permitindo a lei que possam suspender a instância sem indicar qualquer fundamento, desde que o façam dentro de um determinado intervalo de tempo e sem que com isso imponham o adiamento a audiência de julgamento.
Dispensar as partes de justificarem a sua pretensão não equivale a dispensar esta de controlo jurisdicional. O que o legislador pretendeu foi, tão-só, dispensar o controlo jurisdicional da vontade das partes reduzindo-o a um controlo formal dos limites temporais a que essa vontade está submetida.
Concordamos com o sumariado no Acórdão desta relação de 10-10-2020[4] “(…) o artigo 279°, n°4, do Código de Processo Civil, faculta às partes a suspensão da instância por período não superior a 6 meses sem a indicação de qualquer razão ou motivo.
III - Constitui um modo de disposição da tutela jurisdicional, emanado do princípio do dispositivo, em que o despacho do juiz é meramente homologatório.
IV - Por acordo das partes a instância tinha estado suspensa por 15 dias, e o requerimento desta nova suspensão de instância por mais 30 dias está longe de exceder os 6 meses.
V - Se as partes podem decidir da suspensão da instância por acordo, sem que o juiz esteja legitimado a fazer qualquer controlo dos fundamentos, cabia ao Juiz coarctar-lhes a faculdade de requererem a suspensão da instância por acordo desde que não ultrapassado o prazo de seis meses.”
A mera dedução de um pedido de suspensão da instância não tem, pois, a virtualidade de a suspender de imediato e as partes apenas podem retirar efeitos do deferimento da sua pretensão após a notificação do despacho respetivo.
Como se pode ler em acórdão deste Tribunal de 01-07-2013[5], “(…) não podendo, como vimos, considerar-se suspensa a instância sem despacho nesse sentido exarado pelo juiz, só o conhecimento deste mesmo despacho pelas partes lhes assegura a efetividade desse direito.”
Assim, no caso em apreço, apenas tendo ocorrido a notificação do despacho que deferiu o pedido de suspensão a 31-01-2024 – a mesma data em que foi proferido -, e considerando-se a mesma feita a 5 de fevereiro de 2024 - já que os dias 3 e 4 desse mês corresponderam a um fim de semana pelo que, nos termos do artigo 248º, número 1 do Código de Processo Civil[6], se presume que a citação ocorreu no primeiro dia útil seguinte -, o prazo de suspensão por acordo das partes apenas se iniciou a 5 de fevereiro de 2024 e terminou a 25 desse mesmo mês. Visto que o pedido de suspensão da instância tinha sido feito no último dia do prazo para contestar, o termo da suspensão da instância coincide, também, com o termo do prazo para contestar que estava quase esgotado quando foi requerida tal suspensão
A Ré apresentou a contestação, a 28-02-2024, com pagamento da multa devida pela apresentação no terceiro dia útil por força do disposto no artigo 139º, número 5, alínea c) do Código de Processo Civil, pelo que, em face do supra exposto, tal apresentação ocorreu em tempo.
Defende a Recorrente que desde que o requerimento de suspensão da instância é apresentado até que o mesmo é deferido, o processo fica, na prática suspenso, apelando à “prática dos tribunais”, apesar de o prazo de suspensão só poder contar desde a notificação do respetivo despacho de deferimento.
A Apelante resolve esta contradição entre a sua tese e a sua pretensão pela afirmação de que “a instância estava paralisada desde a entrada em juízo do requerimento subscrito por ambas as partes, não decorrendo durante todo esse tempo a contagem de qualquer prazo processual”. Suporta-se na invocação de dois acórdãos que não identifica devidamente, indicando apenas a respetiva data.
Duas hipóteses de resposta a esta segunda questão se perfilam: ora se considera que se a suspensão da instância só se inicia com a notificação do respetivo despacho e, por tal, os prazos processuais que decorreram antes são relevantes e operam, ora se considera que desde que entrou em juízo o requerimento em que se pede a suspensão, muito embora a mesma não seja automática e dependa de despacho, o prazo não conta ficando, na prática, suspenso.
A jurisprudência[7] que trata especificamente a questão levantada tem respondido da seguinte forma à questão decidenda:
No sentido defendido pela Apelante encontramos, desta Relação, o acórdão de 01-07-2013 e, do Tribunal da Relação de Coimbra, o acórdão de 19-02-2013[8], em cujos sumários se lê, respetivamente:
- “I- As partes podem requerer a suspensão da instância por acordo, mas esse direito não produz, por si só e de imediato, o correspondente efeito jurídico. Necessário se torna a intervenção do juiz, no sentido de verificar a conformidade legal desse pedido e de autorizar, ou não, o respetivo exercício.
II- Porque assim é, em caso de deferimento do pedido de suspensão da instância requerida por acordo das partes, essa suspensão retroage os seus efeitos à data daquele pedido, inutilizando, se for caso disso, a parte do prazo entretanto decorrido, mas o prazo de suspensão só se conta a partir do conhecimento pelas partes daquele deferimento.”; e,
- “Havendo despacho homologatório do juiz a suspender a instância pelo período de tempo indiciado pelas partes para o efeito, desde que não se exceda o prazo máximo referido no n.º 4 do art.º 279º do C. P. Civil tem a prática judiciária ditado que esse prazo só inicia a sua contagem após a notificação do despacho às partes, não abrangendo o tempo decorrido até esse momento, sem se deixar de reconhecer que a instância esteve paralisada a partir da entrada em juízo do requerimento subscrito por ambas as partes, não decorrendo durante todo esses tempo a contagem de qualquer prazo processual.”.
Na fundamentação deste aresto, contudo, pode ler-se que “O direito facultado às partes pelo n.º 4 do citado art.º 279º do C. P. Civil, o qual foi introduzido com a reforma operada pelo DL 329-A/95, de 12.12, visa fundamentalmente propiciar soluções de consenso, traduzidas numa possível expectativa de conciliação, sendo vista como um modo de disposição da tutela jurisdicional, como tal emanando do princípio do dispositivo.
Ora, visando a suspensão da instância, quando requerida por acordo entre ambas as partes, a paralisação imediata do processo, tal desiderato só é possível de alcançar com a produção de efeitos imediatos a partir da data da sua entrada em tribunal. Só nestes termos é que esta faculdade tem eficácia.”.
No mesmo sentido (que é o defendido pelo Apelante), encontramos o Acórdão da Relação de Coimbra de 26-06-2012[9] em cuja fundamentação se pode ler a seguinte síntese do decidido: “1. A junção de requerimento subscrito pelos Ilustres mandatários a requerem a suspensão da instância nos termos do disposto no nº 4 do artigo 279º do CPC não opera automaticamente, cabendo ao Tribunal fazer o controlo de tal requerimento no sentido de averiguar se o mesmo respeita os condicionalismos impostos por lei, a saber: se se trata do primeiro requerimento em que as partes por acordo requerem a suspensão da instância e se o prazo requerido respeita o prazo máximo de 6 meses vazado na norma em questão.
2. Verificados os pressupostos, o Tribunal lavra despacho homologatório de deferimento que retroage à data em que foi pedida a suspensão da instância, o mesmo é dizer que os efeitos não operam a partir da data do despacho, mas antes a partir da data em que foi requerida tal suspensão e a mesma tenha sido deferida.
3. Embora entendamos que os efeitos do despacho retroagem à data em que foi requerida, por acordo, a suspensão da instância nos termos do nº 4 do artigo 279º do CPC, o prazo constante do despacho homologatório quanto à suspensão da instância só se inicia com a notificação do despacho que deferiu a pretensão.”
Não subscrevemos, pelas razões acima expostas, a afirmação de que a suspensão da instância retroage ao momento em que é requerida pois, salvo o devido respeito por entendimento diverso, não vemos como pode conciliar-se o entendimento de que a mera expressão da vontade das partes não basta à suspensão da instância sendo necessário despacho que a defira e de que apenas depois deste despacho se pode julgar a instância suspensa (entendimento que perfilhamos) com a afirmação de que a referida suspensão opera retroativamente. Acresce que se assim fosse, se se contasse retroativamente o prazo de suspensão requerido e deferido desde o pedido, então não se percebe como se pode defender que o prazo indicado pelas partes se conte apenas a partir da notificação do respetivo despacho. A referida solução – de contagem retroativa do prazo de suspensão mas de contagem efetiva do mesmo a partir da notificação do despacho -, acaba por redundar na afirmação de que a suspensão opera efetivamente suspensão por prazo superior ao pedido. O que não nos parece ter suporte legal.
Ou se entende que o despacho judicial que incide sobre o requerimento das partes é que constitui a decisão de suspensão da instância e, por tal, a mesma conta desde a sua notificação, ou se entende que tal despacho não é constitutivo da suspensão da instância apenas “homologando” uma decisão que é das partes e, por tal, o prazo de suspensão conta-se desde tal pedido e termina logo que esgotado o mesmo. Neste caso, contudo, poder-se-ia chegar a uma solução em que o prazo de suspensão requerido por acordo já estivesse efetivamente esgotado quando fosse objeto de despacho. Poderia suceder, por exemplo, que as partes pedissem uma suspensão da instância por dez dias e o despacho que incidisse sobre tal requerimento, deferindo-o, apenas fosse proferido ao décimo primeiro dia. Se se considerasse que, além de contar retroativamente o referido prazo também conta desde a notificação do despacho estar-se-ia a admitir uma suspensão da instância por um prazo muito superior ao requerido. O que não vemos como sustentar legalmente
Há, a nosso ver, manifesta contradição entre a afirmação de que instância só se considera suspensa desde a prolação do despacho que a defere e o prazo conta desde então e a contagem retroativa de tal prazo.
Também a “paralisação da instância” desde a apresentação do pedido de suspensão da instância a que se refere o Recorrente nos parece uma criação sem qualquer suporte legal . A instância ou está suspensa – caso em que, nos termos do regime da suspensão previsto no artigo 275º do Código de Processo Civil nenhum ato válido se pode praticar (salvo os destinados a evitar dano irreparável) e não correm quaisquer prazos -, ou não está.
Não se vê, além do mais, necessidade de recorrer a tal “construção” para acautelar o que se pretende: o direito das partes não verem efetivamente prejudicado o exercício de um direito pelo facto de o mesmo ter de ser sujeito a despacho judicial que, pela data em que vier a ser proferido, pode vir a revelar-se inútil.
Não está no controlo das partes a data em que um qualquer requerimento será sujeito a despacho e nem as datas em que será decidido e em que tal decisão será notificada. Assim, cabe-lhes apenas o dever de acautelar o cumprimento dos prazos a que estão, elas mesmas, sujeitas.
Tendo as partes requerido a suspensão da instância antes de cessado um prazo processual preclusivo a que estavam sujeitas e tendo tal pedido de ser submetido a despacho não se pode considerar extinto o prazo em curso antes que tal despacho seja proferido. Sob pena de a demora da tramitação do processo prejudicar as partes quando tal demora está fora do controlo das mesmas.
Por regra, enquanto uma pretensão das partes não for objeto de despacho não pode retirar-se da mesma qualquer efeito. Todavia, uma vez feito um pedido e até que ele seja deferido ou indeferido tão pouco podem as partes ser prejudicadas pelo facto de o mesmo não ter sido objeto de decisão e enquanto não o for.
Com alguma similitude com a situação em apreço, veja-se o previsto no artigo 569º, número 6 do Código de Processo Civil, em que o legislador estipula expressamente que a dedução do pedido de prorrogação do prazo para contestar não suspende o prazo em curso. Ou seja, enquanto não for decidida a prorrogação requerida, continua a correr o prazo para contestar não tendo tal requerimento a virtualidade de “paralisar” a sua contagem. Todavia, nesta concreta norma - de natureza excecional no Código de Processo Civil -, o legislador fixou um prazo máximo de vinte e quatro horas para que o juiz decida o pedido de prorrogação e manda que o mesmo seja “imediatamente” notificado ao requerente pela via mais expedita, remetendo expressamente para os números 5 e 6 do artigo 172º do Código de Processo Civil que preveem que as comunicações urgentes possam ser feitas telefonicamente ou de outra forma igualmente ágil.
Tal norma, manifestamente excecional, revela que o legislador percebeu a necessidade de estipular expressamente que a mera apresentação do requerimento de prorrogação não suspende o prazo em curso. Nada se dizendo a este propósito, como em qualquer situação de sujeição de uma pretensão das partes a despacho, não poderia o requerente ficar prejudicado com a demora na prolação do despacho. Neste caso, em face da imposição às partes do entendimento de que, não obstante o seu pedido de prorrogação de um prazo (para contestar) o mesmo continua a correr até ser deferida tal pretensão, o legislador teve, contudo, o cuidado de acautelar por outra via a sujeição da parte a um facto que não pode controlar: a demora da prolação de decisão. Fê-lo fixando um prazo máximo de 24 horas para que fosse proferida decisão e impondo a imediata notificação da mesma.
Com esta solução o legislador conferiu, na prática, às partes uma possibilidade de controlo dos prazos que doutra forma estariam fora da sua possibilidade de determinação: o prazo para decidir o seu pedido e o prazo para notificação dessa decisão. Sabe, assim, o réu que pretenda ver prorrogado o prazo para contestar que se o pedir com mais de 24 horas de antecedência em relação ao seu termo saberá atempadamente se tal lhe foi ou não deferido permitindo-lhe, em caso de indeferimento, ainda vir a cumprir o prazo legal para contestar.
É manifesta a razão de ser desta norma excecional: a de evitar que o réu use tal faculdade com intuito dilatório e que venha a beneficiar de uma efetiva prorrogação do prazo para contestar ainda que lhe venha a ser indeferida tal pretensão. O que poderia decorrer da demora de vários dias para sujeição desse pedido a despacho, prolação do mesmo e sua notificação. Neste caso, mesmo que indeferido o seu pedido, não fosse a norma expressa em apreço, o réu acabaria por beneficiar de uma efetiva prorrogação do prazo para contestar pois não poderia ser o mesmo julgado precludido até que o seu pedido fosse indeferido. Daí que se tenha expressamente previsto que o mero pedido de prorrogação não suspende o prazo em curso, obrigando a parte a agir com diligência, mas prevendo, por outro lado, que a sua pretensão seja apreciada no prazo máximo de 24 horas.
No caso da suspensão por acordo das partes, todavia, os intuitos meramente dilatórios, a existirem, são comuns e, portanto, uma das partes não fica beneficiada em detrimento da outra e contra a sua vontade já que ambas estão em sintonia quanto à pretensão de suspender os prazos em curso e quanto ao tempo dessa pretendida suspensão.
Pelo que neste caso não entendeu o legislador de submeter tal pedido a qualquer prazo de apreciação nem lhe conferiu tratamento urgente e nem estipulou expressamente que os prazos em curso continuavam a contar desde a apresentação do pedido. Não estando expressamente estipulado que o mero pedido de suspensão não tem qualquer efeito sobre o prazo em curso e não havendo que evitar intuitos dilatórios de uma das partes em detrimento da outra, o pedido de suspensão da instância, sujeito que está a decisão judicial, deve ter o mesmo tratamento que qualquer outra pretensão sujeita a despacho, isto é, não podem as partes ser prejudicadas pela eventual demora na posterior tramitação da sua pretensão.
Assim sendo, não pode o tempo decorrido entre a apresentação do pedido de suspensão da instância e o seu deferimento prejudicar as partes que a requereram quando o tenham feito, como foi o caso, quando os prazos preclusivos a que estavam sujeitas ainda decorriam.
Concordamos, assim, com o decidido em acórdão deste Tribunal de 01-07-2013, já acima citado quando ali se defende que “Não faz sentido, com efeito, fixar, como regra, a de que essa suspensão se inicia sempre no momento em que a mesma é pedida, pois que, além das partes poderem ignorar se será, ou não, autorizada, pode até suceder que o período temporal para ela previsto se esgote no prazo que medeia entre esses dois atos. O que nos deixaria sem qualquer resposta juridicamente válida para resolver tal hipótese”. Ali se considerou, por isso, que há que retirar efeitos desse pedido a partir da sua apresentação em juízo não “na sua dimensão quantitativa, mas, sim, enquanto facto jurídico potencialmente inutilizador da parte do prazo entretanto decorrido”.
Assim, considerando que o Réu não pode ver precludido o direito de apresentar a contestação enquanto não foi objeto de despacho o pedido de suspensão da instância atempadamente formulado pelas partes (quando tal prazo estava ainda em curso) e que o prazo de suspensão da instância só pode ser contado desde a notificação do despacho que o deferiu, é de concluir ter sido tempestivamente apresentada a contestação, procedendo a apelação.
V – Decisão:
Nestes termos julga-se procedente o recurso, revogando-se o despacho recorrido e julgando tempestiva a apresentação da contestação pelo Recorrente.
Custas do recurso pelo Recorrente por não ter ocorrido vencimento do Recorrido, que não deu causa à decisão recorrida ou ao recurso e ter sido o Recorrente que tirou proveito do mesmo nos termos do previsto no artigo 527º, número 1 do Código de Processo Civil.
Porto, 23/9/2024
Ana Olívia Loureiro
José Eusébio Almeida
Teresa Fonseca
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[1] Data da assinatura do aviso de receção junto a 21-12-2023 sob a referência 9283308.
[2] Que faz presumir que a notificação eletrónica aos mandatários das partes foi efetuada no terceiro dia após ao seu envio ou “no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja”.
[3] Disponíveis, respetivamente em: https://jurisprudencia.pt/2143/21.8T8OER.E1 e em https://www.dgsi.pt/jtre.26/05.8TBLLE
[4] Disponível em TRP3493/05.9TBGDM.P1.
[5] Disponível em TRP153/12.5TTBRG.P1.
[6] Que faz presumir que a notificação eletrónica aos mandatários das partes foi efetuada no terceiro dia após ao seu envio ou “no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja”.
[7] Em acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-02-2013, são referidos (também sem melhor identificação) os arestos referidos pela Recorrente nas suas alegações (onde apenas os identifica pela sua data).
[8] Disponíveis, respetivamente, em: https://www.dgsi.pt/jtrp.153/12.5TTBRG.P1; e http://www.gde.mj.pt/jtr.4013/10.6T2.AGD.C1.
[9] https://jurisprudencia.pt.257/11.1TBVNF.C1.