BEM LOCADO
FRACÇÃO AUTÓNOMA
LOCAÇÃO
LOCATÁRIO
MEIOS POSSESSÓRIOS
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
PAGAMENTO DE RENDA
Sumário

I- Estipula o art.º 1040/1 que se por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofre uma privação ou diminuição do gozo da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou aluguel proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta sem prejuízo do disposto na secção anterior seja da possibilidade que assiste ao locatário de efectuar as reparações urgentes com direito ao reembolso (art.º 1036 do CCiv) de usar contra o locador os mesmos meios que assistem ao possuidor (art.º 1037 do CCiv), considerar o contrato não cumprido nos termos dos art.ºs 1032, 1033 e 1034, ou pedir a sua resolução. Nas situações do art.º 1032, não ficando o locador liberto da obrigação de assegurar o gozo da coisa, como resultado do art.º 1031, do CCiv, caso o locador não elimine o defeito, pode o locatário exigir uma indemnização pelo prejuízo que lhe advier, não em consequência do não cumprimento do contrato, mas em consequência da existência dos defeitos e da sua não eliminação, tudo isto sem prejuízo do art.º 1040 do CCiv. No caso concreto o locatário não efectuou as reparações no locado nem intentou usou com quaisquer meios de defesa da posse contra o locador, não pediu a sua resolução, considerou o contrato não cumprido e deixou de pagar as rendas invocando justa causa para o incumprimento dessa obrigação.
II- O artigo 1040º do Código Civil equivale a uma manifestação especial da excepção do contrato não cumprido, prevista nos artigos 428º a 431º do Código Civil; tem-se admitido o funcionamento do instituto mesmo no caso de incumprimento parcial ou de cumprimento defeituoso, mas fazendo intervir então, sempre que as circunstâncias concretas o imponham, o princípio da boa fé e a “válvula de segurança” do abuso do direito (art.ºs 762º, nº 2, e 334º do CC), e isto porque seria contrário à boa fé que um dos contraentes recusasse a sua inteira prestação, só porque a do outro enferma de uma falta mínima ou sem suficiente relevo. Na mesma linha, surge a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da excepção. Uma prestação significativamente incompleta ou viciada justifica que o outro obrigado reduza a contraprestação a que se acha adstrito, mas, em tal caso, só é razoável que recuse quanto se torne necessário para garantir o seu direito. O recurso do arrendatário a este instituto, se existe cumprimento defeituoso ou parcial pelo senhorio, apenas o dispensa de pagar a renda correspondente à falta verificada. A quantificação pode tornar-se mais ou menos difícil. Quando as partes não chegarem a acordo subsiste o remédio da consignação em depósito, mas o arrendatário corre o risco de o seu cálculo pecar por defeito, depositando uma renda menor do que a devida.
III- A excepção de não cumprimento tem de ser invocada pela parte de forma expressa ou tácita, não podendo ser conhecida oficiosamente pelo juiz, o ónus da prova da exceptio incumbe ao arrendatário.
IV- Provando-se que o arrendatário deixou de cumprir a sua obrigação contratual em momento anterior ao comprovado condicionamento do gozo do locado, tal comportamento retira-lhe a legitimidade pata excepcionar o não cumprimento doa brigo do disposto no art.º 428 do CCiv.
V- Se o arrendatário, na oposição que deduziu, excepcionou o não cumprimento da sua obrigação contratual de pagamento das rendas, com suporte nos art.ºs 428 e n.º 1, do art.º 1040 do CCiv, não formulando, ainda que subsidiariamente, a redução da renda para a hipótese de se vir a demonstrar que o gozo da fracção ficou apenas diminuído e não impossibilitado, comprovando-se que o locatário não efectuou as reparações no locado nem intentou, usou quaisquer meios de defesa da posse contra o locador, não pediu a sua resolução, considerou o contrato não cumprido e deixou de pagar as rendas invocando justa causa para o incumprimento dessa obrigação, sendo esse  o pedido que formula na sua oposição e não também o da redução do valor das rendas como só agora formula em sede de recurso, concluindo o Tribunal recorrido e esta Relação que existiu uma diminuição do gozo da fracção, não conhecendo da questão da diminuição das rendas pedido que lhe não foi colocado pelo réu e não é de conhecimento oficioso, salvo melhor opinião, sendo questão nova não cabe a este tribunal de recurso conhecer. Improcede também nessa parte a apelação.

Texto Integral

Acordam os juízes na 2.ª secção deste Tribunal da Relação

I- RELATÓRIO
APELANTE/RÉU: A … e B … APELADO/AUTOR: C …
Ambos com os sinais dos autos
Valor da acção: 25.672,79 euros (decisão recorrida)
I.1. C … instaurou este procedimento especial de despejo contra A … e B …. O autor peticiona a resolução do contrato, nos termos do disposto no artigo 1083.º, n.º 3, do Código Civil, e o pagamento de rendas vencidas de Fevereiro de 2021 a Setembro de 2022, acrescida de juros de mora, sendo os vencidos de €85,00.
I.2. O réu apresentou contestação onde, em suma, diz que, ao contrário do invocado no presente requerimento, não existem quaisquer rendas em atraso, inexistindo assim qualquer fundamento para a resolução extrajudicial do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, e consequentemente, inexistindo de igual forma, qualquer razão que permita fundar o presente procedimento especial de despejo, porquanto o requerido sempre cumpriu com as obrigações a que se encontra adstrito por força do contrato de arrendamento que une as partes. Desde logo entre Fevereiro e Abril de 2021 foram as rendas transferidas na sua totalidade para o IBAN constante do contrato de arrendamento, conforme demonstram comprovativos da transferência que se juntam, no mês de Abril de 2021, sem que o Requerido disso sequer tenha sido avisado, foram realizadas obras no telhado do edifício, sendo que a fracção tomada de arrendamento pelo requerido é no último piso do prédio pelo que tem contacto directo com o telhado, as obras causaram ainda danos na fracção arrendada pelo senhorio, nomeadamente, caíram grandes blocos de pedras que danificaram diversos bens do Requerido, entre os quais se incluem alguns blocos que caíram na sua estação de trabalho e que por mero acaso o Requerido não se encontrava naquele local quando os referidos blocos caíram; um dos buracos no tecto, causado pela queda dos blocos era exactamente por cima do fogão, o que impedia a confecção de qualquer alimento, pois era constante a queda de poeiras e pequenas pedras, devido à falta de condições de segurança e correndo o risco de a qualquer momento novos blocos de pedras poderem cair ou uma das rachas nas paredes poder rebentar, por temer pela sua segurança e integridade física, o requerido deixou de habitar a fracção arrendada, refugiando-se em casa de familiares e amigos o requerido tentou contactar o senhorio tendo este informado que não tinha nada a ver com aquela fracção e que o cabeça de casal era o seu irmão, contactou então o irmão do Requerente, o Sr. D …, e cabeça de casal da herança E …, então proprietário da fracção, o Sr. D … pediu-lhe desculpa pelos incómodos causados e transmitiu-lhe que não seriam devidas rendas enquanto a situação não fosse resolvida e que o faria brevemente, foi enviada uma interpelação para o então senhorio a comunicar, por escrito, todos os danos existentes na fracção, bem como, a impossibilidade de nele residir e consequentemente, e conforme anteriormente combinado, a suspensão do pagamento de rendas pela total inutilidade da fracção para os fins para as quais a mesma tinha sido arrendada o então senhorio nada fez pelo que o aqui requerido continuou impossibilitado de usar a fracção arrendada a 18 de Julho de 2022, o aqui requerente enviou comunicação para o requerido e para a sua fiadora, a exigir não só o pagamento integral das rendas alegadamente em atraso, bem como, um agravamento de 50% das rendas alegadamente em dívida, o requerido enviou carta registada com a/r para o requerente em resposta a esta carta, reproduzindo ipsis verbis a primeira comunicação, o requerente mostrou-se irredutível. Pelo exposto, fica expressamente demonstrado, que não se encontra nenhuma renda em atraso, uma vez que as mesmas não eram devidas, não só pelo acordo feito com o então senhorio, irmão do ora requerido, como pela inutilidade da fracção para os fins para os quais a mesma tinha sido arrendada, aplica-se ao presente caso a excepção de não cumprimento contida no artigo 1040, do Código Civil.
I.3. Em resposta à oposição o requerente veio, em suma, dizer que a única transferência datada de 23.04.2021, foi imputada ao mês de Janeiro de 2021, porquanto estava em atraso, é falso que tenha existido qualquer acordo. Termina pedido a condenação do requerido como litigante de má fé.
I.4. Procedeu-se ao julgamento com observância da forma legal.
I.5. Inconformado com a sentença de 2/1/2024 que julgou a acção parcialmente procedente declarou a resolução do contrato de arrendamento, condenou o réu a entregar o locado ao requerente e a quantia de 8.930, 00 euros acrescidas de juros de mora, absolvendo o requerido da condenação como litigante de má fé, dela apelou o requerido/réu, em cujas alegações conclui, em suma:
a) Discorda do constante do ponto 5 da mesma, entre Fevereiro de 2021 e Setembro de 2022, ou até antes disso, nunca o Autor, ou o seu irmão D …, então cabeça de casal da herança do pai de ambos e responsável por assumir a qualidade de senhorio no contrato aqui em crise, reclamaram por qualquer renda em atraso, o que demonstra inequivocamente que até Abril de 2021 o Réu pagava as rendas e inexistiam quaisquer rendas em atraso, relativamente ao período de Abril de 2021 a Setembro de 2022, fica demonstrado que o réu e o então senhorio, D …, irmão do Autor, acordaram que o pagamento das rendas ficasse em suspenso até os danos na fracção fossem reparados tal resulta claro e evidente quer das mensagens e outras comunicações juntas aos autos com a oposição ao despejo, como perante as comunicações juntas pelo Réu, em nenhum momento existiu qualquer documento comprovativo, ou documento junto pelo Autor, que demonstrem o desacordo do senhorio quanto à suspensão do pagamento das rendas não sendo crível que o Réu sempre mencionasse esse acordo nas comunicações enviadas, o Sr. D … jamais referiu que tal acordo inexistia, pelo exposto, salvo melhor entendimento, o ponto 5 da matéria de facto julgada provada deverá ser alterada para: Inexistem quaisquer rendas em atraso entre Fevereiro de 2021 a Setembro de 2022, caso se considere que não se encontra provado o acordo para suspensão do pagamento de rendas entre o então Senhorio, D …, e o Réu, o ponto 5 da matéria de facto julgada provada não pode incluir os meses de Fevereiro de 2021 a Abril de 2021, por o seu pagamento se encontrar documentalmente demonstrado no limite, o ponto 5 da matéria de facto julgada provada sempre teria de ser alterada para: “Na data do respectivo vencimento, o Réu não pagou, ao autor as rendas que se venceram de Maio de 2021 a Setembro de 2022”. [Conclusões 1 a 15]
b) Já quanto à matéria julgada não provada, o Réu discorda do vertido nos pontos 26, 27 e 29 a 31, quanto ao ponto 26 aplica-se ipsis verbis o já referido quanto ao ponto 5 da matéria de facto julgada provada pelo que o conteúdo deste ponto deverá ser removido da matéria julgada não provada fica evidente das fotografias juntas pelo réu, bem como, do relatório pericial, e ainda da experiência, de que de um buraco de quase 50cm x50cm detritos de significativo tamanho tenham caído do tecto aquando do acidente ocorrido em Abril de 2021. Menos dúvidas poderão ainda existir nos danos provocados, uma vez que os mesmos se encontram, mais uma vez, bem documentados nas fotografias juntas pelo Réu e no relatório pericial entendemos ser forçoso que se considere que o ponto 27 passe para a matéria julgada provada, em termos semelhantes aos que já se que se encontra formulado, sugerindo: caíram detritos que danificaram diversos bens do réu: cadeira de escritório, marca IKEA, no valor de €69,00; e, auscultadores wireless, marca BOSE, no valor de €399,00. Referindo-nos agora aos pontos 29 a 31 da matéria não julgada a matéria constante destes pontos foi confirmada em declarações de parte do Réu, conforme acima melhor transcritas, bem como, muito bem sustentada por prova documental, todas juntas como Doc. 4 com a oposição ao despejo, existem comprovativos de chamadas entre o réu e o Sr. D …, e ainda comprovativos do envio de SMS, e-mails e cartas, sendo que nas SMS trocadas o Sr. D … acusa a recepção dessas mesmas comunicações a relatar os danos e a consumar o acordo para suspensão do pagamento das rendas; no dia 16/08/2021, após os registos demonstrarem que tinham falado em duas chamadas um total de 23 minutos, o Sr. D … enviou o seu e-mail e o réu comunicou ter enviado dois e-mails, ao que o Sr. D … respondeu: “recebido os dois e-mails. Vi todas as fotos ok, Vou tentar contactar hoje a gestora do condomínio (…)”. As seguintes mensagens são enviadas pelo réu a insistir pela resolução da situação sem que houvesse qualquer resposta por parte do Sr. D …. Assim, devem os pontos 29 a 31 constar ipsis verbis da matéria julgada provada, por a mesma se encontrar demonstrada por provada e não foi impugnada ou contrariada pelo Autor. [Conclusões 16 a 29]
c) houve omissão de pronúncia quanto a factos fundamentais para a boa decisão da causa, nomeadamente saber a quem competiam as funções de senhorio e em que datas o contrato de arrendamento que dá causa aos autos foi assinado entre o réu e E …, pai do aqui Autor, nas próprias declarações de parte do Autor, este confirma que o seu pai teria falecido há 8 anos e a mãe há cerca de dois, sendo que desde Janeiro de 2021 que era o irmão cabeça de casal das referidas heranças, conforme certidão predial junta aos autos a titularidade do imóvel só passou a ser do Autor a 01 de Junho de 2022, entre (pelo menos) Janeiro de 2021 e 31 de Maio de 2022 foi o Sr. D …, irmão do autor e cabeça de casal das heranças dos progenitores de ambos, quem desempenhou as funções de senhorio razões pelas quais nos parece fulcral que passe a constar da matéria de facto julgada provada o seguinte: De Janeiro de 2021 a Junho de 2022, o proprietário da fracção em crise nos autos era a herança por partilhar dos progenitores do Autor, de Janeiro de 2021 a Junho de 2022, foi o irmão do autor, o Sr. D …, quem exerceu o cargo de cabeça-de-casal. [Conclusões 30 a 38]
d) O artigo 784.º determina que na falta de estipulação deve o pagamento imputar-se à renda mais antiga, todavia, o pagamento junto não carecia de estipulação, uma vez que o réu foi claro no seu articulado, de que até Abril de 2021 sempre cumpriu com o pagamento das rendas, comprovando-se isso mesmo pelo pagamento feito nesse mesmo mês em nenhum momento até setembro de 2022 foi referido por quem quer que fosse que o réu tinha rendas por pagar antes de Abril de 2021, torna cristalino que fica demonstrado que o réu pagou a renda de Abril de 2021 em Abril de 2021 e que as rendas foram escrupulosamente pagas até aquela data, até porque sempre foi isso o alegado pelo réu nas suas comunicações e que não mereceu qualquer negação por parte do então Senhorio, Sr. D …, ou pelo Autor mesmo que se equacione que haviam rendas em atraso, o certo é que foi o acidente que determinou a suspensão definitiva dos pagamentos de renda, o que se encontra reforçado pela falta de qualquer resposta do senhorio às comunicações do réu de que haviam rendas em atraso, sendo a coisa mais natural que, perante a exigência do réu que fossem reparados os danos existentes na fracção que o senhorio exigisse, pelo menos, o pagamento das rendas em atraso, dessa forma se verificando a excepção de não cumprimento constante do artigo 428.º do Código Civil. Considera-se a validade de tal acordo, tenha sido ele alcançado de forma tácita ou expressa, a conclusão é óbvia e não merecerá grande discussão, havendo acordo para a suspensão de pagamento de rendas, inexiste qualquer mora por parte do devedor, o que faz cair também os requerimentos para que se opere a resolução do contrato consequentemente, declarar-se o contrato de arrendamento que une as partes ainda em execução e que o pagamento das rendas deverá ser retomado quando a fracção for totalmente reparada. [Conclusões 30 a 66]
d) Sem conceder, por razões de bom patrocínio, sempre se dirá o seguinte: foi também julgado provado, ponto 23 da matéria julgada provada, que o réu, por temer pela sua segurança e integridade física se refugiou em casa de familiares e amigos; é entendimento pacífico na jurisprudência de que, por aplicação do artigo 1040, do Código Civil, deverá haver proporcional redução da renda quando haja privação total ou parcial do locado, estando provado que o Réu deixou de nela habitar e passou a residir em casa de familiares e amigos, aplicando-se o artigo 1040, do Código Civil, nenhuma renda seria devida, mais uma vez, a final, ser julgado o requerimento de despejo como não procedente por inexistência dos requerimentos para a procedência do mesmo, por aplicação do art.º 1040, do Código civil consequentemente, declarar-se o contrato de arrendamento, que une as partes, ainda em execução e que o pagamento das rendas deverá ser retomado quando a fracção for totalmente reparada, caso assim não se entenda, o que sem conceder e apenas academicamente se equaciona, sempre se terá de considerar que o gozo da fracção arrendada ficou condicionado no uso da coisa. Consta do relatório pericial e do ponto 16 que os danos no tecto e no piso da habitação condicionaram o uso da sala e do quarto que se mantém, mais uma vez por aplicação do art.º 1040, do Código Civil, deve existir uma redução no valor da renda proporcional à privação do gozo da coisa, sendo a sala e o quarto divisões especialmente relevantes para uma fracção poder denominar-se de habitação, estima-se que, pelo menos, o réu ficou privado de 40% do gozo da fracção arrendada devem as rendas em dívida ser reduzidas em 40%, caso todos os argumentos até aqui elencados sejam julgados improcedentes, e sem conceder, sempre se dirá que as rendas em dívida devem ser reduzidas a 60% do total, o que corresponde a €5.358,00. [conclusões 67 a 80]
Termina pedindo a alteração da decisão de facto, como referido, seja declarado que o Réu liquidou efectivamente as rendas entre Fevereiro e Abril de 2021, que o Réu acordou, ainda que tacitamente, com o senhorio então em funções, uma suspensão do pagamento das rendas enquanto os danos na fracção não fossem reparados; ou, sem conceder, declarar cumprida a excepção de não cumprimento do pagamento da renda por impossibilidade do gozo da coisa nos termos do artigo 1040 do CCiv; e, consequentemente declarar inexistir mora do réu e declarar como não procedente a presente acção de despejo, por falta de verificação dos requisitos necessários. Caso nada disto se decida, sem conceder, deverão V. Exas. em cumprimento do artigo 1040 do CCiv, reduzir o valor de rendas em dívida para € 5.358,00, 60% do total, uma vez que o Réu se viu impossibilitada de gozar de pelo menos 40% da fracção arrendada
I.2. Em contra-alegações conclui o Autor/requerente:
a) O réu no seu articulado, referiu que teria sido paga renda até ao mês de Abril de 2021, mas efectivamente não juntou prova alguma de que tal pagamento foi feito, porquanto apenas juntou um talão de deposito do mês de Abril de 2021, mas tal não significa que dissesse respeito à renda desse referido mês, o Requerente, em sede de resposta, expressamente referiu que aquele deposito não correspondia ao mês de Abril, tendo inclusivamente o requerente questionado onde estavam os comprovativos referentes ao pagamento das rendas de Fevereiro, Março, que o Réu nem respondeu, nem nunca juntou os competentes comprovativos, bem andou o Tribunal ao considerar provado o ponto 5, por acordo, já que o Requerido anuiu que não pagou, ao autor as rendas que se venceram de Fevereiro de 2021.[Conclusões I a VIII]
b) Diga-se que se encontravam em dívida, até à instauração da presente acção o valor das rendas referentes aos desde Fevereiro/2021 até Setembro/2022, a que acrescem as rendas desde de Outubro/2022 a Dezembro/2023, ou seja mais 15 rendas, no valor de 7.050,00, bem como mais 2 meses de renda (Janeiro e Fevereiro do corrente ano) ou seja mais 940,00€; o documento junto pelo recorrente, no limite, foi tido pelo Tribunal como correspondendo ao pagamento da renda do mês de Fevereiro de 2021, reiterando-se que o réu não provou ter pago as rendas a partir de Fevereiro de 2021. A factualidade dada como NÃO PROVADA nos pontos 26, 30 e 31, resultou da falta de prova que cabia ao réu fazer, como bem se pode ler na douta sentença sob recurso e a factualidade NÃO PROVADA no ponto 27, resultou do relatório pericial, o autor impugnou tudo o que o réu disse, e bem assim os documentos que juntou, que aliás nada de relevante traziam à boa decisão da causa, não se concebendo que o recorrente queira que fosse dado como provado os pontos 29, 30 e 31 – onde é que tal foi provado? Não foi em sede de audiência, não foi pela prova documental, nem testemunhal. bastaria ao Tribuna ad quem ouvir a prova gravada da audiência, com especial enfoque para as testemunhas do Recorrente, para facilmente constatar as contradições de depoimentos, não logrando convencer o Tribunal da tese do Reu, concluindo o Tribunal a quo, e bem julgar improcedente a excepção invocada pelo Recorrente e de declarar a resolução do contrato, devendo o réu entregar o locado, tudo conforme artigos 1045.º e 1081.º do Código Civil.
Termina pedindo que se negue provimento ao recurso.
I.3. Por acórdão desta Relação de 9/5/2024 determinou-se que os autos regressassem à primeira instância afim de se efectuar melhor fundamentação da decisão e facto constante do ponto 19.
I.4. Na sequência foi proferida decisão na primeira instância com o seguinte teor: “Nos termos do disposto no artigo 614.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, por se tratar de lapso de escrita, retifica-se a sentença de fls. 252 e seguintes, passando a constar no ponto 19 da matéria de facto:  “19. O réu explicou ao Sr. D … que estava suspenso o pagamento das rendas enquanto a situação se mantivesse.” Mais se consigna que a matéria em causa deve-se às declarações de parte do réu, conforme consta da fundamentação da matéria de facto. Notifique-se.”
I.5. Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso:
I.6. São as seguintes as questões a dirimir:
a) Saber se ocorre erro na apreciação da decisão de facto positiva do ponto da matéria de facto 5 e negativa dos pontos 26, 27, 29 a 31. Saber se houve omissão de pronúncia quanto a factos fundamentais para a boa decisão da causa, nomeadamente saber a quem competiam as funções de senhorio e em que datas o contrato de arrendamento que dá causa aos autos foi assinado entre o réu e E …, pai do aqui Autor, nas próprias declarações de parte do Autor, este confirma que o seu pai teria falecido há 8 anos e a mãe há cerca de dois, sendo que desde Janeiro de 2021 que era o irmão cabeça de casal das referidas heranças, conforme certidão predial junta aos autos a titularidade do imóvel só passou a ser do Autor a 01 de Junho de 2022, entre (pelo menos) Janeiro de 2021 e 31 de Maio de 2022 foi o Sr. D …, irmão do autor e cabeça de casal das heranças dos progenitores de ambos, quem desempenhou as funções de senhorio razões devendo passar a constar da matéria de facto julgada provada o seguinte: “De Janeiro de 2021 a Junho de 2022, o proprietário da fracção em crise nos autos era a herança por partilhar dos progenitores do Autor, de Janeiro de 2021 a Junho de 2022, foi o irmão do autor, o Sr. D …, quem exerceu o cargo de cabeça-de-casal”
b) Saber se, alterando-se a decisão de facto, como pretendido no recurso, havendo acordo entre as partes quanto à suspensão do pagamento das rendas enquanto durassem as obras de reparação da fracção, não tendo ocorrido a reparação, não há rendas em atraso, logo não há mora, logo não há fundamento para a resolução do contrato de arrendamento.
c) Subsidiariamente, saber se, não sendo alterada a decisão de facto, deve ser declarada cumprida a excepção de não cumprimento do pagamento da renda por impossibilidade do gozo da coisa nos termos do artigo 1040 do CCiv; e, consequentemente, declarar inexistir mora do Réu e declarar como não procedente a presente acção de despejo por falta de verificação dos requisitos necessários.
d) Subsidiariamente, saber se, não sendo alterada a decisão de facto, não sendo considerada cumprida a excepção de não cumprimento do pagamento das rendas do art.º 1040, do CCiv em cumprimento do artigo 1040.º, reduzir o valor de rendas em dívida para € 5.358,00, 60% do total, uma vez que o réu se viu impossibilitada de gozar de pelo menos 40% da fracção arrendada.
II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
I.1. Deu o Tribunal recorrido como provados os seguintes factos cujo sob 5) a apelante impugna nos termos da lei de processo:
1. Pela apresentação 4799, de 1.6.2022, foi registada a aquisição, por partilha extrajudicial, da propriedade a favor do autor da fração F, correspondente ao 1.º andar direito do imóvel sito na Rua …, nº …, …-… Lisboa, do prédio urbano inscrito na matriz sob o Artigo …, fração F, da freguesia do …, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número … /… - F daquela freguesia, cf. certidão da conservatória de fls. ….
2. Por óbito de seus pais, por escritura de partilha de 12.5.2022, de fls. 79, a fração foi adjudicada ao autor.
3. Em Março de 2014, foi dado de arrendamento pelo pai do autor a fração, para habitação do réu, mediante contrato escrito de fls. 68, assinado pelas partes, pelo prazo de 2 anos, renovável automaticamente por iguais períodos caso não seja denunciado no seu termo por qualquer das partes.
4. As partes convencionaram renda mensal no montante de €470,00, a pagar por transferência bancária, para o IBAN, vencendo-se cada uma no primeiro dia útil do mês a que respeitam, cf. fls. 68 verso.
5. Na data do respetivo vencimento, o réu não pagou, ao autor as rendas que se venceram de Fevereiro de 2021 a Setembro de 2022.
6. Por notificação judicial avulsa, de Novembro de 2022, de fls. 75, o réu foi interpelado para proceder ao pagamento de rendas, desde a de Fevereiro de 2021 a Setembro de 2022.
7. Em 23.4.2021, o réu pagou ao autor a quantia de €470,00, conforme documento junto com a contestação.
8. No mês de Abril de 2021, sem que o réu disso sequer tenha sido avisado, foram realizadas obras no telhado do edifício, sendo que a fração tomada de arrendamento pelo réu é no último piso do prédio.
9. Em Abril/Maio de 2021, na sala, perto da janela, caiu do teto uma pequena zona do revestimento, de pequena espessura (1 a 2 cm), em estafe e estuque, inferior a 50 cm x 50 cm., deixando à vista a estrutura de madeira do piso do desvão do telhado.
10. Alguns pedaços do teto caíram na sua estação de trabalho, quando o réu não se encontrava no local, cf. fotos de fls. 107, 53, 52.
11. O buraco no teto foi tapado com tábuas a partir do sótão.
12. A sala apresenta ligeira fendilhação nas paredes e tectos, pouco visível.
13. No quarto em frente à sala, o revestimento do teto apresenta fendilhação dispersa, com maior expressão na ligação à parede exterior, que inclui janela. São visíveis fendas com 2 a 3 mm de largura e sinais secos de passagem de água. No soalho do pavimento, junto à parede exterior frente à porta, apresenta uma zona com cerca de 50 cm x 50 cm, com sinais de água, incluindo orifício inferior a 10 cm x 20 cm, interessando 2 tábuas. O rodapé nesta zona também possui a pintura enfolada e deteriorada. A água tem origem em infiltrações provenientes do telhado, com consequente apodrecimento das tábuas.
14. Nas restantes divisões, quarto, despensa, cozinha, existe alguma ligeira fendilhação em tetos e paredes, (mais visíveis na ligação entre ambos), que se aceita normal, face à idade do prédio e ao tipo de estrutura, cujos elementos horizontais nos pisos são em madeira, material sensível.
15. Com o teto da sala esburacado, caíram para a fração pequenas pedras, poeiras e resíduos líquidos, cf. fotografias de fls. 53.
16. Os danos no teto e no piso da habitação condicionaram o uso da sala (aquando da queda do revestimento de teto) e do quarto (zona em redor do buraco do piso), que se mantém.
17. De imediato o réu tentou contactar o senhorio, dirigindo-se, na altura à loja que o autor mantém na mesma rua da fração.
18. Contactou depois, em Maio de 2021, o irmão do Requerente, o Sr. D …, cabeça de casal da herança.
19. O réu explicou ao Sr. D … que estava suspenso o pagamento das rendas enquanto a situação se mantivesse. (após rectificação na primeira instância)
20. Em 18 de Julho de 2022, o autor enviou comunicação para o réu, que recebe, e fiadora, a exigir o pagamento das rendas em atraso e um agravamento de 50% das rendas, cf. fls. 112.
21. O réu enviou a carta datada de 12.8.2022 para o autor, que não a recebeu, cf. fls. 102-104.
22. O autor entendeu que os danos e constrangimentos sofridos pelo réu por esta situação não eram atendíveis, nada tendo feito para reparar a fração.
23. Por temer pela sua segurança e integridade física, o réu deixou de habitar a fração arrendada, refugiando-se em casa de familiares e amigos.
II.2. Deu o Tribunal recorrido como não provados os seguintes factos, cujos sob 26, 27, 29 a 31 vêm impugnados, nos termos da lei de processo:
24. Juros vencidos.
25. O autor deu conhecimento ao réu da aquisição do imóvel por partilha da herança de seus pais.
26. Desde logo entre Fevereiro e Abril de 2021 foram as rendas transferidas na sua totalidade para o IBAN constante do contrato de arrendamento, conforme demonstram comprovativos da transferência que se juntam como Doc. 1 e que se reproduzem para todos os efeitos legais.
27. Caíram grandes blocos de pedras que danificaram diversos bens do réu:
- Cadeira de escritório, marca IKEA, no valor de €69,00;
- Auscultadores wireless, marca BOOSE, no valor de €399,00.
Total: €468,00 (quatrocentos e sessenta e oito euros).
28. Um dos buracos no teto era exatamente por cima do fogão.
29. Desde logo o Sr. D … lhe pediu desculpa pelos incómodos causados e lhe transmitiu que não seriam devidas rendas enquanto a situação não fosse resolvida e que o faria brevemente.
30. Todavia, a situação tardava a ser resolvida pelo que a 02 de Julho de 2021 foi enviada uma interpelação para o então Senhorio a comunicar por escrito todos os danos existentes na fração, bem como, a impossibilidade de nele residir e consequentemente, e conforme anteriormente combinado, a suspensão do pagamento de rendas pela total inutilidade da fracção para os fins para as quais a mesma tinha sido arrendada, ou seja, para habitação, tudo conforme Doc. 3 em anexo que se reproduzem para todos os efeitos legais.
31. Para além da interpelação por escrito, foi ainda o Sr. D … informado, a 16 de Agosto de 2021, de que a mesma tinha sido enviada para o seu e-mail, tendo o mesmo acusado a sua recepção e até, caso dúvidas ainda existissem sobre tal, veja-se que o próprio réu tentou em conjunto com o então Senhorio encontrar uma solução para que o mesmo fosse indemnizado pelas rendas que, por acordo de ambos, não estavam a ser pagas, tudo conforme Doc. 4 em anexo que se reproduzem para todos os efeitos legais.
32. Na fracção imediatamente ao lado, o tecto chegou mesmo a desabar.
III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608, n.º 2, 5, 635, n.º 4, 649, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto, tal como enunciadas em I.
III.3. Saber se ocorre erro na apreciação da decisão de facto positiva do ponto da matéria de facto 5 e negativa dos pontos 26, 27, 29 a 31. Saber se houve omissão de pronúncia quanto a factos fundamentais para a boa decisão da causa, nomeadamente saber a quem competiam as funções de senhorio e em que datas o contrato de arrendamento que dá causa aos autos foi assinado entre o réu e E …, pai do aqui Autor, nas próprias declarações de parte do Autor, este confirma que o seu pai teria falecido há 8 anos e a mãe há cerca de dois, sendo que desde Janeiro de 2021 que era o irmão cabeça de casal das referidas heranças, conforme certidão predial junta aos autos a titularidade do imóvel só passou a ser do Autor a 01 de Junho de 2022, entre (pelo menos) Janeiro de 2021 e 31 de Maio de 2022 foi o Sr. D …, irmão do autor e cabeça de casal das heranças dos progenitores de ambos, quem desempenhou as funções de senhorio razões devendo passar a constar da matéria de facto julgada provada o seguinte: “De Janeiro de 2021 a Junho de 2022, o proprietário da fracção em crise nos autos era a herança por partilhar dos progenitores do Autor, de Janeiro de 2021 a Junho de 2022, foi o irmão do autor, o Sr. D …, quem exerceu o cargo de cabeça-de-casal”
III.3.1. O Réu apelante cumpre o seu ónus de impugnação e este Tribunal está em condições de reapreciar a decisão de facto.
III.3.2. Sustenta, em suma, o apelante que:
· No ponto 4 da oposição por si apresentada nos autos o réu explica que desde logo entre Fevereiro e Abril de 2021, foram as rendas transferidas na sua totalidade para o IBAN constante do contrato de arrendamento (…). Juntando ainda um comprovativo de transferência do valor da renda datado de, precisamente, Abril de 2021 dessa forma demonstrando que até Abril de 2021 o pagamento da renda foi efectuado, note-se que em nenhum momento anterior ou posterior a Abril de 2021 e antes de Setembro de 2022, quer o Autor, quer o seu irmão, D …, reclamaram o pagamento de qualquer renda,  o que não só significa que não havia qualquer renda em atraso, como, conforme abaixo melhor demonstraremos, houve um acordo para o não pagamento das rendas naquele período Razão pela qual o ponto 5 da matéria de facto julgada provada deverá ser alterada para: Inexistem quaisquer rendas em atraso entre Fevereiro de 2021 a Setembro de 2022, e, no limite, o ponto 5 da matéria de facto julgada provada sempre teria de ser alterada para: Na data do respectivo vencimento, o Réu não pagou, ao autor as rendas que se venceram de Maio de 2021 a Setembro de 2022. Atendendo à prova documental prestada pelo Réu, deve o conteúdo do ponto 26 ser julgado provado, devendo a sua referência na matéria de facto julgada não provada ser removida, e o ser conteúdo ser julgado provado no ponto 5. numa das formas acima sugeridas ou em alternativa passar a constar que o Réu pagou as referidas rendas por si escrupulosamente cumprido.
· Concede o réu que da prova carreada não se entenda a expressão “grandes blocos de pedras” se encontra provada, a expressão foi tida em consideração que se tratava da queda de detritos numa habitação, pelo que no nosso entendimento a expressão grandes blocos de pedras era apropriada, mas uma vez que o relatório pericial não acompanhou essa descrição, e na verdade não importa o tamanho nem a qualidade dos detritos, mas sim os danos provados, o réu concede na referida expressão. Do próprio relatório pericial consta que: o perito, observou os objectos danificados, referenciados pelo Réu como resultado da acção das obras no telhado do edifício: -Cadeira de escritório, marca IKEA, - Auscultadores wireless, marca BOSE. Sendo que já no seu requerimento de Oposição ao despejo, não só o réu alegou os referidos danos, como juntou fotos comprovativos dos mesmos, nomeadamente, as constantes do Doc. 2 que acompanharam a referida peça processual, onde, inequivocamente, se pode constatar os detritos na estação de trabalho do réu, bem como, os danos provocados na cadeira e nos auscultadores. O que como acima se referiu foi corroborado no Relatório Pericial. Razões pelas quais, deverá o facto sob 27, ora em crise, ser julgado provado nos precisos termos em que está formulado, ou seja: Caíram detritos que danificaram diversos bens do réu: - Cadeira de escritório, marca IKEA, no valor de €69,00; e Auscultadores wireless, marca BOOSE, no valor de €399,00.
· Resulta evidente da prova carreada para os autos que, após os incidentes de Abril de 2021, resultaram nos danos na fracção arrendada pelo réu, apenas este teve iniciativa de tentar resolver o problema. Fê-lo através de telefonemas, mensagens, e-mails e cartas escritas, todas elas comprovadas pelos documentos juntos com a oposição ao despejo nos presentes autos. Inexiste qualquer prova documental de que o Sr. D … ou o Autor tenham tentado resolver a situação causada na fracção até ao momento em que o Autor remeteu uma comunicação, em Setembro de 2022, a resolver o contrato de arrendamento. A única alegação feita pelo Autor e acompanhada pelas testemunhas por si prestadas era de que o Réu se teria recusado a abrir a porta quando o senhorio ou os seus representantes se deslocaram à fracção. O réu não se encontrava a habitar a fracção. Apesar de a ela se deslocar com alguma regularidade, pois lá mantinha os seus bens que precisava regularmente, mais concretamente, a sua roupa e outros bens pessoais, é perfeitamente natural que quando o autor ou os seus representantes ali se deslocavam o réu ali não se encontravam. Deve então passar a constar como matéria provada que o Sr. D … pediu desculpa ao réu pelos incómodos causados e lhe transmitiu que não seriam devidas rendas enquanto a situação não fosse resolvida e que o faria brevemente. Relativamente ao ponto 30 e 31 e às questões centrais desse ponto, isto é, quanto à comunicação enviada a 02 de Julho de 2021, bem como, envio da mesma comunicação por e-mail a 16 de Agosto, e confirmação por SMS de que o Sr. D … recebeu a referida missiva e, ainda, de que estas comunicações sempre referiram a suspensão do pagamento de rendas acordadas entre ambos. Consta do Doc. 3, junto com a referida peça processual, comprovativos inequívocos de que o réu, por si ou pelo seu representante, enviou duas missivas, durante o mês de Julho, para as duas moradas que eram por si conhecidas, nomeadamente, para Rua de …, n.º …, …-… Lisboa, e, Rua …, …, …-… Lisboa. A esses documentos há ainda a acrescentar a mensagem junta como Doc. 4 enviada pelo réu ao então cabeça de casal e correspondente senhorio da fracção, Sr. D …, e que o mesmo confirmou a recepção da comunicação, tudo feito para o número do Sr. D … …, A 16/08/2021, após comunicarem por telefone pelas 15:10 durante 17 minutos, pelas 15:55 por 6 minutos, a conversa inicia-se por SMS com o Sr. D … a remeter o seu endereço de e-mail, seguida então da mensagem do réu dando conta do envio de dois e-mails, um com a comunicação na qual se descrevia os danos e outro com os comprovativos de entrega das cartas. O Sr. D … responde: “recebidos os dois e-mails. Vi todas as fotos ok. Vou tentar contactar hoje a gestora de condomínios(…)”.De seguida o Sr. D … remeteu-se ao silêncio, sendo possível ver uma série de SMS por parte do réu a insistir pela resolução do problema criado em Abril de 2021; em nenhum momento o Sr. D … obstou ou contrariou o acordo feito para suspensão do pagamento das rendas feito entre ambos e referido nas comunicações enviadas pelo réu, pelo exposto resulta claro e de prova documental- que não foi impugnada nem rebatida pelo Autor- que o Autor tentou contactar o Sr. D …, então senhorio da fracção ora em crise, bem como, resulta das mesmas a referência e anuência, ainda que tácita, de um acordo para suspensão do pagamento das rendas enquanto os danos na fracção não fossem reparados. Desta forma deviam passar a constar como factos da matéria de facto julgada provada o seguinte: 29. Desde logo, o Sr. D … lhe pediu desculpa pelos incómodos causados e lhe transmitiu que não seriam devidas rendas enquanto a situação não fosse resolvida e que o faria brevemente. 30.Todavia, a situação tardava a ser resolvida pelo que a Julho de 2021 foram enviadas várias interpelações para o então Senhorio a comunicar por escrito todos os danos existentes na fracção, bem como, a impossibilidade de nele residir e consequentemente, e conforme anteriormente combinado, a suspensão do pagamento de rendas pela total inutilidade da fracção para os fins para as quais a mesma tinha sido arrendada, ou seja, para habitação. 31. Para além da interpelação por escrito, foi ainda o Sr. D … informado por SMS, a 16 de Agosto de 2021, de que a mesma tinha sido enviada para o seu e-mail, tendo o mesmo acusado a sua recepção, não tendo o então Senhorio levantado qualquer objecção à referência da suspensão do pagamento das rendas enquanto o pagamento das mesmas não fosse feito.
III.3.3. Comecemos pelos factos 29 a 31 dados como não provados e que são os seguintes:
29. Desde logo o Sr. D … lhe pediu desculpa pelos incómodos causados e lhe transmitiu que não seriam devidas rendas enquanto a situação não fosse resolvida e que o faria brevemente.
30. Todavia, a situação tardava a ser resolvida pelo que a 02 de Julho de 2021 foi enviada uma interpelação para o então Senhorio a comunicar por escrito todos os danos existentes na fração, bem como, a impossibilidade de nele residir e consequentemente, e conforme anteriormente combinado, a suspensão do pagamento de rendas pela total inutilidade da fracção para os fins para as quais a mesma tinha sido arrendada, ou seja, para habitação, tudo conforme Doc. 3 em anexo que se reproduzem para todos os efeitos legais.
31. Para além da interpelação por escrito, foi ainda o Sr. D … informado, a 16 de Agosto de 2021, de que a mesma tinha sido enviada para o seu e-mail, tendo o mesmo acusado a sua recepção e até, caso dúvidas ainda existissem sobre tal, veja-se que o próprio réu tentou em conjunto com o então Senhorio encontrar uma solução para que o mesmo fosse indemnizado pelas rendas que, por acordo de ambos, não estavam a ser pagas, tudo conforme Doc. 4 em anexo que se reproduzem para todos os efeitos legais.
III.3.4. Prende-se a alteração com o alegado acordo expresso ou tácito relativo à suspensão do pagamento das rendas, enquanto se mantivesse a situação de não habitabilidade do locado, seja enquanto não fossem realizadas as obras no mesmo e que na alegação da contestação do réu se traduziu no seguinte: “o Sr. D …, e cabeça de casal da Herança E … então proprietário da fracção, o Sr. D … pediu-lhe desculpa pelos incómodos causados e transmitiu-lhe que não seriam devidas rendas enquanto a situação não fosse resolvida e que o faria brevemente ...”. O que vem provado sob 19 após rectificação, é o seguinte: 19. O réu explicou ao Sr. D … que estava suspenso o pagamento das rendas enquanto a situação se mantivesse. O Réu “explicou” ao senhor D … que suspendia o pagamento das rendas, daí não se seguiu qualquer anuência expressa deste último a essa suspensão e não resultam indiciados quaisquer factos (facta concludentia) dos quais, com toda a probabilidade, se possa deduzir essa anuência (art.º 217 do CCiv). Por isso e bem, na motivação da decisão negativa se entendeu que a decisão negativa desse facto se deve à falta de prova (art.º 414). O mesmo se diga em relação à decisão negativa do ponto 26 e, correspondentemente, do ponto 5 dos factos dados como provados. Já quanto ao ponto 27 diz-se que a decisão negativa resulta do relatório pericial, ou seja, do relatório pericial resulta que se não fez prova dessa factualidade. Vejamos o relatório sobre esta questão “...O perito observou os objectos danificados referenciados como resultado da acção das obras no telhado do edifício cadeira de escritório marca IKEA, auscultadores wireless marca BOSE...posteriormente em 12/8/2022 foi acrescentado os danos porta relógios, pés de mesa extensível, impossibilidade de uso da box de tv e outros não observáveis na vistoria. O perito não observou grandes blocos de pedra, nem o orifício no tecto da sala se afigura compatível com passagem de tais elementos, a cadeira de escritório não aparenta estar danificada, nos auscultadores dificuldade na ligação da peça que permite uso de Bluetooth, a caixa porta relógios, forrada a pelo sintética escura, apresenta na zona superior da tampa manchas claras pouco perceptíveis (lavável) os pés da mesa indiciam dano por água e não se confirmou impossibilidade do uso da box da tv (terá sido alterada a sua localização na habitação)”. III.3.5. Face ao teor do relatório pericial em que o recorrente suporta a alteração da decisão de facto não é possível concluir, em relação aos mencionados objectos, a existência de danos e, muito menos, o nexo de causalidade com a queda de parte do estuque do tecto da sala, donde a conclusão que não ocorre erro na apreciação da prova, o Tribunal na dúvida decidiu contra o réu (art.º 414). Quanto à alegada omissão de pronúncia sobre factos essenciais para a causa e que com base nas declarações de parte se deve aditar o mencionado facto “De Janeiro de 2021 a Junho de 2022, o proprietário da fracção em crise nos autos era a herança por partilhar dos progenitores do Autor, de Janeiro de 2021 a Junho de 2022, foi o irmão do autor, o Sr. D …, quem exerceu o cargo de cabeça-de-casal”, dir-se-á o seguinte. A prova da qualidade de cabeça-de casal de herança não é feita por declarações de parte. A administração da herança até à sua liquidação e partilha cabe ao cabeça-de-casal deferindo-se pela ordem do art.º 2080 do CCiv o respetivo cargo. Não só não temos elementos de facto que nos permitam concluir quem era o cabeça-de casal da herança, em razão do disposto nos art.ºs 2079 e 2080 do CCiv, como a prova dessa qualidade em processo judicial há-de resultar de declarações em processo de inventário, ou a certificação dessa qualidade o que não ocorre, pelo que nada há a aditar.
III.4. Saber se, alterando-se a decisão de facto, como pretendido no recurso, havendo acordo entre as partes quanto à suspensão do pagamento das rendas enquanto durassem as obras de reparação da fracção, não tendo ocorrido a reparação, não há rendas em atraso, logo não há mora, logo não há fundamento para a resolução do contrato de arrendamento.
III.4.1. A decisão de facto não foi alterada, designadamente no que toca ao mencionado acordo para pagamento das rendas enquanto durassem as obras de reparação da fracção, por isso improcede o recurso nessa parte.
III.5. Subsidiariamente, saber se, não sendo alterada a decisão de facto, deve ser declarada cumprida a excepção de não cumprimento do pagamento da renda por impossibilidade do gozo da coisa nos termos do artigo 1040 do CCiv; e, consequentemente, declarar inexistir mora do Réu e declarar como não procedente a presente acção de despejo por falta de verificação dos requisitos necessários.
III.5.1 Sustenta o recorrente em suma que:
· conforme consta do relatório pericial e da matéria de facto julgado provada nos pontos 16 e 23, já acima transcritos, o Réu ficou condicionado no usa sala e do quarto, bem como, por temer pela sua segurança e integridade física, o réu deixou de habitar a fracção arrendada, refugiando-se em casa de familiares e amigos.
· uma excepção para o não cumprimento do pagamento da renda é exatamente a impossibilidade de gozar da coisa arrendada.
· sendo esse um entendimento universal na jurisprudência nacional como atesta Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 10-03-2004, proferido no âmbito do processo 2298/03-2, disponível em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário a situação vertida no Acórdão apenas difere da aqui controvertida em que não houve alteração do fim do contrato no presente caso o Réu deixou de habitar a situação, tal como já consta da matéria de facto julgada provada, pro temer pela sua segurança e integridade física, o que, aos olhos do homem médio, parece razoável considerando que parte do tecto desabou precisamente no local em que costumava trabalhar e que ali se encontrava meros minutos antes de tudo acontecer, bem como, nenhumas reparações terem sido feitas no tecto e do mesmo continuar a passar humidade e correntes de ar e, ainda, serem várias as fendas ao longo de toda a casa conforme consta do relatório pericial, razões pelas quais se deve considerar por verificada a excepção de não cumprimento da renda, uma vez que os senhorios da fracção deixaram que a mesma se deteriorasse ao ponto em que o réu, sustentado pelo relatório pericial, considerou que a mesma não suportava o fim para o qual tinha sido arrendada, ou seja, de habitação, não cumprindo integralmente a fracção o fim para o qual foi arrendada então, proporcionalmente, não podem ser devidas rendas pela mesma ao Autor.
III.5.2. Entendeu-se na decisão recorrida que:
· em Abril/Maio de 2021, o autor comunicou ao senhorio que deixava de pagar rendas, por causa da queda parcial do “tecto” da sala, ou seja, de uma pequena zona do revestimento, de pequena espessura (1 a 2 cm), em estafe e estuque, inferior a 50 cm x 50 cm., deixando à vista a estrutura de madeira do piso do desvão do telhado.
· todavia, nessa altura, o réu já não pagava rendas desde a relativa a Fevereiro de 2021 – que posteriormente pagou em Abril de 2021, no momento em que o autor comunicou ao senhorio a suspensão do pagamento das rendas, já estava em mora desde há 2 ou 3 meses, não se afigura existir uma relação de causalidade entre o não pagamento da renda, a partir de Fevereiro, e o ocorrido em Abril ou Maio, como se decidiu no Ac do Tribunal da Relação do Porto, 26.1.2023, relativamente à “exceptio non adimpleti contractus”: “No entanto, importa não esquecer que no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem sempre as partes proceder de boa-fé (cf. art.º 762º, nº2 do Código Civil). Deste modo, para que a invocação da “exceptio” não seja julgada contrária à boa-fé, exige-se a verificação de uma tripla relação entre o incumprimento do outro contraente e a recusa de cumprir por parte do excipiente: relação de sucessão, de causalidade e de proporcionalidade entre uma e outra. (neste sentido cf. João José Abrantes, A Excepção de Não Cumprimento do Contrato, Almedina, 3ª ed., págs. 110/112). Assim, atenta a referida relação de sucessão, não pode recusar a sua prestação, invocando a “exceptio”, o contraente que foi o primeiro a cair numa situação de incumprimento, ou seja, a recusa de cumprir do excipiente deve ser posterior à inexecução da obrigação da contraparte, deve seguir-se-lhe e não precedê-la. Por outro lado, a relação de causalidade impõe que haja um nexo de causalidade ou de interdependência causal entre o incumprimento da outra parte e a suspensão da prestação do excipiente. Dito de outra forma, esta última deve ter unicamente por causa tal incumprimento, deve surgir como sua consequência imediata. Finalmente, por força do princípio da equivalência ou proporcionalidade das inexecuções, a recusa do excipiente deve ser equivalente ou proporcionada à inexecução da contraparte que reclama o cumprimento, de modo que, se a falta desta for de leve importância, o recurso à excepção pode até ser ilegítimo.”
III.5.3. Nos termos do Artigo 1038º, alínea h), do Código Civil, constitui obrigação do locatário avisar imediatamente o locador sempre que tenha conhecimento de vícios da coisa. Não vem demonstrado que o Autor se tenha negado a fazer obras, caso assim fosse a declaração expressa do autor no sentido de que não faria as obras, integraria uma recusa do cumprimento da obrigação legal de efectuar obras de conservação decorrente dos Artigos 2º do Decreto-lei nº 157/2006, de 8.8., 1074º, nº1 e 1111º do Código Civil. Uma recusa de cumprimento do contrato tem como consequência o incumprimento definitivo do contrato pelo devedor, dispensando-se qualquer interpelação admonitória por parte do credor – cf. Artigo 798º e 801º do Código Civil. Havendo um protelamento na decisão de realização de obras, por via desse protelamento ocorre o incumprimento dessa obrigação por parte do senhorio, por outro lado. Relativamente ao locador é sua obrigação a de assegurar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que a coisa se destina (art.º 1032/b do CCiv). Mais estipula o art.º 1040/1 que se por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofre uma privação ou diminuição do gozo da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta sem prejuízo do disposto na secção anterior seja da possibilidade que assiste ao locatário de efectuar as reparações urgentes com direito ao reembolso (art.º 1036 do CCiv) de usar contra o locador os mesmos meios que assistem ao possuidor (art.º 1037 do CCiv), considerar o contrato não cumprido nos termos dos art.ºs 1032, 1033 e 1034, ou pedir a sua resolução. Nas situações do art.º 1032, não ficando o locador liberto da obrigação de assegurar o gozo da coisa, como resultado do art.º 1031 do CCiv, caso o locador não elimine o defeito pode o locatário exigir uma indemnização pelo prejuízo que lhe advier, não em consequência do não cumprimento  do contrato mas em consequência da existência dos defeitos e da sua não eliminação, tudo isto sem prejuízo do art.º 1040 do CCiv. O Réu não efectuou as reparações no locado nem intentou usou com quaisquer meios de defesa da posse contra o locador, não pediu a sua resolução, considerou o contrato não cumprido e deixou de pagar as rendas invocando justa causa para o incumprimento dessa obrigação. O Artigo 1040º do Código Civil equivale a uma manifestação especial da excepção do contrato não cumprido, prevista nos artigos 428º a 431º do Código Civil – cf. Menezes Cordeiro (Coord.), Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina, 2014, p. 72. Conforme se refere pertinentemente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.12.2008, Nuno Cameira, 08A3302, «É entendimento comum, desde logo, que em matéria de locação a excepção do não cumprimento do contrato tem um limitado campo de aplicação, talvez porque, como salienta Aragão Seia (Arrendamento Urbano, 7ª edição, pág. 412), “uma vez entregue ao locatário a coisa locada, o sinalagma em grande medida se desfaz. Certo, o locador continua obrigado a proporcionar o gozo da coisa ao locatário; mas esta é uma obrigação sem prazo ou dia certo para o eu cumprimento, ao passo que é a termo a do pagamento da renda”. De qualquer modo, tem-se admitido o funcionamento do instituto mesmo no caso de incumprimento parcial ou de cumprimento defeituoso, mas fazendo intervir então, sempre que as circunstâncias concretas o imponham, o princípio da boa fé e a “válvula de segurança” do abuso do direito (artºs 762º, nº 2, e 334º do CCiv). E isto porque, como justamente observa o Prof. Almeida Costa na RLJ 119º, pág. 144, “seria contrário à boa fé que um dos contraentes recusasse a sua inteira prestação, só porque a do outro enferma de uma falta mínima ou sem suficiente relevo. Na mesma linha, surge a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da exceção. Uma prestação significativamente incompleta ou viciada justifica que o outro obrigado reduza a contraprestação a que se acha adstrito. Mas, em tal caso, só é razoável que recuse quanto se torne necessário para garantir o seu direito”. Em particular no âmbito da locação, este mesmo Autor (loc. cit., pág. 145/146), depois de chamar a atenção para o facto de a ideia de proporcionalidade ou equilíbrio das prestações aflorar a propósito da redução da renda ou aluguer se o locatário sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa, conclui o seguinte: “O recurso do arrendatário a este instituto, se existe cumprimento defeituoso ou parcial pelo senhorio, apenas o dispensa de pagar a renda correspondente à falta verificada. A quantificação pode tornar-se mais ou menos difícil. Quando as partes não chegarem a acordo subsiste o remédio da consignação em depósito, mas o arrendatário corre o risco de o seu cálculo pecar por defeito, depositando uma renda menor do que a devida”. Ora, a excepção de não cumprimento tem de ser invocada pela parte de forma expressa ou tácita, não podendo ser conhecida oficiosamente pelo juiz – cf. CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, 4ª Ed., 2002, p. 334; Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.9.2007, Graça Araújo, de 26.6.2008, Granja da Fonseca, acessíveis em www.dgsi.pt/jtrl. A invocação tácita tem de resultar de factos alegados pelo excipiente que inequivocamente a exprimam – cf. Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 8.6.93, Francisco Lourenço, CJ 1993- III, pp. 55 – 57, da Relação de Guimarães de 9.4.2003, Arnaldo Silva, CJ 2003 – II, pp. 281 a 284. O ónus da prova da exceptio incumbe ao arrendatário – cf. Acórdão da Relação do Porto de 12.5.2015, Fernando Samões, 1012/12 e da Relação de Guimarães de 3.3.2016, Jorge Seabra, 328/14.  Houve privação ou diminuição do gozo do locado? Se sim o incumprimento do pagamento das rendas deu-se a partir desse preciso momento? Estava o arrendatário, independentemente da avaliação relativa à privação ou diminuição do uso do locado legitimado a recusar desde logo o pagamento das rendas?
III.5.4. Vem provado que:
9. Em Abril/Maio de 2021, na sala, perto da janela, caiu do teto uma pequena zona do revestimento, de pequena espessura (1 a 2 cm), em estafe e estuque, inferior a 50 cm x 50 cm., deixando à vista a estrutura de madeira do piso do desvão do telhado.
10. Alguns pedaços do teto caíram na sua estação de trabalho, quando o réu não se encontrava no local, cf. fotos de fls. 107, 53, 52.
11. O buraco no teto foi tapado com tábuas a partir do sótão.
12. A sala apresenta ligeira fendilhação nas paredes e tetos, pouco visível.
13. No quarto em frente à sala, o revestimento do teto apresenta fendilhação dispersa, com maior expressão na ligação à parede exterior, que inclui janela. São visíveis fendas com 2 a 3 mm de largura e sinais secos de passagem de água. No soalho do pavimento, junto à parede exterior frente à porta, apresenta uma zona com cerca de 50 cm x 50 cm, com sinais de água, incluindo orifício inferior a 10 cm x 20 cm, interessando 2 tábuas. O rodapé nesta zona também possui a pintura enfolada e deteriorada. A água tem origem em infiltrações provenientes do telhado, com consequente apodrecimento das tábuas.
14. Nas restantes divisões, quarto, despensa, cozinha, existe alguma ligeira fendilhação em tetos e paredes, (mais visíveis na ligação entre ambos), que se aceita normal, face à idade do prédio e ao tipo de estrutura, cujos elementos horizontais nos pisos são em madeira, material sensível.
15. Com o teto da sala esburacado, caíram para a fração pequenas pedras, poeiras e resíduos líquidos, cf. fotografias de fls. 53.
16. Os danos no teto e no piso da habitação condicionaram o uso da sala (aquando da queda do revestimento de teto) e do quarto (zona em redor do buraco do piso), que se mantém.
17. De imediato o réu tentou contactar o senhorio, dirigindo-se, na altura à loja que o autor mantém na mesma rua da fração.
18. Contactou depois, em Maio de 2021, o irmão do Requerente, o Sr. D …, cabeça de casal da herança.
23. Por temer pela sua segurança e integridade física, o réu deixou de habitar a fração arrendada, refugiando-se em casa de familiares e amigos.
III.5.5. Na motivação da decisão dos factos 16 e 23 consta da sentença que a decisão do ponto 16 resulta do relatório pericial e a do ponto 23 das declarações do próprio réu. Vejamos o relatório pericial a este respeito limita-se a afirmar o quer consta do ponto 16, “buraco no teto foi tapado com tábuas a partir do sótão” e que “No quarto em frente à sala, o revestimento do teto apresenta fendilhação dispersa, com maior expressão na ligação à parede exterior, que inclui janela. São visíveis fendas com 2 a 3 mm de largura e sinais secos de passagem de água. No soalho do pavimento, junto à parede exterior frente à porta, apresenta uma zona com cerca de 50 cm x 50 cm, com sinais de água, incluindo orifício inferior a 10 cm x 20 cm, interessando 2 tábuas. O rodapé nesta zona também possui a pintura enfolada e deteriorada. A água tem origem em infiltrações provenientes do telhado, com consequente apodrecimento das tábuas (13). Também resulta provado que este condicionamento do uso da sala, no período indicado e do quarto naquela área definida ocorreu após a queda duma pequena área de revestimento do tecto da sala em Abril/Maio de 2021. Desta forma percebe-se mal que o réu tenha deixado de pagar as rendas a partir de Fevereiro de 2021. Das declarações do próprio réu resulta que foram colocados andaimes no prédio em que a fracção locada está inserido no mês de Fevereiro de 2021 mas que as obras só tiveram início em Abril desse ano. Mais resulta dessas declarações que em Fevereiro desse ano quando se encontrava na casa de banho da fracção foi  surpreendido por alguém a espreitar pela janela...a obra não me foi avisada, sou programador informático esta situação da casa impede-me de desenvolver a actividade a partir de casa que foi a sede social de empresa...” Dessa explicação o que parece resultar é que como o réu desenvolvia a sua actividade profissional de programador informático a partir de casa, a existência de andaimes no exterior do prédio limitavam a privacidade de que carecia para o exercício da sua profissão e que pelo menos deveria ter sido avisado previamente da colocação desses andaimes. Contudo, há que ter em conta que a fracção não foi arrendada para o exercício da actividade profissional do réu, a fracção destinou-se à sua habitação e o Autor não diz que não podia habitar a fracção por causa dos andaimes, dificilmente existiria uma relação de causa e efeito. Com a queda de parte do revestimento da sala (que não foi reparado) o uso da sala ficou condicionado mas parece que ficou condicionado aquando da queda até porque o buraco no tecto foi tapado com tábuas a partir do sótão. No que ao quarto diz respeito demonstra-se que revestimento do tecto apresenta fendilhação dispersa, com maior expressão na ligação à parede exterior, que inclui janela. São visíveis fendas com 2 a 3 mm de largura e sinais secos de passagem de água, no soalho do pavimento, junto à parede exterior frente à porta, apresenta uma zona com cerca de 50 cm x 50 cm, com sinais de água, incluindo orifício inferior a 10 cm x 20 cm, interessando 2 tábuas, o rodapé nesta zona também possui a pintura enfolada e deteriorada, a água tem origem em infiltrações provenientes do telhado, com consequente apodrecimento das tábuas. O Réu temendo pela sua segurança deixou de habitar a fracção mas, em parte alguma do relatório, é dito que a fracção, designadamente a sala e o quarto mencionados, apresentam risco do queda ou que o tecto ou os pavimentos dessas divisões podem ruir a qualquer momento. O Réu temeu pela sua segurança e deixou de habitar a fracção, mas não é possível concluir com toda a certeza, mormente em face do que consta do relatório pericial que a fracção não oferece condições de habitabilidade, e que por isso era perfeitamente justificada a saída do réu da fracção. O que o relatório diz é que o uso daquelas divisões ficou condicionado. No que toca à sala, a limitação do uso, ao que tudo indica, restringiu-se ao momento da queda e o uso do quarto a limitação restringe-se ao buraco do piso uma zona com cerca de 50 cm x 50 cm, com sinais de água, incluindo orifício inferior a 10 cm x 20 cm, interessando 2 tábuas. Concede-se que possa existir uma diminuição do gozo do locado em razão desse incidente. Contudo há que ter em conta que o locatário deixou de cumprir a sua obrigação contratual em momento anterior a esse condicionamento do gozo do locado, o que lhe retira a legitimidade pata excepcionar o não cumprimento doa brigo do disposto no art.º 428 do CCiv. A excepção de não cumprimento consiste na recusa de efectuar a prestação por parte de um dos contraentes quando o outro a reclama, sem que este, por sua vez, efectue a respectiva contraprestação, para que a exceptio funcione exige-se, além do mais, que as prestações sejam correspectivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra. O excipiens apenas recusa a sua prestação até que a outra parte realize a prestação a que está adstrito A exceptio visa assegurar o equilíbrio, mediante o cumprimento simultâneo, em que assenta o esquema do contrato bilateral, como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela (anotação ao art.º 428 do CCiv, Coimbra editora, 4.ªe dição, 2011, vol I) opera não só no caso de falta integral de cumprimento, como no caso de incumprimento parcial ou cumprimento defeituoso. Como refere Antunes Varela (obra citada), “a exceptio não vigora como uma sanção ...por isso ela vigora não só quando a outra parte não efectua a sua prestação porque não quer mas também quando ela não a realiza ou não oferece porque não pode...vale tanto para a falta integral do cumprimento como para o de cumprimento parcial ou defeituoso desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos art.ºs 227 e 762/2.... Quando haja uma interdependência entre as prestações seria, além de ilegal, a todos os títulos injusto permitir que o contraente faltoso pudesse exigir a contraprestação, como se nenhuma falta houvesse da sua parte, premiando quem prevaricou, ainda segundo Antunes Varela. Como bem se diz na decisão recorrida na decisão recorrida não assistia ao réu o direito de incumprir a sua obrigação de pagamento da renda no momento em que o fez e depois continuou a fazer, não se verificando os pressupostos do art.º 428 do CCiv. Atento o propósito que motivou o Réu a não pagar as rendas, tratando-se além do mais de factos controvertidos, no mínimo, deveria o Réu ter procedido ao depósito condicional de todas as rendas vencidas. Conforme se referiu no Acórdão da Relação do Porto de 7.9.2010, José Carvalho, 2594/09, num caso em que o arrendatário pretendeu exercer a faculdade do Artigo 1040º, nº 1, havendo utilização parcial do locado, dada a incerteza do montante da renda devido, devia o locatário efectuar depósito condicional das rendas. Caso o Réu assim tivesse procedido, e decaindo no processo como acontece, a Ré asseguraria o não preenchimento do fundamento de resolução consistente na falta de pagamento das rendas (cfr entre outros o AcRLxa de 28/3/2017 no processo122/15.3T8HRT.L1-7, relatado por Luís Filipe de Sousa, disponível no sítio www.dgsi.pt )
III.6. Subsidiariamente, saber se, não sendo alterada a decisão de facto, não sendo considerada cumprida a excepção de não cumprimento do pagamento das rendas do art.º 1040, do CCiv em cumprimento do artigo 1040.º, reduzir o valor de rendas em dívida para €5.358,00, 60% do total, uma vez que o réu se viu impossibilitada de gozar de pelo menos 40% da fracção arrendada.
III.6.1. Sustenta o recorrente em suma que:
· Caso não se entenda o até aqui explanado neste ponto, sempre se dirá que, no limite, se verificou uma comprovada limitação do direito de gozo pelo Réu da fracção por si arrendada.
· Quer o relatório pericial quer a matéria de facto julgada provada no ponto 16 concordam em que os danos no tecto e no piso condicionaram o uso da sala e do quarto.
· Ora, se o gozo foi condicionado, ainda que parcialmente, o pagamento da renda deve comportar essa limitação.
· Sendo as divisões de quarta e sala manifestamente importantes para o gozo de uma casa, sempre se dirá que o Réu ficou privado em 40% do gozo da fracção arrendada, pelo que deve esse valor ser descontado ao valor em dívida aos Réus, Assim, se se considerar o Réu devedor das rendas entre Fevereiro de 2021 a Setembro de 2022, devem as mesmas ser reduzidas a 60% do total, o que corresponde a € 5.358,00.
III.6.2. Na sua oposição o réu termina a pedindo “...deve o presente requerimento de despejo ser considerado improcedente por não provado, uma vez que não só algumas das rendas alegadamente não pagas na verdade foram pagas, como se verifica a excepção de não cumprimento contida no artigo 1040.º, número 1, do Código Civil, tendo a mesma sido aceite pelo então Senhorio”. Sustenta que o Sr. D …, então Senhorio pela qualidade de cabeça de casal de E …, confessa que teve conhecimento dos danos na fracção e que aceitou o não pagamento das rendas pelo facto de os mesmos impedirem o Requerido de nela residir, sendo esse acordo apenas o corolário do disposto no artigo 1040.º, número 1, do Código Civil os danos provocados pelas obras no telhado do prédio, impediam o gozo da fracção arrendada para os fins a que a mesma se destinava, ou seja, habitação, uma vez que a fracção não permitia o uso enquanto a habitação então a proporção a descontar na renda a pagar também deverá ser integral. Não obstante a invocação do n.º 1, do art.º 1040, do CCiv, a verdade é que o Réu não pede, na sua oposição, ainda que subsidiariamente, a redução da renda para a hipótese de se vir a demonstrar que o gozo da fracção ficou apenas diminuído e não impossibilitado como o réu sustenta na oposição. O Réu não efectuou as reparações no locado nem intentou quaisquer meios de defesa da posse contra o locador, não pediu a sua resolução, considerou o contrato não cumprido e deixou de pagar as rendas invocando justa causa para o incumprimento dessa obrigação e é esse o pedido que formula na sua oposição e não também o da redução do valor das rendas como só agora formula em sede de recurso. Por essa razão, também o Tribunal recorrido, concluindo que existiu uma diminuição do gozo da fracção, não conheceu da questão da diminuição das rendas pedindo que lhe não foi colocado pelo réu e não é de conhecimento oficioso, salvo melhor opinião. Trata-se de questão nova que não cabe a este tribunal de recuso conhecer. Improcede também nessa parte a apelação.

IV-DECISÃO
Tudo visto acordam os juízes em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
As custas são da responsabilidade do recorrente que decai no recurso e porque decai (art.º 527/1 e 2).

Lisboa, 26-09-2024
Vaz Gomes
António Moreira
Susana Gonçalves
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[1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26/7, atento o disposto nos art.º 5/1, 8, e 7/1 (a contrario sensu) e 8 da mesma Lei; ao Código referido, na redacção dada pela Lei 41/2013, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.