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SANEADOR-SENTENÇA
CONTRADITÓRIO PRÉVIO
NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA
NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário
I - Não há violação do princípio do inquisitório plasmado no art.º 411 do CPC, quando o Juiz decida a causa no saneador-sentença, por se encontrar na posse de todos os elementos de facto de direito necessários à prolação de justa e consciente decisão, em conformidade com o disposto no art.º 595, nº 1, al. b) do CPC. II - Tal princípio não se sobrepõe e tem que ser conjugado com o dever de gestão processual imposto ao juiz, plasmado no art.º 6, nº1 do CPC, segundo o qual, cumpre ao Juiz dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere. A administração correcta da Justiça, pressupõe, precisamente, esta gestão de recursos e tempo. III - Se o Juiz informa as partes que vislumbra a possibilidade de conhecer de mérito da acção e lhes dá a possibilidade de discutir de facto e de direito as respectivas posições, em sede de audiência prévia, o dever de cumprimento do contraditório prévio à prolação da sentença, previsto no art.º 3º, nº 3 do CPC, mostra-se devidamente cumprido. O Juiz não tem que neste momento, antecipar a posição ou posições jurídicas que entende serem de aplicar ao caso. A sentença proferida, após tal diligência, não padece da nulidade de excesso de pronúncia a que alude o art.º 615, nº 1, al. d) do CPC. IV - O facto que a Mmª “a quo” ter concluído de forma não coincidente com as pretensões da recorrente, mas tendo abordado as questões técnico-jurídicas pertinente e aplicáveis ao caso, “inclusive” as da responsabilidade contratual e venda de coisas defeituosas, iliba a decisão recorrida do vício de omissão de pronúncia previsto no art.º 615, nº 1, al. d) do CPC. V - A nulidade da sentença por falta de fundamentação prevista na alínea b) do nº. 1 do art.º 615º do Cód. Proc. Civil verifica-se apenas no caso de ausência total de enumeração dos fundamentos de facto ou de indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação. VI - Não padece da nulidade, a que alude o artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, a decisão recorrida cujos fundamentos não estejam em oposição com a mesma, nem aquela que não revele ambiguidade ou obscuridade que torne a ininteligível.
Texto Integral
Acordam as Juízes na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO
1. Eurofunchal - Agência de Viagens, Turismo e Navegação, Lda. propôs ação declarativa de condenação, com processo comum, contra BMW Portugal, Lda. e M.M.-
Madeira Motores, Lda., pedindo que as rés fossem condenadas a: a) Proceder ao pagamento de todas as despesas incorridas pela autora na identificação e reparação dos defeitos de fabrico do veículo automóvel BMW M2 coupé (1J51) com a matrícula ..-TR-.., nomeadamente o reembolso das despesas no valor total de €5.317,24 e demais despesas de reparação que viessem a surgir, a liquidar em sede de execução de sentença; b) Reparar, a suas expensas, o veículo automóvel BMW M2 coupé, com a matrícula ..-TR-..; c) No caso de se frustrar a reparação do veículo, a substituir o BMW M2 coupé defeituoso, com a matrícula ..-TR-.., por bem móvel idêntico, na condição de novo.
Alegou a autora, em síntese, ser dona e legítima proprietária do veículo de marca BMW de matrícula ..-TR-..; a marca BMW é representada em Portugal pela ré BMW Portugal, Lda., na RAM, a marca BMW é representada pela ré M.M.- Madeira Motores, Lda.; a autora adquiriu a viatura em 12.02.2018, acompanhada de um pacote de 5 anos de manutenção para a viatura; em várias situações a autora solicitou os serviços da ré MM, Lda., em face de anomalias que se verificaram, sendo que comunicou à ré BMW, Lda. as sucessivas queixas relativas às avarias identificadas; a ré BMW, Lda. importa viaturas automóveis, tendo em vista a sua revenda aos concessionários automóveis que, por sua conta e risco, procedem à venda das mesmas aos clientes; a autora fez deslocar o veículo para o continente, sendo que aí foram diagnosticados defeitos relacionados com fugas de óleo, tendo sido orçamentada a respetiva reparação; foi constatado por uma perícia a existência de um “defeito de construção no diferencial e de outro na caixa de direção”.
Regularmente citadas, ambas as rés contestaram, a ré M.M.- Madeira Motores, Lda. excecionando a ilegitimidade do autor e impugnando alguns dos factos articulados pela autora e apresentando a respetiva versão dos factos, e a ré BMW Portugal, Lda. excecionando a respetiva ilegitimidade passiva e a caducidade do direito da autora e também impugnando alguns dos factos articulados pela autora e apresentando a respetiva versão dos factos.
Replicou a autora, no essencial, corrigindo alguns aspetos alegados na petição inicial e pugnando pela improcedência das exceções invocadas, no mais, mantendo e reiterando o alegado na petição inicial.
Após aperfeiçoamento da petição inicial, na sequência de despacho para o efeito, foi realizada audiência prévia, convocada com as finalidades previstas nas alíneas a) e b) do artigo 591º do Código de Processo Civil, com observância de todos os formalismos legais. *
Em 30.10.2023 foi proferido saneador-sentença que julgou as partes legitimas e acção proposta totalmente improcedente, por não provada. Consequentemente, absolveu ambas as rés dos pedidos.
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EUROFUNCHAL – AGÊNCIA DE VIAGENS, TURISMO E NAVEGAÇÃO, LDA., recorreu desta decisão, pugnando pelo reconhecimento dos vícios invocados (“violação do princípio do inquisitório, nulidade por excesso de pronúncia/decisão surpresa/violação do princípio do contraditório e omissão de pronúncia, erro de julgamento por ausência de motivação dos factos provados e nulidade por ambiguidade, obscuridade ou ininteligibilidade)”.
Apresentou os argumentos sintetizados nas respectivas conclusões, que seguem:
“A. O presente recurso vem interposto do saneador-sentença proferido no processo à margem identificado, o qual julgou a acção proposta pelo Autora, ora Recorrente, totalmente improcedente, por não provada e, consequentemente, absolveu ambas as Rés dos pedidos.
B. A decisão de improcedência da acção merece censura, na medida em que apresenta vícios geradores da respectiva nulidade, assim como não faz uma correcta aplicação do Direito.
C. Ao proferir saneador-sentença sem antes ter ouvido a prova testemunhal arrolada pela Autora, o Tribunal a quo violou ainda o princípio do inquisitório, não tendo feito uso dos seus poderes de direcção, agilização, adequação e gestão processual, comprimindo inexplicavelmente o princípio da prevalência da substância sobre a forma.
D. A sentença recorrida começa por discorrer longamente sobre a aplicabilidade do Código, relativo à garantia de bom funcionamento prestado pelo vendedor, tendo afastado, desde logo, a aplicação do regime jurídico da venda de bens de consumo.
J. O saneador-sentença recorrido incorreu em excesso de pronúncia, atendendo a que Tribunal ocupou-se de matérias não suscitadas pelas partes, sendo nulo nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte do CPC.
K. Não obstante ter sido convocada audiência prévia com as finalidades previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 591.º do CPC, a decisão proferida não deixa de constituir decisão-surpresa, proibida nos termos do n.º 3 do artigo 3.º do CPC, e que representa uma nulidade processual.
L. O Tribunal a quo não só não se empenhou activamente na obtenção da solução mais adequada aos termos do litígio, como apenas em sede de tentativa de conciliação anunciou que tencionava conhecer de imediato do mérito da causa, sendo certo que as excepções dilatórias invocadas pelas Rés ainda se mostravam pendentes de apreciação – o que, por si só, consubstanciaria a finalidade da convocação da audiência prévia nos termos da referida alínea b).
M. Ou seja, não obstante ter sido formalmente “facultada às partes a discussão de facto e de direito”, a verdade é que, em bom rigor, as partes desconheciam a matéria sobre a qual o Tribunal a quo tencionava conhecer, e não foram prevenidas de que a qualificação jurídica a dar não correspondia ao previsto e plasmado no processo, não se tendo pronunciado sobre a mesma, sendo inquestionável que existem, na doutrina e na jurisprudência, soluções diferentes quanto à questão a decidir, sobre as quais as partes não tiveram oportunidade de se pronunciar, em clara violação do princípio do contraditório.
N. O saneador-sentença recorrida também é nulo por omissão de pronúncia, atendendo a que o Tribunal a quo não se debruçou sobre os regimes jurídicos da responsabilidade contratual e da venda de coisas defeituosas, designadamente quando, conforme alegado pela Autora, por convenção das partes e também por força dos usos, existe garantia de bom funcionamento.
O. Acresce que a total ausência de motivação dos factos provados (pelo menos, donde, resta concluir que a decisão de que se recorre padece de erro de interpretação da matéria de facto alegada e julgada provada e da respectiva subsunção jurídica, tendo incorrido em erro de julgamento)”.
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M. M. – MADEIRA MOTORES, LDA. contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
“1ª – A legitimidade das partes é um pressuposto processual que se prende com o interesse jurídico-processual de que a causa seja julgada perante os verdadeiros e principais interessados da relação jurídica, apresentando-se como um corolário do princípio do contraditório.
2ª – O Cód. Proc. Civ. toma como elementos definidores da legitimidade do autor o interesse em demandar e do réu o interesse em contradizer, exigindo que esse mesmo interesse seja directo, no sentido de que não basta que a decisão da causa afecte, por via de repercussão, uma relação jurídica de que a parte seja titular.
3ª – A legitimidade não é uma qualidade pessoal das partes, mas uma certa posição delas face à relação material, que se traduz no poder legal de dispôr dessa relação por via processual.
4ª – Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeito de legitimidade, os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor.
5ª – A determinação da legitimidade afere-se pela investigação de causa de pedir e da posição das partes em relação a essa causa de pedir.
6ª – Quando o Juiz findo o período dos articulados e considerando o estado do processo, entender que dispõe já de condições para proferir decisão de mérito, a audiência prévia será destinada a facultar às partes a discussão sobre as vertentes do mérito da causa que o juiz projecta decidir.
7ª – Nas alegações orais, de facto e de direito, acerca do mérito da causa, produzidas no âmbito da audiência prévia, as partes podem não só fazer os considerandos que tenham por convenientes, no sentido de justificar e fundamentar a procedência das respectivas pretensões, mas também para tomarem posição sobre eventuais excepções peremptórias, discutidas ou não nos articulados, mas que o juiz entenda poder conhecer oficiosamente.
8ª - A convocação das partes para a audiência prévia no contexto da alínea b) do nº. 1 do art.º 591º do Cód. Proc. Civ. Impede que as partes venham a ser confrontadas com uma decisão que, provavelmente, não esperariam que fosse já proferida, evitando assim uma decisão surpresa.
9ª – A finalidade das alíneas b) e c) do nº. 1 do art.º 591º Cód. Proc. Civ. é semelhante, no sentido de proporcionar às partes a discussão sobre as suas posições, embora a alínea c) considere apenas a discussão com vista à delimitação dos termos do litígio e ao suprimento de falhas na exposição da matéria de facto, já a alínea b) comporta não só a discussão de facto, mas também a discussão de direito dos termos da causa, no todo ou em parte, ou seja, do mérito ou de excepções dilatórias.
10ª – “In casu”, após as partes terem sido notificadas para se pronunciarem sobre as excepções deduzidas, foram igualmente notificadas para a realização da audiência prévia, tendo por objecto as finalidades previstas nas alíneas a) e b) do nº. 1 do art.º 591º do Cód. Proc. Civ..
11ª – Na audiência prévia, a Ilustre Mandatária da A. teve oportunidade de discretear, com toda a amplitude sobre a causa podendo, inclusive, usar do direito de réplica – faculdade essa de que não se prevaleceu – quer em termos de facto, quer em termos de direito, tendo podido apreciar toda a factualidade reunida nos autos, bem como as questões jurídicas suscitadas, maxime a ilegitimidade substantiva passiva das Rés, pelo facto de nenhuma delas ter a posição de “vendedora”, para que lhes possa ser oposto o regime da venda de coisas defeituosas, previsto nos artºs. 913º e 914º do Cód. Civ..
12ª - O art.º 595º, nº. 1, alínea b) do Cód. Proc. Civ. Permite ao julgador conhecer do mérito da causa no despacho saneador, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos.
13ª – O juiz pode conhecer do mérito da causa no despacho saneador sempre que não exista matéria controvertida susceptível de justificar a elaboração de temas de prova e de realização da audiência final.
14ª – A situação prevista nas duas conclusões precedentes acontece quando toda a matéria de facto relevante esteja provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documento e nestas circunstâncias é inviável a elaboração de temas de prova e, por isso, mostra-se dispensável a audiência final, nada obstando a que o Juiz proceda à imediata subsunção jurídica.
15ª – O mesmo acontece quando seja indiferente para qualquer das soluções plausíveis a prova dos factos que permanecem controvertidos e ainda quando de acordo com as soluções plausíveis da questão de direito, a decisão final de modo algum puder ser afectada com a prova dos factos controvertido, não existindo interesse algum na enunciação dos temas de prova.
16ª – A decisão de mérito no despacho saneador também se justifica quando o conjunto dos factos alegados pelo autor (factos constitutivos) não preenche, de modo algum, as condições de procedência da acção, sendo indiferente a respectiva prova e, consequentemente, inútil o prosseguimento da acção para a audiência final.
17ª – No caso “sub judice”, embora as questões a decidir sejam de facto e de direito, os elementos constantes dos autos permitem uma decisão conscienciosa quanto ao mérito da causa.
18ª – Incumbe ao comprador a prova do direito invocado em caso de venda defeituosa, ou seja, a entrega da coisa com defeito, presumindo-se quanto à culpa, que a mesma existe por parte do vendedor.
19ª – No caso em apreço não foi alegado pela A. qualquer negócio jurídico, celebrado com qualquer das RR. susceptível de configurar um contrato de compra e venda, invocando a primeira apenas e singelamente o regime jurídico da locação financeira para justificar a respectiva legitimidade activa.
20ª – A locação financeira é o contrato pelo qual uma entidade (o locador financeiro) concede a outra (o locatário financeiro) o gozo temporário de uma coisa, adquirida para o efeito pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário (coisa que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por preço determinado ou determinável, segundo os critérios fixados).
21ª – O locatário pode exercer contra o vendedor todos os direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda.
22ª – A vendedora do veículo do qual a A. é locatária financeira foi a sociedade N e S, S.A..
23ª – Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei – “ut” 406º, nº. 2 do Cód. Civ..
24ª – Referindo-se o art.º 13º do Decreto-Lei nº. 149/95, de 24 de Junho ao exercício de direito pelo locatário contra o vendedor dos direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda, tal preceito não é aplicável à R. M.M. – Madeira Motores, Lda., não podendo esta ser responsabilizada por alegados defeitos de fabrico e de funcionamento de um veículo que não vendeu à A..
25ª – A ratio essendi do Decreto-Lei nº. 383/89, de 6 de Novembro versa sobre a responsabilidade decorrente de produtos defeituosos por parte do produtor é proteger apenas o consumidor em sentido estrito, ou seja, aquele que utilize a coisa para um fim privado, pessoal, familiar ou doméstico e não para um fim profissional ou uma actividade comercial.
26ª – Sendo a A. uma sociedade comercial, não lhe é aplicável o regime previsto no Decreto-Lei nº. 383/89, de 6 de Novembro, pelo que também em relação à R. BMW Portugal, Lda. não poderá ser-lhe imputável qualquer responsabilidade em consequência do defeito de fabrico e de funcionamento do veículo que alega da A..
27ª – Os factos constantes da Fundamentação de facto da sentença recorrida constam de 13 pontos, sendo que nenhum deles foi impugnado pela A./Apelante.
28ª – Os factos provados conduzem, por si sós, à absolvição das RR. do pedido, à luz do dever de gestão processual, previsto no art.º 6º do Cód. Proc. Civ., pelo que não há necessidade alguma da Mmª. Juiz da causa discriminar, igualmente, os factos não provados, sob pena de incorrer na prática de um acto inútil.
29ª – Os factos dados como provados nos presentes autos resultaram dos documentos juntos pelas partes e da posição das mesmas nos respectivos articulados e requerimentos.
30ª – Como se infere da menção feita pelo Tribunal “a quo”, no que concerne à análise crítica das provas, os pontos 1., 2., 12. e 13. resultaram de documentos juntos aos autos, cuja letra não foi impugnada e os restantes pontos resultaram da posição das partes nos respectivos requerimentos.
31ª – A nulidade da sentença por falta de fundamentação prevista na alínea b) do nº. 1 do art.º 615º do Cód. Proc. Civ. verifica-se apenas no caso de ausência total de enumeração dos fundamentos de facto ou de indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação.
32ª – A viatura matrícula ..-TR-.., de que se ocupam os autos, não beneficia de qualquer extensão da garantia legalmente estabelecida, mas tão somente de um contrato de manutenção ou pacote de serviços denominado “Service Inclusive”, com a duração de cinco anos, com início em 26 de Outubro de 2017 e termo em 25 de Outubro de 2022, ou até que a viatura atinja os 100.000 km.
33ª – O pacote de serviços a que alude a conclusão precedente abrange apenas os seguintes trabalhos de manutenção:
1. Verificação/Substituição do óleo do motor, incluindo quantidades de reposição;
2. Verificação/Substituição do filtro de ar, filtro de combustível, microfiltro e velas;
3. Verificação/Substituição do óleo dos travões e 4. Serviço de revisão do veículo, de acordo com as especificações da B.
34ª – O prazo de garantia contra defeitos do veículo em causa é o de seis meses previsto no art.º 921º, nº. 2 do Cód. Civ., devendo ser denunciado ao vendedor até trinta dias após o conhecimento, de harmonia com o nº. 3 do mesmo preceito.
35ª – Por seu turno, a acção caduca logo que finde o tempo para a denúncia sem que o comprador a tenha feito, ou passados seis meses sobre a data em que a denúncia foi efectuada – “ut” n.º 4 do normativo a que alude a conclusão precedente.
36ª – No caso dos autos, o Tribunal “a quo” deu cumprimento ao disposto no art.º 590º, n.º 4 do Cód. Proc. Civ., tendo concedido prazo de dez dias à A. para a apresentação de novo articulado corrigido.
37ª – O mesmo Tribunal também determinou que a A. fosse notificada ao abrigo do disposto nos artºs. 3º, n.ºs 3 e 6º do Cód. Proc. Civ. para responder às excepções deduzidas nas contestações apresentadas.
38ª – O dever de gestão inicial do processo atribuído ao Juiz pelo art.º 590º do Cód. Proc. Civ., convidando as partes a colmatarem quaisquer irregularidades dos articulados, sugerindo-lhes o suprimento das insuficiências ou imprecisões tendentes à boa decisão da causa, tem como limite inultrapassável o respeito pelos princípios do dispositivo, da igualdade das partes e da imparcialidade do Juiz, conforme decorre da exigência constitucional da salvaguarda de um processo equitativo (art.º 20º, nº. 4 da Constituição da República Portuguesa).
39ª – O erro de julgamento (error judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa.
40ª – O Tribunal “a quo” fez uma correcta aplicação do direito – maxime do disposto no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa; nos artºs. 342º, nºs. 1 e 2; 406º, nº. 2; 874º; 913º, nºs. 1 e 2; 916º; 917º e 921º do Cód. Civ.; nos artºs. 3º, nº 3, 6º, nºs. 1 e 2; 30º, nºs. 1, 2 e 3; 590º, nº. 4; 591º, nº. 1, alíneas a) e b) e 595º, nº. 1, alínea b) do Cód. Proc. Civ.; no art.º 8º do Decreto-Lei nº. 383/89, de 6 de Novembro; nos artºs. 1º e 13º do Decreto-Lei nº. 149/95, de 24 de Junho; no art.º 2º, nº. 1 da Lei nº. 4/96, de 31 de Julho e no art.º 2º, nº. 1 do Decreto-Lei nº. 67/2003, de 4 de Abril – à matéria de facto, aliás, criteriosamente apurada, pelo que a douta sentença recorrida não merece qualquer censura.
41ª – Improcedem as conclusões B., C., E., F., G., J., L., M., N., O., P., Q., R., S., T., U. e V. e as demais mostram-se inócuas para a decisão do recurso interposto.
Pugna para que seja negado provimento ao recurso interposto confirmando-se, integralmente, decisão recorrida.
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BMW PORTUGAL, LDA. também contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
“A. O presente recurso vem interposto do saneador-sentença datado de 30.10.2023, nos termos do qual o Tribunal a quo julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo as Rés dos pedidos contra si formulados.
B. Entendeu o Tribunal a quo que, não tendo a Autora demandado o vendedor do Veículo, para o responsabilizar ao abrigo do regime cível da venda de bens defeituosos, e não sendo esta consumidora para efeitos da aplicação do regime da responsabilidade do produtor, previsto no DL n.º 383/89, de 06.11, a sua pretensão havia de improceder.
C. Inconformada, a Autora, ora Recorrente, veio interpor recurso, por entender que a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de diversos vícios, entre os quais (i) omissão de pronúncia e excesso de pronúncia, (ii) ausência de fundamentação, (iii) ambiguidade, obscuridade ou ininteligibilidade, encontrando-se por isso ferida de nulidade nos termos do
disposto nas alíneas d), b) e c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
D. Alega ainda a Recorrente que a decisão proferida viola vários princípios fundamentais do Estado de Direito democrático, entre os quais o princípio do contraditório e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva plasmados no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa,
E. Bem como o princípio do inquisitório, na sua dimensão de poder-dever de gestão processual, tendo comprimido inexplicavelmente o princípio da prevalência da substância sobre a forma.
F. Finalmente, a Recorrente alega ainda que na decisão proferida o Tribunal a quo não fez uma adequada subsunção da matéria de facto alegada pelas partes ao direito, incorrendo em erro de julgamento.
G. Contudo, o certo é que a sentença recorrida não padece dos vícios que lhe são assacados pela Recorrente, devendo ser integralmente mantida.
H. Desde logo, a sentença recorrida não padece de nulidade por excesso de pronúncia porquanto, por força do princípio iura novit curia, o juiz não está sujeito às alegações das partes em matéria de Direito, tendo liberdade para aplicar uma qualquer norma jurídica, ainda que a mesma não tenha sido alegada pelas partes.
I. Ademais, o excesso de pronúncia apenas constitui uma nulidade nos casos em que o mesmo se refira ao pedido, e não à causa de pedir, mormente aos fundamentos de Direito.
J. De qualquer modo, tendo o Tribunal a quo convocado audiência prévia, inter alia, para a finalidade prevista no artigo 591.º, n.º 1, al. b) do CPC, e tendo convidado as Partes, expressamente, para se pronunciarem acerca da matéria de facto e de direito, nada mais se lhe impunha antes de proferir decisão de mérito.
K. Mais! Ao contrário do que a Autora alega, é unânime, na jurisprudência e na doutrina, que o regime da responsabilidade do produtor não é aplicável às pessoas coletivas, por não serem estas consideradas consumidoras, pelo que uma qualquer alegação da Autora a este respeito sempre se revelaria irrelevante para a boa decisão da causa.
L. Ademais, não sendo nenhum dos regimes jurídicos invocados pela Autora suscetível de ser aplicado ao presente caso, apenas restava ao Tribunal a quo indagar da aplicação do regime previsto no DL n.º 383/89, de 06.11, o que fez.
M. Alega ainda a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu numa nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que não se pronunciou sobre os regimes jurídicos invocados pela Autora na sua petição inicial.
N. Novamente, o princípio iura novit curia e o facto de a omissão de pronúncia apenas constituir nulidade nos casos em que a mesma se refira ao pedido, e não à causa de pedir, indicam a improcedência da argumentação da Recorrente a este respeito.
O. De qualquer forma, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre o regime da venda de bens defeituosos, tendo concluído que, não tendo sido demandado o vendedor do Veículo, o mesmo não seria aplicável ao presente caso.
P. Por sua vez, no que respeita ao regime da garantia de bom funcionamento, previsto no artigo 921.º do CC, o Tribunal a quo conclui, igualmente, pela sua improcedência atento, uma vez mais, o facto de o vendedor do Veículo à Autora não ter sido demandado na presente ação.
Q. Relativamente à garantia contratual, não tinha o Tribunal a quo de se pronunciar sobre a mesma, uma vez que a Autora funda o seu pedido na
putativa violação da garantia edílica ou legal prestada pelo vendedor do bem, apenas se referindo à violação do artigo 798.º no último artigo da sua petição inicial, e nem sequer indicando qual a concreta disposição contratual que terá sido violada.
R. Sem prescindir, a garantia contratual a que a Autora alude mais não é do que um contrato de serviços de manutenção, nunca tendo sido garantida no âmbito do mesmo a conformidade do bem.
S. Quanto à existência ou não de defeito de fabrico, a mesma ficou prejudicada pelo facto de o Tribunal a quo ter decidido no sentido da não aplicação dos regimes previstos no DL n.º 67/2003, de 08.04, do DL n.º 383/89, de 06.11 e dos artigos 921.º e seguintes do CC aos presentes autos, quer por não ser a Autora consumidora, quer por não serem as Rés vendedoras.
T. Alega ainda a Recorrente que o Tribunal a quo (i) não discriminou os factos que considera não provados e (ii) não fundamentou a matéria de facto que julgou provada, incorrendo, por isso, numa nulidade por falta de fundamentação.
U. Desde logo, a falta de discriminação dos factos não provados não gera qualquer nulidade, por não se enquadrar em nenhuma alínea do artigo 615.º, n.º 1, do CPC.
V. A sentença recorrida especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão proferida, pronunciando-se relativamente a todos os pedidos elencados pela Autora.
W. Ao contrário do que refere a Recorrente, o Tribunal a quo não estava obrigado a dar como não provados os factos que não considerou expressamente provados, conquanto tal factualidade não era relevante para a decisão da causa em face da não aplicabilidade de um qualquer regime jurídico ao caso dos autos, nos termos em que o mesmo foi configurado pela Autora.
X. Por outras palavras, a decisão da causa estava circunscrita a uma questão de natureza eminentemente jurídica para a qual só relevava a posição substantiva das partes na ação, que resultava de factos assentes entre as partes, sendo todos os demais irrelevantes.
Y. Acresce que o Tribunal jamais poderia dar tais factos como não provados quanto os mesmos, conquanto fossem irrelevantes para a decisão da causa, permaneciam controvertidos entre as partes.
Z. Por outro lado, no que respeita à putativa ausência de fundamentação da matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo, cumpre referir que a mesma corresponde a matéria assente nos autos, suportada por prova documental, e não impugnada por nenhuma das Partes, pelo que não carecia de qualquer prova adicional, nem de fundamentação exaustiva por parte do Tribunal a quo.
AA. De qualquer modo, conforme é assente na doutrina e na jurisprudência, apenas a ausência absoluta de fundamentação acarreta a nulidade da sentença, e não a mera deficiência da mesma.
BB. Improcede, pois, também esta linha argumentativa da Recorrente.
CC. Prossegue a Recorrente, alegando que a sentença é nula por ambiguidade, obscuridade e ininteligibilidade.
DD. Segundo se percebe, a Recorrente contesta que o Tribunal a quo tenha declarado a legitimidade processual de todos os intervenientes, inclusive enquadrando a BMW Portugal no conceito legal de produtor, para depois afastar a aplicação do regime jurídico com base no qual o concluiu, por o mesmo não lhe ser aplicável.
EE. Acontece que, como é sabido, o Tribunal estava obrigado a conhecer das exceções dilatórias invocadas pelas partes no despacho saneador, o que fez.
FF. Assim, no início da sentença recorrida, o Tribunal a quo analisou apenas as exceções deduzidas pelas Partes, designadamente a exceção de ilegitimidade ativa deduzida pela Ré M.M. e a exceção de ilegitimidade passiva substantiva deduzida pela Ré BMW Portugal, como lhe incumbia.
GG. Esta circunstância não conflitua com o facto de, posteriormente, o Tribunal a quo vir a considerar que a Autora não é parte legítima para efeitos de aplicação do regime previsto no DL n.º 383/89, de 06.11, pois aí, estava já o mesmo a indagar da sua legitimidade substantiva (e não processual).
HH. Por sua vez, é igualmente falso que o ponto 4 e 11 dos factos provados sejam ininteligíveis, porquanto a Autora compreendeu perfeitamente bem a que factos se referia o Tribunal a quo.
II. Ainda a propósito desta putativa nulidade, alega a Recorrente que parece ter havido contradição formal entre a matéria de facto e a fundamentação de direito.
JJ. Contudo, a Recorrente não concretiza, ainda que minimamente, a sua argumentação a este respeito, não permitindo à Recorrida esgrimir qualquer defesa.
KK. Sem prescindir, reitera-se que o facto de o Tribunal a quo ter considerado a Autora parte legítima na presente ação e, simultaneamente, ter entendido que a mesma não se subsumia à noção de consumidor para efeitos de aplicação do DL n.º 383/69, de 06.11, não consubstancia, per si, uma contradição entre a matéria de facto e a matéria de direito.
LL. Finalmente, alega a Recorrente que a sentença recorrida violou vários princípios fundamentais do Estado de Direito democrático, designadamente o do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, tendo feito tábua rasa dos direitos à jurisdição, à prova e ao processo justo equitativo.
MM. Alegando ainda que foram severamente incumpridos os poderes-deveres de gestão processual e de adequação formal.
NN. E que a decisão em crise padece de erro de interpretação da matéria de facto alegada e julgada provada e da respetiva subsunção jurídica, incorrendo em erro de julgamento.
OO. Acontece que, o Tribunal a quo, ao conhecer imediatamente do mérito da causa quando já se encontrava em condições de o fazer, impediu que se incorresse na prática de atos inúteis, designadamente a realização da audiência de julgamento.
PP. Pelo que o simples facto de não ter concedido às Partes oportunidade para produção de prova adicional não consubstancia uma violação dos princípios do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.
QQ. Esta hipótese encontra-se prevista no artigo 595.º, n.º 1, al. b) do CPC tendo o Tribunal a quo, aquando do agendamento da audiência prévia, indicado expressamente que a mesma se destinava a facultar às Partes discussão sobre a matéria de facto e de Direito.
RR. Mais! É falso que da sentença recorrida decorra que a venda de coisa defeituosa a pessoa coletiva não tem qualquer proteção jurídica. Apenas não o tem, nos termos em que a ação foi configurada pela Autora!
SS. De qualquer modo, cumpre referir que, não sendo o DL 67/2003, de 08.04, aplicável à Autora, por não ser esta consumidora, é-lhe aplicável,
tão só, a garantia prevista no artigo 921.º, n.º 2 do CC, que prevê que “no silêncio do contrato, o prazo da garantia expira seis meses após a entrega da coisa”.
TT. No caso em apreço, o Veículo foi vendido no estado de novo no dia 27 de outubro de 2017, pelo que há muito que se encontram ultrapassados os seis meses de que o comprador dispunha para identificar e denunciar um qualquer defeito, não se encontrando aquela garantia em vigor.
UU. Finalmente, quanto aos poderes-deveres de gestão processual e adequação formal, que a Recorrente alega terem sido incumpridos, cumpre apenas referir que o Tribunal não tem um dever paternalista sob as partes de um litígio, não se lhe impondo que convidasse a Autora a demandar o verdadeiro vendedor do Veículo.
VV. Por outras palavras, perante uma má configuração jurídica feita por parte da Autora, ora Recorrente, não estava o Tribunal a quo obrigado a atuar de forma distinta daquela que atuou.
WW. Conclui-se, assim, que a decisão ora em crise não padece de um qualquer erro na interpretação dos factos e das normas jurídicas, não tendo o Tribunal a quo incorrido num qualquer erro de julgamento.
Conclui pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.
*
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
*
A Juiz Relatora proferiu despacho nos termos do disposto no art.º 617º, nº 5 do CPC, constatada a omissão de pronúncia por parte do Mmª Juiz “a quo” sobre as nulidades da sentença invocadas no recurso, tendo o processo baixado à primeira instância, para os devidos efeitos.
*
Em obediência ao “supra” referido despacho, a Mmª Juiz subscritora da decisão recorrida, proferiu o seguinte despacho:
“Como resulta expresso no artigo 5º, n.º 3 do Código de Processo Civil, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação interpretação e aplicação das regras de direito.
Como resulta manifestamente do despacho que designou data para tal diligência, da ata e gravação da mesma, bem como da própria decisão recorrida, o tribunal realizou audiência prévia cumprindo as finalidades para que foi convocada, isto é, aquelas a que alude o artigo 591º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil.
Resulta expresso da decisão recorrida que os factos provados foram-no com base nos documentos juntos e da posição das partes nos respetivos articulado.
É manifesto, em face da decisão recorrida, que não foi produzida prova, para além da documental, sendo que expresso em tal de decisão que “embora as questões a decidir sejam de facto e de direito, os elementos constantes dos autos permitem já uma decisão quanto ao mérito da causa, pelo que (…), passa a conhecer-se diretamente de tal mérito”.
Da leitura da decisão é possível retirar o respetivo sentido, aí se concluindo em conformidade com a respetiva fundamentação, sendo que, em sede de apreciação da ilegitimidade se explicita o respetivo conceito, assim como as normas aplicáveis e, em sede de fundamentação jurídica, observou-se o disposto no artigo 607º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Acresce que os pontos da fundamentação de facto indicados pela recorrente se revelam percetíveis e compreensíveis”.
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Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
**
São as conclusões formuladas pelo recorrente que delimitam o objeto do recurso, no tocante ao desiderato almejado por aquele, bem como no que concerne às questões de facto e de Direito suscitadas, conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC.
Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art.º 5º n.º 3 do CPC)[1].
Por outro lado, não pode o Tribunal de recurso, conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[2].
*
2. Do objecto do recurso
São questões a decidir:
Saber se a sentença recorrida padece dos seguintes vícios:
I. Violação do princípio do inquisitório
II. Do excesso de pronúncia por alegada violação do princípio do contraditório (decisão surpresa)
III. Omissão de pronúncia
IV. Erro de julgamento por ausência de motivação dos factos provados
V. Nulidade por ambiguidade, obscuridade ou ininteligibilidade
***
II – FUNDAMENTOS
2.1. Fundamentos de facto
Nesta sede, é este o texto da decisão recorrida:
“Dos documentos juntos e da posição das partes nos respetivos requerimentos, resultam provados os seguintes factos:
1. Do certificado de matrícula relativo ao veículo automóvel da marca BMW, modelo M2 coupé, com a matrícula ..-TR-.. consta a autora como “titular certificado”, enquanto locatário em regime de locação financeira, com início em 25.04.2018 e termo em 25.04.2022, e como “proprietário” Banco BIC Português, SA, e como data da primeira matrícula 23.10.2017 (cfr. documentos de fls. 14 e 52 verso).
2. Mediante escrito datado de 4 de abril de 2018 entre o Banco BIC Português, SA e a autora foi estabelecido, além do mais, como “condições gerais” que:
“Primeira
Objeto
1. O presente contrato tem por objeto a locação financeira do equipamento identificado na Cláusula Primeira das Condições Particulares (o “Equipamento”), reconhecendo o Locatário que o Equipamento possui todas as características adequadas à utilização para os fins a que se destina.
2. Nos termos do presente contrato de locação financeira, composto pelas Condições Gerais, pelas Condições Particulares e demais legislação aplicável, o Locador compromete-se a adquirir o Equipamento, a cedê-lo sob o regime de locação financeira ao Locatário, mediante o pagamento das rendas ora acordadas e ainda, a vender o Equipamento ao Locatário, se este vier a exercer o direito de opção de compra, nos termos e condições fixadas no presente contrato.
(…)
Oitava
Propriedade do Equipamento
1. O Locador é o único e exclusivo proprietário do Equipamento. O Locatário não pode ceder a sua utilização, nem aliená-lo, onerá-lo ou sublocá-lo, nem dele dispor por qualquer forma que não seja a expressamente prevista neste contrato, sem autorização prévia e expressa dada por escrito pelo Locador, sob pena de responsabilidade civil e criminal, sem prejuízo dos casos expressamente previstos na lei.”
(…)
Décima Sexta
Termo do Contrato” - Exercício da Opção de Compra pelo Locatário”
1. No termo do contrato, seja por decurso do prazo ou por amortização total antecipada, o Locatário poderá optar por uma das seguintes soluções (…).
c) Optar pela compra do Equipamento, devendo comunicar essa opção, por escrito ao Locador, até trinta dias antes da última renda do contrato. Nesse caso, o Equipamento será adquirido pelo valor residual, fixado nas Condições Particulares, acrescido do imposto devido e pago mediante a apresentação da respetiva fatura”.
Mediante o mesmo documento, foram estabelecidas, além do mais, as seguintes “condições particulares”:
“CLÁUSUALA PRIMEIRA – EQUIPAMENTO/DESCRIÇÃO
Viatura: 1 VIATURA, Marca BMW, Modelo M2 (Usada)
CLÁUSULA SEGUNDA – MATRÍCULA/CHASSIS
O equipamento objeto do presente contrato corresponde à viatura com a matrícula ..-TR-.. (…).
CLÁUSULA TERCEIRA – FORNECEDOR OU FABRICANTE N & S, SA
(…)
CLÁUSULA OITAVA – DURAÇÃO DO CONTRATO 48 Meses
(…)” - cfr. documento de fls. 115.
3. A Ré BMW, no âmbito da sua atividade comercial, importa viaturas automóveis, tendo em vista a sua revenda aos concessionários automóveis que, por sua conta e risco, procedem à venda daquelas a clientes finais e/ou à prestação de serviços, i.e., de arranjo, manutenção e reparação, em exclusivo, desses veículo, mormente no caso de serem identificados vícios/anomalias no veículo automóvel no decurso do período de garantia, que obstem ao seu normal e esperado funcionamento por parte do seu comprador.
4. A 12 de agosto de 2019 e perante nova abordagem à ré M.M. para a resolução das sucessivas queixas, esta referiu que viria um técnico de Lisboa no início de outubro para avaliação dessas anomalias.
5. A 3 de janeiro de 2020 a autora remeteu e-mail à marca oficial da BMW.
6. A 9 de janeiro de 2020 a autora endereça uma última missiva à ré M.M., declinando os seus serviços.
7. A autora deu conhecimento da situação à Ré BMW Portugal, Lda, através do envio de e-mail para o endereço info@bmw.pt.
8. A 29 de janeiro de 2020, a autora recebeu resposta da ré BMW reconhecendo, por um lado, a responsabilidade “pelo tratamento de todas as situações ocorridas em Portugal”, mas declinando o tratamento da questão apresentada por, existirem “diligências tendentes à resolução da presente situação” entre a autora e a ré M.M..
9. A autora deu conhecimento à ré BMW através de e-mail, indicando que iria recorrer aos mecanismos legais por não restar outra alternativa.
10. Face à resposta recebida da ré M.M., a autora deu conhecimento à ré BMW, por carta enviada a 7 de fevereiro de 2020.
11. Após esta data, ocorreram outras comunicações.
12. Ora, a ré BMW Portugal, Lda. tem como objeto a atividades de importação, distribuição, comércio, reparação e manutenção de veículos, nomeadamente automóveis e motociclos, incluindo peças e acessórios, bem como outras atividades com estas, direta ou indiretamente, relacionadas ou conexas (cfr. documento de fls. 75 verso).
13. A propriedade do veículo referido em 1. foi registada na Conservatória do Registo de Automóveis a favor da ré BMW Portugal, Lda. em 27.10.2017, a favor de GA em 10.11.2017 e a favor de N & S, SA em 12.02.2018, encontrando-se aí também registada, em 11.06.2018, locação financeira, com início em 25.04.2018 e fim em 25.10.2024, Eurofunchal Agência de Viagens Turismo e Navegação, Lda. (cfr. documento de fls. 52 verso e 120). *
2.2. Fundamentos de direito
Nesta sede, é este o conteúdo da decisão recorrida:
“Através da presente ação pretende a autora a condenação das rés no pagamento de uma indemnização correspondente ao reembolso das despesas em que incorreu para a identificação e reparação valor do veículo em causa, assim como na reparação do mesmo veículo ou a substituição dele por um outro novo, tudo que em consequência de um defeito de fabrico e de funcionamento do veículo, convocando para tal a responsabilidade da ré M.M. – Madeira Motores, Lda. enquanto representante da marca BMW nesta Região Autónoma e a ré BMW Portugal enquanto representante da mesma marca em Portugal, isto é, na qualidade de “importadora” do veículo.
Funda a autora essa pretensão no disposto no artigo 913º do Código Civil, no Decreto-Lei n.º 67/2003 de 8 de abril, por existir venda de coisa defeituosa, sem descuidar da possibilidade de aplicação ao caso da tutela que decorre do regime da defesa de consumidores, nos termos da Lei n.º 24/96 de 31 de julho, que aprovou a Lei de Defesa do Consumidor, igualmente com alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 47/2014, de 28 de julho.
Efetivamente, nos termos do artigo 913º n.º 1 do Código Civil: «Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que se destina, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes». Por sua vez o n.º 2 do mesmo preceito explicita ainda que: «Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria».
O contrato de compra e venda “é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço” (artigo 874º do Código Civil).
Um dos efeitos do contrato de compra e venda consiste na obrigação da entrega da coisa (artigos 874º e 879º alínea b) do Código Civil).
Devendo os contratos ser pontualmente cumpridos, nos termos do artigo 406º nº 1 do Código Civil, o cumprimento daquela obrigação só será perfeito se, por um lado, a coisa for entregue e, por outro lado, sem defeitos intrínsecos, estruturais e funcionais (defeitos de conceção ou design e defeitos de fabrico).
Ou seja, verifica-se a venda de coisa defeituosa quando a mesma: Sofra de vício que a desvalorize; Não possua as qualidades asseguradas pelo vendedor; Não possua as qualidades necessárias para a realização do fim a que é destinada ou sofra de vício que a impeça da realização desse fim.
Se a coisa vendida padecer daqueles defeitos estamos perante uma venda de coisa defeituosa (artigo 913º do Código Civil).
Na fixação do regime jurídico da compra e venda de coisas defeituosas deve ter-se em conta o regime geral da responsabilidade contratual (artigos 798º e ss. do Código Civil), o regime especial previsto no artigo 913º do Código Civil (ao remeter para o regime da compra e venda de bens onerados) e as particularidades previstas nos artigos 914º e ss. do Código Civil.
Assim, perante tal, verifica-se que incumbe ao comprador a prova do direito invocado, ou seja, a entrega da coisa com defeito (artigo 342º nº 1 do Código Civil), presumindo-se, quanto à culpa, a culpa do vendedor (artigo 799 nº1 do Código Civil). Provada a entrega da coisa com defeito e não tendo sido ilidida a presunção de culpa do vendedor, podem ocorrer as seguintes consequências: reparação do defeito; substituição da coisa; redução do preço; resolução do contrato e indemnização.
Este, o regime regra.
Com efeito, embora a obrigação de conformidade com o contrato decorra já dos princípios gerais e do regime legal do contrato de compra e venda no Código Civil, ela é expressamente imposta pelo artigo 2º nº 1 do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8/4 (que transpõe para a ordem jurídica nacional a Diretiva nº 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25/5, sobre certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas), aqui aplicável, que estipula que “o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda”.
Por sua vez, o artigo 2º nº 2 do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8/4, consagra determinados “factos-índices” de não conformidade, de tal forma que se comprovados presume-se a desconformidade (presunção juris tantum).
No presente caso, não é alegado pela autora, nem mesmo após o aperfeiçoamento da petição inicial, qualquer negócio jurídico, nomeadamente celebrado com qualquer das rés, que se reconduza a um contrato de compra e venda, sendo que, no requerimento em que a autora vem responder às exceções suscitadas pelas rés, a mesma faz apelo ao regime jurídico da locação financeira para sustentar a respetiva legitimidade ativa, vindo, em requerimento posterior, a juntar o contrato de locação financeira que celebrou com o Banco BIC Português, SA, a que as rés aludiram nas respetivas contestações.
A locação financeira é o contrato pelo qual uma entidade (o locador financeiro) concede a outra (o locatário financeiro) o gozo temporário de uma coisa, adquirida para o efeito pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário (coisa que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado por preço determinado ou determinável segundo os critérios fixados (MENEZES CORDEIRO, Manual do Direito Bancário, págs. 555-563).
É um contrato de crédito com características específicas em que «por indicação do locatário, o locador adquire uma coisa, que no todo (física e materialmente) desconhece, no propósito de conceder àquele o seu gozo».
O «locador, apesar de ser titular de um direito real, não suporta os riscos inerentes ao uso do bem. Obriga-se a “conceder o gozo” de uma coisa sem sequer ter tido qualquer tipo de contacto material com ela … Já o locatário financeiro dispõe de um direito de gozo do bem - portanto um direito de natureza obrigacional - embora onerado com os riscos que normalmente gravam sobre o típico proprietário» (GRAVATO DE MORAIS, Manual da Locação Financeira, págs. 260-262, 163-164 e 114-115).
Deste modo, dispõe o artigo 12º do Decreto-Lei 149/95, de 24 de junho, que o locador não responde pelos vícios do bem locado ou pela sua inadequação, salvo o disposto no artigo 1034º do Código Civil (casos respeitantes à ilegitimidade do locador ou à deficiência do seu direito).
Atento este preceito legal o locador financeiro encontra-se à margem de qualquer conflito resultante da compra e venda e um eventual litígio relativo a um defeito na coisa locada deve ser dirimido entre o vendedor e o locatário financeiro.
Em conformidade, e consoante resulta do artigo 13º do Decreto-Lei 149/95, «o locatário pode exercer contra o vendedor ou o empreiteiro, quando disso seja caso, todos os direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda ou de empreitada». Assim, é garantida ao locatário financeiro situação idêntica à do comprador no que concerne ao exercício dos direitos decorrentes do cumprimento defeituoso. Poderá exigir, junto do vendedor, a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a sua substituição (GRAVATO DE MORAIS, ob. cit., pág. 134).
Ora, da factualidade assente, nomeadamente dos pontos 3. e 13. da fundamentação de facto, resulta a celebração, entre a autora e o Banco BIC Português, SA, de um contrato de locação financeira, tendo como objeto o veículo em causa, em que a autora é locatária financeira e o mencionado banco locador financeiro.
Da mesma factualidade, designadamente do mesmo contrato, resulta que o fornecedor ou fabricante do veículo foi N & S, SA..
Nesta sequência, impõe-se a conclusão de que a ré M.M. – Madeira Motores, Lda. não foi a vendedora (ou fabricante) do bem dado em locação no âmbito do contrato de locação financeira em apreço, outrossim, foi-o, uma terceira sociedade.
Assim sendo, atento o do princípio geral da relatividade dos contratos, consagrado no artigo 406º, n.º 2 do Código Civil, segundo o qual, em regra, os efeitos do contrato restringem-se às partes, considerando-se como tais os contraentes, os seus herdeiros ou seus sucessores (CFR. ALMEIDA COSTA, obrigações, pág. 102 e ANTUNES VARELA, Obrigações, 1º pág. 230), e referindo-se o artigo 13º do Decreto-Lei 149/95, de 24 de junho ao exercício de direitos pelo locatário contra o vendedor ou empreiteiro dos direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda ou de empreitada, não se mostra tal preceito aplicável à ré responsabilizada em consequência de um “defeito de fabrico e de um de funcionamento do veículo” alegado pela autora.
Relativamente à ré BMW Portugal, SA, ante o alegado pela autora, há que equacionar a aplicabilidade do Decreto-Lei nº 383/89, de 6/11 (Responsabilidade Decorrente de Produtos Defeituosos), o qual se reporta à responsabilidade objetiva do produtor.
A responsabilidade civil do produtor por produtos defeituosos, surge no nosso ordenamento jurídico através do Decreto-Lei n.º 383/89, de 06 de novembro em virtude da transposição da Diretiva n.º 85/374/CEE do Concelho, de 25 de julho de 1985.
Este diploma teve como propósito proteger os lesados no âmbito da compra e venda de produtos defeituosos, consagrando o princípio da responsabilidade objetiva do produtor, independentemente de culpa, complementando o direito comum e assegurando desse modo uma maior eficácia na proteção do consumidor (artigo 13º n.1 do cit. D.L.).
Com efeito, diz o artigo 1º do D.L. 383/89, o seguinte: «O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação.»
O facto gerador da responsabilidade objetiva do produtor não é a sua conduta deficiente, mas o defeito do produto que põe em circulação.
Como se salienta no Ac. R.C. de 27.05.2014, www.dgsi.pt, «A natureza objetiva da responsabilidade do produtor não produz qualquer refração às regras gerais do ónus da prova: é ao lesado pelo produto defeituoso que tem de provar, além do dano, o defeito – e o nexo causal entre um e outro. A única coisa que o lesado não terá de provar é a culpa ou sequer a ilicitude da conduta do produtor, dado que nem uma nem outra são elementos constitutivos da responsabilidade objetiva que o vulnera o último.» “O produtor é a única contraparte da relação jurídica a quem são imputadas diretamente responsabilidades pela colocação em circulação de produtos defeituosos. E como tal, entendeu o legislador comunitário, na Diretiva 85/374/CEE, que era necessário conceber um amplo conceito de produtor, de forma a ampliar a proteção do consumidor lesado e tornar mais fácil a descoberta, no seio de uma cadeia distributiva, da identidade do verdadeiro responsável pelo defeito. Nessa medida, em consonância com o pretendido, o Decreto-Lei nº 383/89, de 6/11, adota uma noção de produtor bastante abrangente, ao englobar no seu conceito várias categorias de produtor, para efeitos de responsabilização. Desta forma, no artigo 2º nº 1 do Decreto-Lei nº 383/89, de 6/11, podemos encontrar dois tipos de produtor : O produtor real, “o fabricante do produto acabado, de uma parte componente ou de matéria prima”; e, também, o produtor aparente, “quem se apresente como tal pela aposição no produto do seu nome, marca ou outro sinal distintivo”. Assim, podemos entender o produtor real, “como qualquer pessoa humana ou jurídica que sob a sua própria responsabilidade participa na criação do produto final, seja o fabricante do produto acabado, de uma parte componente ou de matéria-prima” (cf. Calvão da Silva, in “Responsabilidade civil do Produtor”, 1990, pg. 546). O que significa que, se por exemplo, o defeito ocorrer numa matéria-prima que é incorporada numa parte componente do produto final, são responsáveis quer o produtor da matéria-prima, quer aquele que a utiliza para fabricar a parte componente, quer o produtor do bem acabado. Por sua vez, o produtor aparente, que acaba por ser o distribuidor, o grossista ou as grandes cadeias comerciais, apesar de não ser o fabricante do produto acabado ou final, coloca no mesmo a sua marca ou símbolo distintivo, induzindo o lesado em erro, quanto à origem ou proveniência de fabricação do produto, dando-lhe a aparência de ser ele próprio o produtor real, quando não o é na realidade” (cfr. Ac. da RL de 11.02.2020, proc. 491/11.4TVLSB.L1-1 e da RG de 15.12.2022, proc. 777/20.7T8VCT.G1, www.dgsi.pt).
Ora, no caso dos autos, estando assente que a ré BMW Portugal, SA é importadora dos veículos automóveis de marca “BMW” para o território português (ponto 3. da fundamentação de facto), há que a enquadrar no conceito de produtor, nos termos do disposto no artigo 2º nº 2, al. a), do Decreto-Lei nº 383/89, de 6/11.
Com efeito, dispõe o mesmo que “considera-se também produtor: a) Aquele que, na Comunidade Económica Europeia e no exercício da sua atividade comercial, importe do exterior da mesma, produtos para venda, aluguer, locação financeira ou outra qualquer forma de distribuição”. Aliás, a ré BMW Portugal, S.A. foi demandada na qualidade de produtora (ver artigo 14º da petição inicial).
Assente que está a qualidade de “produtor” da ré, a questão centra-se em aferir o âmbito de aplicação do diploma quanto ao lesado, ou mais concretamente, se este tem que revestir a qualidade de consumidor final, designadamente segundo a definição prevista no artigo 2º da Lei 24/96 de 31 de julho, ou se se aplica também às relações comerciais entre empresários.
A autora é uma pessoa coletiva, o que se extrai, desde logo identificação da própria na petição inicial.
Resulta também claro que os danos cujo ressarcimento é peticionado são indiscutivelmente danos materiais.
“Quanto ao âmbito dos danos ressarcíveis diz-nos o artigo 8º do citado diploma que: «São ressarcíveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino.»
Ou seja, o regime previsto apresenta dois âmbitos de aplicação distintos:
- por um lado, nos danos pessoais (morte ou lesão corporal) são ressarcíveis todos os danos sejam patrimoniais ou não patrimoniais (art.º 496 do Código Civil), sendo a tutela disponibilizada a toda e qualquer pessoa, profissional ou consumidor.
- por outro, nos danos materiais (danos causados em coisas), apenas são reparáveis os danos causados em coisa diversa do produto defeituoso e apenas se protege o “consumidor” que o utilizava para uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente esse destino, com dedução de uma franquia de 500,00€ (artigos 8º m. 1 e 9º do DL 383/89).
Ou seja, a sua reparação fica na dependência da finalidade atribuída ao produto, utilização fora do âmbito comercial.
Como se refere no Ac. R.C. de 27.05.2014, in www.dgsi.pt «O contraste entre os danos da morte ou na lesão pessoal e a danificação de coisas revela, no plano subjetivo, esta diferença fundamental: ao passo que no plano danos pessoais a tutela é disponibilizada a qualquer pessoa, ainda que seja um profissional que utiliza o produto no exercício da sua profissão, no domínio dos danos em coisas, apenas se protege o consumidor em sentido estrito, i.e., aquele utilizava a coisa destruída ou danificada pelo produto defeituoso, para um fim privado, pessoal ou doméstico e não para um fim profissional (art.º 2 nº 1 da Lei nº 24/96, de 31 de Julho).»
Da análise do exposto, resulta evidenciado que o âmbito de proteção da norma se mostra circunscrito apenas ao uso ou consumo privativo, pois como se salienta no Ac. STJ de 13-01-2005 «A ratio essendi dessa última estatuição normativa é proteger apenas o consumidor em sentido estrito, ou seja, aquele que utilize a coisa destruída ou determinada pelo produto defeituoso para um fim privado, pessoal, familiar ou doméstico, que não para um fim profissional ou um actividade comercial.»
Nessa medida o presente regime especial da responsabilidade do produtor, previsto no DL n.º 383/89, como se salienta no Ac. R.L. de 11.02.2020 in www.dgsi.pt: «apesar de proteger todo e qualquer lesado que tenha sofrido danos com um produto defeituoso, tem, segundo o Acórdão da Relação do Porto de 17/6/2004 (consultado na “internet” em www.dgsi.pt), dois âmbitos de aplicação bastante distintos. Ou seja, apresenta “um para os danos pessoais, aplicando-se a toda e qualquer pessoa, profissional ou consumidor, contratante ou terceiro, outro para os danos materiais, aplicando-se somente aos consumidores, ficando de fora os profissionais ou aqueles que usam o produto no âmbito de uma atividade comercial”. O que significa que este regime não foi somente criado para proteger os consumidores, mas também, os profissionais, quando estejam em causa danos pessoais, como determina o art.º 8º do Decreto-Lei nº 383/89, de 6/11, ao preceituar que “são ressarcíveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente esse destino”. Nesta medida, ficam excluídos do círculo de aplicação do regime, quanto aos danos materiais, todos aqueles que tenham adquirido um determinado produto para um fim profissional ou no âmbito de uma atividade comercial e não aqueles que tenham adquirido um produto para um fim privado, pessoal, familiar ou doméstico, como indica o Acórdão do S.T.J. de 13/1/2005 (consultado na “internet” em www.dgsi.pt). Ademais, o Acórdão da Relação de Lisboa de 9/7/2003 (consultado na “internet” em www.dgsi.pt) cita Calvão da Silva (in “Responsabilidade Civil do Produtor”, 1990, pg. 698) para exemplificar que “será coisa de uso privado, um frigorífico utilizado em casa, mas já não, se utilizado numa fábrica ou numa empresa, será coisa de uso privado o automóvel que um empresário utiliza habitualmente na sua vida privada, ainda que, danificado numa ocasional viagem ao serviço da empresa, mas já não o automóvel da empresa, acidentado numa viagem de interesse privado do empresário”.».
Em suma, aqui chegados, julgamos evidenciado que o campo de aplicação do regime quanto aos danos materiais pressupõe a aquisição de um produto para um fim privado, pessoal, familiar ou doméstico, ficando excluídos do círculo de aplicação do regime, todos aqueles que tenham adquirido um determinado produto para um fim profissional ou no âmbito de uma atividade comercial.
Na senda do que vem exposto, e a propósito do conceito de consumidor, diz-nos o art.º 2º da Lei nº 24/96, de 31/7 (Lei de Defesa do Consumidor), que o define, como: “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados ao uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios”. No Dec. Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro (Direitos do Consumidor na Compra e Venda de bens, Conteúdos e Serviços digitais) que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva (UE) 2019/771, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019 (o qual revogou o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril), define-se já, no artigo 2º, alínea g), consumidor como «uma pessoa singular que, no que respeita aos contratos abrangidos pelo presente decreto-lei, atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional».
Consumidor será assim para efeitos da referida lei qualquer pessoa singular que não destine o bem ou serviço adquirido a um uso profissional ou um profissional (pessoa singular), desde que não atuando no âmbito da sua atividade e desde que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar.
A propósito da noção de consumidor e designadamente da prevista no artigo 1ºB, al. a) do revogado D.L. 67/2003, de 8 de abril, que estabelecia que a noção de consumidor correspondia à constante da LDC no art.º 2.º, n.º 1, refere Maria Miguel dos Santos Alves que «De facto, não se pode aceitar que sejam considerados como consumidores as pessoas coletivas. Em primeiro lugar, porque estas atuam no âmbito de uma atividade profissional e económica, pelo que apenas têm capacidade para adquirir bens no âmbito da sua atividade e de acordo com e o seu escopo. Em segundo lugar, porque também resulta da Directiva, que serve de base a este diploma, uma noção de consumidor restrita às pessoas singulares, pelo que de acordo com o princípio da interpretação conforme sempre chegaremos à conclusão que consumidor será sempre uma pessoa singular.» Ora, a noção de consumidor prevista na Directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio (artigo 1º n.2 al. a)), veio a ser acolhida nos seus precisos termos (contrariamente ao que sucedia no DL 67/2003), no D.L. n.º 84/2021, de 18 de Outubro (que transpôs a Diretiva (UE) 2019/771), e que, se bem vemos, no seu artigo 2º al. g)., ao expressamente referir que consumidor é uma pessoa singular que, no que respeita aos contratos abrangidos pelo presente decreto-lei, que atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional, dissipou as dúvidas que antes se podiam colocar quanto à definição de consumidor.
Deste modo e em suma, resulta evidenciado, a nosso ver, que o conceito de consumidor se reporta necessariamente a uma pessoa singular, neste não se incluindo em caso algum as pessoas coletivas” (cfr. Ac da RG de 15.12.2022, proc. 777/20.7T8VCT.G1, www.dgsi.pt).
Perante o exposto, outro não poderá ser o âmbito subjetivo de aplicação do regime previsto no D.L. 383/89 quanto ao lesado, designadamente, e para o que ora interessa, para efeito de ressarcibilidade dos danos materiais decorrentes de produto defeituoso.
Em suma, sendo a autora uma sociedade comercial, não lhe é aplicável o regime previsto no D.L. 383/89.
Deste modo, também relativamente à ré BMW Portugal, SA não poderá ser assacada qualquer responsabilidade em consequência de um “defeito de fabrico e de funcionamento do veículo.
Fica prejudicada a apreciação das demais questões e exceções suscitadas”.
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I – Da violação do princípio do inquisitório:
Invoca a recorrente que ocorreu violação do princípio do inquisitório, o que inquina a decisão recorrida.
Especifica que “ao proferir saneador-sentença sem antes ter ouvido a prova testemunhal arrolada pela Autora, o Tribunal a quo violou o princípio do inquisitório, não tendo feito uso dos seus poderes de direcção, agilização, adequação e gestão processual, comprimindo inexplicavelmente o princípio da prevalência da substância sobre a forma”.
O princípio do inquisitório encontra-se plasmado no art.º 411 do CPC. Dispõe este preceito que: “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer”.
Constitui afloramento deste princípio, a inquirição por iniciativa do Tribunal, ou oficiosa, prevista no art.º 526 do mesmo diploma. Ou seja, o Juiz pode, no decurso da acção determinar oficiosamente que determinada pessoa preste depoimento, ainda que não tenha sido arrolada pelas partes, se tiver motivos para crer que a mesma tem conhecimentos que podem relevar para o apuramento da verdade dos factos e boa e consciente resolução da causa.
Mas o facto que o juiz ter este poder, não implica necessariamente que tenha que resolver todas as acções, apenas e, tão-somente, após inquirição das testemunhas indicadas pelas partes. Não há qualquer obrigação nesse sentido.
Efectivamente, a causa pode e deve ser resolvida no saneador-sentença se o juiz entender que já se encontra na posse de todos os elementos de facto de direito necessários à prolação de justa e consciente decisão.
Assim preceitua o art.º 595, nº 1, al. b) do CPC, segundo o qual:
“O despacho saneador destina-se a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo o permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória”.
Ora, o caso em apreço, enquadra-se precisamente nesta situação. A Mmª Juiz “a quo” elencou os factos provados que subsumidos à interpretação que fez da lei, considerou suficientes para decidir.
De acordo com a interpretação que fez dos preceitos aplicáveis ao caso, concluiu que às rés não poderia ser assacada qualquer responsabilidade e, não menos relevante que a pretensão da autora nunca poderia proceder porquanto os diplomas que invoca apenas protegem as pessoas singulares e, não as pessoas colectivas (como é o seu caso).
Numa situação como esta (e, “infra” veremos se subscrevemos tal entendimento), não fazia, efectivamente, sentido ouvir testemunhas, uma vez que estamos, claramente sob o domínio de questões de direito, sendo absolutamente inócuo qualquer depoimento sobre esta matéria.
Conforme se salienta no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto relatado em 11.01.2021 pelo Sr. Desembargador Pedro Damião e Cunha[3] uma das linhas mestras do D.L. 329-A/95, de 12-12, que alterou o art.º 645, nº 1 do CPC de 1961, atribuindo-lhe uma redação igual à do art.º 526, nº 1 do CPC actual (inquirição por iniciativa do Tribunal), tal como definidas no seu preâmbulo do D.L. referido era a da “garantia de prevalência do fundo sobre a forma, através da previsão de um poder mais interventor do Juiz, compensado pela previsão do princípio de cooperação, por uma participação mais activa das partes no processo de formação da decisão”.
“Nas palavras do legislador de 1995 cabia ao processo civil procurar a verdade material, em vez de se privilegiarem aspectos formais, que não assumem verdadeira importância perante o objectivo de boa aplicação do Direito Substantivo ao caso concreto”.
Mas tal princípio não se sobrepõe e tem que ser conjugado com o dever de gestão processual imposto ao juiz, plasmado no art.º 6, nº 1 do CPC, segundo o qual, cumpre ao Juiz dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere.
A administração correcta da Justiça, pressupõe, precisamente, esta gestão de recursos e tempo.
A Mmª Juiz “a quo” não tinha que, nas circunstâncias concretas do caso, inquirir qualquer testemunha ou efectivar qualquer diligência adicional, pois já se considerava munida dos necessários elementos para prolação de conscienciosa decisão.
Se o fizesse estaria a praticar actos inúteis e a ocupar com este processo tempo precioso e escasso para outro, onde a realização da audiência de julgamento se imporia.
Pelos motivos expostos, concluímos que, ao contrário do que a recorrente alega, não ocorreu violação do princípio do inquisitório.
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II - Do excesso de pronúncia por alegada violação do princípio do contraditório (decisão surpresa):
A decisão judicial é nula por excesso de pronúncia sempre que o Juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, cfr. art.º 615, nº 1, al. d) do CPC.
Invoca a recorrente que a decisão proferida é uma decisão surpresa, proibida nos termos do n.º 3 do artigo 3.º do CPC, e que representa uma nulidade processual.
Segundo o preceito invocado, “o Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo licito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Socorrendo-nos desta oportuna síntese elaborada no Acórdão proferido pelo TAF de Penafiel, pela Srª. Desembargadora Helena Ribeiro, em 28.01.2022:
“1. O princípio do contraditório, é um princípio estruturante do CPC, com o qual se visa assegurar às partes um tratamento igual, obstando a que o Tribunal emita decisões surpresa.
2. O princípio do contraditório, no plano das questões de direito, exige que antes da sentença, seja facultada às partes a discussão efectiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie, mas dependerá sempre da verificação de uma nova abordagem jurídica da questão que, não fosse perspectivada pelas partes, mesmo usando da diligência devida.
3. As decisões surpresa são apenas aquelas com que as partes sejam confrontadas, com sentido de novidade relativamente às questões que haviam suscitado e, que não poderiam prever ou antecipar face ao conjunto do sistema jurídico na parte aplicável, sendo que só quanto a estas a violação do princípio do contraditório do art.º 3º, nº 3 do CPC, dá origem a uma nulidade da própria decisão, por excesso de pronúncia, nos termos dos artºs 615, nº 1, al. d), 666, nº 1 e 685 do mesmo diploma.”[4]
Nas suas alegações, é a própria recorrente que reconhece que a audiência prévia foi convocada com as finalidades previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 591.º do CPC e que, na tentativa de conciliação que constitui o primeiro momento daquela diligência, anunciou desde logo que tencionava conhecer de imediato do mérito da causa. Mais reconheceu que foi “formalmente facultada às partes a discussão de facto e de direito” nessa mesma diligência.
Insurge-se, porém contra o facto de, segundo ela, “em bom rigor, as partes desconhecerem a matéria sobre a qual o Tribunal a quo tencionava conhecer, e não foram prevenidas de que a qualificação jurídica a dar não correspondia ao previsto e plasmado no processo, não se tendo pronunciado sobre a mesma, sendo inquestionável que existem, na doutrina e na jurisprudência, soluções diferentes quanto à questão a decidir, sobre as quais as partes não tiveram oportunidade de se pronunciar, em clara violação do princípio do contraditório”.
Não assiste qualquer razão à recorrente neste ponto.
Vejamos porquê:
Em sede de audiência prévia, se o Juiz informa as partes que vislumbra a possibilidade de conhecer de mérito da acção e lhes dá a possibilidade de discutir de facto e de direito as respectivas posições, o dever de cumprimento do contraditório prévio à prolação da sentença, mostra-se devidamente cumprido.
As partes podem e devem, querendo discutir a factualidade inserta nos respectivos articulados, bem como as posições jurídicas carreadas paras os autos por todos os intervenientes.
O Juiz não tem que neste momento, antecipar a posição ou posições jurídicas que entende serem de aplicar ao caso. Tal comportamento, mostrar-se-ia até um pouco contraditório com o fim da audiência prévia.
Nesta fase do processo, é natural que o Juiz já possa ter formulado uma ideia sobre a decisão final do caso, mormente se considerar estabilizada a matéria de facto. Mas em bom rigor, tal não tem que suceder e, em boa verdade, o mais usual é os parâmetros delineadores de tal decisão, já estarem formulados, mas haver ainda margem para acatar a argumentação jurídica exposta pelas partes em sede de audiência prévia. Não raras vezes, um ou mais argumentos explanados neste momento, mostram-se decisivos e, podem até, mudar o rumo da decisão.
Assim sendo, a Autora tinha ao seu alcance a discussão jurídica da sua pretensão, quer usando os argumentos que referiu na petição inicial, quer rebatendo os das contestações das rés, que previamente conhecia.
Recorde-se que na sua defesa a Ré M.M. – Madeira Motores, Lda. referiu ter cumprido integralmente as suas obrigações que decorrem tanto do art.º 914º do Cód. Civ., como do Decreto Lei nº. 67/2003, de 8 de Abril, pelo que nada mais, lhe poderia ser exigido.
A Ré BMW Portugal, Ldª, referiu expressamente que o pedido de indemnização da Autora contra ela deduzido, devia ser julgado improcedente, por não se encontrarem reunidos os pressupostos de responsabilidade civil contratual.
A isto acresce que, conforme já referimos anteriormente, por força do princípio “iura novit curia”, plasmado no art.º artigo 5º, n.º 3 do Código de Processo Civil, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação interpretação e aplicação das regras de direito, podendo aplicar uma qualquer norma jurídica, ainda que a mesma não tenha sido alegada pelas partes. E, diríamos mais, devendo aplicar essa norma ou instituto jurídico, se estiver convicto que é o justamente aplicável ao caso.
Ora, se na perspectiva do Tribunal nenhum dos regimes jurídicos invocados pela Autora era suscetível de ser aplicado ao presente caso, apenas restava ao Tribunal a quo indagar da aplicação do regime previsto no DL n.º 383/89, de 06.11, o que fez.
No caso concreto, o outro diploma mencionado pela julgadora (DL n.º 67/2003, de 08.04) foi até expressamente referido pela ré M.M. – Madeira Motores, Lda., na sua contestação, pelo que, não se compreende a alegada surpresa invocada pela Autora.
Importa ainda salientar que nenhum outro direito constitucionalmente consagrado, se mostra beliscado, nomeadamente, o do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que, a Autora, tendo como palco privilegiado esta sede de recurso para rebater a justeza do enquadramento jurídico efectivado pela julgadora, optou por não o fazer.
Nesta senda, improcede, pelos argumentos expostos, nesta sede, a nulidade de excesso de pronúncia invocada, na medida em que a decisão proferida não constituiu uma decisão surpresa por violação do princípio do contraditório, porque as partes foram previamente informadas de que havia a possibilidade de decidir de mérito no saneador-sentença.
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III - Da omissão de pronúncia:
Refere a recorrente que “o saneador-sentença recorrida também é nulo por omissão de pronúncia, atendendo a que o Tribunal a quo não se debruçou sobre os regimes jurídicos da responsabilidade contratual e da venda de coisas defeituosas, designadamente quando, conforme alegado pela Autora, por convenção das partes e também por força dos usos, existe garantia de bom funcionamento”.
A nulidade por omissão de pronúncia ocorre quando o Juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, cfrº art.º 615, nº 1, al. D) do CPC.
Importa, porém, realçar que, como resulta expresso no artigo 5º, n.º 3 do Código de Processo Civil, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação interpretação e aplicação das regras de direito.
Não menos relevante é o facto de não ser qualquer omissão de pronúncia que conduz à nulidade da sentença. Essa omissão só é, relevante, para estes efeitos, quando se verifique a ausência de posição ou de decisão do Tribunal sobre matérias quanto às quais a lei imponha que sejam conhecidas e sobre as quais o Juiz deva tomar posição expressa.
Essas questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do Tribunal (art.º 608, nº 2 do CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o Tribunal deve conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer á relação processual.
Desta forma a omissão de pronúncia é um vício gerador de nulidade da decisão judicial que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de mérito e não, quanto a todo e qualquer motivo ou argumento aduzido pelas partes.
Analisada a decisão recorrida, verifica-se que, ao contrário do que a recorrente alega, a mesma aborda expressamente o regime regra da responsabilidade contratual de venda de coisas defeituosas, mormente, nesta passagem que se cita:
“O contrato de compra e venda “é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço” (artigo 874º do Código Civil).
Um dos efeitos do contrato de compra e venda consiste na obrigação da entrega da coisa (artigos 874º e 879º alínea b) do Código Civil).
Devendo os contratos ser pontualmente cumpridos, nos termos do artigo 406º nº 1 do Código Civil, o cumprimento daquela obrigação só será perfeito se, por um lado, a coisa for entregue e, por outro lado, sem defeitos intrínsecos, estruturais e funcionais (defeitos de conceção ou design e defeitos de fabrico).
Ou seja, verifica-se a venda de coisa defeituosa quando a mesma: Sofra de vício que a desvalorize; Não possua as qualidades asseguradas pelo vendedor; Não possua as qualidades necessárias para a realização do fim a que é destinada ou sofra de vício que a impeça da realização desse fim.
Se a coisa vendida padecer daqueles defeitos estamos perante uma venda de coisa defeituosa (artigo 913º do Código Civil).
Na fixação do regime jurídico da compra e venda de coisas defeituosas deve ter-se em conta o regime geral da responsabilidade contratual (artigos 798º e ss. do Código Civil), o regime especial previsto no artigo 913º do Código Civil (ao remeter para o regime da compra e venda de bens onerados) e as particularidades previstas nos artigos 914º e ss. do Código Civil.
Assim, perante tal, verifica-se que incumbe ao comprador a prova do direito invocado, ou seja, a entrega da coisa com defeito (artigo 342º nº 1 do Código Civil), presumindo-se, quanto à culpa, a culpa do vendedor (artigo 799 nº1 do Código Civil). Provada a entrega da coisa com defeito e não tendo sido ilidida a presunção de culpa do vendedor, podem ocorrer as seguintes consequências: reparação do defeito; substituição da coisa; redução do preço; resolução do contrato e indemnização”.
Ora o facto que a Mmª “a quo” ter concluído de forma não coincidente com as pretensões da recorrente, mas tendo abordado as questões técnico-jurídicas pertinente e aplicáveis ao caso, “inclusive” as da responsabilidade contratual e venda de coisas defeituosas, iliba a decisão recorrida do vício de omissão de pronúncia invocado.
Refere ainda a recorrente que, “percorrida a decisão, verifica-se que a garantia do veículo automóvel adquirido pela Autora em momento algum é analisada”.
Também aqui, não lhe assiste razão, na medida em que a Mmª. Juiz refere expressamente o seguinte: “Quanto ao âmbito dos danos ressarcíveis diz-nos o artigo 8º do citado diploma que: «São ressarcíveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino.»
Ou seja, o regime previsto apresenta dois âmbitos de aplicação distintos:
- por um lado, nos danos pessoais (morte ou lesão corporal) são ressarcíveis todos os danos sejam patrimoniais ou não patrimoniais (art.º 496 do Código Civil), sendo a tutela disponibilizada a toda e qualquer pessoa, profissional ou consumidor.
- por outro, nos danos materiais (danos causados em coisas), apenas são reparáveis os danos causados em coisa diversa do produto defeituoso e apenas se protege o “consumidor” que o utilizava para uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente esse destino, com dedução de uma franquia de 500,00€ (artigos 8º m. 1 e 9º do DL 383/89).
Ou seja, a sua reparação fica na dependência da finalidade atribuída ao produto, utilização fora do âmbito comercial”.
Não há omissão de pronúncia, o que há é uma consideração jurídica que não é sequer posta em causa pela recorrente e que constitui fundamento da decisão posta em crise.
Pelo que se expôs, conclui-se que não há omissão de pronúncia.
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IV – Do erro de julgamento por ausência de motivação dos factos provados
Alega a recorrente que a sentença recorrida incorre, ainda, noutro vício processual, cominado com nulidade, atenta a falta de fundamentação, que invoca, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Argumenta que, na sentença ora crise, além de não terem sido identificados os documentos juntos aos autos, tão pouco foi explicitado o que decorreu ou não do teor de cada um deles para efeitos de prova e que não foram enunciados os factos não provados.
Acrescenta que, não foram ouvidas testemunhas, sendo certo que parte dos factos provados resultam de meras alegações das partes, desacompanhadas de prova documental, designadamente, os pontos 4. e 11. da matéria levada à “fundamentação de facto”.
A sentença em crise, no que à fundamentação da factualidade assente respeita, começa por enunciar o seguinte, antes de elencar tal factualidade: “Dos documentos juntos e da posição das partes nos respetivos requerimentos, resultam provados os seguintes factos”. Indica os documentos 14 e 52 vs. como fundamento da matéria dada como assente em 1, o documento 115, como fundamento da matéria descrita em 2, o documento 75 vs., como fundamento da matéria descrita no facto nº 12 e os documentos 52 vs. e 120 como fundamento do facto nº 13.
Segundo dispõe, o art.º 607, nº 4 do CPC, na fundamentação da sentença, o Juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (…); o Juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos (…), compatibilizando toda a matéria de facto adquirida.
Se é certo que a técnica de fundamentação utilizada poderá não ter sido a mais completa, os factos aos quais se segue a indicação da documentação referida, contêm, tão somente, a descrição dos respectivos documentos que, conforme referido pela requerida BMW, não foram impugnados. Por outro lado, os factos mencionados nos nºs 3 a 11 foram admitidos por acordo, pelo que, sempre estariam fora do alcance de uma qualquer base instrutória a escapulir em sede de audiência de julgamento, como pretende a recorrente.
A nulidade da sentença por falta de fundamentação prevista na alínea b) do nº. 1 do art.º 615º do Cód. Proc. Civil verifica-se apenas no caso de ausência total de enumeração dos fundamentos de facto ou de indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação.
E, a falta de discriminação dos factos não provados não gera qualquer nulidade, por não se enquadrar em nenhuma alínea do artigo 615.º, n.º 1, do CPC. Até porque, ao contrário do que refere a Recorrente, o Tribunal a quo não estava obrigado a dar como não provados os factos que não considerou expressamente provados, conquanto tal factualidade não era relevante para a decisão da causa em face da não aplicabilidade de um qualquer regime jurídico ao caso dos autos, nos termos em que o mesmo foi configurado pela Autora.
Neste sentido, é pertinente chamar à colação o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 02.11.2017, relatado pelo Sr. Desembargador António Penha [5], cujo raciocínio acompanhamos, segundo o qual:
“I – Só ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respectivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial”.
Não sendo esse o caso dos autos, há que concluir pela improcedência do recurso, também nesta parte.
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V - Da nulidade por ambiguidade, obscuridade ou ininteligibilidade:
Alega a recorrente que a sentença é ainda ambígua e obscura ao ponto de a tornar ininteligível, não compreendo o motivo pelo qual as partes foram consideradas legítimas e os pedidos improcedentes, resultando ainda diversas contradições entre os fundamentos de facto, entre si, e também perante as consequências jurídicas extraídas. Além disso, os pontos 4. e 11. da matéria de facto são intrinsecamente ininteligíveis. E, segundo a mesma, parece ainda ter ocorrido contradição formal entre tal matéria e a fundamentação de direito, bem como com o segmento decisório da sentença, geradora de nulidade, o que expressamente se invoca, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC.
De acordo com o disposto no art.º 615, nº 1, al. c) do CPC, “ocorre nulidade da sentença, quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Em primeiro lugar, não há qualquer contradição no facto de a Mmª Juiz ter considerados ambas as partes legítimas e, ter concluído pela improcedência dos pedidos.
No início do saneador-sentença recorrido, o Tribunal a quo analisou apenas as exceções deduzidas pelas Partes, designadamente a exceção de ilegitimidade ativa deduzida pela Ré M.M. e a exceção de ilegitimidade passiva substantiva deduzida pela Ré BMW Portugal, como lhe incumbia.
Esta circunstância não conflitua com o facto de, posteriormente, o Tribunal a quo vir a considerar que a Autora não é parte legítima para efeitos de aplicação do regime previsto no DL n.º 383/89, de 06.11, pois que, aí, estava já o mesmo a indagar acerca da sua legitimidade substantiva
(e não processual).
Como bem explica o Acórdão do Tribunal do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 24.02.1999, relatado pelo Sr. Conselheiro Silva Graça[6]:
“I - A legitimidade processual e a legitimidade substantiva são duas realidades distintas, apesar de, normalmente, andarem ligadas.
A 1. interessa à legitimidade das partes, e a 2. importa à procedência da acção.
II - O trânsito em julgado do saneador quanto à legitimidade processual, assim, não condiciona a decisão sobre a legitimidade substantiva, nos termos do artigo 26, n.º 3, do C.P.Civil, podendo o réu ser absolvido por não ser parte da relação jurídica em causa".
Com efeito, o Tribunal a quo observou escrupulosamente as regras aplicáveis ao processo, tendo conhecido primeiro da legitimidade processual das partes por referência à relação material controvertida tal como configurada pela Autora e às exceções invocadas pelas Rés e só depois da legitimidade das mesmas, neste caso da Autora, no que respeita à efetiva relação material em causa.
É falso, pois, que a sentença recorrida padeça de uma qualquer contradição lógica quanto a este primeiro ponto.
No que ao segundo ponto diz respeito, importa referir que o ponto 4 dos factos provados (“A 12 de agosto de 2019 e perante nova abordagem à ré MM para a resolução das sucessivas queixas, esta referiu que viria um técnico de Lisboa no início de outubro para avaliação dessas anomalias”), é perfeitamente inteligível e, conforme já foi referido, constitui um facto um facto alegado em juízo (artigos 44.º e 69.º da petição inicial) que não foi alvo de impugnação.
Conforme relatam LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE[7], a obscuridade ou ambiguidade apenas releva quando um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, não pudesse compreender a decisão: “No regime atual, a obscuridade ou ambiguidade, limitada à parte decisória, só releva quando gera ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236-1 e 238-1 CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar. Sendo assim, se o vício não for corrigido, a sentença não poderá aproveitar-se, sendo nula, nos termos gerais dos arts. 280-1 CC e 295.
A decisão é perfeitamente compreensível e, nada consta das alegações da recorrente os reais motivos e fundamentos da alegada incompreensão.
Por sua vez, o ponto 11 dos factos provados (“Após esta data, ocorreram outras comunicações”) também não é conclusivo, pretendendo referir-se às comunicações que ocorreram depois da data indicada no ponto 10 antecedente (7 de fevereiro de 2020). Ora, partindo do princípio que, neste caso, as comunicações em apreço seriam manifestamente irrelevantes para a decisão da causa, está o Tribunal dispensado da sua concretização.
A este propósito, atente-se as palavras de ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA[8], em comentário ao artigo 607.º do CPC: “Em tal enunciação [dos factos provados e não provados] cabe necessariamente uma pronúncia (positiva, negativa, restritiva ou explicativa) sobre os factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundar as exceções, e de outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a ação ou exceção proceda.
Sendo necessária, far-se-á ainda a enunciação dos factos concretizadores da factualidade que se apresente mais difusa. A enunciação dos factos complementares e concretizadores far-se-á desde que se revelem imprescindíveis para a procedência da ação ou da defesa, tendo em conta os diversos segmentos normativos relevantes para o caso. Quanto aos factos instrumentais, para além de não carecerem de alegação (aliás, o ónus de alegação respeita somente aos factos essenciais, isto é, àqueles de cuja prova depende a procedência ou improcedência da ação ou da defesa), podem ser livremente discutidos e apreciados na audiência final (cf. Anot. aos arts. 5, 186 e 552). Consequentemente, atenta a função secundária que desempenham no processo, tendente a justificar simplesmente a prova dos factos essenciais, para além de, em regra, não integrarem os temas da prova, nem sequer deverão ser objeto de um juízo probatório específico.”
Efectivamente, o simples facto de o Tribunal a quo não se ter debruçado sobre o teor concreto daquelas comunicações não torna os factos ininteligíveis, nem tão pouco conclusivos, pelo que, improcede a argumentação da Recorrente a este respeito.
Quanto ao ponto (iii), cumpre referir que a Recorrente não concretiza, ainda que minimamente, a sua argumentação de que houve uma contradição formal entre a matéria de facto e a fundamentação de direito, não permitindo, pois, ao Tribunal pronunciar-se sobre este ponto, na medida, em que não vislumbra qualquer contradição que possa ser oficiosamente conhecida.
Em suma, porque, não se constata que os fundamentos da decisão recorrida estejam em oposição com a mesma, que esta revele alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a ininteligível, concluímos que a mesma não padece da nulidade, a que alude o artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, julga-se improcedente o presente recurso e, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante (art.º 527 nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Notifique.
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Lisboa,26/9/2024
Marília Leal Fontes
Carla Cristina Figueira Matos
Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros
_______________________________________________________ [1] Neste sentido cfr. GERALDES, Abrantes António, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Edição, Almedina, 2018, págs. 114 a 116. [2] Neste sentido cfr. GERALDES, Abrantes António, in “Opus Cit.”, 5ª Edição, Almedina, 2018, pág. 116. [3] Disponível em www.dgsi.pt. [4] In https://tca-norte.tribunais.org.pt/principio-do-contraditorio-decisao-surpresa-excesso-de-pronuncia/ [5] Disponível em www.dgsi.pt. [6] Disponível em www.dgsi.pt. [7] Lebre de Freitas, Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 4ª ed., Almedina,
anotação ao artigo 615.º, págs. 735-737 [8] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª ed., Almedina