I - É de manter o acórdão recorrido no qual foi aplicada ao arguido a pena de prisão de 5 anos e 6 meses pela prática do crime de tráfico de estupefacientes (art.º 21.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro) e a pena de 1 anos e seis meses pela prática de crime de detenção de arma proibida (art.º 86.º da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro), tendo sido o arguido condenado na pena única de 6 anos de prisão, que se afigura justa e equilibrada , atendendo ao conjunto os factos e à personalidade do agente (artigos 40.º 71.º e 77.º do Código Penal), e às exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir relativamente aos crimes em questão.
II - Para o efeito, importa considerar a qualidade e quantidade de droga de que o arguido era possuidor e lhe foi apreendida (de 9Kg de canábis e 172,739 gramas de cocaína), os ganhos obtidos com o tráfico (designadamente 8.225,00 euros), os meios usados para esse efeito (onde até existia uma máquina de contar notas), e a posição de liderança que o arguido ocupava relativamente aos outros co-autores. Pese embora o arguido não tenha negado a posse de tais produtos estupefacientes, jamais assumiu que lhe pertenciam, que se destinavam ao tráfico e que as quantias apreendidas resultavam do tráfico de droga - o que sucedia, tendo o mesmo agido com dolo directo. Releva ainda o facto de o arguido ter na sua posse uma pistola marca Walther, modelo PP, de calibre 9 mm, com o número de série rasurado, semiautomática e três munições, que o mesmo sabia não poder deter por não possuir qualquer licença que o habilitasse a tal, tendo também agido com dolo direto.
III - O arguido é primário, goza de apoio familiar, e revela empenho laboral. Este, todavia, tem sido prejudicado devido ao consumo estupefacientes - o que lhe originou recentemente a aplicação de sanção disciplinar prisional por posse de produtos estupefacientes.
5.ª Secção Criminal
Acordam na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
1. Relatório
1. 1. AA, interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido pelo tribunal colectivo do ..., que o condenou pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, nº 1, da Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referências às Tabelas I-B e I-C, anexas ao mesmo diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, condenando-o em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas na pena única de 6 (seis) anos de prisão. Mais foi o arguido condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de uma contraordenação prevista e punida pelo artigo 97.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na coima de €400 (quatrocentos euros), tendo finalizado a sua motivação com as seguintes conclusões:
1. O Recurso, ora interposto, tem por objecto a Matéria de Direito circunscrevendo-se à Medida Concreta das Penas (Parcelares e Única), aplicadas ao Recorrente pelo Distinto Colectivo que compôs o Tribunal a quo e à Suspensão da Execução da Pena que os Colendos Juízes Conselheiros venham, in concreto, a considerar Justa.
2. Em Julgamento optou o Recorrente - em Consciência, de forma livre, sem reservas e de modo pleno - por dar palavra ao que se arrazoou contra si, confessando a totalidade dos factos assacados à sua conduta que efectivamente perpetrou antes de produzida qualquer Prova.
3. A esse propósito explicitou tudo o que o Tribunal a quo entendeu ver esclarecido conforme se atesta e decorre das Declarações que se encontram junto aos Autos.
4. Assumiu a sua responsabilidade nos Ilícitos que lhe eram imputados e que na verdade praticou, esclareceu a medida da participação dos seus Co-Arguidos nesses crimes, revelando, a esse propósito, um sincero e respeitoso arrependimento por tudo o que havia feito.
5. O Tribunal a quo ao aplicar Cinco anos e Seis meses de Prisão ao Recorrente como Pena pelo Crime de Tráfico de Produtos Estupefacientes e Um ano e Seis meses pelo Crime de Detenção de Arma Proibida deu mostras de, nesse Juízo, ter descurado o critério de determinação da Pena.
6. Advindo desse Douto Juízo uma manifesta desconformidade com a Prova produzida em Audiência de Julgamento e com as próprias Regras da Experiência, em bom rigor e no caso concreto, o Tribunal a quo decidiu, em parte, contra o que se provou e não provou, dando, por conseguinte, como provados factos cuja ressonância permitem uma valoração bem mais favorável à Pena que foi aplicada ao Recorrente pelos Crimes de Tráfico de Produtos Estupefacientes e de Detenção de Arma Proibida.
7. Daqui decorre que, salvaguardado o enorme respeito pela opinião contrária e pela Instituição de onde promana o prolatado Acórdão Recorrido, o mesmo, apreciou mal a matéria que lhe foi submetida julgar e encontra-se, por isso, inquinado de vício que o afecta de morte e implica que a sua Decisão tenha, necessariamente, de ser rectificada e escrutinada por patamar jurisdicional superior, a saber: A Desacertada Determinação da Medida Concreta da Pena Parcelares e Única aplicada ao Recorrente pelo Tribunal a quo.
8. Medida Concreta da Pena
9. Impõe-se afirmar, quanto a esta matéria, que o Recorrente prestou Declarações em Julgamento - ainda antes da produção da Prova que suportava a querela do Ministério Público contra si e os seus Co-Arguidos - e a esse respeito assumiu de forma integral e sem quaisquer reservas os factos que havia praticado e repudiou aqueles que não lhe diziam respeito.
10. Declarações que serviram - em muito - para a Descoberta da Verdade Material (e em grande medida de estribo probatório da maioria dos factos dados por provados no Acórdão Recorrido) e foram ainda que de forma comedida, em entendimento do Recorrente, sopesadas no teor do Acórdão Recorrido a seu favor.
11. Com efeito, quanto a este ponto, impõe-se afirmar que a Pena infligida ao Recorrente (Cinco anos e Seis meses de Prisão) é naturalmente desproporcional e desadequada perante as necessidades de justiça que o caso de per si reclama, atentas quer a quantidade de produto estupefaciente (muito abaixo dos 10kg), quer os valores e objectos apreendidos, quer ainda o modo e incipiência em que o mesmo foi praticado. Sobretudo se se estabelecer uma comparação e analogia com outros Autos, similares e idênticos, em que as Penas aplicadas não raras vezes, por produtos estupefacientes de natureza mais nefasta (Heroína, Metanfetaminas e derivados) e quantidades exponencialmente superiores e de grau de pureza perto dos 100%, senão suspensas na sua execução, são inferiores àquela que lhe foi aplicada.
12. É pois este o ponto em que assenta a pretensão do Recorrente: Será necessário para a tutela da Prevenção Geral, aplicar Pena (Parcelares e Única) tão elevada a este homem, aqui Recorrente da Vossa Justiça, quando em outros Autos de iguais circunstâncias - por maiores quantidades de Produto Estupefaciente e natureza manifestamente bem mais gravosa - são aplicadas Penas de Prisão inferiores àquela que lhe foi aplicada?
13. Entre muitos outros do conhecimento de V/Ex.ªs, Venerandos Desembargadores, serão em matéria de Tráfico de Produtos Estupefacientes os casos, por exemplo, do Processo N.º 163/15.0..., de ........2017, relativo a uma Apreensão de 1.400 Kg de cocaína em que o Supremo Tribunal de Justiça aplicou uma pena de 7 anos de prisão; ou o do Processo N.º 308/10.7..., de ........18, referente a uma Apreensão de 1.750 Kg de cocaína em que o Tribunal da Relação de ... aplicou uma pena de 7 anos e 6 meses de prisão; ou até mesmo do Processo N.º 235/14.9..., de ........16, em que houve uma Apreensão de 350 Kg de cocaína e o Supremo Tribunal de Justiça aplicou a pena de 7 anos e 6 meses de prisão.
14. Deste modo acredita-se que outras Penas (Parcelares e Única) em concreto mais benévolas, logo mais Justa, serão as adequadas a satisfazer as premissas de tutela que o caso concreto reivindica, não se frustrando a Justiça com isso, antes pelo contrário, será ela sem qualquer dúvida a sua grande vencedora!
15. Razão pela qual o Recorrente discorda da dosimetria das Penas (Parcelares e Única) que lhe foram aplicadas, e pugna, no essencial, por outras mais adequadas aos critérios de Justiça que o caso em concreto reclama, nomeadamente uma Pena perto do mínimo legalmente estabelecido, estabelecida para o Crime de Tráfico de Produtos Estupefacientes, isto é dos 04 anos, e uma Pena de Multa para o Crime de Detenção de Arma Proibida e a Pena Única daí resultante Suspensa na sua Execução.
16. Suspensão da Execução da Pena
17. Como V/Ex.ªs melhor sabem, apurado que esteja o quantum da Pena a aplicar há, necessariamente, que reflectir, em consonância com o que se encontra legalmente estipulado, se in casu se mostra viável, ou não, a Suspensão da Execução da Pena.
18. Acreditando na Boa e Justa Decisão que V/Ex.ªs virão a prolatar em Douto Aresto, que se augura não muita afastada do limite mínimo legal para o Ilícito de Tráfico de Produtos Estupefacientes e em Pena de Multa para o Crime de Detenção de Arma Proibida, é entendimento do Recorrente que - a ser como espera - as exigências legais para a Suspensão de Execução da Pena de Prisão que lhe vier a ser aplicada, ex vi do disposto no N.º 1 do Artigo 51.º do Código Penal, verificar-se-ão in totum nos presentes Autos.
19. Por conseguinte, sendo o Recorrente condenado, por V/Ex.ªs, numa Pena de Multa no Crime de Detenção de Arma Proibida e numa Pena de Prisão perto do limite mínimo legal previsto no Artigo 21.º do Decreto-Lei 15/93, como augura, ter-se-á por preenchido o pressuposto de natureza formal exigido pela Lei.
20. Acresce que face às circunstâncias já descritas do caso, a simples ameaça da aplicação da Pena e a correspectiva advertência são suficientes para que o Recorrente, no futuro não cometa mais crimes e, inevitavelmente, assuma um comportamento consonante com os valores do Sistema Penal. Estando, desta forma, igualmente preenchido o requisito de ordem material e, consequentemente, afastado o efeito estigmatizante da Pena de Prisão Efectiva, para mais na idade e com as responsabilidades familiares que este homem tem.
21. Neste sentido caminha, também, a opinião de Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, página 195, quando afirma que “O pressuposto material da suspensão da execução da pena é o da adequação da mera censura do facto e da ameaça da prisão às necessidades preventivas do caso, sejam elas de prevenção geral, sejam de prevenção especial. Portanto, o tribunal não pode afastar a suspensão da execução da pena de prisão com base em considerações assentes na culpa grave do arguido.”
22. O Recorrente, conforme decorre do Acórdão Recorrido, nunca foi condenado em quaisquer processos judiciais, nem tão pouco contra-ordenacionais.
23. No que respeita à “personalidade do agente” - não olvidando que a personalidade é um processo gradual, complexo e único de cada indivíduo mas que, ainda assim, se poderá resumir ao conjunto das características marcantes de uma pessoa e, como termo abstracto que é, utiliza-se para descrever e dar uma explicação teórica do conjunto de peculiaridades de cada um de nós a fim de nos caracterizar e diferenciar do outro - tenham V/Ex.ªs presente, Colendos Conselheiros, que o Recorrente, conforme decorre da Prova junta aos Autos e da que foi produzida em Audiência de Julgamento:
(…) AA constituiu uma empresa individual, no sector de transportes – táxis – e começou a trabalhar por conta própria nesse sector de atividade, com lucros diários entre os 150 e 200 euros diários, o que lhe possibilitou voltar a ter uma boa condição financeira. Nesse contexto e por motivos pouco claros terá voltado a ter consumos de cocaína, os quais se refletiram a nível familiar na assunção de comportamentos verbais de maior agressividade. Na sequência desta alteração de conduta do arguido, a companheira e os 2 filhos do casal deixaram a morada de família, para passar a viver junto dos sogros do arguido.
− AA permaneceu assim sozinho na habitação durante alguns meses, referindo ter-se dedicado ao desporto como estratégia para deixar os consumos sem outro tipo de intervenção técnica, o que terá aparentemente conseguido ao fim de alguns meses. Continuou a trabalhar como taxista e a prover a sua sustentabilidade, embora segundo o mesmo tenha feito algumas dividas com os traficantes, na fase em que ainda consumia ativamente.
− Há cerca de 1 ano, e quando AA comprovou que já se encontrava abstinente do consumo de cocaína, a companheira e filhos retornaram a casa e a vida familiar voltou à mesma dinâmica quotidiana.
− Todavia o arguido, passou a eleger o álcool em substituição da cocaína e a consumir esta substância com alguma regularidade, ainda que sem caracter de dependência. Não chegou a fazer qualquer intervenção neste âmbito, por ter sido preso preventivamente, em ..., no âmbito do presente processo.
− No ... manteve inicialmente uma conduta ajustada aos normativos institucionais e foi colocado a trabalhar na cozinha alguns meses depois. Segundo ele, a permanência em contexto institucional permitiu-lhe deixar o consumo de álcool sem dificuldades e focar-se em atividades mais construtivas. O facto de estar a trabalhar também se constituía como um indicador de abstinência, já que estes reclusos são sujeitos a testes aleatórios de despiste de consumos de substâncias aditivas.
Contudo, em Maio do corrente ano, sofreu uma infração disciplinar por posse de estupefacientes, que o mesmo justifica de forma pouco clara – alegadamente por ter feito um favor a outro recluso, não assumindo contudo qualquer recaída no consumo de estupefacientes. Em consequência perdeu o posto de trabalho e voltou a ficar inativo.
− As visitas da companheira também estão atualmente suspensas devido a um inquérito interno que decorre na sequência de uma visita desta, mas o casal continua a contactar-se regularmente.
− Pretende em liberdade reintegrar a família constituída , sendo que a companheira apesar das crises e dificuldades por que tem passado neste processo, reitera a sua disponibilidade para continuar a apoiar e viver com o arguido. O casal projecta contudo deixar a zona atual de residência logo que o mesmo passe à situação de liberdade, e fixar-se noutra localidade do país, onde AA irá dar continuidade á sua empresa de táxis, como forma de garantir a subsistência familiar.
− Este projecto visa essencialmente o afastamento do arguido do meio socio residencial, onde este tem a sua rede de contactos com meios de trafico e consumo de estupefacientes e também proteger a família, que tem vindo a sofrer alguma pressão dessas pessoas, por questões associadas ao passado do arguido.
− A prisão preventiva de BB constituiu-se um choque para a família e refletiu-se diretamente sobre a companheira, que se encontra em situação de baixa medica prolongada e segundo ela, sem capacidade para retomar atividade profissional, e também sobre o filho mais novo, que apresenta alguns problemas associados ao afastamento do progenitor.
− A sustentabilidade familiar, essencialmente assente nos ganhos do arguido, passou a depender dos rendimentos obtidos pelo táxi do arguido, atualmente a ser usado por terceiros, assim como dovencimento da filha, que começou a trabalhar após a prisão do arguido.
− AA evidencia sentimentos de culpabilização relativamente ao impacto que esta situação gerou sobre a família constituída, bem como a mãe e padrasto, igualmente presos preventivamente e atualmente em ..., no âmbito do mesmo processo pelo qual se encontra sujeito á presente medida de coação.
− Adopta em geral uma postura de assunção e arrependimento relativamente às condutas desajustadas do passado, que atribuiu essencialmente á sua dependência química e aos contactos estabelecidos nesse contexto, mas denota algumas dificuldades na avaliação das fragilidades pessoais que as motivaram, bem como na aceitação da intervenção de terceiros no seu processo de reabilitação.
− Relativamente à sua problemática aditiva reitera o seu interesse em se desvincular da mesma de forma consistente, mas não considera necessária uma intervenção técnica nesta fase – o que aponta para uma desvalorização desta problemática e nesse sentido, o risco de uma eventual reincidência.
− O processo de desenvolvimento de AA decorreu sem incidentes relevantes durante a sua infância e adolescência, tendo sido contudo sinalizado pelas entidades policiais como suspeito na época em que começou a consumir estupefacientes, em contexto laboral.
− Desde essa fase que o arguido tem demonstrado algumas dificuldades para se desvincular dos hábitos aditivos de forma consistente, apesar das estratégias utilizadas, o que teve como consequência numa fase recente, uma separação temporária da companheira e família.
− Esta relação foi retomada pouco antes da sua atual prisão preventiva e constituiu-se presentemente como o principal suporte que dispõe em meio livre, para além da família de origem.
- A nível laboral, AA evidenciou em geral uma postura ativa e dinâmica, estando antes da sua reclusão, a explorar com sucesso, uma empresa de táxis, que continua ativa e a ser gerida pela companheira, e que pretende retomar, em liberdade.
- Relativamente aos hábitos aditivos, com os quais justifica quer os contratempos no seu percurso de vida com o atual processo judicial, manifesta aparente vontade em deixar de forma consistente qualquer tipo de consumo, e afastar-se do atual meio socio residencial, mas não parece ciente das fragilidades pessoais que os motivaram ou dos eventuais riscos de recaída que incorre em meio externo, caso não venha a adquirir competências que lhe permitam lidar com estas situações de forma ajustada.” (…).
24. Derradeiramente exige a Lei que se atenda às “circunstâncias do crime”, factualidade quanto à qual é susceptível de se retirar da Prova junta aos Autos e daquela que se produziu em Julgamento e, também em parte, vertida no teor do Douto Acórdão Recorrido que o Recorrente: Praticou os factos pelos quais acabou condenado, mas fê-lo num período existencial de grande problema de adição a produtos estupefacientes que ultrapassou no tempo que já leva de reclusão.
25. Daqui decorre que, a ser como augura, se encontram preenchidos os pressupostos formais e materiais necessários à Suspensão da Execução da Pena de Prisão que lhe vier a ser aplicada por V/Ex.ªs., mesmo que por questões de conveniência e adequação à realização das finalidades da punição subordinada à observância de alguma(s) regra(s) de conduta(s).
26. O que, em entendimento do Recorrente, se apresenta como uma possibilidade, assim V/Ex.ªs o venham a entender no vosso Douto escrutínio por julgarem insuficiente a suspensão tout court, e quanto ao que este, para tanto e de forma esclarecida, aqui, pela pena do seu Mandatário, dá o seu consentimento.
27. Por tudo o que se expôs entende o Recorrente que a Pena de Prisão que lhe vier a ser aplicada por V/Ex.ªs deve ser Suspensa na sua Execução, isto porque, o cumprimento efectivo de uma pena de prisão, in casu, ao invés de contribuir para a Reintegração deste, terá graves efeitos dessocializantes.
28. Impõe-se relevar que o Recorrente tem actualmente cerca de quarenta anos de idade, responsabilidades familiares complexas e um projecto laboral sério, que dificilmente poderá voltar a ter e que ficarão irremediavelmente afectados se cumprir prisão efectiva.
29. A ser como augura da Decisão de V/Ex.ªs, as finalidades da Punição, no caso concreto, serão melhor alcançadas mediante a aplicação, ao Recorrente, de Pena de Substituição Não Privativa da Liberdade, do que através do cumprimento de prisão efectiva porque o tempo já sofrido preventivamente preso a censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, e a suspensão da execução da pena de prisão revela-se eficaz na prossecução das exigências de prevenção geral e especial.
30. Caso tal não se mostre viável no Douto escrutínio dos Colendos Conselheiros, é entendimento do Recorrente que, em alternativa deverá a Pena aplicada ser suspensa, mais que não seja, mediante subordinação, nomeadamente, à observância de alguma(s) regra(s) de conduta(s), como a de cumprir determinadas obrigações e conexo Regime de Prova.
Em suma, nos presentes autos, não só ficou cabalmente provado que o Recorrente praticou os Crimes de Tráfico de Produtos Estupefacientes e Detenção de Arma Proibida em que foi condenado, como foi demonstrado que a circunstância em que os praticou, não sendo jamais nobre, comporta factos que lhe permitem atenuar e alterar a Pena que lhe vier a ser aplicada por V/Ex.ªs para uma Pena de Multa no caso do Crime de Detenção de Arma Proibida e no Crime de Tráfico de Produtos Estupefacientes perto do limite mínimo legalmente estabelecido para a prática desse Ilícito e a sua Execução Suspensa.
1.2. O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo:
1º- O Recorrente interpõe o presente recurso, por não se conformar com as medidas concretas das penas fixadas no Acórdão de fls.1130 a 1171, datado de ........2024 (Ref.º...).
2º- O recorrente não concordar com a dosimetria das penas - parcelares e única- preconizando-as como excessivas, desproporcionais e desadequadas, pugnando pela redução das penas aplicadas, atenta a sua confissão, o contributo das suas declarações para a descoberta da verdade material [valorada de forma contida no acórdão], o modo de execução, a quantidade de produto estupefaciente, os valores e objectos apreendidos que considera, apenas, “um começo”.
3º- Cremos que não assiste razão ao recorrente, quanto aos fundamentos invocados para impugnar as penas fixadas, uma vez que, o Tribunal “a quo” sopesou, criteriosamente, todos os fundamentos do recurso e respeitou os critérios da determinação da pena (parcelar e única) previstos nos art.º 40.º, 41.º, 47.º, 50.º, 70.º, 71.º e 77.º do CP, não havendo lugar, em concreto, à aplicação ao arguido de qualquer pena substitutiva, designadamente, a pena de prisão suspensa na sua execução.
4º- A aplicação de penas deve ser orientada pelo princípio da culpa (art.º 40.º/2 CP) e pelos princípios de proporcionalidade, necessidade, adequação e subsidiariedade (art.º 18.º/CRP), mas também por um verdadeiro princípio de humanidade, i.e., tendo sempre em conta a dignidade da pessoa humana (art.º 1.º/CRP).
5º- Tendo em conta os princípios expostos, o Tribunal “a quo” sopesou desfavoravelmente: as necessidades de prevenção geral e especial que, foram consideradas elevadas e exigem a aplicação ao arguido de uma pena privativa de liberdade, com vista a afastar o mesmo da prática de futuros ilícitos criminais; as personalidade do arguido, que apresenta uma falta de sentido autocrítico e de comportamentos exteriores concludentes com a consciência da interiorização da censurabilidade da conduta; o arguido assumiu a posse dos produtos estupefecientes todavia não para o fim a que os mesmos se destinavam; o modo de execução, a posição de liderança da actividade, o hiato temporal e o tempo despendido na actividade; culpa do arguido actuou é elevada, com dolo directo e intenso; considerou elevado o grau de ilicitude, atento o bem jurídico tutelado, as circunstâncias dos factos, os diferentes tipos de produtos estupefacientes e sua heterogeneidade (cerca de 9 quilos de canábis e cerca de 172,739 gramas de cocaína), em quantidades expressivas [as que detinha e as que já tinha vendido e o perigo inerente à proliferação das substâncias estupefacientes. - Ponto 1 a 4, 7 a 19; o fim mercantilista da actividade ilícita e a obtenção de valores elevados a título de lucro, designadamente €8.225,00
6º- O Tribunal “a quo”, sopesou favoravelmente a inserção familiar e profissional do recorrente, a ausência de antecedentes criminais e o facto de ter assumido a posse das armas apreendidas.
7.º-Face à ponderação efectuada, o Tribunal “a quo” julgou (e bem) ser adequada a aplicação ao recorrente, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 21.º/1 do DL 15/93 de 22.01, ao qual aplicou a pena parcelar de 2 anos e 6 meses de prisão; pela prática do crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo art.º 21.º/1 do DL 15/93 de 22.01, uma pena parcelar de 4 anos e 6 meses de prisão; em cúmulo jurídico entendeu como justo e adequado fixar a pena única em 6 anos de prisão efectiva, pelo que, entendemos que não existe qualquer motivo para a redução/alteração pretendida, pelo que deve improceder, nesta parte, o recurso intentado.
8º- O recorrente defende a redução da pena a 4 anos, quanto ao crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, fazendo apelo à comparação e analogia do caso concreto com outros processos, onde o estupefaciente apreendido é mais nefasto (drogas duras e grau de pureza) e nos quais foram aplicadas penas substitutivas, inferiores à destes autos, invocando, de forma implícita, a violação do princípio da igualdade.
9º- Para o efeito de determinação da medida concreta o juiz serve-se do critério global contido no art.º 71.º do Cód. Penal, estando vinculado aos módulos de escolha constantes deste preceito, os quais devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada às finalidades de prevenção geral e especial, ao mesmo tempo que, aprecia e avalia a culpa do agente.
10º- A aplicação da pena privativa de liberdade é fruto de uma avaliaçãodas circunstâncias de cada situação concreta e só caso a caso, se legitimará uma escolha entre as penas detentivas ou não detentivas. Deste modo, a redutora associação da escolha e medida das penas à identidade dos factos, é manifestamente infundada e imprestável para o fim em vista, ou seja, o pretenso atropelo do princípio da igualdade.
11º- Portanto, a existência de distinções nas penas pode ser necessário a evitar a violação do princípio da igualdade (art.º 13.º da CRP), pois, deve se tratar igual o que é igual e desigual o que é desigual; a proibição de discriminações (art.º 13.º/2 da CRP) não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento.
12º- O que se exige é que, as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade,da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio.
13º- Assim, tendo em conta a factualidade apurada, na determinação damedida concreta da pena, relativamente ao recorrente, é bem claro que são os condicionalismos próprios da sua vida que determinou a diversidadedas penas, porquanto, da decisão recorrida constam explicitadas as circunstâncias ponderadas na determinação da medida das penas e arelevância que lhes foi atribuída pelo tribunal “a quo”, de onde sobressaem os elevados graus de ilicitude do facto e da culpa.
14º- O tribunal “a quo” ponderou os factos objectivo mas também, a ausência de antecedentes criminais, a personalidade e as condições de vida do arguido, assim observando os critérios que presidem à fixação da pena concreta, de harmonia com o disposto no art.º 71.º/1 e 2, do Cód. Penal.
15º- Em conformidade, não há aqui qualquer dualidade de critérios, mas, tão-só uma escolha e determinação da medida da pena em perfeita conformidade com as regras e princípios que regem nesta sede.
16º- Tratar o que é diferente de modo igual é que motivaria a violação do princípio que o recorrente invoca sem fundamento para tal, pelo que deve improceder, assim, também esta pretensão do recorrente.
17º- Acresce que, o recorrente entende que a(s) pena(s) deve(m) ser suspensa(s) na sua execução (art.º 50.º do CP), em face da sua idade, situação familiar e profissional.
18º- No caso concreto os critérios do art.º 50.º do CP- formal e material- não se mostram preenchidos, uma vez que, a pena única fixada (6 anos), não permite convocar, a aplicação da suspensão da execução da pena, nos termos do disposto pelo art.º 50.º/1 do CP, por ser superior a 5 anos de prisão.
19º- Acresce que, a suspensão da execução da pena não realizaria as exigências de prevenção geral, nem seria adequada à promoção daressocialização do agente, fundamento da prevenção especial.
20º- Ademais, não é possível a conclusão de que a ameaça de cumprimento de uma pena de prisão efectiva será suficiente para acautelar as necessidades de prevenção especial, pois, encontra-se afastado qualquer juízo de prognose favorável, pelo que, não existe, assim, qualquer motivo atendível para alterar as penas - parcelares e única - como pretende o recorrente.
21º- O Tribunal “a quo” julgou corretamente e operou uma sensata subsunção jurídica e aplicação do direito, mormente quanto à determinação da medida da pena, por se manifestar justa, proporcional e adequada àgravidade da conduta do(a) recorrente e à medida da sua culpa.
22º- Assim, o Acórdão recorrido não viola e/ou mal interpreta os art.º 40º, 50.º, 70.º, 71.º e 77.º do CP e art.º 13.º da CRP, devendo o recurso ser rejeitado por manifesta improcedência, nos termos do art.º 420.º/1, al. a), do CPP.
Nestes termos, julgamos que o presente recurso não merece provimento devendo ser considerado improcedente e mantida na íntegra a decisão recorrida. Porém, Vª. Exas. como sempre, farão a costumada JUSTIÇA!
1.3. Neste Supremo Tribunal de Justiça o Sr. Procurador da República, emitiu parecer onde consignou, em suma, o seguinte:
“ (…) não há como identificar na fundamentação do acórdão recorrido eventual omissão, erro ou desproporção e injustiça na ponderação das penas parcelares (e única) aplicadas, estando demonstradas criticamente as operações realizadas e as finalidades a realizar, tal como legalmente estão definidas, umas e outras, para a determinação concreta das penas.
Assim, o tribunal recorrido apelou às exigências de prevenção geral e especial, que considerou muito elevadas e que se fazem especialmente sentir quanto ao crime de tráfico de estupefacientes, acentuadas pela frequência do fenómeno, a insegurança e alarme social que causa, as consequências para a saúde pública, com os associados efeitos nefastos, a implicar resposta punitiva firme e necessária à proteção dos bens jurídicos envolvidos. O tráfico de estupefacientes é um flagelo social em continuada expansão e justifica a necessidade premente da proteção de um bem jurídico plúrimo, confluindo na saúde pública, nas suas componentes física e mental, mas igualmente “a segurança e a qualidade de vida dos cidadãos” e, mediatamente, também “a economia legal, a estabilidade e a segurança do Estado”5. tal com tem vindo a ser assinalado pela jurisprudência e doutrina.
Também as mesmas exigências não foram ignoradas quanto à detenção de arma proibida, conhecida a natureza perigosa que lhe é inerente e quando associada à prática de outros crimes, o que se mostra plenamente justificado face ao contexto envolvente dessa posse proibida, que respeitava a vários e diferentes tipos de armas, o que contribui para o agravamento da ilicitude, já de si asseverado pelo facto de o arguido se dedicar ao tráfico de estupefacientes, ao qual se associa o frequente uso e porte de armas, designadamente, armas de fogo, acentuando bastante as necessidades de prevenção especial.
Os fatores considerados justificaram a aplicação ao recorrente de penas privativas da liberdade, com vista a afastá–lo da prática de futuros crimes, para o que contribuiu a factualidade atinente à personalidade do arguido, que revelou uma falta de sentido autocrítico e de comportamentos exteriores concludentes com a consciência da interiorização da censurabilidade da conduta, pois embora tenha assumido a posse dos produtos estupefacientes tentou divergir quanto ao fim a que os destinava, procurando que outra fosse a qualificação jurídica.
Foi também ponderado e evidenciado o modo de execução, a posição de liderança do recorrente no coletivo de agentes condenados pelo mesmo crime, os diferentes tipos de produtos estupefacientes (cerca de 9 quilos de canábis e cerca de 172,739 gramas de cocaína), quantidades expressivas detidas que equivalem ao perigo inerente à proliferação das substâncias estupefacientes tidas como drogas duras ou com elevado grau de danosidade, a par com as finalidades exclusivas de lucro – apreendidos foram €8.225,00, do qual o valor de €7.495,00 encontrava-se guardado num cofre, a quantia de €595,00 (numerário) estava guardado no espaço reservado ao pneu suplente do veículo usado pelo mesmo e €165,00 no quarto do arguido CC –, a par com a parafernália de instrumentos e produtos comummente associados à preparação de estupefaciente para venda […1 moinho com resíduos de canábis (resina), 2 balanças de precisão com resíduos de canabis de cocaína, 3 facas com resíduos de canabis, 3 x-atos com resíduos de canábis; 1 mala vermelha contendo diversas embalagens de fita-cola para acondicionamento do produto estupefaciente, com vestígios de estupefaciente; 1 balança de precisão de cor azul, com vestígios de estupefaciente; uma máquina de contar dinheiro; 2 moinhos utilizados comummente para o corte de estupefaciente, com resíduos de produto estupefaciente; 3 sacos contendo 370,6g de fenacetina (produto de corte); 2 sacos contendo 117,685g de mistura de paracetamol, cafeina e lidocaína, (utilizado como produto de corte); 1 embalagem contendo 1045,0g de mistura de cafeina, benzocaína e lidocaína (utilizado como produto de corte); dois moinhos para a moagem de estupefaciente, contendo vestígios de estupefaciente;]; censurando–se uma ilicitude e culpa elevadas, assente que também foi o dolo direto e intenso.
Não se nos afigura necessário desenvolver outros argumentos além dos expostos no acórdão recorrido, pois as penas parcelares respeitam as exigências de prevenção especial (que fazem alinhar todos os fatores já enunciados com as exigências de que a condenação, mormente em pena de prisão, tenha como objetivo a reintegração do delinquente na vida em sociedade sem cometer mais crimes), atendendo a que os poucos fatores atenuativos de relevo (inserção familiar e profissional, ausência de antecedentes, assunção titubeante dos factos) não se contrapõem aos que demais já foram salientados, pois não serviram de contra motivação suficiente para o recorrente se manter fiel ao Direito durante a atividade criminosa em que se envolveu e que, quanto ao tráfico, apresentava, pelos fatores referenciados, evidentes indícios de ser atividade de comercialização de cocaína e canábis já com relevante organização, envolvendo familiares–colaboradores, próxima de um modo de vida para a obtenção de proventos, com laivos de profissionalização e iminência de continuidade.
No que à pena única se refere, embora o recorrente lhe faça alusão, nenhuma conclusão lhe é dedicada que vise a respetiva impugnação concreta e dedicada, o que está em consonância com toda a economia do recurso, que assenta na impugnação das penas parcelares como condição para sustentar a suspensão da execução da pena de prisão que, nessa economia, se reduz à pena de prisão requerida para o crime de tráfico de estupefacientes, já que quanto à pena aplicada ao crime de posse de arma proibida, o recorrente pede a aplicação de pena de multa.
Na verdade, sublinhando esse nosso juízo, a apreciação da pena única aplicada não tem pertinência na equação formulada no recurso pois os pressupostos de que parte o recurso, impugnando as penas parcelares de 5 anos e 6 meses de prisão (tráfico) e de 1 ano e 6 meses de prisão (arma), condiciona a suspensão da execução da pena de prisão à redução da pena de prisão aplicada ao crime de tráfico de estupefacientes para perto do limite mínimo de 4 anos, excluindo dessa consideração a pena relativa ao crime de posse de arma proibida, em relação ao qual pede uma pena de multa. Portanto, a pena única não é efetiva e objetivamente objeto direto do recurso e não nos exige pronúncia.
Em suma, por se dever afirmar que o acórdão recorrido se mostra bem fundado e mesmo em sintonia com os habituais parâmetros do Supremo Tribunal de Justiça para situações equivalentes, afigura-se-nos, assim, que as penas aplicadas pelo tribunal recorrido se revelam ser as penas necessárias, justas e adequadas, por estarem dentro do quadro proporcional da culpa e por atenderem às necessidades de prevenção geral e especial, acompanhando–se, assim, as alegações do Ministério Público em 1.ª instância.
Devendo ser mantidas as penas impostas pelo tribunal coletivo, prejudicada fica a possibilidade de ser suspensa na sua execução a pena única, como decorre do artigo 50º, n.º 1, do Código Penal.
4.3 Conclusão:
Em conformidade, somos de parecer que o recurso deverá ser julgado improcedente, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido”.
1.4. Notificado o arguido do referido parecer não apresentou resposta.
1.5. Após exame preliminar, foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
Cumpre apreciar a decidir
2. Objecto do recurso
Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. Constituindo entendimento pacífico, que o recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação para fundamentar a sua impugnação (artigos 403.º e 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (Cfr. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Verbo, Vol. III, 2.ª Ed. pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 6.ª Ed., 2007, pág. 103. E, entre muitos, os Acórdãos do STJ de 25.6.1998, in BMJ 478, pág. 242, de 03.02.1999, in BMJ 484, pág. 271, de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 196 e de 15.04.2010, proc. 18/05.7IDSTR.E1.S1), as questões que se colocam à apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça, consistem em aquilatar se a pena aplica ao arguido pela pratica do crime de tráfico de estupefacientes é excessiva, devendo ser reduzida, bem como se deve aplicar-se pena de multa pela prática do crime de detenção de arma proibida e se a pena (única) deve ser suspensa na sua execução.
3. Fundamentação de facto
3.1. Factos provados
Da acusação
1. No dia ... de ... de 2022, entre as 19h00 e as 19h30, DD, EE e FF, encontravam-se na companhia de outras pessoas, no café “...”, sito na ....
2. Ao passar junto das mesmas, o arguido AA proferiu a seguinte expressão “Alguns hei-de encontrá-los no inferno”.
3. No dia ... de ... de 2022, pelas 00h40, quando GG, HH, II e JJ, se encontravam na ... a apresentar queixa pelo sucedido, foram alertados pela filha da FF que o arguido AA, se encontrava novamente na ..., junto ao n.º 370, aos gritos proferindo as palavras “FILHOS DA PUTA! VÃO TODOS MORRER! VOU MATAR-VOS A TODOS!”.
4. Os agentes da PSP KK, LL e MM, acompanhados por GG, HH, II e JJ, deslocaram-se em direção à ..., e ao chegar ao cruzamento daquela rua com a ..., foram alertados pelo ofendido GG dando nota que o arguido AA se encontrava na viatura JEEP, matrícula ..-MZ-.., parado junto ao sinal luminoso ali existente.
5. No dia ... de ... de 2022, pelas 07H15, na ..., os arguidos NN, CC, CC, e AA detinham na sua posse:
No quarto do CC (irmão de AA):
No móvel por debaixo da televisão:
- três embalagens de cocaína, sendo que duas delas contendo 6,732g de cocaína (cloridrato), e noutra 7,635g;
- diversos artigos comummente utilizados na compra e venda de produto estupefacientes: 1 moinho com resíduos de canábis (resina), 2 balanças de precisão com resíduos de canabis de cocaína, 3 facas com resíduos de canabis, 3 x-atos com resíduos de canábis;
Em cima da mesa junto da televisão:
- 2 placas e 1 “língua” de canabis (resina) com o peso de 143,936g e 3,040g, respetivamente,
No móvel da televisão:
- um saco de plástico contendo canabis (fls/sum) com o peso de 52 gramas;
- uma munição para arma de fogo, calibre .380 auto;
- 1 (um) Passaporte em nome de OO, com registo de entrada em ....
» No quarto de CC e NN (padrasto e mãe de AA)
À entrada do quarto:
- uma caixa de cartão contendo 44 placas de canábis (resina) com o peso de 4051,085gr, e 16 placas de canábis (resina) com o peso de 1489,296g com as designações “24karal” e “kush”;
Junto da janela:
- uma bolsa preta com 4 placas de canábis (resina) com o peso de 330,4gr, com as designações “power”;
Em cima de um móvel:
um cofre metálico, contendo no seu interior a quantia de € 7 495,00 (sete mil quatrocentos e noventa e cinco euros), provenientes do tráfico de estupefacientes;
» No quarto do AA, foi localizado e apreendido:
No móvel de arrumação:
- 1 mala vermelha contendo diversas embalagens de fita-cola para acondicionamento do produto estupefaciente, com vestígios de estupefaciente;
- 1 Catana, com 41 cm de lâmina e 57cm de comprimento;
- 1 balança de precisão de cor azul, com vestígios de estupefaciente;
Na mesa de cabeceira:
- 1 aerossol contendo Gás OC-17 Defense Spray, com o princípio ativo de Oleoresina capsicum, para o qual o arguido não possui qualquer licença;
- 1 Passaporte em nome de AA, com registo de entrada em ...;
- € 165 (cento e sessenta e cinco euros) em notas do BCE, provenientes do tráfico de estupefacientes,
- 2 Telemóveis (de marca Aplle e Alcatel)
» No quarto de arrumos, frente ao quarto do AA, foi localizado e apreendido, junto a artigos pessoais (roupa e sapatos) identificados como sendo pertença do AA:
- uma máquina de contar dinheiro;
- 2 moinhos utilizados comummente para o corte de estupefaciente, com resíduos de produto estupefaciente;
- 3 sacos de plástico contendo cocaína, em concreto um deles com 135,113g, e outros dois com um total de 23,259g;
- 1 saco de desporto azul, contendo no seu interior duas caixas de sapatos com 17 placas de canábis (resina) com o peso de 1591,149g;
- 7 placas de canábis (resina) com o peso de 656,149g;
- 1 placa de canábis (resina) com o peso de 90,138g, 1 placa de canábis (resina) com o peso de 83,545g;
- 2 placas de canábis (resina) com o peso de 187,551g;
- 4 placas de canábis (resina) com o peso de 155,310g;
- 4 placas de canábis(resina) com o peso liquido de 382,774g;
- placas com as designações “nano”, “cristian” e “krush”;
Mais foram encontrados:
- 3 sacos contendo 370,6g de fenacetina (produto de corte);
- 2 sacos contendo 117,685g de mistura de paracetamol, cafeina e lidocaína, (utilizado como produto de corte);
- 1 embalagem contendo 1045,0g de mistura de cafeina, benzocaína e lidocaína (utilizado como produto de corte).
6. O arguido CC detinha ainda na sua posse um pedaço de canábis (resina) com o peso de 3,04gr.
7. No interior do veículo Matrícula ..-XE-.., ligeiro de Passageiros, utilizado pelo arguido AA foi localizado no espaço reservado ao pneu suplente, uma mola de exercício físico, utilizada para servir como arma de agressão e a quantia de € 595,00 (quinhentos e noventa e cinco euros) em notas do ..., resultante da venda de produto estupefaciente.
8. No mesmo dia ... de ... de 2022, pelas 08H10, na ..., em ... procedeu-se ao cumprimento do Mandado de Busca e Apreensão à segunda residência associada ao arguido AA,
» No quarto do casal AA e esposa, o arguido detinha na sua posse:
Na gaveta da mesa-de-cabeceira:
- do lado direito da cama, 1 (uma) Pistola marca Walter, modelo PP, de calibre 9mm, com o número de série rasurado, semiautomática, municiada com 3 munições do mesmo calibre.
Por cima do roupeiro:
- uma arma de ar comprimido calibre 4.5mm e duas caixas com projéteis em chumbo do mesmo calibre (4.5mm);
- 1 arma elétrica “taser” sem marca;
- 1 saco contendo várias embalagens de canábis (fls./sum.), com o peso de 89.97gr, e vários pedaços de canabis (resina) com o peso de 3,29gr;
- dois moinhos para a moagem de estupefaciente, contendo vestígios de estupefaciente;
Na sala do casal AA e esposa, o arguido detinha na sua posse:
- no baú colocado no interior do móvel junto à janela foram localizadas e apreendidas 12 invólucros calibre .32S&W deflagradas, próprias para armas de fogo e 1 invólucro calibre 380 auto, todos deflagrados.
9. O arguido CC tinha na sua posse um passaporte tirado em ..., com carimbo de entrada em ... em ... de ... de 2022 e saída a ....
10. O arguido AA tinha na sua posse um passaporte tirado em ..., com carimbo de entrada em ... em ... de ... de 2022 e saída a ....
11. Os arguidos NN, CC, CC, e AA sabiam a natureza do produto estupefaciente que detinham e bem assim que a mera posse, ou cedência a qualquer título, de produto estupefaciente é proibida.
12. Os arguidos atuaram em conjugação de esforços e no interesse de todos com vista à obtenção de elevado lucro após a pesagem, corte, embalamento e venda dos produtos estupefacientes que tinham à disposição, tendo todos os artefactos necessários para o efeito (moinhos utilizados para o “corte” do produto, facas, embalagens e até máquina de contar notas).
13. O arguido AA sabia que não podia deter na sua posse qualquer uma das armas e munições que detinha por não possuir qualquer licença ou autorização que o habilitasse a tal, não se inibindo ainda assim de atuar.
14. O arguido CC sabia que não podia deter na sua posse a munição que detinha por não possuir qualquer licença que o habilitasse a tal, não se inibindo ainda assim de atuar.
15. Todos os arguidos atuaram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram punidas pela Lei penal.
(…)
19. Do relatório social referente ao arguido AA consta o seguinte:
“I - Dados relevantes do processo de socialização
AA é o único filho do relacionamento entre os pais, fruto de uma gravidez precoce da mãe que só viveu com o companheiro cerca de 1 ano. O pai estabeleceu nova relação, da qual AA tem mais 4 irmãos, embora tenha mantido com esta parte da família um contacto mais distante ao longo dos anos.
Viveu essencialmente junto da progenitora e a partir dos 6 anos também com o novo companheiro da mãe, com o qual estabeleceu uma relação filial e vinculativa, embora este tenha tido no passado, problemas de dependência química.
Segundo as fontes, existiam relações harmoniosas entre os membros e a sustentabilidade do agregado era assegurada sem dificuldades relevantes, pelo padrasto como tipografo e a mãe como funcionária pública no sector das limpezas. O padrasto passou posteriormente a trabalhar por conta própria em remodelação de interiores, aparentemente com sucesso.
A nível escolar, AA mostrou-se pouco motivado, mas completou o 7º ano de escolaridade e ingressou num curso comercial com equivalência ao 12º ano, que terminou. Começou vida profissional na construção civil, ainda em fase de formação escolar, embora de forma esporádica. Começou a trabalhar de forma mais regular desde que conheceu a companheira, há 25 anos, e com a qual iniciou vida em comum há 15 anos, após o nascimento da primeira filha do casal.
A nível laboral, manteve uma postura dinâmica e empenhada, exercendo funções como armazenista e posteriormente ligado á execução de filmes e séries para a televisão, nomeadamente no transporte de geradores.
Esta função onde se manteve por vários anos, trouxe-lhe estabilidade e boas condições financeiras, mas igualmente contactos com pessoas ligadas a meios de consumo de estupefacientes. Atribui em parte à necessidade de trabalhar muitas horas e ao pouco tempo de descanso, a sua adesão ao consumo de cocaína, a qual, com o tempo, passou a dependência.
A família só se apercebeu tardiamente da situação pelas alterações de comportamento que AA começou a manifestar no seu quotidiano, embora segundo as fontes, estes não apresentassem indícios de agressividade ou violência. Face a alguma pressão familiar, AA acabou por deixar esse emprego com o objectivo de se afastar desse meio e começou a trabalhar como taxista por conta de outrem, embora não tenha conseguido na prática, manter-se abstinente dos consumos.
Por esse motivo e face aos riscos de uma separação conjugal acedeu a ter acompanhamento por parte do Centro de Atendimento a toxicodependentes ..., onde beneficiou de consultas de psicologia e psiquiatria, e embora sem acordar com o internamento proposto, terá deixado de consumir cocaína durante um período, retomando um modo de vida social e familiarmente integrado.
II – Condições Sociais e Pessoais
AA constituiu uma empresa individual, no sector de transportes – táxis – e começou a trabalhar por conta própria nesse sector de atividade, com lucros diários entre os 150 e 200 euros diários, o que lhe possibilitou voltar a ter uma boa condição financeira. Nesse contexto e por motivos pouco claros terá voltado a ter consumos de cocaína, os quais se refletiram a nível familiar na assunção de comportamentos verbais de maior agressividade. Na sequência desta alteração de conduta do arguido, a companheira e os 2 filhos do casal deixaram a morada de família, para passar a viver junto dos sogros do arguido.
AA permaneceu assim sozinho na habitação durante alguns meses, referindo ter-se dedicado ao desporto como estratégia para deixar os consumos sem outro tipo de intervenção técnica, o que terá aparentemente conseguido ao fim de alguns meses. Continuou a trabalhar como taxista e a prover a sua sustentabilidade, embora segundo o mesmo tenha feito algumas dividas com os traficantes, na fase em que ainda consumia ativamente.
Há cerca de 1 ano, e quando AA comprovou que já se encontrava abstinente do consumo de cocaína, a companheira e filhos retornaram a casa e a vida familiar voltou à mesma dinâmica quotidiana.
Todavia o arguido, passou a eleger o álcool em substituição da cocaína e a consumir esta substância com alguma regularidade, ainda que sem caracter de dependência. Não chegou a fazer qualquer intervenção neste âmbito, por ter sido preso preventivamente, em ..., no âmbito do presente processo.
No ... manteve inicialmente uma conduta ajustada aos normativos institucionais e foi colocado a trabalhar na cozinha alguns meses depois. Segundo ele, a permanência em contexto institucional permitiu-lhe deixar o consumo de álcool sem dificuldades e focar-se em atividades mais construtivas. O facto de estar a trabalhar também se constituía como um indicador de abstinência, já que estes reclusos são sujeitos a testes aleatórios de despiste de consumos de substâncias aditivas.
Contudo, em ... ano, sofreu uma infração disciplinar por posse de estupefacientes, que o mesmo justifica de forma pouco clara – alegadamente por ter feito um favor a outro recluso, não assumindo contudo qualquer recaída no consumo de estupefacientes. Em consequência perdeu o posto de trabalho e voltou a ficar inativo.
As visitas da companheira também estão atualmente suspensas devido a um inquérito interno que decorre na sequência de uma visita desta, mas o casal continua a contactar-se regularmente.
Pretende em liberdade reintegrar a família constituída , sendo que a companheira apesar das crises e dificuldades por que tem passado neste processo, reitera a sua disponibilidade para continuar a apoiar e viver com o arguido. O casal projecta contudo deixar a zona atual de residência logo que o mesmo passe à situação de liberdade, e fixar-se noutra localidade do país, onde AA irá dar continuidade á sua empresa de táxis, como forma de garantir a subsistência familiar.
Este projecto visa essencialmente o afastamento do arguido do meio socio residencial, onde este tem a sua rede de contactos com meios de trafico e consumo de estupefacientes e também proteger a família, que tem vindo a sofrer alguma pressão dessas pessoas, por questões associadas ao passado do arguido.
III - Impacto da situação jurídico-penal
A prisão preventiva de BB constituiu um choque para a família e refletiu-se diretamente sobre a companheira, que se encontra em situação de baixa medica prolongada e segundo ela, sem capacidade para retomar atividade profissional, e também sobre o filho mais novo, que apresenta alguns problemas associados ao afastamento do progenitor.
A sustentabilidade familiar, essencialmente assente nos ganhos do arguido, passou a depender dos rendimentos obtidos pelo táxi do arguido, atualmente a ser usado por terceiros, assim como do vencimento da filha, que começou a trabalhar após a prisão do arguido.
AA evidencia sentimentos de culpabilização relativamente ao impacto que esta situação gerou sobre a família constituída, bem como a mãe e padrasto, igualmente presos preventivamente e atualmente em ..., no âmbito do mesmo processo pelo qual se encontra sujeito á presente medida de coação.
Adopta em geral uma postura de assunção e arrependimento relativamente às condutas desajustadas do passado, que atribuiu essencialmente á sua dependência química e aos contactos estabelecidos nesse contexto, mas denota algumas dificuldades na avaliação das fragilidades pessoais que as motivaram, bem como na aceitação da intervenção de terceiros no seu processo de reabilitação.
Relativamente à sua problemática aditiva reitera o seu interesse em se desvincular da mesma de forma consistente, mas não considera necessária uma intervenção técnica nesta fase – o que aponta para uma desvalorização desta problemática e nesse sentido, o risco de uma eventual reincidência.
IV – Conclusão
O processo de desenvolvimento de AA decorreu sem incidentes relevantes durante a sua infância e adolescência, tendo sido contudo sinalizado pelas entidades policiais como suspeito na época em que começou a consumir estupefacientes, em contexto laboral. 9
Desde essa fase que o arguido tem demonstrado algumas dificuldades para se desvincular dos hábitos aditivos de forma consistente, apesar das estratégias utilizadas, o que teve como consequência numa fase recente, uma separação temporária da companheira e família.
Esta relação foi retomada pouco antes da sua atual prisão preventiva e constituiu-se presentemente como o principal suporte que dispõe em meio livre, para além da família de origem.
A nível laboral, AA evidenciou em geral uma postura ativa e dinâmica, estando antes da sua reclusão, a explorar com sucesso, uma empresa de táxis, que continua ativa e a ser gerida pela companheira, e que pretende retomar, em liberdade.
Relativamente aos hábitos aditivos, com os quais justifica quer os contratempos no seu percurso de vida com o atual processo judicial, manifesta aparente vontade em deixar de forma consistente qualquer tipo de consumo, e afastar-se do atual meio socio residencial, mas não parece ciente das fragilidades pessoais que os motivaram ou dos eventuais riscos de recaída que incorre em meio externo, caso não venha a adquirir competências que lhe permitam lidar com estas situações de forma ajustada.”
Do registo criminal dos arguidos
20. Os arguidos não têm averbada qualquer condenação nos seus certificados de registo criminal.
4. Fundamentação de Direito
4.1. Da redução da pena de prisão aplicada ao arguido pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, da aplicação da pena de multa pela prática do crime de detenção de arma proibida e da suspensa execução da pena
Antes de se conhecer a presente questão, importa referir que constituindo objecto deste recurso o acórdão condenatório proferido pelo tribunal colectivo (em que foi aplicada ao arguido a pena de prisão de 5 anos e 6 meses pela prática do crime de tráfico de estupefacientes (art.º 21.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro) e a pena de 1 anos e seis meses pela prática de crime de detenção de arma proibida (art.º 86.º da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro), tendo sido o arguido condenado na pena única de 6 anos de prisão), circunscrevendo-se o mesmo à escolha e medida da pena de prisão nos termos do art.º 432.º n.º 1 alínea c) segundo o qual !1- Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: (…) c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito”) e do 434.º, do Código de Processo Penal, onde se prescreve que “O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente e reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º1 do art.º 432.º”, cabe efectivamente a este Supremo Tribunal conhecer do presente recurso.
Pretende o arguido que a pena de cinco anos e seis meses de prisão que lhe foi aplicada pelo crime de tráfico de estupefacientes é desproporcional e desadequada perante as necessidades de justiça que o caso reclama, tendo em conta a quantidade de produto estupefaciente em causa, valores e objectos apreendidos e o modo incipiente em que os factos foram praticado. Refere ainda que as penas aplicadas em casos similares são inferiores àquela que lhe foi aplicada. Sustenta, por isso, que relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes deve ser aplicada uma pena situada perto do mínimo (4 anos), quanto ao crime de detenção de arma proibida deve aplicar-se pena de multa, ao invés da pena de prisão, e que a pena (única) deve ser suspensa a sua execução.
Vejamos,
Estipula o art.º 40.º do Código Penal (CP), sob a epígrafe “Finalidades das penas e das medidas de segurança” que “A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, sendo que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (n.ºs 1 e 2).
Determina, por seu turno, o art.º 71.º do mesmo diploma legal, o seguinte:
“1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.
Conforme tem vindo a ser entendido, este regime encontra o seu fundamento e legitimação no art.º 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. A restrição (ou privação temporária) do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, assim, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, desdobrando-se este nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade, por via dos quais a pena privativa da liberdade há-de revelar-se necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos – devendo a pena ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins (adequação) e corresponder a mesma à “justa medida” (adequação), impedindo-se, desse modo, que possa a mesma ser desproporcionada ou excessiva (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I Coimbra Editora, pág. 45 e 65). Deste modo, para aferir da medida da gravidade da culpa importa, de acordo com o disposto no artigo 71.º, do Código Penal, considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, nos termos do n.º 2, os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – fatores indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – fatores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança comunitária na norma violada – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Incluem-se aqui as consequências não culposas do facto [alínea a), v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves (Vd. o Ac. do STJ de 18.01.2024, proc. 361/21.8PHAMD.S1. E também os Acórdãos do mesmo Tribunal de 09.03.2006, in CJSTJ, Tomo I, pág. 212 e segs. e de 29.05.2008, proc. 08P1145, disponível em www.dgsi.pt).
As finalidades da aplicação de uma pena residem, pois, primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, tanto quanto possível, na reinserção do agente na comunidade, referindo, referindo, a propósito, Anabela Miranda Rodrigues, “ O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, in RPCC, Ano 12, n.º 2, pág. 23, que “Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.
Nos presentes autos foi o arguido condenado, para além do mais, pela prática, em co-autoria, e forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art.º 21.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, cujo texto reza o seguinte:
“Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.
São elementos constitutivos do crime: o cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, pôr à venda, distribuir, comprar, ceder, receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fazer transitar ou a detenção sem autorização, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III (elemento objetivo); a voluntariedade do ato e a ciência da ilicitude (elemento subjetivo).
No que se refere à componente subjetiva do tipo, exige-se o dolo para que o tipo seja plenamente preenchido. É o que resulta do disposto no artigo 13.º do Código Penal (subsidiariamente aplicável aos diplomas penais avulsos, como é o caso do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro), em qualquer uma das modalidades previstas no art.º 14.º do CP.
A propósito deste tipo de crime, têm os nossos tribunais afirmado que se trata de uma verdadeira praga social, a demandar repressão adequada pelos malefícios que desencadeia tanto sobre os consumidores como sobre as comunidades em geral (Ac. STJ. de 18.02.1999, CJ ASTJ, Ano I, Tomo 1, pág. 222).
O bem jurídico protegido é primacialmente a saúde pública. Todavia, pelos crimes que lhe andam conexos e pelas consequências que este tipo origina na sociedade em geral, com a sua tipificação visa-se proteger humanidade da sua destruição a longo prazo, e também proteger a liberdade do cidadão face à dependência gerada pela droga.
O referido crime de tráfico de estupefacientes é classificado como de perigo abstracto, não se exigindo para a sua consumação a existência de um dano real e efectivo. O crime consuma-se com a simples criação de um perigo ou risco de dano para o bem protegido, que, como já referido, é a saúde pública e integridade física dos cidadãos, vivendo em sociedade, para além de também estar em jogo a protecção da economia do Estado, que pode ser desvirtuada nas suas regras com a existência da economia paralela dirigida pelos traficantes (Vd. António Lourenço Martins, “Droga e Direito”, Lisboa, 1994, pág. 122).
Sendo a actividade de tráfico susceptível, em si mesma, de destruir uma pluralidade de bens jurídicos que vão desde a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores, até à própria subsistência comunitária - a gravidade, a propagação e a tendência para o alastramento dos danos causados pelo tráfico de estupefacientes justificam a tipificação própria dos crimes de perigo, sem violação do princípio da necessidade das penas e das medidas de segurança (Ac. do STJ de 25-10-2017, proc. 46/15.4PEFIG.S1).
No presente caso provou-se o seguinte:
5. No dia ... de ... de 2022, pelas 07H15, na ..., os arguidos NN, CC, CC, e AA detinham na sua posse:
No quarto do CC (irmão de AA):
No móvel por debaixo da televisão:
- três embalagens de cocaína, sendo que duas delas contendo 6,732g de cocaína (cloridrato), e noutra 7,635g;
- diversos artigos comummente utilizados na compra e venda de produto estupefacientes: 1 moinho com resíduos de canábis (resina), 2 balanças de precisão com resíduos de canabis de cocaína, 3 facas com resíduos de canabis, 3 x-atos com resíduos de canábis;
Em cima da mesa junto da televisão:
- 2 placas e 1 “língua” de canabis (resina) com o peso de 143,936g e 3,040g, respetivamente,
No móvel da televisão:
- um saco de plástico contendo canabis (fls/sum) com o peso de 52 gramas;
- uma munição para arma de fogo, calibre .380 auto;
- 1 (um) Passaporte em nome de OO, com registo de entrada em ....
» No quarto de CC e NN (padrasto e mãe de AA)
Á entrada do quarto:
- uma caixa de cartão contendo 44 placas de canábis (resina) com o peso de 4051,085gr, e 16 placas de canábis (resina) com o peso de 1489,296g com as designações “24karal” e “kush”;
Junto da janela:
- uma bolsa preta com 4 placas de canábis (resina) com o peso de 330,4gr, com as designações “power”;
Em cima de um móvel:
um cofre metálico, contendo no seu interior a quantia de € 7 495,00 (sete mil quatrocentos e noventa e cinco euros), provenientes do tráfico de estupefacientes;
» No quarto do AA, foi localizado e apreendido:
No móvel de arrumação:
- 1 mala vermelha contendo diversas embalagens de fita-cola para acondicionamento do produto estupefaciente, com vestígios de estupefaciente;
- 1 Catana, com 41 cm de lâmina e 57cm de comprimento;
- 1 balança de precisão de cor azul, com vestígios de estupefaciente;
Na mesa de cabeceira:
- 1 aerossol contendo Gás OC-17 Defense Spray, com o princípio ativo de Oleoresina capsicum, para o qual o arguido não possui qualquer licença;
- 1 Passaporte em nome de AA, com registo de entrada em ...;
- € 165 (cento e sessenta e cinco euros) em notas do BCE, provenientes do tráfico de estupefacientes,
- 2 Telemóveis (de marca Aplle e Alcatel)
» No quarto de arrumos, frente ao quarto do AA, foi localizado e apreendido, junto a artigos pessoais (roupa e sapatos) identificados como sendo pertença do AA:
- uma máquina de contar dinheiro;
- 2 moinhos utilizados comummente para o corte de estupefaciente, com resíduos de produto estupefaciente;
- 3 sacos de plástico contendo cocaína, em concreto um deles com 135,113g, e outros dois com um total de 23,259g;
- 1 saco de desporto azul, contendo no seu interior duas caixas de sapatos com 17 placas de canábis (resina) com o peso de 1591,149g;
- 7 placas de canábis (resina) com o peso de 656,149g;
- 1 placa de canábis (resina) com o peso de 90,138g, 1 placa de canábis (resina) com o peso de 83,545g;
- 2 placas de canábis (resina) com o peso de 187,551g;
- 4 placas de canábis (resina) com o peso de 155,310g;
- 4 placas de canábis(resina) com o peso liquido de 382,774g;
- placas com as designações “nano”, “cristian” e “krush”;
Mais foram encontrados:
- 3 sacos contendo 370,6g de fenacetina (produto de corte);
- 2 sacos contendo 117,685g de mistura de paracetamol, cafeina e lidocaína, (utilizado como produto de corte);
- 1 embalagem contendo 1045,0g de mistura de cafeina, benzocaína e lidocaína (utilizado como produto de corte).
6. O arguido CC detinha ainda na sua posse um pedaço de canábis (resina) com o peso de 3,04gr.
7. No interior do veículo Matrícula ..-XE-.., ligeiro de Passageiros, utilizado pelo arguido AA foi localizado no espaço reservado ao pneu suplente, uma mola de exercício físico, utilizada para servir como arma de agressão e a quantia de € 595,00 (quinhentos e noventa e cinco euros) em notas do ..., resultante da venda de produto estupefaciente.
8. No mesmo dia ... de ... de 2022, pelas 08H10, na ..., em ... procedeu-se ao cumprimento do Mandado de Busca e Apreensão à segunda residência associada ao arguido AA,
» No quarto do casal AA e esposa, o arguido detinha na sua posse:
Na gaveta da mesa-de-cabeceira:
- do lado direito da cama, 1 (uma) Pistola marca Walter, modelo PP, de calibre 9mm, com o número de série rasurado, semiautomática, municiada com 3 munições do mesmo calibre.
Por cima do roupeiro:
- uma arma de ar comprimido calibre 4.5mm e duas caixas com projéteis em chumbo do mesmo calibre (4.5mm);
- 1 arma elétrica “taser” sem marca;
- 1 saco contendo várias embalagens de canábis (fls./sum.), com o peso de 89.97gr, e vários pedaços de canabis (resina) com o peso de 3,29gr;
- dois moinhos para a moagem de estupefaciente, contendo vestígios de estupefaciente;
Na sala do casal AA e esposa, o arguido detinha na sua posse:
- no baú colocado no interior do móvel junto à janela foram localizadas e apreendidas 12 invólucros calibre .32S&W deflagradas, próprias para armas de fogo e 1 invólucro calibre 380 auto, todos deflagrados.
9. O arguido CC tinha na sua posse um passaporte tirado em ..., com carimbo de entrada em ... em ... de ... de 2022 e saída a ....
10. O arguido AA tinha na sua posse um passaporte tirado em ..., com carimbo de entrada em ... em ... de ... de 2022 e saída a ....
11. Os arguidos NN, CC, CC, e AA sabiam a natureza do produto estupefaciente que detinham e bem assim que a mera posse, ou cedência a qualquer título, de produto estupefaciente é proibida.
12. Os arguidos atuaram em conjugação de esforços e no interesse de todos com vista à obtenção de elevado lucro após a pesagem, corte, embalamento e venda dos produtos estupefacientes que tinham à disposição, tendo todos os artefactos necessários para o efeito (moinhos utilizados para o “corte” do produto, facas, embalagens e até máquina de contar notas).
13. O arguido AA sabia que não podia deter na sua posse qualquer uma das armas e munições que detinha por não possuir qualquer licença ou autorização que o habilitasse a tal, não se inibindo ainda assim de atuar.
14. O arguido CC sabia que não podia deter na sua posse a munição que detinha por não possuir qualquer licença que o habilitasse a tal, não se inibindo ainda assim de atuar.
15. Todos os arguidos atuaram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram punidas pela Lei penal.
Do supra descrito acervo factual, conclui-se que o arguido praticou os factos em co-autoria com os demais arguidos dos autos. A ilicitude é elevada, tendo conta a quantidade, qualidade e o tipo de droga apreendida (cerca de 9 quilos de canábis e cerca de 172,739 gramas de cocaína), valores obtidos com o tráfico (€ 8 255), e os meios usados para esse efeito, onde até existia uma máquina de contar notas (a denotar certa estrutura organizativa). Retira-se ainda dos factos provados resulta que o arguido AA assumia uma posição de liderança.
O arguido agiu com dolo directo, pois conhecendo a natureza do produto estupefaciente que detinha e sabendo que a mera posse ou cedência a qualquer título era proibida, ainda assim, persistiu na sua conduta criminosa.
É certo que o arguido assumiu a posse dos produtos estupefacientes, todavia, como resulta do explanado no acórdão recorrido, não assumiu que lhe pertencessem, que fossem destinados ao tráfico e que as quantias apreendidas resultassem do tráfico de droga. Assim, ao contrário do propugnado, o arguido não confessou a integralidade dos factos, tendo atribuído o seu comportamento ao consumo da droga e aos contactos estabelecidos nesse universo.
O arguido, é primário, possui o 7.º ano de escolaridade e curso profissional com equivalência ao 12.º ano. O mesmo goza do apoio familiar e revela uma postura empenhada ao nível laboral, tendo inclusive criado uma empresa de exploração de táxi. Todavia, esse circunstancialismo tem sido prejudicado devido ao consumo de substancias estupefacientes a que se tem o mesmo dedicado e mais recentemente ao consumo de álcool.
Relativamente à sua problemática aditiva reitera o arguido o seu interesse em se desvincular dele de forma consistente, mas não considera necessária uma intervenção técnica nesta fase, “o que aponta para uma desvalorização desta problemática e nesse sentido, o risco de uma eventual reincidência”, como consta do seu relatório social.
Recentemente sofreu sanção disciplinar prisional por posse de estupefacientes.
Refere o arguido que a pena aplicada relativamente ao crime de tráfico é excessiva por contraposição a outros casos julgados neste Tribunal, datados de ........2017, ........2018 e de ........2016.
Não tem razão. Com a referida identificação, apenas se logrou localizar o Ac. do STJ de 25-10-2017, proc. 46/15.4PEFIG.S1, sendo certo que nesses autos, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes (art.º 21.º, do DL 15/93), o Tribunal entendeu ser de aplicar ao arguido AA (o co-autor com intervenção mais significativa na prática dos factos - tal como o arguido, ora recorrente), a pena de seis anos de prisão, vindo o mesmo a ser condenado, como reincidente, na pena de sete anos de prisão.
Não se vislumbra, assim, qualquer desconformidade ou incoerência entre a pena aplicada neste autos e a aplicada no referido processo, não devendo olvidar-se que cada caso encerra as suas particularidades.
Como resulta do supra exposto, são elevadas as exigências de prevenção geral que o crime de tráfico de droga reclama. Elevadas também o sendo as exigências de prevenção especial, a impor ao arguido o reconhecimento de que a sua conduta é reprovável, necessitando o mesmo de adequar o seu comportamento aos valores sociais vigentes, moldando a sua personalidade de forma corresponder às expectativas comunitárias de uma vida organizada com respeito pelos bens jurídicos penalmente protegidos. Como se referiu no Ac. do STJ de 06.10.2021, proc. 323/21.5T8PTG.S1 “(…) a sociedade tem todo o interesse em que o seu aparelho de Justiça contribua para a ressocialização daqueles de entre os seus membros que, tendo delinquido, se mostrem dispostos a passar a assumir um comportamento normativo, conforme com o Direito. Pelo que as penas devem ser equilibradas e suficientes face aos objetivos que se propõem”.
Com base no que fica exposto, considera-se adequada e justa a pena aplicada ao arguido de cinco anos e seis meses de prisão, não muito longe do seu limite mínimo, pela prática em co-autoria material e na forma consumada do referido crime de tráfico de estupefacientes, p. e p., no citado art.º 21.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro.
Pretende ainda o arguido que se aplique pena de multa, em vez da pena de prisão de um ano e seis meses que lhe foi aplicada pela prática de um crime de detenção de arma proibida.
Determina o art.º 70.º do CP que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena de privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, sendo que, como supra referimos, as penas visam a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art.º 40.º do CP).
Prescreve o art.º 86.º, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro o seguinte:
“1- Detenção de arma proibida - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desativar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo: (…)
c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objeto, arma de fogo fabricada sem autorização ou arma de fogo transformada ou modificada, bem como as armas previstas nas alíneas ae) a ai) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
d) Arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática ou ponta e mola, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, cardsharp ou cartão com lâmina dissimulada, estrela de lançar ou equiparada, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, as armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão elétrico, armas elétricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho, e bem assim as munições de armas de fogo constantes nas alíneas q) e r) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias;
(…)”.
No presente caso, conforme mencionado no acórdão recorrido, o arguido tinha na sua posse:
“- uma pistola marca Walther, modelo PP, de calibre 9 mm, com o número de série rasurado, semiautomática: considerada como arma de fogo modificada, de acordo com o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea v), da mencionada Lei n.º 5/2006, porquanto aí se estabelece que uma arma de fogo modificada é “a arma de fogo que, mediante uma intervenção não autorizada de qualquer tipo, sofreu alterações dos seus componentes essenciais, marcas e numerações de origem (…)”e classificada como arma de classe A, em conformidade com o preceituado no artigo 3.º, n.º 2, alínea l), da Lei n.º 5/2006. Tratando-se de uma arma de fogo transformada, a sua detenção integra a prática do crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.
- três munições (cf. artigo 2.º, n.º 3, alíneas p) e c), da mesma Lei), sendo que a detenção de tais munições integra a prática do crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, ao invés do ilícito previsto e punido pela alínea d) do n.º 1 do mesmo preceito legal, conforme lhe é imputado pela acusação, porquanto tais munições não são as munições constantes nas alíneas q) e r) do n.º 2 do artigo 3.º. Estas munições são as únicas que integram a previsão legal da alínea d) do n.º 1 do artigo 86.º. As restantes caem na previsão da alínea e)”.
O arguido AA sabia que não podia deter na sua posse a referida arma e munições por não possuir qualquer licença que o habilitasse a tal, tendo agido com dolo direto (art.º 14.º, n.º 1, do Código Penal).
O crime de detenção de arma proibida visa, em primeira linha, tutelar a segurança das pessoas e dos seus bens. E porque o bem jurídico protegido é a segurança contra o risco de detenção de tais armas, bastará a adoção pelo agente de umas das situações ou comportamentos acima enunciados para ser posto em causa o bem jurídico tutelado e tipificar-se o correspondente crime (de perigo abstrato) - sendo desnecessária a efetiva verificação de uma situação de perigo para esses bens, dada a suposição legal de que determinados modos de comportamento são geralmente perigosos para o bem protegido.
A escolha da pena depende, assim, de considerações de natureza preventiva, na sua dupla vertente positiva, geral (de integração: a proteção dos bens jurídicos) e especial (reintegração do agente na sociedade).
Ora, as necessidades de prevenção geral a satisfazer com a punição pelo crime de detenção de arma proibida, são muito elevadas, dada a muita frequência com que este tipo de ilícito é cometido e a elevada quantidade de armas proibidas que são ilegalmente comercializadas no mercado negro e utilizadas na prática de crimes violentos, com a correspondente lesão de bens jurídicos fundamentais e o alarme social daí decorrentes. Também são muito elevadas as necessidades de prevenção especial a satisfazer com a punição, visando a ressocialização do agente, já que o arguido era detentor de várias armas proibidas, conexionando-se essa detenção com o crime de tráfico de droga, por via do qual, como é sabido, é comum a prática de outros crimes violentos com o uso desse tipo de armas.
Destarte, sendo prementes, no presente caso, as necessidades de prevenção geral e especial, concluímos que não se mostram asseguradas as finalidades da punição mediante a aplicação ao arguido de pena de multa, devendo antes aplicar-se pena privativa de liberdade. Como bem se referiu no acórdão recorrido, “afigura-se premente que o arguido interiorize a gravidade do ilícito cometido, bem como a necessidade de proceder de acordo com a lei, termos em que, entende este tribunal que uma pena não privativa da liberdade já não será suficiente para afastar o arguido da prática de ilícitos criminais, pelo que lhe deverá ser aplicada uma pena de prisão”.
É assim de manter a pena de prisão de um ano e seis meses aplicada ao arguido pela prática de crime de detenção de arma proibida p.e p. no citado art.º 86.º n.º 1 alíneas c) e d), da Lei n.º 5/2006.
Posto isto, importa agora considerar o disposto no art.º 77.º do CP, - Regras da punição do concurso
“ 1- Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
(…)”
Relativamente à punição do concurso de crimes (concurso de penas), e à sua razão de ser, refere Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal”, III Volume, Verbo, pág. 181 que a pena tem essencialmente, como função a prevenção de futuros crimes, sendo a finalidade da prevenção a razão da unidade de aplicação da pena única no concurso de crimes. Deste modo, não tendo a pena finalidade exclusivamente punitiva ou retributiva, adianta aquele autor que “se tendo o agente praticado vários crimes antes da condenação por qualquer deles devesse cumprir cumulativamente todas as penas correspondentes a qualquer dos crimes, isso significaria que a lei não considerava o efeito reintegrador da pena, não atribuindo qualquer efeito ao cumprimento da 1.ª das penas executadas”. (Itálicos nossos).
Na fixação da pena conjunta do concurso, deve atender-se à “culpa do agente e às exigências de prevenção” (art.º 71.º do Código Penal), tendo-se em consideração que “A aplicação das penas e medidas de segurança visam a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, sendo que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (art.º 40.º n.ºs 1 e 2, do Código Penal).
Em caso de concurso, na fixação da pena unitária, devem respeitar-se os limites das penas em concurso, e ter-se em consideração o disposto no art.º 77.º do Código Penal (“conjunto, dos factos e a personalidade do agente”). A decisão que determine a medida concreta da pena do cúmulo «deverá correlacionar conjuntamente os factos e a personalidade do condenado no domínio do ilícito cometido por forma a caracterizar a dimensão e a gravidade global do comportamento delituoso do agente, na valoração do ilícito global perpetrado» (Vd. o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 27-01-2021, proc. 1663/16.0T9LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt).
Como salienta Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1.ª Edição, págs. 290 a 291 “Estabelecida a moldura penal do concurso o tribunal ocupar-se-á, finalmente, da determinação, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontrará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. Nem por isso se dirá com razão, no entanto, que estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida da pena. Com efeito a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais da medida da pena contidos no art.º 72.º, nº 1, um critério especial «na determinação da medida concreta da pena serão considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente”.
A este respeito, como tem sido assinalado pela jurisprudência, “Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes com efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
(…)
“Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos pois que a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a recetividade á pena pelo agente deve ser objeto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.” (Itálicos e sublinhados nossos).
No presente caso, o conjunto dos factos são graves, atenta a natureza dos crimes em questão (crime de tráfico de estupefacientes e de detenção de arma proibida). Elevada é também a ilicitude face à quantidade de droga apreendida e meios utlizados no tráfico, bem como em face da detenção de várias armas proibidas. O arguido agiu com vista à obtenção do lucro, ignorando as consequências nefastas (por vezes dramáticas) do tráfico e consumo de droga junto da população. É primário. E, e se é certo não se apuraram factos que nos permitam concluir por uma tendência criminosa - o modus operadin levado a cabo pelo arguido no âmbito do crime de tráfico de estupefacientes e a detenção de várias armas proibidas, não permitem afirmar, com segurança, que se tratou de actos isolados, circunscritos a uma fase da vida do arguido, sendo certo que o mesmo tem largo passado relativamente a práticas aditivas e como tal, contacto, de uma maneira ou de outra, com o universo da droga.
Tudo visto, considera-se adequado e justo fixar ao arguido a pena única em seis anos de prisão.
4. Decisão.
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC
Lisboa, STJ 2024.07.04
Albertina Pereira (Relatora)
Vasques Osório (1.º Adjunto)
Celso Manata (2.º Adjunto)