I - É incontroverso que o artigo 205º, n.º 1, da CRP estabelece que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. Por seu turno, o artigo 97º, n.º 5, do CPP, dando execução àquele comando constitucional para os atos decisórios nele definidos, dispõe que os mesmos “(…) são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
II - A doutrina e a jurisprudência, no entanto, salientam a diversidade de grau da fundamentação exigida para os diferentes atos decisórios, desde aquele específico das sentenças e acórdãos estabelecido nos artigos 374º e 375º do CPP, sob pena de nulidade, nos termos do artigo 379º, n.º 1, al. a), do mesmo diploma legal, que aqui tem indiscutível aplicação, ao dos meros despachos, por muito relevantes que sejam. Reconhecendo embora que esse dever de fundamentação é mais exigente para as sentenças e acórdãos, não deixam, contudo, de assinalar a sua inevitável diferença em função do maior ou menor poder de concisão e clareza discursiva do juiz e do concreto objeto das decisões e dos efeitos da falta ou insuficiência da devida fundamentação.
III - Como se assinala no parecer do Ministério Público no STJ, analisados os factos provados e não provados à luz e conjugadamente com o enunciado resumido e consignado no texto da decisão da prova por declarações, documental e pericial levado ao texto do acórdão, outrossim das respetivas considerações teóricas iniciais, de posterior contextualização e de encerramento, torna-se claro porque é que o tribunal deu como provados certos factos e como não provados outros, nomeadamente em função do maior ou menor crédito atribuído à prova por declarações, em cujo enunciado resumido e consideração final se explicita quando e porquê o mereceram, em função da razão de ciência de cada um dos declarantes e testemunhas, das posições divergentes por eles assumidas em diferentes fases do processo, após leitura e confronto em audiência, e da sua corroboração recíproca e pelos demais meios de prova, nomeadamente documental, pericial e material, bem assim como em função das regras da experiência comum e do normal acontecer, que permitiram, entre o mais, extrair dos factos diretamente provados aqueles insuscetíveis de prova direta, ou seja, por recurso às presunções judiciais, nos termos consentidos pelo princípio da livre apreciação da prova plasmado no artigo 127º do CPP, designadamente quanto ao elementos subjetivo dos tipos incriminadores.
IV - Por conseguinte, o acórdão recorrido ora sindicado cumpriu cabalmente o dever de fundamentação dos atos jurisdicionais decisórios, permitindo aos seus destinatários e às instâncias de recurso apreender e compreender o iter racional da formação da convicção dos juízes integrantes do tribunal de estrutura coletiva que o proferiu e o seu escrutínio externo, como, aliás, evidenciam a motivação e conclusões do recurso que dele foi interposto pelo arguido e recorrente, ao suscitar os vícios da decisão a que se refere a questão seguinte, através da qual se pretende rebater aquele convencimento e os respetivos fundamentos, não incorrendo em qualquer nulidade ou interpretação inconstitucional das normas jurídicas nele consideradas e aplicadas em matéria de facto ou de direito.
V – Independentemente da consequência jurídico-processual da verificação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, do CPP, é pacífico que eles constituem vícios da decisão e não erros de julgamento, devendo, por isso, necessariamente, resultar do seu texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência, sem necessidade e/ou possibilidade de recurso a elementos externos para os evidenciar, e que, podendo embora coexistir na mesma decisão, a sua verificação alternativa ou subsidiária se afigura incompatível com a respetiva substância, conforme esclarecida diferenciação de Pereira Madeira e da jurisprudência por ele referenciada em anotação ao artigo 410º, n.º 2, do CPP, no “Código de Processo Penal Comentado”, de Henriques Gaspar e outros, supra mencionado.
VI - O recorrente incorre na muito comum confusão entre o vício da decisão convocado e o do erro do julgamento da matéria de facto, que efetivamente não impugnou, pois que, em vez de o evidenciar, explicando, por referência ao texto do acórdão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, a matéria de facto provada e não provada que não deu resposta integral aos factos que constituíam o objeto do processo fixado pela acusação e, desse modo, insuficiente para suportar a sua condenação e não condenação por parte deles, limita-se a proclamar, num juízo próprio, que a prova produzida não tem virtualidade para fixar a matéria de facto considerada provada nos pontos 1 a 87 e que conduziu à sua condenação, recorrendo aos elementos de prova produzidos, de que retira ilações necessariamente subjetivas acerca do seu envolvimento nos factos que lhe eram imputados na acusação, o que, obviamente, não integra o invocado vício, antes uma divergência sobre a matéria de facto provada, só passível de contrariedade mediante a respetiva impugnação ampla, nos termos do artigo 412º do CPP.
VII – Considerando as molduras penais abstratas ou legais previstas para os crimes de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência às Tabelas I-B e I-C ao mesmo anexas, de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368º-A, n.ºs 1, al. f), e 3, do CP, e de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1, al. d), com referência aos artigos 2º, n.º 1, al. an), 3º, n.ºs 1 e 2, al. i), e 4º, n.º 1, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições (RJAM), aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23.02, outrossim da pena única resultante do cúmulo jurídico dessas três penas parcelares, atentas as regras de punição estabelecidas no artigo 77º do CP, de, respetivamente, 4 (quatro) a 12 (doze) anos de prisão, 1 mês a 12 anos de prisão, 1 mês a 4 anos de prisão (não releva aqui a pena alternativa de multa até 480 dias, afastada pelo tribunal da condenação sem contestação do recorrente) e 5 (cinco) anos a 7 (sete) anos e 8 (oito) meses de prisão.
VIII – As penas de prisão, parcelares e única, aplicadas ao arguido, de, respetivamente, 5 (cinco) anos, 2 (dois) anos, 8 (oito) meses e 6 (seis) anos de prisão, são justas, adequadas e fixadas de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade, sem ultrapassar a medida da sua culpa, mostrando-se, além disso, muito mais próximas do limite mínimo do que do limite máximo ou sequer médio das correspondentes molduras abstratas ou legais e em sintonia com os habituais parâmetros do STJ para situações equivalentes.
Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
1. Por acórdão, de ........2024, do Juízo Central Criminal do ... (J.....) – J 1, do Tribunal Judicial da Comarca da ..., foi, entre outros, o arguido AA, nascido a ... de ... de 1977, com os demais sinais dos autos, condenado, nos termos do seguinte dispositivo, que se transcreve na parte que ora releva:
«III - Dispositivo
Um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
Um crime de branqueamento, previsto e punido pelo art. 368º-A, nºs 1, al. f) e 3 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
Como autor material, na forma consumada e em concurso efectivo de:
Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido nos termos das disposições conjugadas dos artigos 86.º, n.º 1, al. d), com referência aos artigos 2º, nº 1, al. an), 3º, nºs 1 e 2, al. i) e 4º, nº 1, todos do Regime Jurídico das Armas e Suas Munições (RJAM), aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23/02, na pena de 8 (oito) meses de prisão;
Em cúmulo jurídico das referidas penas unitárias, na pena única de 6 (seis) anos de prisão.
Mais delibera este Colectivo de Juízas:
(…)
(…)».
2. Inconformado, interpôs o referido arguido, em 12.02.2024, recurso para o Tribunal da Relação de ... (TRL), apresentado as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição)
«CONCLUSÕES
I. Não obstante o respeito que as decisões judiciais, sempre e em qualquer circunstância merecem, o Arguido não se conforma com a decisão do tribunal a quo de 01/02/2024 mediante a qual o foi condenado na pena única de 6 anos de prisão efetiva.
II. E entende o arguido que a decisão do tribunal a quo padece de vicio de falta de fundamentação, nomeadamente por não fazer um exame critico das provas.
III. O arguido não logra compreender em que prova (em concreto) se baseou o Tribunal a quo para considerar provados os factos supra transcritos (de 1 a 87).
IV. Da fundamentação não consta a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal quanto aos referidos factos e, mormente, o seu exame crítico.
V. O que dificulta o recurso quanto a tal matéria pelo arguido, ora recorrente, nomeadamente quanto a eventual impugnação da matéria de facto.
VI. Pois, s.m.o., não resultam da douta fundamentação os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse naquele sentido ou valorasse daquela forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
VII. Impõe o n°2 do art°374° do C.P.P. que da fundamentação conste a indicação das provas que serviram para formar a convicção ao tribunal e o seu exame critico, ou seja, o julgador tem, na fundamentação, que indicar “os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência
VIII. O tribunal tem o dever de indicar os factos que se provam e os que não se provam e a forma como alcançou a respectiva conclusão.
IX. Por seu turno, aquele que discorda da forma como se formou tal conclusão e caso lhe assista o respectivo direito de recurso virá indicar aquilo de que discorda e o motivo que discorda. O que no caso concreto não logra o arguido fazer, porquanto simplesmente não consegue perceber a forma como o Tribunal a quo alcançou a conclusão a que chegou quanto a grande parte dos facos provados, supra transcritos.
X. E embora o tribunal a quo indique as provas e testemunhas em cujo depoimento se baseou para formar a sua convicção, não explicita o processo de formação dessa mesma convicção.
XI. Assim, e s.m.o., e sempre com o devido respeito, entendemos que a fundamentação do Tribunal a quo não é suficiente para que quem leia a sentença fique convencido da bondade da decisão, mormente quanto aos factos provados 1 a 87,
XII. Com o devido respeito, mas entendemos que não basta a simples enumeração dos meios de prova sem a realização do seu exame crítico, isto é, sem que se explique, embora de forma concisa, o processo de formação dessa convicção.
XIII. Ao não exteriorizar a formação da convicção através do exame crítico da prova, limitando-se a indicar as testemunhas em cujo depoimento se baseou para formar a sua convicção, mas não explicitando o processo de formação dessa mesma convicção, a sentença recorrida não permite aos destinatários da decisão – os sujeitos processuais e este Tribunal – conhecer o percurso que lhe permitiu, designadamente, dar como provada a matéria em causa.
XIV. Ora, perante os intervenientes processuais, e perante a comunidade, a decisão a proferir tem de ser clara, transparente, permitindo acompanhar de forma linear a forma como se desenvolveu o raciocínio que culminou com a decisão sobre a matéria de facto e, também, sobre a matéria de direito.
XV. Estamos perante a obrigação de fundamentação que incide sobre o julgador, ou seja, na obrigação de exposição dos motivos de facto e de direito que há-de fundamentar a decisão.
XVI. Aliás, entendemos que o normativo contido no n° 2 do Art.° 374° do CPP - exigência de fundamentação e exame critico das provas - é inconstitucional, se interpretado no sentido de que basta a mera enumeração das provas e a afirmação de que foram convincentes os depoimentos das testemunhas, por violar as garantias de defesa do arguido - Art.° 32° - e o dever de fundamentação das decisões judiciais - Art.° 205°, ambos da C.R.P..
XVII. Esta omissão - do exame critico das provas (quanto aos pontos 1 a 87 dos factos provados) torna a sentença nula, nos termos do art°379 n°1 al. a) do C.P.P. Nulidade que se invoca para todos e os devidos efeitos legais.
XVIII. Mais, conforme atrás referido, entende o arguido, ora recorrente, que a prova produzida e explanada na douta sentença é claramente insuficiente para a conclusão a que chegou quanto a grande parte dos factos considerados provados de 1 a 87.
XIX. Em bom rigor, e de acordo com a prova referida em sede de fundamentação do douto acórdão do tribunal a quo, é possível considerar provado, grosso modo, que: o arguido AA comercializava (e chegava a oferecer) canábis em resina, detendo na sua posse esta última substância, que a tal destinava; e eventualmente o preço a que vendia o dito produto estupefaciente.
XX. Ora, para o demais (e da forma tão detalhada como resultam os pontos 1 a 87), não logra o arguido, ora recorrente, compreender em que se baseou o Tribunal a quo, sendo a prova produzida e explanada na douta sentença insuficiente para considerar-se provados os pontos 1 a 87.
XXI. Com efeito, o Tribunal a quo entendeu que “as declarações dos arguidos AA e BB assumiram relevo na incriminação de um e outro”, no entanto, as mesmas não são suficientes para considerar provados os factos 1 a 87 (conforme se pode verificar pela própria fundamentação), e a demais prova referida na douta sentença também não o é, porquanto, para além da prova documental e pericial, os demais arguidos nada referiram relativamente ao arguido AA, e o mesmo se diga em relação a diversas testemunhas.
XXII. As únicas testemunhas que segundo o acórdão recorrido, se referiram ao arguido AA, foram as supra indicadas, tendo as mesmas referido o supra transcrito e apenas isso. E o seu depoimento não é de todo suficiente para prova dos da matéria constante de pontos 1 a 87 dos factos provados.
XXIII. Padecendo, assim, de vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 410º nº 2 al. a) CPP.
XXIV. Ou caso assim não se entenda, sempre haverá erro notório na apreciação a prova.
XXV. Mais, entende ainda o arguido que é excessiva a pena em que foi condenado, pelo que pugna pela sua redução, não devendo a mesma ultrapassar os 5 anos de prisão, devendo ser suspensa na sua execução.
XXVI. Com efeito, O arguido sente-se profundamente violentado na decisão da primeira instância, nomeadamente na exagerada medida da pena.
XXVII. No caso em apreço, considerando a factualidade provada (que deverá, necessariamente ser revista e reformulada em conformidade com a prova produzida), terão V. Exas que ter sempreem conta, salvo douta e melhor opinião, as circunstâncias em que se verificaram as condutas imputadas ao arguido, que surgiriam num contexto de consumo de haxixe pelo arguido, o que é facto notório de conhecimento geral, que amolece significativamente a culpa e a capacidade de determinação.
XXVIII. Deverá ainda ser tido em consideração( isto em concreto para o crime de trafico de estupefacientes), o facto de os canabinóides serem considerados drogas psicadélicas leves.
XXIX. O que por si só deveria diferenciar em muito as penas aplicadas entre os arguidos com cuja ilicitude se mostra mais elevada, já que os demais arguidos se dedicavam à comercialização de drogas mais pesadas, como sendo heroína.
XXX. Devendo, ao arguido AA, ser aplicada pena muito próxima ao limite mínimo, nomeadamente 4 anos.
XXXI. O mesmo entende em relação às demais penas parcelares impostas ao ora recorrente, que são excessivas, pelo que devem ser reduzidas para as medidas que se aproximem dos respetivos limites mínimos.
XXXII. E, consequentemente, a pena única do cúmulo jurídico deverá ser reformulada e substancialmente reduzida, não devendo ultrapassar os cinco anos.
XXXIII. Deveria ainda ter em conta o tribunal a quo o facto de o arguido não ter antecedentes criminais, ou seja, ter pautado a sua vida por princípios que o afastaram das lides dos presentes autos.
XXXIV. O Tribunal a quo tinha de ter em consideração que não é tanto o número de crimes que importa ter em atenção para determinar a gravidade do comportamento do Recorrente, mas sim o tipo de criminalidade levado a cabo por este, não sendo a repetição que pode agravar a tipologia criminosa.
XXXV. Tendo em conta as circunstâncias atenuantes do Recorrente, a concreta ilicitude dos factos em causa, não acentuada quando consideradas as condutas potencialmente abrangidas pela incriminação e atentos os concretos meios empregues…;
XXXVI. A ausência de anteriores condenações e as “exigências de prevenção especial, não especialmente acentuadas”,
XXXVII. entende o Recorrente que o Tribunal a quo, operando o cúmulo deveria ter aplicado a pena única de 5 anos de prisão, tendo em consideração o disposto nos artigos 77º, nº 1 e 2, 71º e 72º, todos do Código Penal, pois teria de atenuar especialmente as penas.
XXXVIII. Os factos e meios de prova que foram apreciados no processo, não suscitam quaisquer dúvidas sobre a injustiça da condenação. Injustiça evidenciada, de resto, pelos vícios de que padece o douto acórdão, supra enunciados.
XXXIX. É entendimento do Recorrente que, na sequência da procedência do presente Recurso no que concerne à aplicação de pena ao arguido não superior a 5 anos, deverá ser equacionada e aplicado inequivocamente o instituo da suspensão da execução da pena.
XL. O arguido mostrou-se arrependido, está inserido familiar e profissionalmente, é um bom profissional, tendo trabalho assim que for libertado, é uma pessoa calma, pacata, e está preso à ordem estes autos há largos meses (desde 09/11/2022), o que por si só é suficiente para acautelar as concretas necessidades de prevenção especial do caso vertente
XLI. A suspensão da pena é sempre uma aposta do tribunal, no sentido em que nunca há certezas sobre o comportamento futuro do condenado. Mas a suspensão não deverá ser negada quando o risco não seja excessivo, quando não seja temerário. É o que se afigura acontecer no caso dos autos
XLII. Face a todo o circunstancialismo, parece-nos de todo possível, se não mesmo imperativo, fazer um juízo de prognose favorável, e ainda, tendo em conta as concretas necessidades de prevenção geral e especial, pelo que é nosso entendimento que a deve ser determinada a suspensão da pena de prisão aplicada, uma vez que a sua não aplicação acarretará uma interrupção grave e irremediável das relações familiares, sociais e profissionais que o Recorrente tem, contrária aos fins das penas e desajustada às concretas necessidades de prevenção geral e especial,
XLIII. aliás, decidir pelo ingresso (neste caso, permanência) do Recorrente a um estabelecimento prisional será expô-lo a um mundo de criminalidade e violência, e esquecer o fim ressocializador e de reintegração.
XLIV. Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e, por via dele, deverá ser aplicada ao arguido uma pena de prisão que em circunstância alguma deverá ser superior a cinco anos, suspendendo-se a sua execução, cumuplada, se necessário com o cumprimento de medidas, nomeadamente tratamento à adição, frequência de sessões para a responsabilização criminal e desenvolvimento da crítica face ao tráfico de drogas e decidir, ainda, o que mais reputem necessário, sempre em Doutíssimo Suprimento.
Só assim se fará a tão habitual e sã JUSTIÇA!
«(…).
3. Por despacho de 11.03.2024, o recurso foi admitido para subir ao Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
4. O Ministério Público apresentou fundamentada e desenvolvida resposta ao recurso do arguido, em 22.04.2024, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção integral do acórdão recorrido.
5. No TRL, o Juiz Desembargador relator, em 11.06.2024, na sequência e em linha com o parecer emitido pelo Ministério Público junto desse Tribunal, em 17.05.2024, proferiu despacho a excecionar a incompetência do TRL para conhecer do recurso interposto pelo arguido, atribuindo-a ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), para o qual mandou remeter o processo, com o seguinte teor:
«Sempre que a pena aplicada seja superior a 5 anos de prisão, e o recurso verse matéria de direito, como é o caso dos autos, é admissível recurso directo para o STJ. E não só é admissível, como é obrigatório o recurso per saltum, por força do disposto nos n.ºs 1 c) e 2 do art. 432.º do CPP.
Nestes termos, é competente para decidir o recurso interposto o STJ.
Proceda à remessa dos autos ao STJ e informe a 1ª instância.».
6. Neste Tribunal, o Ministério Público, em 20.06.2024, emitiu fundamentado parecer, que rematou com a seguinte síntese conclusiva:
«(…) III
Em síntese:
A fundamentação de decisão-penal condenatória não exige que o tribunal proceda testemunha-a-testemunha, declarante-a-declarante, à explicitação da respectiva credibilidade, no cotejo com a versão negatória do arguido, pois que o sentido e a valia de cada depoimento se extrai, em especial, da sua consideração na globalidade dialéctica com todos os restantes depoimentos e declarações e, em especial, da ausência de escolhos que pudessem ser apontados à razão de ciência e verosimilhança de cada um;
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é bem diferente da situação de carência de prova (na visão soberana e fundamentada do Tribunal) da decisão de facto pretendida pelo arguido;
E também não se confunde com o erro notório na apreciação da prova, que há-se ser alicerçado na análise do texto da decisão recorrida, ainda que no seu cotejo com as regras da experiência comum, sem recurso ao sentido das provas testemunhais ou declaratórias produzidas;
A análise sobre a verificação dos vícios do art. 410º do Código de Processo Penal há-se conter-se no seio de um controlo de suficiência, racionalidade e ilogicidade do processo dialéctico-intelectual de formação da convicção do julgador.
O Colectivo aplicou penas parcelares (e única) justas e criteriosas, de acordo com princípios de necessidade, adequação e proporcionalidade
IV
Em conclusão:
Motivo por que o Ministério Público dá Parecer que:
Deverá o presente recurso ser julgado não provido e improcedente, sendo de manter os termos da decisão recorrida.».
7. Observado o contraditório, o arguido não respondeu ao parecer do Ministério Público.
8. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.
II. Objeto do recurso
1. Considerando a motivação e conclusões do recurso, as quais, como é pacífico, delimitam o respetivo objeto1, as questões nele colocadas cingem-se:
a) à nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação e exame crítico da prova, nos termos conjugados dos artigos 374º, n.º 2, e 379º, n.º 1, al. a), do CPP [conclusões I a XVII];
b) à verificação do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou, em alternativa, de erro notório na apreciação da prova, previstos no artigo 410º, n.º 2, als. a) e c), do CPP [conclusões XVIII a XXIV];
c) à medida das penas de prisão aplicadas, parcelares e única, e suspensão desta última [conclusões XXV a XLIV]
III. Fundamentação
1. Na parte que aqui releva, é do seguinte teor o acórdão recorrido (transcrição):
«(…)
II – Da Fundamentação
2. Inicialmente, residiram numa habitação sita na ..., depois numa casa sita no Beco ... e, finalmente, na Rua ..., sempre nesta ....
3. Após a separação do casal, o arguido permaneceu na casa sita na Rua ..., onde ainda reside.
4. Já a arguida passou a residir na morada sita na Estrada ..., passando também períodos na residência da progenitora, sita na Rua ..., ambas no ....
5. O preço praticado pelos arguidos AA e BB para a venda de canábis em resina rondava os € 25,00 a 50,00 euros por cada língua/tira, consoante a sua espessura e o “cliente” interessado na sua aquisição.
6. Já a cocaína era vendida pelo arguido AA, por norma, a 100,00 euros o grama.
7. Estes arguidos desenvolviam a sua actividade de venda de estupefaciente sobretudo nas suas casas de residência mas também em locais previamente concertados, designadamente na via pública.
8. O arguido AA tinha como clientes, cuja identificação se logrou possível, CC, alcunha “CC”, DD, alcunha “DD”, EE, o arguido FF, alcunha “FF”, o arguido GG, alcunha “GG”, HH, II, alcunha “II”, JJ, KK, LL, MM, e NN, (alcunha “NN”) e, ambos, OO, PP, QQ (irmão de OO) RR, SS.
9. Desde meados de 2017 e pelo menos até Dezembro de 2020, CC, alcunha “CC” adquiriu mensalmente ao arguido AA uma “língua/tira” de canábis em resina (haxixe), pagando, de cada vez, a quantia de 50,00 euros, em numerário.
10.´Entre finais de 2019 e até Agosto de 2021, CC adquiriu ao arguido AA meio grama de cocaína por 50,00 euros, o que aconteceu em 5 ou 6 ocasiões.
11. Para concretizar essas transações, CC contactava telefonicamente esse arguido, e depois deslocava-se ao local entre eles combinado, aonde este lhe entregava o produto estupefaciente por si pretendido, mediante o pegamento do preço correspondente, sempre em numerário.
12. Esses encontros ocorreram tanto em lugares públicos aleatórios, como bares, cafés, estacionamentos e via pública, previamente concertados para o efeito, como na residência do arguido AA, sita na Rua ....
13. CC ficou a dever ao arguido AA uma quantia não apurada por conta das quantidades de haxixe e cocaína que lhe comprou.
14. Desde meados de 2017 e até Agosto de 2021, as casas de residência do casal e depois apenas do arguido AA foram frequentadas por vários indivíduos, que para ali se deslocavam com o intuito de comprar estupefaciente, designadamente:
a. OO, SS, II (alcunha “II”), JJ, HH, todas estas amigas da arguida BB;
b. KK, PP, LL, MM, TT, o arguido GG, NN, UU, VV (...), WW, entre outros.
15. Desde pelo menos 2018 e até data não apurada, mas anterior a Dezembro de 2021, OO comprou haxixe ao arguido AA.
16. Fê-lo, por norma, de duas em duas semanas, comprando de cada vez uma “tira fina/língua” por, pelo menos, 25,00 euros cada, que pagava sempre em numerário.
17. Todavia, nalgumas ocasiões, o arguido AA e a então companheira, a também arguida BB, ofereciam a OO uma “tira/língua” de haxixe como pagamento pela ajuda que esta lhes prestava na lida da casa e na prestação de cuidados ao filho então bebé de ambos, XX.
18. Isso aconteceu por um período temporal não determinado, mas durante os anos em que OO conviveu com esse (então) casal, deles recebendo, pelo menos, quatro tiras de haxixe por mês.
19. A partir de 2019 e após ter tido conhecimento que o arguido AA passou a vender também cocaína, por 100,00 euros cada grama, OO passou a também a adquirir-lhe esse produto estupefaciente.
20. Isso aconteceu em, pelo menos, quatro ocasiões.
21. O arguido AA também chegou a oferecer a OO o excedente de cocaína que comercializava.
22. Tanto as compras como as ofertas de haxixe pelos arguidos AA e BB à OO e de cocaína, pelo arguido AA, tiveram lugar na residência do então casal que então formavam, sita na Rua das ..., que esta frequentava com regularidade, atenta a relação de amizade que com eles mantinha e as referidas ajudas.
23. OO ficou a dever ao arguido AA a quantia de 160,00 euros por conta das quantidades de haxixe que ele lhe vendeu.
24. Em data incerta mas que se situa em Janeiro de 2022, OO adquiriu uma tira/língua de canábis à arguida BB, pelo preço de 50,00.
25. Em dia não apurado, mas que se situa entre finais de Março e o início de Abril de 2022, OO comprou outra língua de haxixe (canábis em resina) à arguida BB, por 50,00 euros.
26. Para o efeito, após deslocação da arguida ao “A..... .. ... . ......”, sito na Rua Dr. ..., ..., no ..., local de trabalho de OO, esta disse-lhe que pretendia comprar uma tira de haxixe. Em resposta, a arguida YY declarou “que estava orientada e para ela lhe ligar mais tarde”.
27. Seguindo as instruções da arguida, à noite, após terminar o seu horário de trabalho no estabelecimento acima aludido, OO telefonou-lhe e combinaram encontrar-se à frente do minimercado denominado “I... ......”, sito na Rua ..., no ..., para concretizar a transacção.
28. Volvidos cerca de 10 minutos, as duas encontraram-se no local combinado, aonde a arguida BB estacionou uma viatura de cor branca, momento em que a OO entrou para o seu interior, sentando-se no “lugar do pendura”.
29. Após uma breve troca de palavras, a arguida BB entregou a OO uma tira de haxixe, embrulhada numa película transparente, tendo recebido, em troca, uma nota de 50,00 euros.
30. Pouco tempo depois, OO comentou com II (alcunha “II”) que tinha chegado a acordo com a arguida BB na aquisição do referido produto, tendo-lhe, depois, esta última telefonado, dizendo-lhe para “ter cuidado e não andar a falar no nome dela”.
31. No dia 5 de Junho de 2022, entre as 05h20 e as 06h15, quando se encontrava na discoteca “C.........”, sita na Rua ..., OO tinha no interior da mala que trazia consigo uma porção de um produto de cor castanha, envolto em película aderente, com o peso de 1,20 gramas que, sujeito a teste rápido tido por adequado, se revelou positivo para haxixe.
32. A partir de 2018 e após começar a frequentar a residência dos arguidos AA e BB, na época ainda casal, sita na Rua ..., por conta da sua amizade com a arguida, PP passou a adquirir, regularmente, línguas/tiras de haxixe a esses arguidos, pagando 50,00 euros por cada tira.
33. Para esse efeito, inicialmente, PP contactava a arguida BB, através de chamadas telefónicas e mensagens ou das redes sociais “Facebook” e “Instagram”, a fim de acertarem o local da entrega do produto.
34. De seguida, encontravam-se no local combinado, onde a arguida BB entregava a PP a língua/tira de haxixe por este pretendida, mediante o pagamento, em numerário, da quantia de €50,00, o que sucedeu duas a três vezes.
35. Tais encontros aconteceram nas imediações dos balneários ... ou da residência do PP, esta sita da ..., locais para onde a arguida se deslocava no veículo, da marca “Renault”, modelo “B-Clio”, de cor branca, com a matrícula ..-..-SU, propriedade da sua progenitora, ZZ.
36. Numa ocasião, em data não apurada do ano de 2019, a arguida BB estava na companhia de OO, no interior do veículo “Renault”, “B-Clio”, acima referido, que se encontrava parado num estacionamento situado atrás da ..., quando ali compareceu PP, a quem essa arguida entregou uma tira de haxixe, após concertação nesse sentido.
37. Outras vezes, as compras e vendas de canábis ao PP, feitas pelo arguido AA, ocorreram na residência do então casal, sita nas ....
38. Ainda em data não apurada, mas situada entre 2019 e Dezembro de 2020, PP consumiu cocaína que lhe foi dada a experimentar pelo arguido AA na sua residência, então sita nº 9 da ....
39. Quando o arguido AA e a arguida BB se separaram, em Dezembro de 2020, PP continuou a adquirir o haxixe àquele arguido, a quem contactava telefonicamente para combinarem as entregas, que tinham lugar, sobretudo, na residência acima referida.
40. O arguido AA trocava constantemente de número de telemóvel e, quando o fazia, enviava uma mensagem escrita a PP com os seguintes dizeres “Hi, it’s me” e “I have new stuff”.
41. PP comprava ao arguido AA uma língua de haxixe, cerca de uma ou duas vezes por semana, por 50,00 euros cada.
42. Inicialmente, o arguido AA vendeu haxixe “por conta” a PP.
43. A última vez que PP adquiriu haxixe ao arguido AA foi em finais de Janeiro de 2022, tendo-lhe comprado uma língua pelo preço de 50,00 euros, que pagou em notas de 20,00 euros e de 10,00 euros.
44. No início de Fevereiro de 2022, o arguido AA contactou PP, dizendo-lhe que tinha uma dívida para com ele no montante, segundo esse arguido, de € 1.500,00, e exigiu-lhe que fosse receber uma encomenda de haxixe (canábis em resina) que lhe era destinada, a um indivíduo de identidade não apurada, como forma de “abatimento” de parte dessa dívida.
45. O arguido AA disse a PP que deveria ser outra pessoa a receber a sobredita encomenda por ele, mas que, uma vez que essa pessoa não o podia fazer, era ele quem tinha de o fazer, dando-lhe instruções do dia, hora e local onde se deveria deslocar o efeito.
46. Receoso das represálias que pudesse sofrer caso não acedesse ao que lhe era exigido pelo arguido AA, em hora não apurada do dia 6 de Fevereiro de 2022, um domingo, PP deslocou-se às imediações do cais do ... e, volvidos alguns minutos, foi abordado por um indivíduo, de cerca de 1,81 m de altura, magro, com o cabelo grisalho, barba aparada e estatura média, que, após lhe perguntar “és o PP?”, para confirmar a sua identidade, retirou um saco de plástico de um dos bolsos do casaco que trajava, com dois sabonetes de haxixe (canábis em resina), com cerca de 100 gramas cada, que lhe deu, para posterior entrega ao arguido AA.
47. Tal entrega não chegou a acontecer, porquanto, no dia 9 de Fevereiro de 2022, pelas 13h20, o arguido AA foi detido em flagrante delito à ordem destes autos, na sequência de busca então efectuada à sua residência, tendo, após, ficado sujeito a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica.
48. Enquanto decorriam os procedimentos para a instalação dos equipamentos necessários à sobredita vigilância electrónica, foi determinada vigilância policial à porta da sua residência, o que impediu PP de aí se deslocar, a fim de proceder à entrega do estupefaciente que lhe era destinado.
49. Posteriormente, no dia 26 de Fevereiro de 2022, PP foi alvo de buscas domiciliárias no âmbito do Inquérito NUIPC 13/22.1..., tendo-lhe sido apreendido esse produto estupefaciente, 207,12 gramas de um produto acastanhado, suspeito de ser estupefaciente acondicionado em duas embalagens, tipo sabonete, intactas, cada uma com uma etiqueta em papel nela aposta, que, sujeito ao teste rápido tido por adequado, se revelou positivo para haxixe.
50. Submetido esse produto a exame laboratorial pelo LPC, apurou-se ser canábis em resina com o peso líquido de 199,046 gramas, com um grau de pureza de 21,9% e suficiente para 871 doses.
51. Durante o ano de 2019, DD, com a alcunha “DD”, comprou ao arguido AA de um sabonete de haxixe, com cerca de 20 a 25 gramas, pelo preço de € 100,00, com uma regularidade quase mensal.
52. Para efeito dessas transações, DD telefonava a esse arguido para combinarem acertarem o local em que teriam lugar.
53. Depois, DD, deslocava-se para o local público antes acordado, nomeadamente, um café aleatório ou o parque florestal do ..., aonde o arguido AA lhe entregava a quantidade de haxixe por si pretendida, recebendo, em troca, 100,00 euros, em numerário.
54. Entre Outubro e Dezembro de 2020, EE adquiriu ao arguido AA uma língua de haxixe, pelo preço de 40,00 a 50,00 euros, com uma regularidade semanal.
55. Para concretizar essas transacções, o TT contactava telefonicamente o arguido AA e os dois combinavam o local aonde se encontrariam para a entrega do produto, mediante o pagamento do respectivo preço.
56. Tais encontros tiveram lugar, umas vezes nas proximidades da residência do arguido, sita na ..., outras nas proximidades da residência de TT e ainda outras em locais na via pública, previamente concertados para o efeito.
57. Uma vez chegados ao local acertado, o arguido AA entregava a TT a tira/língua de haxixe por este pretendida, recebendo, como contrapartida, a quantia de 40,00 a 50,00 euros, sempre em numerário.
58. No dia 17 de Fevereiro de 2021, cerca das 14h13, o arguido AA, através do nº .......05 telefonou ao arguido FF, alcunha “FF” (nº .......77), para combinar a venda, a este último, de produto estupefaciente.
59. Nesse mesmo dia, cerca das 14h25, o arguido FF foi abordado por agentes da PSP na ..., zona do ..., no ... e, após uma revista sumária, foi encontrada na sua posse uma embalagem de plástico com 2,86 gramas de produto suspeito de ser estupefaciente, que sujeito a teste rápido, revelou positivo para canabis.
60. Submetido a perícia pelo LPC, esse produto revelou ser canabis em resina, com o peso líquido de 2,374 gramas, com um grau de pureza de 14,1 (THC), equivalente a 7 doses.
61. Nessa altura, FF referiu aos agentes que tal produto era sua pertença e que tinha adquirido o dobro da quantidade acima referida por 50,00 euros, recusando-se, então, a identificar o vendedor.
62. Na sequência dessa abordagem e ainda no mesmo dia, pelas 15h46, o arguido AA voltou a telefonar a FF, questionando-o sobre o que se passara momentos antes.
63. No dia 9 de Fevereiro de 2022, pelas 09h20, no interior da sua residência sita na Rua ..., o arguido AA tinha em seu poder:
a. Dissimuladas dentro de uma garrafa de água “falsa”, no balcão da cozinha, um produto de cor castanha com o peso de 1,90 gramas, suspeito de ser estupefaciente, envolto em plástico que, sujeito ao teste rápido tido por adequado, se revelou positivo para haxixe e outra embalagem em plástico que continha 18,48 gramas de um produto de cor castanha, também suspeito de ser estupefaciente que, sujeito ao teste rápido tido por adequado, se revelou indeterminado.
b. 22,26 gramas de um produto de cor castanha, suspeito de ser estupefaciente, envolto num plástico, no interior do bolso de um casaco acondicionado no guarda-fato do quanto de dormir, que, sujeito ao teste rápido tido por adequado, se revelou positivo para haxixe.
64. Nessas mesmas circunstâncias, o arguido AA tinha também na sua posse:
I. um moinho de marca “Kanamero”, com resíduos de canabis;
II. uma balança digital de precisão, com resíduos de canabis;
III. um telemóvel de marca e modelo “Samsung, A12”, com os IMEI’s .............90/20 e .............98/20;
IV. um telemóvel de marca “Wiko”, com o IMEI ............00;
V. 758,94 euros, em notas e moedas do BCE.
65. Submetido a exame pericial o produto suspeito de ser estupefaciente atrás referido, detido pelo arguido AA, veio a apurar-se ser canabis em resina, com o peso líquido de 20,38 gramas, com um grau de pureza de 2.4%, suficiente para 10 doses e canabis em resina, com o peso líquido de 20,011 gramas, com um grau de pureza de 16,7%, suficiente para 66 doses.
66. Também nesse mesmo dia, o arguido AA tinha na sua residência um bastão extensível, sem marca e modelo, com um comprimento total distendido de 48,5 centímetros e 19,5 centímetros, quando recolhido.
68. Já na posse desse cartão MB e sabedora do respetivo PIN, a arguida BB, agindo de comum acordo com o arguido AA, efectuou, no dia 14 de Maio de 2019, um depósito no valor € 2.450,00 (dois mil, quatrocentos e cinquenta euros) na conta acima referida.
69. Acto contínuo e nesse mesmo dia, a arguida BB, agindo de comum acordo com o arguido AA, transferiu a totalidade do montante acima referido para a conta com o IBAN PT50 .... .... ...........07, do Banco BPI, S.A., titulada por AAA.
70. Em data não apurada do mês de Junho de 2019, a arguida BB, agindo de comum acordo com o arguido AA, pediu a OO que lhe emprestasse o seu cartão multibanco (MB) relativo à conta por ela titulada no banco “Caixa Geral de Depósitos, SA” e lhe facultasse o respectivo PIN.
71. Uma vez na posse do sobredito cartão e sabedora do respectivo PIN, a arguida BB, agindo de comum acordo com o arguido AA, efectuou, no dia 23 de Junho de 2019, um depósito no valor de €2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros) na conta de OO, tendo, de seguida, transferido a totalidade desse montante para a conta com o IBAN PT50 ...................05, do banco “Millennium BCP”, titulada por BBB.
72. No dia 5 de Agosto de 2019, após ter solicitado a PP que lhe emprestasse outra vez o cartão MB relativo à conta com o IBAN PT50 .... .... ...........80, por ele titulada no banco “Caixa Geral de Depósitos, SA” e lhe facultasse o respectivo PIN, a arguida BB, de novo agindo de comum acordo com o arguido AA, efectuou outro depósito nessa conta, no montante de €2.406,00 (dois mil, quatrocentos e seis euros);
73. Tendo, de seguida e no mesmo dia, agindo de comum acordo com o arguido AA, transferido a importância de €2.200,00 (dois mil e duzentos euros) para a conta com o IBAN PT50 ...................05, do banco “Millennium BCP”, titulada por BBB.
74. Após, a arguida BB, agindo de comum acordo com o arguido AA, efectuou um pagamento da importância de € 208,00, também através da mesma conta de PP.
75. No dia 26 de Agosto de 2019, a arguida BB, agindo de comum acordo com o arguido AA, depois de ter pedido novamente a PP que lhe emprestasse o seu cartão MB referente à conta já identificada e lhe facultasse o respectivo PIN, efectuou outro depósito nessa conta, no montante de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros).
76. Nesse mesmo dia, a arguida BB, agindo de comum acordo com o arguido AA, estava também na posse do cartão MB de OO e era sabedora do respectivo PIN, tendo efectuado, um depósito de €1.500,00 (mil e quinhentos euros) na conta desta.
77. Depois de efectuar os sobreditos depósitos, a arguida BB, sempre de comum acordo com o arguido AA, transferiu as quantias acima referidas, no valor total de €2.900,00 (dois mil e novecentos euros), para a já referida conta com o IBAN PT50 ...................05, do banco “Millennium BCP”, titulada por BBB.
78. Os bens e quantia supra referidos em 64., constituem instrumentos utilizados pelo arguido AA na actividade de tráfico de estupefacientes e uma sua vantagem.
79. As quantias acima mencionadas, movimentadas pelos arguidos AA e BB em contas bancárias, eram provenientes da venda de estupefacientes a consumidores desse tipo de produto, constituindo suas vantagens.
80. Conheciam os arguidos AA e BB a natureza estupefaciente das substâncias estupefacientes em causa e que, pela sua composição, natureza, características e efeitos, toda a actividade com elas relacionada, designadamente, posse, transporte, consumo, oferta ou cedência a qualquer título, por eles levada a cabo, lhes estavam vedadas, o que não os impediu de agir como supra descrito.
81. Os arguidos AA e BB sabiam que os montantes que esta depositou nas contas bancárias de PP e OO e após transferiu para outras contas bancárias eram provenientes da actividade ilícita de tráfico de estupefacientes a que a ambos se dedicaram, nos anteditos termos.
82. As quantias acima mencionadas, movimentadas pelos arguidos AA e BB em contas bancárias, eram provenientes da venda de estupefacientes a consumidores desse tipo de produto, constituindo suas vantagens.
83. Ao efectuar os depósitos e transferências acima referidas, agiram os arguidos BB e AA com o intuito concretizado de dissimular a origem ilícita de tais vantagens, o que lograram.
84. Mais, serviram-se esses arguidos de contas bancárias de terceiros – concretamente, PP e OO – com o intuito alcançado de ocultar a titularidade e movimentação dessas vantagens, propósito esse que também alcançaram.
85. Os arguidos AA e BB, ao actuarem da forma que se deixou descrita, fizeram-no de forma concertada, reiterada e em conjugação de esforços e de intentos.
86. O arguido AA detinha o bastão extensível atrás descrito sem que justificasse por qualquer forma a sua posse e sem que para tal estivesse autorizado, conhecendo as características de tal objecto e sabendo que o não possuía qualquer outra utilidade senão a de ser uma arma de agressão.
87. Em todas as suas condutas, agiram os arguidos, AA e BB sempre de forma consciente e voluntária, bem sabendo da sua censurabilidade e punibilidade criminais e tinham a liberdade necessária para se conformarem com a sua actuação.
(…)
Resultantes da Discussão da Causa
(…)
De acordo com o que consta com os Relatórios Sociais a eles referentes:
221. A rede de apoio familiar do arguido reside no ..., sendo os pais, de 70 e 69 anos, antigos emigrantes nos ..., as principais figuras de referência em termos de suporte. Nestas circunstâncias, estão a partilhar a criação do neto nesta fase em que o arguido e a ex-companheira estão sujeitos a medida coativas de privação da liberdade. O arguido tem uma outra filha, de 26 anos, residente nos ..., mas os contactos entre ambos eram pontuais e estão suspensos desde a reclusão.
222. Terá habilitações equivalentes ao ensino secundário, concluídas nos ..., onde viveu desde criança até há cerca de 15 anos, quando foi sujeito à execução de uma medida de extradição para .... Fixou-se no ... e mantinha, há vários anos, uma situação laboral regular e estável num grupo hoteleiro, onde desempenhava funções ramo da manutenção até ter ficado privado da liberdade à ordem deste processo. Além disso, executava biscates informais na manutenção de piscinas em moradias particulares. Era remunerado com 820€ líquidos mensais e sentia ter uma situação económica sobrecarregada, que resultava de encargos como a da renda do imóvel, de 200,00€ mensais, mas que nem sempre conseguia pagar, a pensão de alimentos do filho (de 100,00€ mensais), a prestação de um crédito bancário (de 280,00€ por mês), acrescendo outras despesas não concretizadas com transporte e alimentação. Tinha o apoio económico dos progenitores, sobretudo durante a execução da medida de OPHVE, sendo que, nesta fase, teve ainda acesso a um subsídio social temporário no valor mensal de 250€.
223. Não manifestou uma narrativa consistente sobre a sua relação com o uso de estupefacientes, descrevendo o consumo de canabinóides ora como esporádico, ora como muito regular. Fez ainda referência a rituais de experimentação de cocaína, mas que não se mantiveram no tempo. Em 31/01/2022 foi sujeito, no âmbito de uma suspensão provisória do processo, a uma consulta de psiquiatria, mas não foi diagnosticada necessidade de manter acompanhamento, não lhe sendo conhecidos problemas de dependência de substâncias psicoativas.
224. Em liberdade, mantinha relações de natureza pró-social, movimentando-se em contextos normativos como o trabalho, mas era tolerante a relacionamentos desviantes, ligados ao universo das drogas.
225. Encara a sua situação jurídico-penal como excessiva e injusta, observando o encarceramento como um acontecimento penoso. Ainda assim, tem mantido uma conduta prisional ajustada, respeitando as normas de funcionamento do EPF. Reúne o apoio da família, tendo já sido visitado pelo pai e mantém contactos telefónicos e videochamadas com os progenitores e o filho.
226. Não é crítico face ao consumo de canabinóides, nem face ao comércio desta substância, uma vez que, na sua perspectiva, não prejudica a saúde pública.
(…)
288. O arguido AA não tem antecedentes criminais.
(…)
FACTOS NÃO PROVADOS
B. Os arguidos pretendiam controlar a introdução e comercialização dos sobreditos produtos estupefacientes nessa ilha, vedando o acesso a possíveis vendedores de fora da ilha, tendo cada um deles um grupo definido de consumidores desses produtos.
C. Durante o referido período e na execução do plano previamente delineado, o arguido CCC por determinação dos arguidos AA e DDD, deslocava-se semanalmente à ..., via marítima, para adquirir heroína, cocaína, haxixe e anfetaminas na cidade do ... a pessoas não identificadas e em quantidades em concreto não apuradas.
D. A dose de heroína era por ele comprada na ... pelo preço de € 2,5, a dose de cocaína pelo preço de € 5,00, as doses de haxixe e de anfetaminas por preço não apurado.
E. Após aquisição do referido produto, o arguido CCC regressava ao ..., com o produto estupefaciente, transportando-o dissimulado nos bolsos, na boca, no boné e no interior das cuecas.
F. Uma vez chegado ao ..., o arguido CCC entregava o produto estupefaciente aos arguidos AA e DDD que, por sua vez, com periodicidade quase diária, o vendiam, directamente ou com o auxílio na distribuição e venda dos arguidos BB, EEE, FF e GG.
G. Na execução do plano delineado por todos os arguidos, no período temporal supra indicado e por comum acordo, decidiram que a venda dos produtos estupefacientes na ilha de ... era efetuada por preço superior ao da aquisição, fixando o preço em € 20,00 por cada 0,1 grama e 100€ por cada grama de cocaína, em € 20,00 por cada dose de heroína, em 50€ por cada tira de haxixe e a dose de anfetaminas por preço não concretamente apurado, sendo estes, os preços praticado por todos os arguidos com o grupo de consumidores que cabia a cada um.
I. Os arguidos AA e BB desenvolviam a sua actividade de tráfico de estupefacientes na presença do filho menor de ambos XX.
J. Os arguidos AA e BB começaram a viver como se casados fossem em Setembro de 2016
K. Os arguidos AA e BB tinham também como clientes WW, VV (conhecido taxista no ...) e UU
L. OO, SS, II, JJ, HH, mesmo após a separação do casal, continuava a frequentar a casa do arguido AA para ali levar consumidores para compra de estupefaciente.
M. Os arguidos AA e BB vendiam haxixe (pólen) a 25,00 euros a dose.
N. OO recebeu dos arguidos AA e BB, como pagamento pela ajuda que lhes prestava na lida da casa e na prestação de cuidados ao filho bebé de ambos, XX, um total de cerca de 144 línguas de haxixe, entre 2018 e 2020.
O. OO pagou ao arguido AA 50,00 euros por cada grama de cocaína que lhe comprava, atenta a relação de amizade que mantinha com o casal.
P. O arguido AA ofereceu a OO o excedente de cocaína que comercializava em troca da ajuda que ela dava ao agora ex-casal nos trabalhos domésticos, cerca de oito a dez vezes.
Q. No dia 22 de Agosto de 2021, pelas 01h30, quando se encontrava num convívio com HH, SS e EEE, a arguida BB vendeu a estes dois últimos um grama de cocaína, pelo preço de 100,00 euros, que foi pago “a meias” por eles, em numerário.
R. A venda de uma tira/língua de haxixe (canábis em resina) feita em Janeiro de 2022 pela arguida BB foi feita a RR a pedido de OO, destinando-se essa tira a ambas, que a pagaram a meias.
S. No início do mês de Maio de 2022, OO voltou a pedir a RR para comprarem uma tira/língua de haxixe a meias, ou seja, pagando 25,00 euros cada, o que esta fez, entregando a OO a sua parte.
T. O produto estupefaciente que OO tinha na sua posse no dia 5 de Junho de 2022, fora por ela adquirido à arguida BB.
U. CC, alcunha “CC”, adquiriu haxixe ao arguido AA até Agosto de 2021.
V. CC ficou a dever ao arguido AA € 600,00 por conta das quantidades de haxixe e cocaína que lhe comprou, tendo ficado acertado entre ambos que o primeiro, que é ... de profissão, faria obras na habitação acima referida, o que aconteceu há cerca de um ano e meio, reportado a 01/11/2022.
W. PP adquiria línguas/tiras de haxixe aos arguidos AA e BB a 30,00 euros a tira.
X. A BB foi ao encontro de PP para lhe vender haxixe (também) na viatura da “Agência de V...... .....”, onde trabalha.
Y. Em data não apurada, mas situada entre 2019 e Dezembro de 2020, PP consumiu cocaína que lhe foi dada a experimentar pela arguida BB.
Z. Após a separação do casal, PP comprava duas línguas de haxixe ao arguido AA cerca de uma ou duas vezes por semana.
AA. No início de Fevereiro de 2022 PP devia ao arguido AA € 2.000,00.
BB. AAA é um indivíduo referenciado por tráfico de estupefacientes.
(…)
Da Perda de Vantagens
SS. No âmbito dos presentes autos foram apreendidas cerca de 900 doses de cocaína.
TT. Os arguidos adquiriram essa cocaína pelo preço total de 4.500,00€,
UU. Com a sua venda a 50,00€ a dose, os arguidos obteriam um lucro de 40.500,00€.
VV. Os arguidos adquiriram a heroína apreendida nos autos pelo preço total de 500,00€.
WW. Com a comercialização dessa heroína os arguidos obteriam um lucro total de 3.500,00€.
XX. Os arguidos, com uma regularidade semanal, venderam cocaína a CC, alcunha “CC”, OO, PP, DD, alcunha “DD”, EE, SS, HH; II, JJ, WW, RR, KK, LL, MM, QQ, VV, UU, FFF, DD, alcunha “DD”, GGG, HHH, III, VV, NN, JJJ, KKK, LLL, EEE, MMM e UU
YY. Estes indivíduos adquiriram aos arguidos, durante um período de 48 semanas, uma dose semanal de cocaína pelo preço de 50 euros, perfazendo uma quantia total de 74.400,00€, a que corresponde um lucro de 66.960,00€.
ZZ. Os arguidos venderam heroína a CC, OO, PP, DD, EE, SS, HH, II, JJ, WW, RR, KK, LL, MM, QQ, VV, UU, FFF, DD, GGG, III, VV, NN, JJJ, KKK, LLL, MMM e UU
AAA. Estes indivíduos compraram aos arguidos, durante um período de 48 semanas, uma dose semanal de heroína pelo preço de 20 euros, num total de 29.760,00€, a que correspondeu o lucro de 26.040,00€.
(…)».
Dispõe este preceito legal que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, princípio da livre apreciação da prova que sofre limitações, nomeadamente no que respeita às provas documental e pericial.
Por outro lado, impõe-se ainda ter presente que a lei admite presunções judiciais, que são as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigos 349º a 351º do Código Civil). A actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico.
Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz, necessariamente, aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente.
Isto é, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal.
O mesmo é de dizer, de resto, quanto às declarações prestadas pelos arguidos, quer quando interrogados por autoridade judiciária quer em sede de julgamento.
A congruência dos testemunhos e mesmo das declarações de arguidos, entre si, o grau de coerência com outras provas que existam e com outros factos objectivamente comparáveis, ou seja, a apreciação conjunta das provas, são elementos fundamentais para dar maior credibilidade a uma testemunha do que a outra, a um arguido do que a outro.
Enfim, a livre apreciação que, se por um lado se afasta de um sistema de prova legal, i.e., baseada em regras legais predeterminantes do seu valor, por outro, não admite também uma apreciação fundada apenas na convicção íntima e subjectiva do julgador.
A livre apreciação da prova significa que o tribunal está vinculado ao dever de perseguir a verdade material do caso concreto que é trazido à sua apreciação, de tal modo que esta, embora livre, há-de ser motivada e controlável, quer pelos destinatários da decisão quer pelas instâncias de recurso. Por isso se exige a explicitação do percurso lógico do julgador na decisão sobre a matéria de facto, que está na génese da sua convicção.
A consequência deste sistema reflecte-se, desde logo, na possibilidade de formar o Tribunal a sua convicção na base do depoimento de uma testemunha, em desfavor do testemunho contrário, e fundar a convicção no dito por um declarante em desfavor de prova testemunhal, esta, em abstracto, com maior dignidade probatória.
Como, lapidarmente, a este propósito, se escreveu no Ac. STJ de 16.01.2008, disponível em www.dgsi.pt, “A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projecção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade de valor e motivos que determinaram a decisão; em outra perspectiva (intraprocessual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos para reapreciar uma decisão o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo.”
Mas não se deve, contudo, ignorar que os princípios da imediação e da oralidade, só possíveis em Audiência de Julgamento, carregam consigo uma carga de convencimento dificilmente transponível para a fundamentação, uma vez que só podem ser apreendidos na sua totalidade pelo julgador perante o qual as provas são produzidas.
Na verdade, não se pode esquecer que “São os Juízes da 1ª Instância quem, de forma directa e “imediata”, podem observar as intransferíveis sensações que derivam das declarações e que obtêm, a partir do que os arguidos e das testemunhas disseram, do que calaram, dos seus gestos, da sua palidez ou do suor do seu rosto, das suas hesitações. É uma verdade empírica que frente a um mesmo facto diversos testemunhos presenciais, de boa-fé, incorrem em observações distintas” (assim o Ac. do TRL de 18/07/2013, acessível em wwwdgsi.pt).
No caso concreto consideraram-se também as máximas indiciárias fazendo-se relevar o tipo de testemunhos prestados que, juntamente com os pontos cristalizados do lastro de coincidência das várias versões apresentadas, e com alto grau indiciário de probabilidade ou de verosimilhança, deram ao tribunal, na sua compreensão global, para além de toda a dúvida razoável, a verdade material da parcela dos factos dados como provados e não provados em julgamento.
Faz-se aqui apelo à realidade das coisas – à mundividência dos homens e regras de experiência que resultam do viver em sociedade.
Importa ainda sinalizar, antes de nos abalançarmos na motivação da factualidade provada e não provada, que a audiência de discussão e julgamento decorreu com o registo da prova (declarações dos arguidos e depoimentos das testemunhas) em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do tribunal.
Esta circunstância, permitindo uma ulterior reprodução desses meios de prova e um efectivo controlo do modo como o Tribunal formou a sua convicção, deve, nesta fase do processo, revestir-se de alguma utilidade, nomeadamente, dispensando o relato detalhado das declarações e depoimentos prestados.
Deste modo, esse registo, será ponderado no cumprimento do estatuído no art.º 374º, n.º 2, do CPP, onde se impõe a exposição, tanto quando possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão sobre a matéria de facto, com o exame crítico das provas enumeradas.
O Tribunal fundou-se, pois, nas regras de experiência e na ponderação de toda a prova, quer junta aos autos quer produzida em audiência, e no juízo sobre a certeza e a verdade material dos factos resultou, sobretudo, dos seguintes meios de prova abaixo descritos.
Todos os meios de obtenção de prova que foram obtidos com intromissão na vida privada, no domicílio e nas telecomunicações, estão abrangidos pela ressalva do n.º 3 do art. 126º do C. P. Penal, dado que realizados no âmbito dos arts. 176º a 178º e 187º a 189º do mesmo Código.
No que concerne às intercepções telefónicas, dispõe o art. 188º, n.º 8 do CPP que, a partir do encerramento do inquérito, o arguido pode examinar os suportes técnicos das conversações ou telecomunicações e obter cópia das partes que pretenda transcrever para juntar ao processo, bem como dos relatórios previstos no n.º 1, até ao termo dos prazos previstos para requerer a abertura de instrução ou apresentar a contestação, respectivamente.
Resulta ainda do n.º 11 do mesmo artigo que, as pessoas cujas conversações ou comunicações tiverem sido escutadas e transcritas podem examinar os respectivos suportes técnicos até ao encerramento da audiência de julgamento.
Não se vislumbra nos autos qualquer meio proibido de prova e quaisquer nulidades ou irregularidade que pudessem ter sido cometidas, o que apenas por hipótese académica se concebe, estariam sanadas, porque os arguidos não as invocaram nos respectivos prazos legais.
São, pois, válidas todas as intercepções telefónicas efectuadas nos autos e nos precisos termos em que deles constam.
Outrossim, as intercepções telefónicas, mostram-se devidamente transcritas e valem em julgamento para o efeito de formação da convicção do tribunal, pois os arguidos não suscitaram eventual falta de correspondência da voz à sua pessoa, nem requereram, para tanto, a reprodução das gravações, sendo certo que tal possibilidade dependia do seu impulso (cf. Nuno Serrão de Faria, Acesso aos Registos das Escutas Telefónicas in Prova Criminal e Direito de Defesa – Estudos sobre a Teoria da Prova e Garantias de Defesa em Processo Penal, coordenação de Teresa Pizarro Beleza e Frederico de Lacerda da Costa Pinto, pág. 217).
Importa aqui frisar que, quando o Tribunal dá como provada a actividade de tráfico de estupefacientes, não se pode bastar com a existência de intercepções telefónicas, por muito reveladores que elas se mostrem.
É necessário que o seu teor seja corroborado por outros meios de prova, pelo que se vem entendendo constituírem as intercepções mais um meio de obtenção de prova do que um meio de prova.
Com efeito, pode um arguido falar aberta ou encapotadamente de um negócio de tráfico de estupefacientes e quedar-se pela intenção, nunca se chegando a concretizar o seu desejo.
Sabendo-se que no direito penal português se pune o agente pela culpa manifestada na prática do facto, tal impede que se penalizem meras intenções criminosas.
Por isso se exige a presença de outras provas, directas ou indirectas de que um dado arguido praticou actos de execução integráveis na actividade ilícita.
Mas não se exige que todas as intercepções telefónicas sejam corroboradas. Basta que o seu núcleo essencial o seja para que as restantes se mostrem confirmadas, passando, assim, a constituir meios de prova porque o modus operandi do agente fica delineado.
Naquele primeiro momento, em resumo, referiu que não vendeu a FF a canábis em resina que vem a ser apreendida na posse deste no dia 17/02/2021, na sequência da abordagem policial que então lhe foi feita. Incompreensivelmente, diz que este último é que lha vendera a ele, por € 50,00, como já o fizera noutras ocasiões, há muito tempo atrás.
Disse ainda ser consumidor dessa substância desde os 17 anos de idade, o que fazia então consumindo cerca de “2 a 3 ganzas por semana” e a tal se destinar a que lhe vem a ser apreendida nos autos. Era o que lhe sobrou da que comprara numa deslocação a esta ilha três meses atrás (o que estava na cozinha da sua casa), reportados à data em que foi ouvido (não “gosto de comprar coisa pequena” e comprei para durar “um x tempo”, disse) e cerca de um ano antes, de novo reportado àquela data (o que tinha no bolso do casaco, de cuja existência até se esquecera). Naquela primeira deslocação comprou 100 gramas de haxixe, no que gastara € 500,00
Negou vender qualquer tipo de droga e referiu que a balança de precisão que também lhe foi apreendida a tinha comprado para a ex-companheira (a arguida BB) fazer bolos, nunca ele a tendo utilizado.
Já o dinheiro que lhe foi apreendido disse provir do seu ordenado (no montante de € 950,00 por mês, pagos por transferência bancária) e de trabalhos extra que faz, destinando-se a pagar a inspecção e quatro pneus que ia comprar para o seu carro.
Já o bastão extensível, tinha-o porque “gosta dessas coisas”, comprou-o através da Internet e não sabia ser proibida a sua posse (pensava apenas que não podia andar com ele na rua), embora tenha revelado consciência de que o seu único fim é poder ser usado como arma de agressão.
Já em sede de julgamento, referiu que também consumiu cocaína desde meados de 2019 até finais de 2021. Fazia-o em festas em sua casa, “facultando” essa droga, que comprava a € 100,00 o grama, à arguida BB, então sua companheira, a OO e a RR.
Negou de novo alguma vez ter vendido droga (quer ele quer aquela arguida) e qualquer ligação aos demais arguidos, designadamente aos arguidos DDD e NNN, clarificando que nunca incumbiu este de comprar droga para ele vender.
Depois acabou por referir ter vendido canábis em resina a CC (duas ou três vezes), a RR (duas ou três vezes, €20,00 ou €30,00 de cada vez), a MM (uma vez, uma dose por €20,00). A este último disse ainda que, de vez em quando, quando ele ia à sua casa, lhe chegou a oferecer uns “charros” e também cocaína.
Acabou por dizer que, por vezes, “desenrascava” droga a amigos, clarificando que, “desenrascar” era vender-lhes haxixe a € 25,00 a € 30,00 a tira.
Uma a duas vezes por mês, durante cerca de um ano e meio, enquanto viveu com a BB, fazia festas em casa e oferecia “coca e haxixe”.
Referiu agora que o seu salário era de €800,00 líquidos mensais e que, nos trabalhos extra que fazia ganhava cerca de €300, também por mês.
Comprava a canábis a €20,00, €30,00 ou mesmo a €40,00 o grama e a cocaína a €100,00 o grama. Consumia por mês, 1 a 1,5 gramas dessa substância.
A arguida BB, disse, apenas vendia canábis a amigos dela (a II “a II”; a RR, a SS, ao PP, ao “OOO”), a €20,00 a €25,00 e ele nunca a obrigou a fazê-lo.
Ele punha o dinheiro das (poucas) vendas de canábis que admitiu fazer num prato, dentro de um armário da cozinha, e daí retiravam ambos dinheiro quando precisavam (enquanto unidos de facto).
Vinha buscar a droga à .... Algumas vezes a BB vinha com ele a esta ilha e sabia “ao que ele vinha”.
Acabou por admitir ter sido ele quem vendeu ao arguido FF a canábis em resina que vem a ser apreendida na posse deste no dia 17/02/2021, na sequência da abordagem policial que então lhe foi feita.
Negou, todavia, ser sua e a ele se destinar a canábis que vem a ser apreendida na posse de PP, dizendo que nunca o incumbiu de a transportar até ele.
A arguida BB prestou declarações sobre os factos por que vem acusada em fase de Inquérito perante Magistrada do Ministério Público, que se mostram cristalizadas no auto de fls. 3825 a 3833, e o mesmo fez no início da audiência de julgamento, tendo aquelas sido aqui reproduzidas.
Da conjugação de ambas, em resumo, resulta ter referido que, em Junho de 2016, por intermédio de OO, já então sua amiga íntima e consumidora habitual de haxixe (canábis em resina), vem a conhecer o arguido AA com quem encetou uma relação de namoro e começou a viver como se casados fossem em Novembro de 2016, estando ela já grávida.
Embora já antes disso suspeitasse e soubesse que era ele quem arranjava haxixe à OO, é quando está de licença de maternidade que tem a certeza de que esse arguido andava a vender produtos estupefacientes, produtos que receberia através de encomendas enviadas via CTT. Porém, durante o primeiro ano da convivência conjugal, ele não a envolveu nesse negócio. No entanto, por pressão dele e da OO, começara a consumir canábis já antes de ficar grávida e, mesmo durante a gravidez, continuou a fazê-lo, tendo ficado dependente do consumo de tal substância.
À medida que o tempo de relação marital com o AA decorria, perante a constante pressão para consumir droga, as agressões verbais, as tentativas de agressão física e a manipulação constante que ele passou a sobre ela exercer, começou a perceber que ele queria vergá-la às suas vontades, a ponto de fazer o que ele quisesse. Aliás, num dos momentos de embriaguez (consumia bebidas alcoólicas em excesso), este arguido chegou mesmo a dizer-lhe que a engravidara de propósito, para a fazer ficar ligada a ele, tendo em vista, designadamente, beneficiar do facto de a sua mãe ser Chefe da PSP no .... Ou seja, ele pretendia que a sua ligação à filha de uma das chefes da polícia local lhe conferisse alguma proteção na actividade ilícita de tráfico de estupefacientes que desenvolvia.
Em finais de 2017, mudaram-se para uma casa sita no .... É nessa altura, que este arguido, que já tinha conhecimento de que alguns amigos e conhecidos seus (dela, arguida) consumiam haxixe, lhe admitiu abertamente que vendia essa substância. A partir daí, começou a pressioná-la para que levasse esses indivíduos para a residência que partilhavam, a fim de ali comprarem haxixe. Chegou a dizer-lhe que "se não levasse as pessoas para comprar droga, quando à noite chegasse a casa ia bater-lhe ou podia pô-la na rua; depois, fazer testes de ADN para comprovar que não era o pai do HH (o filho de ambos) e também que não lhe daria produto para ela consumir, numa altura em que já estava completamente dependente do consumo de haxixe e ele a única pessoa que lhe fornecia essa substância para esse efeito.
Nessa casa havia um pote com haxixe para consumo de ambos, ao qual tinha acesso. Aliás, em todas as residências que partilhou com o arguido AA, havia sempre um recipiente (inicialmente o pote acima referido e depois uma garrafa de água), em que ele deixava uma quantidade de haxixe, em quantidade nunca superior a um quarto de um sabonete, que colocava à disposição para consumo dos dois e da OO, a quem "deu licença" para consumir também. Ela própria nunca teve à sua disposição droga para vender, e muito menos para oferecer. Quaisquer ofertas que tenham havido, designadamente, à OO e ao PP foram sempre por iniciativa do AA.
Em julgamento, no entanto, acabou por admitir não ser assim. Embora tenha dito que o fez sob coacção do arguido AA e por ter medo dele, vendeu canábis em resina, pelo menos a SS, a RR, a QQ (irmão da OO), a PP, todos pessoas das suas relações, desde finais de 2017 a finais de 2020.
Ele acordava com eles, via telefone, as quantidades pretendidas, o preço, o local e hora de entrega. Seguidamente dizia-lhe “tens de ir levar isto a tal hora, a tal sítio, a tal pessoa e receber o dinheiro”. Por cada tira de haxixe que levava, recebia 50,00€, o preço por ele praticado para a venda de cada tira de haxixe. O arguido só a mandava fazer as entregas a pessoas suas (da arguida) conhecidas. Quanto às demais, tratava ele próprio das entregas.
Referiu que, nas casas em que viveu com esse arguido, havia gavetas trancadas à chave (designadamente na cozinha e nos quartos), às quais não tinha acesso e nem sequer podia tocar, o que nunca fez por medo de represálias.
A cada encomenda contendo droga que chegava, que o arguido AA lhe dizia serem provenientes de Portugal continental, ele trocava de número de telefone móvel. Não sabe quem eram os seus fornecedores, mas desconfia que possam ter sido AAA e BBB, os titulares das contas para as quais efetuou as transferências identificadas nos autos, que admitiu nos precisos termos em que ficaram evidenciadas.
Disse, todavia, que fez essas transferências a mando do arguido AA e por medo das represálias que podia sofrer se as não fizesse, sendo certo que essas foram as únicas que fez.
Na altura em que vivia com os pais, o arguido AA só levava pessoas para casa na ausência deles. Quando passaram a residir sozinhos - inicialmente no ..., depois no ... e mais tarde na ... - é que começou a levar pessoas com mais frequência à casa que partilhavam, para lhes vender droga.
Ela, por imposição do arguido AA, disse que passou a levar para a casa de ambos, para aí comprar haxixe, a referida OO, sem prejuízo de esta já frequentar a casa do casal, no âmbito da relação que mantinha com aquele. Já esse arguido, para esse efeito, levou CC, alcunha “CC”, SS, o arguido GG, alcunha “GG”, MM, QQ e LL.
Em data que situa entre Janeiro e Fevereiro de 2019, quando passaram a residir na ..., ela começou a levar a casa as suas amigas HH, II, alcunha “II” e RR, consumidoras ocasionais de haxixe, para convívios, e o arguido AA vendia-lhes esse produto. Na sua frente, as amigas nunca compraram. A única coisa que fizeram foi aceitar, em algumas ocasiões, o charro que lhes fosse oferecido por ele, no momento, para uma "passa". Outras pessoas que frequentaram a casa das ... "a mando do AA", para além daquelas que frequentavam a casa ..., foram JJ, o arguido DDD, KK, PPP e QQQ.
Quanto a PP, que disse ser seu amigo próximo desde, pelo menos, 2016 e a quem conhece desde os tempos do liceu, quando passou a viver com o arguido AA na ..., ele pediu-lhe que ela lho apresentasse, já que tinha um certo medo dele por causa dos boatos que circulavam na comunidade local sobre a sua personalidade (que era uma pessoa agressiva sobretudo quando consumia álcool e droga, foi deportado dos ... e que tinha um certo gosto por armas). Após esse pedido, levou-o à sua casa e apresentou-o a esse arguido. Após, o PP mudou de ideias em relação ao AA e, a partir dessa altura, passou a frequentar a sua casa com maior liberdade e à vontade, sendo as vendas que lhe eram feitas de haxixe (canábis em resina), por ele protagonizadas.
Ela própria só lhe terá vendido canábis uma seis ou sete vezes, antes de o apresentar a esse arguido.
Por cerca de uma ou duas vezes chegou a ver o PP a aí chegar com uma mochila grande e um pacote grande. Não faz ideia do conteúdo desse pacote ou de quem era o remetente, mas desconfiou que pudesse estar a receber encomendas de droga para o AA. Antes disso, o PP já sabia que esse arguido vendia haxixe e pediu-lhe que fosse a "ponte" entre ele e o AA por causa do medo que dele tinha. Era nesse contexto que a contactava através das redes sociais e chamadas telefónicas, pedindo-lhe então que lhe arranjasse haxixe junto do AA, o que aconteceu antes de ele ter passado a frequentar a casa do então casal.
Sabe que, por norma, o arguido AA uma “língua fina” de canábis, com cerca de 3 gramas, por € 50,00.
Teve conhecimento de que este arguido também vendia cocaína, por, pouco antes da pandemia, em dia que não se recorda, o ter ouvido dizer à OO para o acompanhar à ... para irem buscar "branca". Daquilo que se apercebeu, a OO ficou algo reticente com o pedido, mas acabou por aceder, presumindo que tal se tenha devido ao facto de lhe dever dinheiro.
PP, OO, KK, EEE, JJ, MM, são algumas das pessoas que viu a consumirem cocaína numa das casas em que viveram e a quem ouviu dizerem ao arguido AA que lhe queriam comprar essa droga. Este, por seu turno, disse-lhe que vendia o grama de cocaína a 100,00€, tanto quanto sabe, o preço praticado na ilha do ... para a venda desse produto estupefaciente.
Após a separação do casal, em Dezembro de 2020 e até ser detido, o arguido AA passou a entregar-lhe duas a quatro tiras de canábis, uma vez por mês, para ela vender, nos pertences do filho. De novo sob coacção pois, se o não fizesse, ele não lhe dava a pensão de alimentos do filho, ou ameaçava bater-lhe. Nesse contexto, vendeu haxixe a OO e até a turistas, entregando-lhe o dinheiro das vendas, que lhe fazia chegar escondido no “meio das coisas do HH”.
No entanto, referiu não ter sido ela a vender a OO o produto estupefaciente que vem a ser apreendido na posse desta no dia 05/06/2022 e que no último ano (reportado a 12/07/2022) não vendeu haxixe a RR.
Negou alguma vez ter vendido cocaína, quer por sua iniciativa quer a mando do arguido AA e referiu que, ela própria, ocasionalmente, consumiu essa substância.
Em julgamento, concretizou que entre os compradores/clientes do arguido AA, frequentando as casas onde ambos residiram, figuravam CC, alcunha “CC”, OO, PP, DD, alcunha “DD”, EE, o arguido FF, alcunha “FF”, SS, o arguido GG, alcunha “GG”, HH, II, alcunha “II”, JJ, RR, KK, LL, MM, QQ (irmão de OO) e NN, (alcunha “NN”). Na sua maioria compravam-lhe haxixe outros também ou apenas cocaína. Referiu não saber se entre esses clientes figuravam também WW, VV (conhecido taxista no ...) e UU
Não sabe se tal continuou a suceder depois de terminado o relacionamento entre ambos.
O arguido AA chegou a queixar-se que a SS, a OO, KK, GG e CC lhe deviam dinheiro, não lhe tendo pago o dinheiro devido pela droga que lhes vendera.
Confirmou que, desde meados de 2017 e pelo menos até Dezembro de 2020 (altura em que dele se separou), CC, alcunha “CC”, ... de profissão, adquiriu ao arguido AA uma “língua/tira” de pólen (haxixe) por mês (ou até mais), pagando, de cada vez, a quantia de 50,00 euros, em numerário e que a partir de finais de 2019 e até àquela data, o mesmo CC adquiriu ao arguido AA meio grama de cocaína por 50,00 euros, o que aconteceu em 5 ou 6 ocasiões (não sabe, em ambos os casos, se tal fez depois de separados).
Para concretizar essas transações, CC contactava telefonicamente esse arguido, e depois deslocava-se ao local entre eles combinado, aonde este lhe entregava o produto estupefaciente por si pretendido, mediante o pegamento do preço correspondente, sempre em numerário. Esses encontros ocorreram tanto em lugares públicos aleatórios, como bares, cafés, estacionamentos e via pública, previamente concertados para o efeito, como na residência do arguido AA, sita na .... Referiu que CC ficou a dever dinheiro ao arguido AA, que não soube quantificar, por conta do haxixe e da cocaína que lhe comprava, mas nada sabe quanto a um eventual acordo entre ambos, no sentido de que primeiro faria obras na casa de habitação desse arguido.
Confirmou as compras e vendas de canábis a OO a preço reduzido (€ 25,00 a tira), dada a amizade entre eles existente, enquanto ela e o AA viveram juntos, numa média de duas tiras por mês, sempre pagas em numerário, dizendo que essas compras e vendas eram feitas por esse arguido e não por ela. Negou, todavia, que alguma vez tenha pago a essa arguida os serviços por ela prestados, que admitiu, em haxixe. Segundo ela esses serviços foram prestados a troco de nada. Se tal sucedeu, foi acordado entre a OO e o arguido AA. Tanto quanto sabe é que, a OO tinha acesso livre ao pote e depois à garrafa onde esse arguido deixava haxixe, podendo consumi-lo quando quisesse.
Do mesmo modo, disse não saber se esse arguido chegou a vender cocaína a OO.
Disse não saber se o arguido transacionava estupefacientes em conjugação de esforços e intentos com os demais arguidos.
Declarou-se arrependida da sua conduta e disse ter ultrapassado já a sua dependência do consumo de canábis.
(…)
O arguido EEE prestou declarações em julgamento, já depois de produzida a prova testemunhal.
Nelas, em resumo (…)
Disse nunca ter comprado haxixe ao arguido AA, mas que, desde há cerca de 3 ou 4 anos (reportados a 21/03/2022) que ouviu falar que ele vendia essa droga. RRR, quando lhe entregava a ele haxixe em troca de heroína, adquirira o haxixe a esse arguido. A língua de haxixe custaria €50,00 e meia língua €25,00.
(…)
DD, com a alcunha “DD”, residente no ..., “..., desempregado, que disse que, durante cerca de 15 anos e até Fevereiro de 2021, foi consumidor de heroína e, nos últimos dois anos reportados a esta data, de “Bloom” referiu que, durante o ano de 2019, comprou ao arguido AA ¼ de um sabonete de haxixe, com cerca de 25 gramas, pelo preço de 100,00 euros, com uma regularidade quase mensal. Para esse efeito, telefonava a esse arguido para combinarem acertarem o local em que teriam lugar no local público antes acordado, nomeadamente, um café aleatório ou o parque florestal do ..., aonde o arguido AA lhe entregava a quantidade de haxixe por si pretendida, recebendo, em troca, aquela quantia em numerário.
(…)
RR, Supervisora no “Supermercado ...”, no ..., onde reside, amiga da arguida BB, referiu que OO, também sua amiga e com quem partilhou uma casa, “fazia favores” a essa arguida e ao arguido AA, enquanto casal, quer nas lides da casa quer a prestar cuidados ao filho de ambos a troco do recebimento de “pólen de haxixe”.
Sabe também que a OO, consumidora dessa substância, comprava haxixe (canábis em resina) ao arguido AA. Ela, que também chegou a consumir essa substância, poucas vezes a comprou a esse arguido e essas compras e vendas foram feitas através do seu namorado, SSS, toxicodependente, entretanto falecido, que apareceu morto em Fevereiro de 2022, vítima de “overdose” na casa do arguido FF, seu amigo de infância, para onde, segundo referiu, ia, então, para consumir “ervas malaicas” (substância psicoactiva).
(…)
Nega ter, ela própria, alguma vez comprado qualquer droga à arguida BB, designadamente canábis (haxixe).
Retratou de tóxico o relacionamento que existiu entre os arguidos AA e BB. Ele “descontrolava-se com o álcool” e ela “nunca contestava as coisas que ele dizia”.
(…)
PP, residente no ..., Trabalhador Indiferenciado numa Imobiliária, referiu em destaque, que, sendo consumidor de canábis em resina, de 2018 a 26/02/2022 (data em que ele próprio foi detido) comprou essa substância aos arguidos AA e BB. Inicialmente, foi a arguida BB, de quem era amigo, quem lhe entregou a droga e dele recebeu o dinheiro (duas a três vezes) e, depois, passou a sê-lo o arguido AA, que lhe enviava mensagens de texto para o seu telemóvel a informá-lo quando tinha essa droga disponível para venda (tal qual ficou evidenciado), droga de que, segundo referiu, ele próprio também era consumidor. Fê-lo cerca de duas vezes por semana, geralmente uma língua que teria cerca de 3 g, por € 50,00.
Numa ocasião, julga que em 2020, este arguido, numa das casas do casal, deu-lhe cocaína para experimentar, o que ele fez.
Depois da separação do casal, continuou a comprar canábis ao arguido AA.
Confirmou destinarem-se a este arguido e serem de sua propriedade os “sabonetes”/placas de canábis em resina que lhe vieram a ser apreendidos na sua casa, tal como supra se deixou evidenciado, referindo que apenas os transportou e detinha por tal lhe ter sido exigido pelo arguido AA como forma do pagamento da “dívida de droga” que para com ele tinha, para ele próprio de € 500,00, mas, para esse arguido, de € 1.500,00.
Do mesmo modo, confirmou ter facultado à arguida BB o Cartão Multibanco e o respectivo PIN para esta proceder às transferências e pagamento atrás cristalizados.
Confrontado com o teor de uma escuta telefónica transcrita a fls. 2308 (Sessão 1346) referiu tratar-se de um contacto, para si, do arguido FF que pretendia comprar-lhe droga, mas ele, depoente, não tinha.
(…).
QQQ, ..., residente no ..., em resumo, referiu, em resumo que, tendo sido consumidor dessa substância, entre 2015 e 2020, comprou canábis em resina ao arguido AA, em regra uma vez por mês, € 75,00 de cada vez. Esse arguido levava-lhe a droga para o Bar “...”, sito naquela ilha.
(…)
TTT, solteira, Cuidadora a título informal, residente no ..., referiu já ter consumido pólen de haxixe, o que fez na casa dos arguidos BB e AA, uma ou duas vezes. Era este último que fazia “os charros” e que os partilhava com ela.
(…)
OO, Empregada de Bar e Mesa de 2ª, actualmente de baixa médica, em suma, referiu que era amiga dos arguidos AA e BB – Era a melhor amiga desta última e, por via disso, ficou a ser também amiga do arguido.
Durante o tempo em que estes arguidos foram um casal, frequentava as casas onde viveram e a troco de “favores” que lhes prestava duas a três vezes por semana – tomando conta do seu filho, e/ou limpando a casa – recebia, como pagamento, uma tira de haxixe (canábis), no valor de € 25,00. Tal sucedeu “imensas vezes”, embora não tenha conseguido precisar o seu número e o período temporal em que tal sucedeu, dentro daquele.
Também comprava canábis ao arguido AA, tando ficado a dever-lhe, por via dessas compras e vendas, € 160,00. Pagava €25,00 a €30,00 por cada tira e pagava sempre em numerário. A BB só lhe “apresentou” (ofereceu) ganzas de haxixe quando fazia uma para ela própria, que partilhavam pelas duas (“faziam uma vaquinha”).
Tendo ficado “agarrada” à cocaína durante cerca de um ano, consumindo 0,5 gramas ou 1 grama por dia, caso saísse à noite ou não (o que veio a motivar o seu actual internamento numa Casa de Saúde), também chegou a comprar essa droga ao arguido AA, a € 100,00 o grama, ou a € 80,00 o grama, quando ele lhe fazia um desconto, o que terá sucedido uma quatro vezes. Ele chegou a oferecer-lhe cocaína quando ela estava sem dinheiro. No entanto, referiu que comprava essa droga, sobretudo, a um indivíduo que chamou de “Pai Natal”.
Numa das casas do casal, chegou a consumir haxixe e cocaína com outras pessoas. Identificou PP como uma das pessoas com quem, nessas circunstâncias, chegou a consumir haxixe, que julga tê-lo comprado a esses arguidos.
Depois da separação do casal só comprou droga ao arguido AA duas a três vezes, para o que se deslocava à sua casa. Deixou de o fazer porque, no ..., surgiu o boato de que “eram amantes”.
Acabou por admitir que, já depois dessa separação, comprou canábis à arguida BB em pelo menos duas ocasiões, tal qual se deixou evidenciado, a € 50,00 a tira. Disse, todavia, que nunca fez essas compras através de RR e que a droga comprada apenas a ela se destinou.
Não obstante, segundo referiu, RR chegou a ir buscar droga para ambas, não sabendo como a obteve.
Confirmou ter facultado/emprestado à arguida BB o Cartão Multibanco e o respectivo PIN para esta proceder às transferências e pagamento atrás cristalizados.
Das conversas que ouviu, era o arguido AA que dizia/pedia à arguida BB para ela tal lhe pedir. Isto porque, na sua óptica, ele é que era o “dealer” (sic). De resto, este arguido, quando embriagado, gabava-se do que fazia (de vender canábis e cocaína) e da clientela que tinha.
Referiu que, de novo quando embriagado, o arguido AA ficava agressivo para com a BB, tendo chegado “a meter-se no meio dos dois”. Mas ela enfrentava-o.
Nunca assistiu a agressões físicas entre ambos. No entanto, ela acabou por deixá-lo, saindo da casa que era do casal, segundo o que lhe disse porque ele lhe “apertara o pescoço”. Ela, BB, pediu-lhe ajuda, o que ela fez.
(…)
II, ..., residente na ilha do ..., amiga da arguida BB desde há 20 a 25 anos, narrou ao tribunal que chegou a ver o arguido AA a desferir-lhe uma bofetada, a partir-lhe o telemóvel, a chamar-lhe “puta”, “vaca” e a dizer-lhe que era “uma merda”, já que ele tal se não coibia de fazer na presença dela e de outras suas amigas.
Ela, depoente, comprou haxixe (canabis em resina) ao arguido AA, que comprava e consumia nas casas do casal, que frequentava muito porque ele não deixava a arguida BB sair.
Também HH lhe comprou essa substância, pelo menos uma ou duas vezes.
(…)
HH, Empregada de Escritório, amiga de longa data da arguida BB e sua namorada há cerca de um ano e meio, referiu que o arguido AA, embora calmo “quando normal”, ficava agressivo, quando alcoolizado, designadamente com a arguida BB, o que acontecia frequentes vezes, e, por várias vezes, ouviu-o a chamar-lhe “puta”.
Uma noite, ele desferiu uma chapada à arguida BB, mas “ela não se ficou”. Tentou defender-se e, após, também lhe bateu.
Frequentando a casa do agora ex-casal, por diversas vezes aí “fumou charros” (canábis), juntamente com eles, charros que lhe eram oferecidos pelo arguido AA.
Também presenciou a RR, a OO e a II a aí fumarem charros.
(…)
Já o dolo que presidiu à conduta dos arguidos quanto aos crimes que vimos terem cometido (facto do foro psicológico), quando por eles não afirmado, retirou-o o tribunal da objectividade do demonstrado quanto às suas condutas delituosas que, num processo lógico e racional, claramente o permite presumir, em conformidade com as regras da experiência comum (cfr., neste sentido, a título meramente exemplificativo, o Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 09/10/2001, em CJ, T. IV, pág. 285 e segs.; o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 03/12/2008, disponível em www.dgsi.pt).
Como se infere do exposto, crucial na formação do convencimento do tribunal foi ainda todo o acervo pericial e documental trazido aos autos, em alguns casos já atrás referidos e, assim, em destaque:
- Os relatórios dos exames periciais a produto estupefacientes de fls. 755, 805, 834, 1378, 153, 1572, 1608, 1617, 3577, 3697 a 3698, 3800 a 3801, 3803, 3871 a 3876, 3899 a 3902, 3931 a 3933, 3976 a 3978, 5166 a 5170, 5269; 5533 a 5541 verso.
- O exame pericial das notas apreendidas de fls. 1414 e verso;
- O exame pericial a arma apreendida, constante de fls. 2864 e verso;
- Os exames periciais aos telemóveis, computadores e aparelhos informáticos apreendidos, de fls. 3034 a 3044, 3935 a 3961, 3992 a 4002.
- O auto de notícia por detenção de fls. 3 a 5 (na sua objectividade); o auto de apreensão n.º 1, de fls. 9 e verso; o auto de ensaio de fls. 11; o auto de exame e avaliação de fls. 12; a reportagem fotográfica de fls. 13 a 14; a Autorização de Busca Domiciliária de fls. 33 a 34; o auto de busca e apreensão n.º 4, de fls. 35 a 36; o auto de ensaio de fls. 37; o auto de fls. 38; a reportagem fotográfica de fls. 39 a 42; a reportagem fotográfica de fls. 45 a 54; o auto de leitura de cartão SIM de fls. 216; o auto de notícia de fls. 228 e verso (na sua objectividade); o auto de apreensão de fls. 229 e verso; a reportagem fotográfica de fls. 232 e verso; o auto de notícia de fls. 272 e verso (na sua objectividade); o auto de ensaio de fls. 275; o auto de apreensão de fls. 276 e verso; a reportagem fotográfica de fls. 277 e verso; o auto de denúncia de fls. 282 a 283; os resultados de consultas às Bases de Dados da Segurança Social de fls. 411, 413 a 414, 1717 a 1720; os resumos de conversações telefónicas de fls. 449 a 451, 481 a 482, 503 a 505; o auto de Transcrição de Intercepções Telefónicas de fls. 583 a 645; o relatório de análise e resumo conversações telefónicas de fls. 650 a 654; o auto de Transcrição de Intercepções Telefónicas de fls. 680 a 694; os relatório de análise e resumo conversações telefónicas de fls. 696 a 700, 710 a 713 e 775 a 786; o auto de notícia fls. 758 e verso (na sua objectividade); o auto de ensaio de fls. 759; o auto de apreensão fls. 760 e verso; a reportagem fotográfica fls. 761; o auto de resumo de conversações telefónicas de fls. 784 a 785; os Aditamentos fls. 786, 856, 1206, 1987 e 2010; os autos de identificação de fls. 787 a 789, 814 a 815, 857 e verso, 881, 1111, 1940 e 2067; o relatório de análise e resumo conversações telefónicas de fls. 807 a 813; o auto de Transcrição de Intercepções Telefónicas de fls. 818-A a 818-N, verso; o auto de ensaio fls. 858; o auto de apreensão de fls. 859 e verso; a reportagem fotográfica de fls. 860 e verso; o termo de entrega de fls. 861; o relatório de análise e resumo conversações telefónicas de fls. 873 a 876; o resumo conversações telefónicas de fls. 878; os autos de Transcrição de Intercepções Telefónicas de fls. 892 a 962; os auto de resumo de conversações telefónicas de fls. 993, 1031, 1033, 1071, 1072, 1093; o auto de notícia de fls. 1107 e verso (na sua objectividade); o auto de apreensão de fls. 1108 e verso; o auto de ensaio de fls. 1109; a reportagem fotográfica de fls. 110 e verso; os autos de Transcrição de Intercepções Telefónicas de fls. 1122 a 1155; o auto de notícia de fls. 1194 a 1195 (na sua objectividade); o auto de apreensão e de busca de fls. 1161 a 1163; o auto de busca e apreensão de fls. 1199 a 1200 ; os autos de ensaio de fls. 1202 a 1205; a reportagem fotográfica de fls. 1207 a 1208; o relatório intercalar de fls. 1561 1564; os Autos de notícia de fls. 1761 a 1763, 1783 a 1785, 1788 a 1790, 1867 a 1868, 1908 a 1909, os autos de apreensão de fls. 1764 a 1773, 1786 a 1787, 1791 a 1798, 1803 a 1807, 1872 a 1873, 1908 a 1909, 1912 a 1914 verso, 1988, 2011 a 2013, 2030, 2069; a reportagem fotográfica de fls. 1774 a 1779; os autos de ensaio de fls. 1874 a 1876; a reportagem fotográfica de fls. 1877 a 1880; o auto de ensaio de fls. 1915; a reportagem fotográfica de fls. 1916 a 1918; o auto de apreensão de fls. 1943 a 1946; o aditamento de fls. 2062; auto de identificação de fls. 2067 a 2068; auto de apreensão de fls. 2069 a 2070; autos de Transcrição de Intercepções Telefónicas de fls. 2073 a 2074 e verso; Certidão do Inquérito nº 20/22.4... de fls. 2271 a 2281; auto de resumo de Transcrição de Intercepções Telefónicas de fls. 2294; auto de notícia por detenção de fls. 2559 e verso (na sua objectividade); auto de ensaio de fls. 2562; auto de apreensão e reportagens fotográficas de fls. 2563 a 2570 e 2593 e verso; “prints” de mensagens de fls. 2612 a 2613; aditamento fls. 2742; auto de apreensão de fls. 2743 e verso; reportagem fotográfica de fls. 2744; auto de ensaio de fls. 2745; o auto de notícia de fls. 2876 a 2877 (na sua objectividade); os autos de apreensão de fls. 2880 a 2884 verso; a reportagem fotográfica de fls. 2891 a 2893; Despacho de Suspensão Provisória de Processo extraído do NUIPC 51/21.1..., junto a fls. 3210 a 3216; documentos de fls. 3565 a 3575; 3591 a 3592; extratos de remunerações de fls. 3606 a 3618; registo de contribuições do arguido DDD de fls. 3865 a 3869; os autos de análise de conteúdos e de transcrição de mensagens de fls. 4735 a 5883; os aditamentos de fls. 5084 e 5085; os documentos de fls. 5389 de fls. 5448 a 5470, 5502 a 5503 e verso e 5505; a documentação constante do Apenso de investigação financeira e patrimonial, designadamente a documentação fiscal de fls. 66 a 81; 160 a 175; a informação do Banco de Portugal de fls. 184 a 185; a documentação bancária de fls. 320 a 508.
Aqui chegados cumpre referir, efectuando uma análise crítica e ponderada da prova produzida, temperada com os princípios de processo penal convergentes na área, com destaque inevitável, sob o ponto de vista da captação psicológica, para o da imediação, que, como se infere do que se expôs, que, no que toca à conduta delituosa protagonizada pelos arguidos, o tribunal ponderou o por eles declarado (recorde-se que apenas o arguido NNN confessou integralmente e sem reservas tal conduta), quando verosímil e não infirmado por outros meio de prova. E valorou também o por eles declarado quanto a actos típicos ilícitos de outros. E nada na lei impede a valoração das declarações de co-arguido como meio de prova para fundar a convicção do tribunal.
É certo que terá de se ter sempre presente todo o circunstancialismo factual e psicológico envolvente e não perder de vista a tendência dos co-arguidos de procuraram desculpabilizar-se incriminando-se mutuamente. Mas esta debilidade congénita pode ser esbatida por outros meios de prova. O que deve evitar-se é condenações obtidas única e exclusivamente com base em declarações dos co-arguidos.
Assim, as declarações dos co-arguidos podem, sem ofensa da lei, ser valoradas pelo tribunal para fundamentar a condenação dos outros arguidos, desde que se mostrem coerentes entre si e forem corroboradas por outros elementos de prova (vide, neste sentido, o Ac. do STJ de 28/01/2003, o Ac. do STJ de 23/03/2003, o Ac. do STJ de 03/09/2008 e o Ac. do STJ de 12/03/2008, todos disponíveis em www.dgsi.pt; o Ac. do Tribunal Constitucional nº 133/2010, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 96, de 18 de Maio de 2010).
Foi o que sucedeu no caso vertente.
As declarações dos arguidos AA e BB assumiram relevo na incriminação de um e outro, sendo certo que no que a esta última respeita não colheu suporte factual bastante que traficasse droga tal como em concreto se demonstrou por a tanto ter sido por aquele arguido coagida, mau grado a violência que se admite sem rebuço ter caracterizado o relacionamento afectivo que entre ambos existiu.
(…)
Já o dolo que presidiu à conduta dos arguidos quanto aos crimes que vimos terem cometido (facto do foro psicológico), quando por eles não afirmado, retirou-o o tribunal da objectividade do demonstrado quanto às suas condutas delituosas que, num processo lógico e racional, claramente o permite presumir, em conformidade com as regras da experiência comum (cfr., neste sentido, a título meramente exemplificativo, o Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 09/10/2001, em CJ, T. IV, pág. 285 e segs.; o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 03/12/2008, disponível em www.dgsi.pt).
Como se infere do exposto, crucial na formação do convencimento do tribunal foi ainda todo o acervo pericial e documental trazido aos autos, em alguns casos já atrás referidos e, assim, em destaque:
- Os relatórios dos exames periciais a produto estupefacientes de fls. 755, 805, 834, 1378, 153, 1572, 1608, 1617, 3577, 3697 a 3698, 3800 a 3801, 3803, 3871 a 3876, 3899 a 3902, 3931 a 3933, 3976 a 3978, 5166 a 5170, 5269; 5533 a 5541 verso.
- O exame pericial das notas apreendidas de fls. 1414 e verso;
- O exame pericial a arma apreendida, constante de fls. 2864 e verso;
- Os exames periciais aos telemóveis, computadores e aparelhos informáticos apreendidos, de fls. 3034 a 3044, 3935 a 3961, 3992 a 4002.
- O auto de notícia por detenção de fls. 3 a 5 (na sua objectividade); o auto de apreensão n.º 1, de fls. 9 e verso; o auto de ensaio de fls. 11; o auto de exame e avaliação de fls. 12; a reportagem fotográfica de fls. 13 a 14; a Autorização de Busca Domiciliária de fls. 33 a 34; o auto de busca e apreensão n.º 4, de fls. 35 a 36; o auto de ensaio de fls. 37; o auto de fls. 38; a reportagem fotográfica de fls. 39 a 42; a reportagem fotográfica de fls. 45 a 54; o auto de leitura de cartão SIM de fls. 216; o auto de notícia de fls. 228 e verso (na sua objectividade); o auto de apreensão de fls. 229 e verso; a reportagem fotográfica de fls. 232 e verso; o auto de notícia de fls. 272 e verso (na sua objectividade); o auto de ensaio de fls. 275; o auto de apreensão de fls. 276 e verso; a reportagem fotográfica de fls. 277 e verso; o auto de denúncia de fls. 282 a 283; os resultados de consultas às Bases de Dados da Segurança Social de fls. 411, 413 a 414, 1717 a 1720; os resumos de conversações telefónicas de fls. 449 a 451, 481 a 482, 503 a 505; o auto de Transcrição de Intercepções Telefónicas de fls. 583 a 645; o relatório de análise e resumo conversações telefónicas de fls. 650 a 654; o auto de Transcrição de Intercepções Telefónicas de fls. 680 a 694; os relatório de análise e resumo conversações telefónicas de fls. 696 a 700, 710 a 713 e 775 a 786; o auto de notícia fls. 758 e verso (na sua objectividade); o auto de ensaio de fls. 759; o auto de apreensão fls. 760 e verso; a reportagem fotográfica fls. 761; o auto de resumo de conversações telefónicas de fls. 784 a 785; os Aditamentos fls. 786, 856, 1206, 1987 e 2010; os autos de identificação de fls. 787 a 789, 814 a 815, 857 e verso, 881, 1111, 1940 e 2067; o relatório de análise e resumo conversações telefónicas de fls. 807 a 813; o auto de Transcrição de Intercepções Telefónicas de fls. 818-A a 818-N, verso; o auto de ensaio fls. 858; o auto de apreensão de fls. 859 e verso; a reportagem fotográfica de fls. 860 e verso; o termo de entrega de fls. 861; o relatório de análise e resumo conversações telefónicas de fls. 873 a 876; o resumo conversações telefónicas de fls. 878; os autos de Transcrição de Intercepções Telefónicas de fls. 892 a 962; os auto de resumo de conversações telefónicas de fls. 993, 1031, 1033, 1071, 1072, 1093; o auto de notícia de fls. 1107 e verso (na sua objectividade); o auto de apreensão de fls. 1108 e verso; o auto de ensaio de fls. 1109; a reportagem fotográfica de fls. 110 e verso; os autos de Transcrição de Intercepções Telefónicas de fls. 1122 a 1155; o auto de notícia de fls. 1194 a 1195 (na sua objectividade); o auto de apreensão e de busca de fls. 1161 a 1163; o auto de busca e apreensão de fls. 1199 a 1200 ; os autos de ensaio de fls. 1202 a 1205; a reportagem fotográfica de fls. 1207 a 1208; o relatório intercalar de fls. 1561 1564; os Autos de notícia de fls. 1761 a 1763, 1783 a 1785, 1788 a 1790, 1867 a 1868, 1908 a 1909, os autos de apreensão de fls. 1764 a 1773, 1786 a 1787, 1791 a 1798, 1803 a 1807, 1872 a 1873, 1908 a 1909, 1912 a 1914 verso, 1988, 2011 a 2013, 2030, 2069; a reportagem fotográfica de fls. 1774 a 1779; os autos de ensaio de fls. 1874 a 1876; a reportagem fotográfica de fls. 1877 a 1880; o auto de ensaio de fls. 1915; a reportagem fotográfica de fls. 1916 a 1918; o auto de apreensão de fls. 1943 a 1946; o aditamento de fls. 2062; auto de identificação de fls. 2067 a 2068; auto de apreensão de fls. 2069 a 2070; autos de Transcrição de Intercepções Telefónicas de fls. 2073 a 2074 e verso; Certidão do Inquérito nº 20/22.4... de fls. 2271 a 2281; auto de resumo de Transcrição de Intercepções Telefónicas de fls. 2294; auto de notícia por detenção de fls. 2559 e verso (na sua objectividade); auto de ensaio de fls. 2562; auto de apreensão e reportagens fotográficas de fls. 2563 a 2570 e 2593 e verso; “prints” de mensagens de fls. 2612 a 2613; aditamento fls. 2742; auto de apreensão de fls. 2743 e verso; reportagem fotográfica de fls. 2744; auto de ensaio de fls. 2745; o auto de notícia de fls. 2876 a 2877 (na sua objectividade); os autos de apreensão de fls. 2880 a 2884 verso; a reportagem fotográfica de fls. 2891 a 2893; Despacho de Suspensão Provisória de Processo extraído do NUIPC 51/21.1..., junto a fls. 3210 a 3216; documentos de fls. 3565 a 3575; 3591 a 3592; extratos de remunerações de fls. 3606 a 3618; registo de contribuições do arguido DDD de fls. 3865 a 3869; os autos de análise de conteúdos e de transcrição de mensagens de fls. 4735 a 5883; os aditamentos de fls. 5084 e 5085; os documentos de fls. 5389 de fls. 5448 a 5470, 5502 a 5503 e verso e 5505; a documentação constante do Apenso de investigação financeira e patrimonial, designadamente a documentação fiscal de fls. 66 a 81; 160 a 175; a informação do Banco de Portugal de fls. 184 a 185; a documentação bancária de fls. 320 a 508.
Aqui chegados cumpre referir, efectuando uma análise crítica e ponderada da prova produzida, temperada com os princípios de processo penal convergentes na área, com destaque inevitável, sob o ponto de vista da captação psicológica, para o da imediação, que, como se infere do que se expôs, que, no que toca à conduta delituosa protagonizada pelos arguidos, o tribunal ponderou o por eles declarado (recorde-se que apenas o arguido NNN confessou integralmente e sem reservas tal conduta), quando verosímil e não infirmado por outros meio de prova. E valorou também o por eles declarado quanto a actos típicos ilícitos de outros. E nada na lei impede a valoração das declarações de co-arguido como meio de prova para fundar a convicção do tribunal.
É certo que terá de se ter sempre presente todo o circunstancialismo factual e psicológico envolvente e não perder de vista a tendência dos co-arguidos de procuraram desculpabilizar-se incriminando-se mutuamente. Mas esta debilidade congénita pode ser esbatida por outros meios de prova. O que deve evitar-se é condenações obtidas única e exclusivamente com base em declarações dos co-arguidos.
Assim, as declarações dos co-arguidos podem, sem ofensa da lei, ser valoradas pelo tribunal para fundamentar a condenação dos outros arguidos, desde que se mostrem coerentes entre si e forem corroboradas por outros elementos de prova (vide, neste sentido, o Ac. do STJ de 28/01/2003, o Ac. do STJ de 23/03/2003, o Ac. do STJ de 03/09/2008 e o Ac. do STJ de 12/03/2008, todos disponíveis em www.dgsi.pt; o Ac. do Tribunal Constitucional nº 133/2010, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 96, de 18 de Maio de 2010).
Foi o que sucedeu no caso vertente.
As declarações dos arguidos AA e BB assumiram relevo na incriminação de um e outro, sendo certo que no que a esta última respeita não colheu suporte factual bastante que traficasse droga tal como em concreto se demonstrou por a tanto ter sido por aquele arguido coagida, mau grado a violência que se admite sem rebuço ter caracterizado o relacionamento afectivo que entre ambos existiu.
(…)
Não foi produzida qualquer prova ilustrativa de uma actuação de todos os arguidos em conjugação de esforços e intentos. A prova produzida foi no sentido de apenas permitir nos preciso termos em que se deixou consignado a atuação nesses moldes entre os arguidos BB e AA, por um aldo, e NNN e CCC, por outro.
Por fim, resta por dizer que não foram levados factos à acusação que permitissem concluir o que de forma genérica nela foi vertido no sentido de permitir demonstrar que as quantias monetárias movimentadas pelos arguidos BB e AA fossem superiores aos rendimentos por eles declarados formalmente, e que as suas contas bancárias apresentassem montantes incompatíveis com as remunerações que percebiam do trabalho.
Aqui apenas pode o Tribunal concluir resultarem da actividade de tráfico quer a quantia detida pelo arguido AA, quer aquelas que foram objecto de movimentação bancária através das contas de PP e OO.
No que toca às condições, sociais, familiares, económicas laborais e percurso de vida dos arguidos, o tribunal valorou ainda (ainda) os relatórios sociais a eles referentes, com que os autos foram instruídos.
Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, baseou o tribunal o seu convencimento na análise dos seus Certificados de Registo Criminal, juntos a fls. fls. 5294 a 5301 verso, 5309 e verso, que atestam o que quanto a tal se exarou.
Nos termos expostos, pode o tribunal decidir sobre a matéria de facto pela forma que se deixou consignada.
(…)»
2. Tratando-se de recurso interposto de acórdão condenatório em pena de prisão superior a cinco anos, proferido por tribunal coletivo e restrito à matéria de direito e aos vícios e nulidades previstas no artigo 410º, n.ºs 2, als. a) e c), e 3, ,do CPP, é inquestionável a competência do STJ para o respetivo conhecimento, nos termos dos artigos 434º e 432º, n.ºs 1, al. c), e 2, do mesmo diploma legal, conforme acertadamente decidiu o TRL, ao excecionar a respetiva incompetência e mandar remeter-lhe o processo.
Avancemos, pois, para a apreciação das questões antes enunciadas e que delimitam o seu objeto, abrangendo a nulidade e vícios do acórdão recorrido, outrossim a medida das penas parcelares e única de prisão em que o mesmo foi condenado e a suspensão da execução da última.
Tanto mais quanto é certo que o objeto assim definido se enquadra na jurisprudência fixada pelo acórdão do STJ n.º 5/2017, publicado no DR. n.º 120/2017, Série I, de 23.06.2017, a pp.3170 – 3187, segundo a qual «A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas».
2. 1. A nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação e exame crítico da prova, nos termos conjugados dos artigos 374º, n.º 2, e 379º, n.º 1, al. a), do CPP.
Conforme decorre das conclusões I a XVII do recurso, o recorrente considera que se verifica a nulidade do acórdão recorrido, por falta de fundamentação e exame crítico da prova, nos termos conjugados dos artigos 374º, n.º 2, e 379º, n.º 1, al. a), do CPP, acrescentando que uma interpretação da primeira de tais normas “no sentido de que basta a mera enumeração das provas e a afirmação de que foram convincentes os depoimentos das testemunhas”, é inconstitucional por violar as garantias de defesa do arguido plasmadas no artigo 32° da Constituição da República Portuguesa (CRP) e o dever de fundamentação das decisões judiciais consagrado no artigo 205° da mesma Lei Fundamental.
É incontroverso que o artigo 205º, n.º 1, da CRP estabelece que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
E, como ensinam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira2, esse “(…) dever de fundamentação (…) obedece a várias razões extraídas do princípio do Estado de direito, do princípio democrático e da teleologia jurídico-constitucional dos princípios processuais”, e, em função deles, “explica-se pela necessidade de justificação do exercício do poder estadual (…)”, e por “exigências de abertura e transparência da actividade judicial (…)” e “serve para a clarificação e interpretação do conteúdo decisório, favorece o autocontrolo do juiz responsável pela sentença, dá melhor operacionalidade ao heterocontrolo efetuado pelas instâncias judiciais superiores e, em último termo, contribui para a própria justiça material praticada pelos tribunais”.
Por seu turno, o artigo 97º, n.º 5, do CPP, dando execução àquele comando constitucional para os atos decisórios nele definidos, dispõe que os mesmos “(…) são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
A decisão recorrida, proferida por um tribunal coletivo após realização de um julgamento, é indiscutivelmente um ato decisório, que assume a forma de acórdão prevista nos n.ºs 1, al. a), e 2, do artigo 97º do CPP, estando, portanto, sujeita ao referido dever geral de fundamentação.
A doutrina e a jurisprudência, no entanto, salientam a diversidade de grau da fundamentação exigida para os diferentes atos decisórios, desde aquele específico das sentenças e acórdãos estabelecido nos artigos 374º e 375º do CPP, sob pena de nulidade, nos termos do artigo 379º, n.º 1, al. a), do mesmo diploma legal, que aqui tem indiscutível aplicação, ao dos meros despachos, por muito relevantes que sejam.
Reconhecendo embora que esse dever de fundamentação é mais exigente para as sentenças e acórdãos, não deixam, contudo, de assinalar a sua inevitável diferença em função do maior ou menor poder de concisão e clareza discursiva do juiz e do concreto objeto das decisões e dos efeitos da falta ou insuficiência da devida fundamentação3.
Importa, pois, verificar se o acórdão escrutinado cumpriu ou não esse especial dever de fundamentação das sentenças e acórdãos.
Ora, como o próprio recorrente reconhece e a parte da decisão recorrida antes transcrita ostensivamente evidencia, não restam dúvidas quanto ao rigoroso cumprimento daquele dever relativamente à enumeração dos factos provados e não provados e à exaustiva indicação dos meios de prova considerados.
A questão resume-se, por conseguinte, a saber se nela se fez a análise crítica de tais meios de prova, quanto à respetiva relevância probatória e contributo para a formação da convicção do tribunal, de tal modo que, para os demais sujeitos processuais e para os tribunais superiores, em sede de recurso, seja percetível o iter racional que conduziu à formação da convicção do tribunal no sentido de dar uns factos como provados e outros como não provados.
O recorrente entende que não, limitando-se a afirmar que não compreende porque é que foram dados como provados os factos enumerados sob os pontos 1 a 87, ou seja, aqueles que lhe dizem diretamente respeito, seja quanto aos elementos objetivos e subjetivos dos tipos legais de crimes pelos quais foi condenado, seja quanto àqueles respeitantes às suas condições pessoais, familiares e socioeconómicas.
Sem razão, no entanto.
É verdade que o estilo expositivo adotado no acórdão não segue o formato mais comummente observado nas decisões judiciais, nomeadamente quanto à identificação por facto ou grupo de factos dos meios de prova relevantes para os dar como provados ou não provados e quanto à enunciação sintética do seu conteúdo e apreciação explicitamente discriminada da respetiva credibilidade e relevância probatória.
Todavia, como se assinala no parecer do Ministério Público no STJ, analisados os factos provados e não provados à luz e conjugadamente com o enunciado resumido e consignado no texto da decisão da prova por declarações, documental e pericial levado ao texto do acórdão, outrossim das respetivas considerações teóricas iniciais, de posterior contextualização e de encerramento, torna-se claro porque é que o tribunal deu como provados certos factos e como não provados outros, nomeadamente em função do maior ou menor crédito atribuído à prova por declarações, em cujo enunciado resumido e consideração final se explicita quando e porquê o mereceram, em função da razão de ciência de cada um dos declarantes e testemunhas, das posições divergentes por eles assumidas em diferentes fases do processo, após leitura e confronto em audiência, e da sua corroboração recíproca e pelos demais meios de prova, nomeadamente documental, pericial e material, bem assim como em função das regras da experiência comum e do normal acontecer, que permitiram, entre o mais, extrair dos factos diretamente provados aqueles insuscetíveis de prova direta, ou seja, por recurso às presunções judiciais, nos termos consentidos pelo princípio da livre apreciação da prova plasmado no artigo 127º do CPP, designadamente quanto ao elementos subjetivo dos tipos incriminadores.
E, salvo o devido respeito pela posição do recorrente, essa perceção e compreensão do percurso seguido pelo tribunal recorrido quanto à apreciação e valoração dos meios de prova exaustivamente descritos e respetivo relevo na formação da sua convicção quanto à afirmação dos factos provados e não provados (essencialmente os da acusação, a que se restringem a motivação e as conclusões do recurso), não sendo imediatamente adquirida pela sua consideração isolada e desligada da totalidade do texto da decisão, é claramente apreensível da sua leitura global e conjugada e sem qualquer prejuízo do pleno exercício das garantias de defesa do recorrente, nomeadamente em sede de recurso da matéria de facto, tanto mais quanto é certo que o mesmo só a considera nula por não apreciação crítica dos meios de prova relativamente aos factos provados relativos à acusação, mas já não aos provados resultantes da discussão da causa, do relatório social e do CRC, constantes dos pontos 216, 220 a 226 e 283, respetivamente, tão pouco os não provados da acusação cuja fixação resultou da mesma metodologia discursiva e valorativa, como, de resto, evidencia a síntese final da motivação acima transcrita, inserida imediatamente após o enunciado resumido das declarações e depoimentos considerados e a exaustiva descrição dos demais meios de prova, documentais, periciais e materiais, critica e conjugadamente analisados e valorados, que aqui nos dispensamos de reproduzir, por fastidioso.
Dessa leitura e consideração global e concatenada resulta cristalino que os factos provados sob os pontos 1 a 4, tiveram como suporte as declarações coincidentes dos coarguidos AA e BB, bem assim como os respetivos relatórios sociais, os provados sob os pontos 5 a 46 e 67 a 79, essas mesmas declarações, na parte em que foram coincidentes e corroboradas pelos consumidores e adquirentes dos produtos estupefacientes por eles transacionadas e/ou cedidos dos que lhes facultaram os cartões de débito que viabilizaram as operações bancárias em causa, aqueles fixados sob os pontos 51 a 62, as declarações do próprio recorrente AA em audiência de julgamento, por contraponto às prestadas no primeiro interrogatório judicial de arguido detido e corroboradas também pelos depoimentos daqueles mesmos e outros consumidores e adquirentes dos produtos estupefacientes por si transacionados e/ou cedidos, os dos pontos 63 a 66, os autos de busca e apreensão realizadas no dia 9 de fevereiro de 2022, e os dos pontos 80 a 87, as presunções judiciais que, em face dos demais pontos de facto, permitiram afirmar o elemento subjetivo das diferentes tipologias criminais em apreço, tudo conjugado ainda com o teor das transcrições das interceções telefónicas e os demais relatórios e autos policiais e periciais juntos aos autos e discriminadamente referenciados no acórdão e com as regras da experiência comum.
Tudo, por conseguinte, no sentido de se poder afirmar que o acórdão recorrido ora sindicado cumpriu cabalmente o dever de fundamentação dos atos jurisdicionais decisórios, permitindo aos seus destinatários e às instâncias de recurso apreender e compreender o iter racional da formação da convicção dos juízes integrantes do tribunal de estrutura coletiva que o proferiu e o seu escrutínio externo, como, aliás, evidenciam a motivação e conclusões do recurso que dele foi interposto pelo arguido e recorrente, ao suscitar os vícios da decisão a que se refere a questão seguinte, através da qual se pretende rebater aquele convencimento e os respetivos fundamentos.
Nenhuma nulidade, portanto, se descortina na decisão sob recurso, tão pouco incorrendo em qualquer interpretação inconstitucional das normas jurídicas nela consideradas e aplicadas em matéria de facto ou de direito.
Improcede, pois, a questão da invalidade da decisão recorrida.
2. 2. Verificação do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou, em alternativa, de erro notório na apreciação da prova, previstos no artigo 410º, n.º 2, als. a) e c), do CPP.
Nas conclusões XVIII a XXIV do recurso, o recorrente sustenta que no acórdão recorrido se verifica o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou, em alternativa, o do erro notório na apreciação da prova, previstos no artigo 410º, n.º 2, als. a) e c), do CPP.
Independentemente da consequência jurídico-processual da verificação dos vícios previstos em tal preceito, é pacífico que eles constituem vícios da decisão e não erros de julgamento, devendo, por isso, necessariamente, resultar do seu texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência, sem necessidade e/ou possibilidade de recurso a elementos externos para os evidenciar.
E que, podendo embora coexistir na mesma decisão de cujo texto, por si só ou conjugada com as regras da experiência, devem emergir, a sua verificação alternativa ou subsidiária se afigura incompatível com a respetiva substância, conforme esclarecida diferenciação de Pereira Madeira e da jurisprudência por ele referenciada em anotação ao artigo 410º, n.º 2, do CPP, no “Código de Processo Penal Comentado”, de Henriques Gaspar e outros, supra mencionado, que aqui se acolhe a acompanha e para cuja leitura se remete.
No caso em apreço, pela motivação e conclusões se percebe imediatamente que o recorrente incorre na muito comum confusão entre o vício da decisão convocado e o do erro do julgamento da matéria de facto, que efetivamente não impugnou.
Pois que, em vez de o evidenciar, explicando, por referência ao texto do acórdão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, a matéria de facto provada e não provada que não deu resposta integral aos factos que constituíam o objeto do processo fixado pela acusação e, desse modo, insuficiente para suportar a sua condenação e não condenação por parte deles, limita-se a proclamar, num juízo próprio, que a prova produzida não tem virtualidade para fixar a matéria de facto considerada provada nos pontos 1 a 87 e que conduziu à sua condenação, recorrendo aos elementos de prova produzidos, de que retira ilações necessariamente subjetivas acerca do seu envolvimento nos factos que lhe eram imputados na acusação, o que, obviamente, não integra o invocado vício, antes uma divergência sobre a matéria de facto provada, só passível de contrariedade mediante a respetiva impugnação ampla, nos termos do artigo 412º do CPP.
Não tendo optado por essa via de impugnação e não consubstanciando a sua alegação os aludidos vícios, que quanto ao erro notório se limita à mera afirmação da sua verificação alternativa ou subsidiária, que efetivamente não se verificam, prejudicada fica a possibilidade de o tribunal de recurso, que, nesse caso seria o TRL, de modificar a matéria de facto fixada no acórdão recorrido, que, assim, se manterá incólume nessa parte, com a improcedência das questões suscitadas pelo recorrente neste segmento do recurso.
2. 3. Medida das penas de prisão aplicadas, parcelares e única, e suspensão desta última [conclusões XXV a XLIV].
Por fim, nas conclusões XXV a XXXVIII, ainda que como necessária decorrência da modificação da matéria de facto que entende dever ter lugar, apesar de a não ter impugnado amplamente, o recorrente discorda da medida da pena única e das penas parcelares em que foi condenado, pretendendo vê-las reduzidas para o mínimo das respetivas molduras penais abstratas ou legais, quanto às penas parcelares, e próximo do mínimo, quanto à pena única, que situa nos 5 anos, por considerar excessivas e injustas as primeiras de, respetivamente, 5 (cinco) anos, 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e a última de 6 (seis) anos de prisão, que lhe foram aplicadas e cuja especial atenuação reclama, por apelo ao disposto nos artigos 77º, n.ºs 1 e 2, 71º e 72º do Código Penal (CP).
Por outro lado, na sequência dessa pretensão e no pressuposto da respetiva procedência, nas conclusões XXXIX a XLIV, reclama a suspensão da execução da pena única, por lhe parecer “de todo possível, se não mesmo imperativo, fazer um juízo de prognose favorável, e ainda, tendo em conta as concretas necessidades de prevenção geral e especial”, ase necessário “cumulada (…) com o cumprimento de medidas, nomeadamente tratamento à adição, frequência de sessões para a responsabilização criminal e desenvolvimento da crítica face ao tráfico de drogas e decidir, ainda, o que mais reputem necessário” .
Para sustentar essas suas pretensões alega, em síntese:
a) Quanto à medida das penas, a sua inserção familiar e profissional, a ausência de antecedentes criminais e a menor ilicitude dos factos por si praticados, quando comparada com a dos demais arguidos e atendendo ao consumo de haxixe, “que amolece significativamente a culpa e a capacidade de determinação”;
b) Quanto à suspensão da execução da pena única, o ter-se mostrado arrependido, estar inserido familiar e profissionalmente, ser um bom profissional, com trabalho garantido logo que libertado, ser “uma pessoa calma, pacata, e está preso à ordem estes autos há largos meses (desde 09/11/2022), o que por si só é suficiente para acautelar as concretas necessidades de prevenção especial do caso vertente”.
2. 3. 1. Quanto à medida das penas parcelares e única
Antes de prosseguir, importa relembrar e esclarecer que, as molduras penais abstratas ou legais previstas para os crimes de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência às Tabelas I-B e I-C ao mesmo anexas, de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368º-A, n.ºs 1, al. f), e 3, do CP, e de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1, al. d), com referência aos artigos 2º, n.º 1, al. an), 3º, n.ºs 1 e 2, al. i), e 4º, n.º 1, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições (RJAM), aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23.02, outrossim da pena única resultante do cúmulo jurídico dessas três penas parcelares, atentas as regras de punição estabelecidas no artigo 77º do CP, são as consideradas no acórdão recorrido, ou seja, respetivamente:
- de 4 (quatro) a 12 (doze) anos de prisão;
- de 1 mês a 12 anos de prisão;
- de 1 mês a 4 anos de prisão (não releva aqui a pena alternativa de multa até 480 dias, afastada pelo tribunal da condenação sem contestação do recorrente);
- de 5 (cinco) anos a 7 (sete) anos e 8 (oito) meses de prisão.
Isto porque, o entendimento do recorrente de que o “(…) Tribunal a quo (…) teria de atenuar especialmente as penas”, para além de se traduzir em mera proclamação consignada no penúltimo parágrafo de pp. 21 da motivação e na parte final da conclusão XXXVII, sem qualquer outra justificação que não a referência ao artigo 72º do CP, não tem cabimento legal.
Efetivamente, à não verificação de qualquer das circunstâncias ali previstas como suporte da atenuação especial das penas parcelares, porque nenhuma das convocadas, e outras não existem, se mostra apta a diminuir “(…) de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”, acresce o entendimento pacífico e uniforme da jurisprudência e da doutrina no sentido de a atenuação especial operar apenas quanto às penas parcelares e não já no âmbito da pena única resultante de cúmulo jurídico das penas aplicadas aos crimes em concurso4, orientação a que se adere e aqui se acolhe, com a consequente improcedência dessa pretensão.
Conforme, aliás, constitui jurisprudência constante do STJ e pode ver-se do seguinte trecho extraído do acórdão de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, que aqui se segue de perto, «A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada, o que se traduz numa autêntica aplicação do direito (cf., com interesse, Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pp. 194 e seguintes).
Tal não significa que, dentro dos parâmetros definidos pela culpa e pela forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exato de pena.
Estabelece o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, relevantes para a medida concreta da pena, pela via da culpa e/ou pela da prevenção, dispondo o n.º 3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjetiva no artigo 375.º, n.º 1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
Estando em causa a determinação da medida concreta da pena conjunta do concurso, aos critérios gerais contidos no artigo 71.º, n.º 1, acresce um critério especial fixado no artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código Penal: “serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso.
Refere Cristina Líbano Monteiro (A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166) que o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.
Como se diz no acórdão do STJ, de 31.03.2011, proferido no Processo 169/09.9SYLSB.S1, a pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.».
«(…) Da Escolha e Medida da Pena
Nestes casos, deve o julgador atender ao critério constante do art. 70º, do Código Penal, nos termos do qual “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, e também ao disposto no art. 40º, n.º 1, do mesmo diploma legal onde se preceitua que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração na sociedade”.
Assim sendo, e uma vez que as finalidades da punição são exclusivamente preventivas, só deverá recusar o Tribunal a aplicação da pena alternativa quando tal opção seja de modo a comprometer a preservação da paz jurídica comunitária, ou quando se revele desde logo inconveniente para a viabilidade e sucesso de um projecto, necessário, de ressocialização (Cfr. Anabela Rodrigues, em anotação ao Ac. do STJ de 21/05/90, RPCC, 2, 1991, pág. 243).
Tal critério expressa uma das ideias fundamentais subjacentes ao sistema punitivo do Código Penal: uma reacção contra as penas institucionalizadas ou detentivas, por sua própria natureza lesivas do sentido ressocializador que deve presidir à execução das reacções penais (cfr. Robalo Cordeiro, “Escolha e Medida da Pena”, Jornadas de Direito Criminal, p. 238).
A escolha da pena depende, pois, unicamente, de considerações de prevenção geral e, sobretudo, de prevenção especial (em face do caso concreto, e não como resultado de uma operação feita em abstracto).
Vale isto por dizer que “são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena detentiva ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação. “A culpa relevará posteriormente para efeitos da medida da pena” (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005, pág. 331).
Nesta perspectiva importará, pois, determinar se a reposição da confiança dos cidadãos na norma violada pelo agente do crime - e por aí a tutela retrospectiva do bem jurídico posto em causa -, bem como a ressocialização daquele, poderão ser plenamente alcançadas com a aplicação da medida não detentiva que, no caso, como vimos, alternativamente, se coloca em relação ao aludido crime.
Assim, a escolha entre a pena de prisão e a pena alternativa de multa dependerá de considerações de prevenção geral e especial.
Ora, no caso vertente, a personalidade que este arguido evidencia acentua as necessidades de prevenção especial e de prevenção geral.
Tal leva-nos a concluir que a reacção penal ao caso adequada não se compadece com a aplicação de uma pena de multa.
Essa pena, estamos em crer, revestiria aqui um carácter simbólico, susceptível de perpetuar um sentimento de impunidade, não sendo de molde a levar à interiorização, por parte dele, da sua responsabilidade pelo acto danoso em causa, subestimando-o.
Opta-se, assim, pela aplicação da pena de prisão em relação ao aludido crime, uma vez que a pena de multa não é aquela que, no caso, satisfaz adequadamente as finalidades da punição no que a ele respeita, não sendo de molde a assegurar a preservação da paz jurídica comunitária e a manutenção da confiança colectiva no sistema e nas instituições.
O ponto de partida e enquadramento geral dessa tarefa não pode deixar de se prender com o disposto no art. 40º do Cód. Penal, nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Em matéria de culpabilidade, diz-nos o nº 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Com este preceito fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição “qua tale” da culpa.
Do mesmo modo, a chamada expiação da culpa ficará remetida para a condição de consequência positiva, a ter lugar, mas não de finalidade primária da pena. No pressuposto de que por expiação se entende a compreensão da ilicitude, e aceitação da pena que cumpre, pelo arguido, com a consequente reconciliação voluntária com a sociedade.
Assim, a avaliação da culpa do agente fica ao serviço, fundamentalmente, de propósitos garantísticos e do seu interesse.
Com este entendimento tem-se visto, aliás, uma consonância com o imperativo constitucional do nº 2 do art. 18º da Constituição da República, de acordo com o qual “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, sendo certo que se não divisa, no texto fundamental, a eleição dum imperativo ético-penal da retribuição ou expiação da culpa, como direito ou interesse protegido constitucionalmente.
Quando, pois, o art. 71º do Cód. Penal nos vem dizer, no seu nº 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar daquele art. 40º.
Daí que a doutrina venha a defender, sobretudo pela mão de Figueiredo Dias, (Cfr. “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, págs. 227 e segs.) que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida em que tal se mostre possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar reflectirá, de um modo geral, a seguinte lógica: A partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma “sub-moldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o “quantum” abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar” (Cfr. obra citada, pág. 229).
Será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social.
Quanto à culpa, para além de suporte axiológico-normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar.
Duas notas a acrescentar: “a defesa de bens jurídicos”, mencionada no referido art. 40º, deve ser entendida, em sede de fins das penas, como propósito de prevenção geral positiva ou de integração, com o fim de estabilização das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida e, portanto, como modelo de orientação para os contactos sociais, ou ainda como réplica perante a infracção da norma, executada à custa do seu infractor.
Na verdade, a defesa de bens jurídico-penais é, ela mesma, em geral, o desiderato de todo o sistema penal globalmente considerado, e não um fim que se possa considerar privativo das penas.
Quanto à prevenção especial, sabe-se como pode ela operar através da “neutralização-afastamento” do delinquente para que fique impedido fisicamente de cometer mais crimes, como intimidação do autor do crime para que não reincida, e, sobretudo, para que sejam fornecidos ao arguido os meios de modificação de uma personalidade revelada desviada, assim este queira colaborar em tal tarefa.
Esta, tanto quanto sabemos, a orientação quase unânime do Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria.
Já o nº 2 do art. 71º do Cód. Penal manda atender, na determinação concreta da pena, “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.
Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime.
No caminho da concretização da pena a aplicar tomar-se-ão pois em conta os critérios consignados no citado artigo 71º do Cód. Penal e, assim a culpa do agente, as necessidades de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
Debruçando-nos agora sobre os factos, dir-se-á que procede, para o fim a alcançar neste ponto, o condicionalismo que já foi apontado nos autos.
No que toca ao crime de branqueamento cometido pelos arguidos AA e BB, a ilicitude apresenta-se abaixo da média, atendendo, por um lado, a que as operações bancárias realizadas se revelam pouco elaboradas e, por outro lado, aos valores nelas envolvidos.
A concreta detenção de arma proibida, que sabemos ter sido protagonizada pelo arguido AA, não suscita acentuadas necessidades de prevenção geral, não obstante o operado agravamento legal da responsabilidade penal associada ao uso e detenção de armas proibidas, já que esse agravamento foi determinado pelo preocupante aumento da criminalidade violenta com uso de armas de fogo e não é desse tipo a arma que detinha.
Assim, quanto a esse crime, o grau de ilicitude dos factos típicos correspondentes situa-se num nível abaixo da média, considerando o tipo de arma por ele indevidamente detida.
(…)
Já o dolo foi directo e intenso (art. 14º, nº 1 do Cód. Penal) no que toca aos ilícitos subjacentes aos autos, já que em relação a eles todos os arguidos representaram o significado ilícito das condutas que adoptaram e quiseram praticar os factos, sendo clara a sua vontade criminosa.
Cingindo-nos agora aos crimes de tráfico de estupefacientes, a ilicitude apresenta-se mais elevada, no que toca aos arguidos AA, UUU e DDD, que se posicionam já num segmento mais gravoso da criminalidade, e menor quanto aos demais.
No entanto, em relação a cada um dos arguidos há que ponderar os concretos actos típicos de tráfico que cada um cometeu; a intenção de lucro fácil que em todos se divisa, embora para uns mais significativo do que para outros; o período de tempo pelo qual se prolongou a sua actividade delituosa.
Sem esquecer também a precisa medida em que a conduta de cada um dos arguidos configura um desvalor em relação à ordem jurídica, mais ou menos acentuado, nomeadamente, à protecção da saúde pública e aos valores de vivência solidária em comunidade, já que estamos em sede de crime de perigo. Basta atentar em que, com a incriminação do crime em presença, não obstante se proteger, primacialmente, a saúde pública, também se pretende, de modo reflexo, salvaguardar a segurança da comunidade em geral, já que tal crime se repercute ao nível da criminalidade contra o património e contra as pessoas na medida em que pode potenciar a prática de outros crimes, quer contra o património, quer contra a integridade física, quer contra a vida.
O tráfico de estupefacientes é comunitariamente tido como actividade de largo espectro de afectação de valores sociais fundamentais e de fortes riscos para bens jurídicos estruturantes, e cuja desconsideração perturba a própria coesão social, perante o enorme perigo e dano para a saúde dos consumidores de tais produtos e, bem assim, por toda a panóplia de rupturas sociais que causa, quer no âmbito da família, quer na sociedade em geral, face à criminalidade a ele associada.
A dimensão desses riscos e consequências conduz, de resto, a uma particular preponderância das finalidades de prevenção geral (para a recomposição dos valores afectados e manutenção da validade das normas violadas) que tem, porém, de ser conformada pela situação concreta e pelas vertentes objectivas e subjectivas da actividade em causa.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 46/99, de 26 de Maio, que aprovou a estratégia nacional de luta contra a droga, fixou como um dos objectivos primordiais o reforço do combate ao tráfico, aliás, como opção estratégica fundamental para Portugal. E acrescentou que «as dramáticas consequências do tenebroso negócio do tráfico ilícito de drogas, empreendido tantas vezes por verdadeiras organizações criminosas, e que atinge não apenas a vida dos jovens, mas também a vida das famílias e a saúde e segurança da comunidade, são de tal modo chocantes que se torna um imperativo mobilizar todos os esforços para combater o tráfico com redobrada determinação... No caso de Portugal, esse combate é particularmente difícil em razão da nossa extensa costa marítima, a que se junta a eliminação de controlos fronteiriços internos no quadro do processo de integração europeia».
Ou seja, impõem-se aqui com particular acuidade as finalidades de prevenção geral, pela forte ressonância negativa, na consciência social, das actividades que consubstanciam o crime em apreço. A comunidade conhece as gravíssimas consequências do consumo de estupefacientes (ainda que, em particular, das drogas duras e das drogas sintéticas, onde o haxixe se não inclui) desde logo ao nível da saúde dos consumidores, mas também no plano da desinserção familiar e social que lhe anda, frequentemente, associada e sente os riscos que comporta para os valores estruturantes da vida em sociedade,
Naturalmente, postulam também razões de prevenção especial, para que os arguidos interiorizem que a sua conduta é censurável e que, como tal, devem pôr-lhe fim.
Naturalmente, à medida da tutela dos bens jurídicos não é alheia a dimensão da ilicitude das diversas modalidades de acção, no seu recorte objectivo. Donde, as diversas condutas têm de ser apreciadas na sua concreta configuração e importância relativa na lesão do bem jurídico tutelado.
Será, pois, na ponderação da especificidade do caso concreto que se vai encontrar a justa medida da medida da censura a atribuir a cada um dos identificados arguidos, impondo-se, nesta sede, ponderar as distintas condutas que cada um protagonizou, tal como revelado pela atinente factualidade apurada.
E, neste segmento, reveste-se de grande importância (também) o produto estupefaciente (ou produtos) sobre que versou a conduta de cada um.
É que, se a canábis é uma droga semi-suave (droga leve), o mesmo já não é de dizer quanto à heroína e à cocaína. A heroína é uma droga dura por excelência, sendo gravíssimos e devastadores os efeitos resultantes do seu consumo. Mas também o são no que respeita à cocaína que, de resto, é a droga com maior potencialidade de dependência.
E aqui é de acentuar a gravidade da comercialização das “novas” drogas sintéticas, como o são o MDMA (ecstasy) e o “Alfa-PHP” (Bloom), não só pelos terríveis efeitos decorrentes do seu consumo, mas também pela enorme adesão que em relação a eles se denota sobretudo na camada mais jovem da população, e dentro desta, o Bloom, que, se usada em altas doses, pode provocar alucinações, agitação, extrema paranóia e agressividade.
Não esqueçamos que a ... é a região do país com maior tráfico e consumo de drogas sintéticas e o Bloom nela constitui um verdadeiro flagelo.
Os efeitos do seu consumo em termos de saúde mental são dramáticos (os seus efeitos secundários são responsáveis pelo aumento de suicídio entre os jovens da Região e pelo aumento de internamentos em Unidades de Saúde Mental na sequência de surtos psicóticos), mas também o são para a segurança da população em geral já que esse consumo, a experiência judiciária isso nos tem revelado, veio a aumentar a violência e a criminalidade, sendo a causa, entre outros, de crimes de furto, roubo e até de homicídio.
(…)
A ponderar ainda o que quanto a cada um dos arguidos resulta no que toca à sua personalidade, condição sócio-económica, percurso de vida, inclusão social, familiar e laboral (ou sua ausência), toxicodependência e postura face à problemática criminal em apreço, resultante dos respectivos relatórios sociais e atrás firmado, que aqui se reedita, e assim, muito em resumo:
- Que o arguido AA mantinha, em liberdade, um trabalho estável, uma fonte regular de rendimentos e tinha o apoio da família de origem, habitando uma casa que era propriedade dos seus pais. Não obstante, sentia-se sobrecarregado e insatisfeito com a sua situação económica, mantinha relações desviantes e não era crítico face ao comércio de canabinóides, que também consome;
- Que a arguida BB, tem a escolaridade mínima obrigatória e hábitos de trabalho, dispondo, também ela, de um trabalho estável; partilha o exercício das responsabilidades parentais do seu filho menor (também filho do arguido AA) com os avós paternos da criança, dada a reclusão do pai, e mantém o apoio afectivo e material da mãe e da namorada; tem historial de consumos de estupefacientes, que abandonou sem que tenha realizado tratamento, e relacionava-se quer com sociabilidades convencionais quer com ligações ao universo das drogas;
(…)
A ponderar, por fim, que os arguidos não têm antecedentes criminais, o que inculca um percurso de vida até agora normativo.
Tudo visto, feita a devida ponderação, considerando o que da generalidade dos factos sobressai sobre a sua personalidade, bem como a necessidade de prevenir a prática de futuras infracções e os limites fixados na lei, o tribunal julga justo, adequado necessário e proporcional à gravidade dos factos e à culpa evidenciada:
• Um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a pena de 5 (cinco) anos de prisão;
• Um crime de branqueamento, previsto e punido pelo art. 368º-A, nºs 1, al. f) e 3 do Código Penal, a pena de 2 (dois) anos de prisão;
E, como autor material, na forma consumada e em concurso efectivo de:
• Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido nos termos das disposições conjugadas dos artigos 86.º, n.º 1, al. d), com referência aos artigos 2º, nº 1, al. an), 3º, nºs 1 e 2, al. i) e 4º, nº 1, todos do Regime Jurídico das Armas e Suas Munições (RJAM), aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23/02, a pena de 8 (oito) meses de prisão.
(…)
É o que aqui se impõe fazer no que respeita aos arguidos AA, BB e FF.
A punição do concurso de crimes é feita pela aplicação de uma pena única, a extrair de uma nova moldura penal que tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa – (art. 77º, nº 2 do Cód. Penal), ponderando-se na determinação respectiva medida concreta, conjuntamente, os factos e a personalidade do agente (nº 1 do mesmo artigo).
Assim, a moldura abstracta dos cúmulos jurídicos a efectuar têm:
- No que respeita ao arguido AA, como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares que o integram – no caso 5 anos de prisão – e, como limite máximo, a soma de todas as penas – neste caso 7 anos e 8 meses de prisão;
(…)
O elemento aglutinador dos vários crimes em concurso que vai determinar a pena única é, portanto, a personalidade do agente.
Impõe-se, por isso, a relacionação de todos os factos entre si, de forma a obter-se a gravidade do ilícito global, e depois, relacionar cada um deles, e todos, com a personalidade do agente, a fim de determinar se estamos perante uma tendência criminosa, caso em que a acumulação de crimes deve constituir uma agravante dentro da moldura proposta ou se, pelo contrário, tal cumulação é uma mera ocasionalidade que não radica na personalidade do agente.
E aqui, nota Figueiredo Dias, (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 291 e seguintes), de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
“Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.” De novo Figueiredo Dias, agora citado no Ac. do STJ de 6-03-2008, CJ (STJ) 2008, I, 249.
Nesta operação, para além de ter presente o que atrás deixamos exposto em sede de determinação da medida concreta da pena, que aqui se reedita, teremos de ter ainda em conta que, o caso em apreço tal permite concluir, que as condutas delituosas protagonizadas por cada um destes arguidos não serão reconduzíveis a uma tendência criminosa, dado o passado sem mácula criminal que apresentam.
Todavia, não deixa de neles se divisar um carácter anti-social e uma personalidade mal-formada, ainda que se não possa dissociar da problemática aditiva que todos apresentam.
Cremos com isto significar que, se o concurso não deve funcionar como agravante, também nada justifica especial benevolência.
Tudo visto, atentas as molduras penais em que aqui nos movemos, atrás referidas, entendemos que:
- A pena única a decretar no que respeita ao arguido AA se deve fixar em 6 (seis) anos de prisão;
(…)
Estas as penas únicas que, não excedendo a culpa, se mostram como a ajustada e adequada às necessidades de prevenção geral e especial que aqui se colocam no que toca aos referidos arguidos.».
O acórdão sopesou na medida justa todas as circunstâncias que militam a favor do arguido.
Assim, ponderou a inserção e o apoio familiar e profissional de que beneficia e as possibilidades de imediata integração laboral, quando em liberdade, que, no entanto, apesar de presentes antes e durante a prática dos factos por que foi condenado, não constituíram entrave ao seu cometimento, não tendo, por isso, virtualidade atenuativa de significativo relevo.
Da mesma forma que teve em consideração os seus hábitos de consumo de haxixe, mas sem lhe atribuir, como se impunha, qualquer relevo atenuativo, tanto mais quanto é certo esse hábito não depender dos proventos resultantes do tráfico a que se dedicou entre 2017 e 9 de fevereiro de 2022, quando foi detido no culminar da investigação desenvolvida pelas competentes autoridades, atividade que só pode lograr explicação pela também considerada crescente insatisfação com a respetiva situação económica, aparentemente incompatível com o tipo de vida que pretendia manter, à margem da sua habitual atividade profissional de que obtinha certos e suficientes rendimentos para satisfação das suas normais necessidades e obrigações, beneficiando ainda do apoio dos pais, que lhe facultaram a fruição da habitação onde residia, o que reforça a ilicitude e a culpa da sua atuação e as necessidades de prevenção especial, em contraponto com a ausência de antecedentes criminais registados, também ponderados a seu favor na decisão em apreço.
O mesmo se diga, como se assinala na mesma decisão, quanto à falta de interiorização pelo recorrente do desvalor das condutas associadas ao tráfico de droga, nomeadamente das ditas “drogas semi-suaves”, como se catalogou o haxixe, apesar de, como os autos evidenciam, lhe estarem igualmente associadas outras práticas delituosas e uma quase inevitável evolução para o consumo e o tráfico das chamadas “drogas duras”, como a cocaína, a cujo consumo e tráfico acabou também por se dedicar.
Evolução da qual decorreu o aumento exponencial das exigências de prevenção geral associadas a essa atividade, pelo incremento do alarme social, mais ainda num contexto social circunscrito a uma ilha pequena, como é a do ..., pelos efeitos devastadores que provoca na saúde dos consumidores, em particular dos jovens, e potenciadores da criminalidade contra o património e mesmo contra a vida e a integridade física da generalidade dos cidadãos, incluindo as atividades de branqueamento e a de detenção de armas, geradores de sentimentos de insegurança em toda a comunidade e ofensivos daqueles bens jurídicos, constitucionalmente consagrados e impositivos do dever da sua promoção e proteção estadual, também pela via do direito penal, em todas as suas dimensões e manifestações.
E valorou a sua confissão parcial dos factos, embora, como dito, sem efetiva manifestação de arrependimento, persistindo na desvalorização da gravidade das suas condutas, que não associa a práticas desvaliosas e individual e socialmente danosas.
Também não descurou a justiça relativa na punição imposta a cada um dos arguidos, em coautoria ou em autoria material, diferenciando naturalmente as penas relativas ao crime de tráfico entre si e a sua coarguida BB, que agiu, até à separação, sempre na dependência do recorrente, nunca transacionou cocaína e conseguiu, uma vez afastada do recorrente, manter-se abstinente e afastada das atividades de tráfico.
Ainda assim, no que ao crime de branqueamento concerne a sua atuação mereceu a mesma punição da do recorrente, precisamente por não se lobrigar aí justificação material bastante para qualquer diferenciação, tando mais quanto é certo que os cartões bancários utilizados pertenciam a consumidores amigos da própria coarguida, de que esta se prevaleceu para os convencer a facultar-lhe o respetivo uso, com plena consciência da respetiva finalidade.
E, ao contrário do que o recorrente alega, também foi respeitada a diferenciação entre a pena que lhe foi aplicada e aquelas aplicadas aos demais arguidos cujo nível de atuação se lhe pode equiparar, embora agravada pela natureza e caraterísticas dos produtos estupefacientes transacionados (heroína e drogas sintéticas), supostamente mais danosos e assim considerados na decisão recorrida.
Efetivamente, conforme resulta do acórdão, enquanto ao recorrente foi aplicada uma pena de 5 (cinco) anos de prisão pelo crime de tráfico, aos arguidos UUU e DDD, foram aplicadas penas de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses e 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão, respetivamente.
A medida das penas parcelares aplicadas ao recorrente, fixada, de resto, muito próximo do limite mínimo da moldura penal abstrata ou legal de cada um dos crimes pelos quais foi condenado, mostra-se adequada à intensidade do dolo direto com que atuou, ficando muito aquém do superior limite por ele consentido, bem como ao também elevado grau de ilicitude associado às respetivas condutas, conforme evidenciam a natureza dos bens jurídicos protegidos pelas normas incriminadoras e a integração dos crimes de tráfico e de branqueamento na categoria legal da criminalidade altamente organizada, nos termos do artigo 1º, al. m), do CPP.
Adequada também às fortes necessidades de prevenção geral que no caso se fazem sentir, face ao alarme social e intranquilidade comunitária associada à prática dos crimes em apreço, em especial do de tráfico, e à correspondente necessidade de proteção daqueles bens jurídicos e da manutenção e reforço da confiança comunitária na vigência das correspondentes normas jurídicas.
Além de se mostrar justa, seja por referência às penas aplicadas aos demais arguidos que com ele atuaram em coautoria ou em autoria individual e em circunstâncias semelhantes, seja à luz do referencial jurisprudencial do STJ, como adiante se exemplificará.
Por essas razões e também em função da ponderação do acima referido critério específico para determinação da pena única correspondente ao concurso de crimes praticados pelo recorrente, nos termos do artigo 77º, n.º 1, do CP, ou seja, o de avaliar em conjunto e na sua unidade relacional os factos praticados e a personalidade do arguido neles projetada e por eles refletida, no sentido de detetar sinais de uma “tendência ou mesmo carreira criminosa”, ou uma mera “pluriocasionalidade”, como se considerou no acórdão recorrido ser o caso do recorrente, embora assinalando a não interiorização do desvalor das suas condutas, se percebe e justifica a opção da decisão recorrida na maior e menor compressão do remanescente da soma material das penas em concurso relativamente ao limite mínimo da pena conjunta, em conformidade com o disposto no artigo 77º, n.º 2, do CP, que no caso do recorrente se fixou ligeiramente acima do 1/3 (aproveitamento de 1 (um) ano, no remanescente de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses), semelhante mas, ainda assim, um tudo nada inferior à da sua coarguida BB, a quem foi imposta uma pena única de 3 (três) anos, numa moldura legal entre 2 (dois) anos e 2 (dois) meses e 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses.
Tudo, por conseguinte, no sentido de se poder afirmar que o acórdão recorrido se mostra bem fundado e que, em face das finalidades das penas, em particular das elevadas exigências de prevenção geral e, em menor medida, também de prevenção especial, que no caso se fazem sentir, sob pena de postergação da proteção dos bens jurídicos que com as incriminações se pretendem acautelar, já antes mencionados, as referidas penas de prisão, parcelares e única, aplicadas ao arguido, são justas, adequadas e fixadas de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade, sem ultrapassar a medida da sua culpa.
Mostram-se, além disso, muito mais próximas do limite mínimo do que do limite máximo ou sequer médio das correspondentes molduras abstratas ou legais e em sintonia com os habituais parâmetros do STJ para situações equivalentes, como pode ver-se, com as naturais diferenças decorrentes do número e natureza de alguns dos crimes, da situação pessoal dos arguidos, anterior, contemporânea e posterior aos factos, nos acórdãos de 24.04.2024, proferido no processo n.º 781/21.8PDAMD.L1.S1, e de 23.05.2024, proferido no processo 10/20.1PJSNT.L1.S1, relatados pelo do presente, e outros neles referenciados 7.
Mantendo-se inalteradas as penas aplicadas ao recorrente no acórdão recorrido, situando-se a pena única acima dos 5 (cinco) anos de prisão, prejudicada fica a apreciação da sua pretensão no sentido da suspensão da respetiva execução, por não verificação do correspondente pressuposto formal estabelecido no artigo 50º, n.º 1, do CP.
IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em:
a) Negar provimento ao recurso do arguido AA e manter o acórdão recorrido;
b) Condenar o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) UC (cfr. artigos 513º do CPP e 8º, n.º 9, do RCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02 e Tabela III anexa), ressalvado eventual benefício de apoio judiciário.
Lisboa, d. s. c.
(Processado e revisto pelo relator)
João Rato (relator)
Leonor Furtado (1ª adjunta)
Celso Manata (2º adjunto)
_______
1. Cfr. artigo 412º do Código de Processo Penal (CPP) e, na doutrina e jurisprudência, as correspondentes anotações de Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, de António Henriques Gaspar et al., 2021 - 3ª Edição Revista, Almedina.
Tudo sem prejuízo, naturalmente, da necessária correlação e interdependência entre o corpo da motivação e as respetivas conclusões, não podendo nestas acrescentar-se o que não encontre arrimo naquele e sendo irrelevante e insuscetível de apreciação e decisão pelo tribunal de recurso qualquer questão aflorada no primeiro sem manifestação nas segundas, não podendo igualmente, salvo as de conhecimento oficioso, conhecer-se de questões novas não colocadas nem consideradas na decisão recorrida, como se afirmou no acórdão deste STJ, de 23.11.2023, proferido no processo n.º 687/23.6YRLSB.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, disponível em .
2. Em anotação ao artigo 205º da “Constituição da República Anotada”, Volume II, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2010.
3. Cfr. Henriques Gaspar e Inês Ferreira Leite e Paulo Pinto de Albuquerque em anotação aos artigos 97º e 119º a 123º do CPP, respetivamente, no “Código de Processo Penal Comentado”, de António Henriques Gaspar, [et al], 3ª Edição Revista, Almedina 2021, e no “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos”/ org. [de] Paulo Pinto de Albuquerque, Lisboa, UCP Editora, 2023, 2º Vol.
4. Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do STJ, de 29.02.2024, proferido no processo n.º 1048/22.0PCBRG.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, e de 11.08.2023, proferido no processo n.º 813/18.7JABRG.G1.S1, relatado pelo Conselheiro Orlando Gonçalves, ambos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.
5. Para maiores desenvolvimentos, pode ver-se Adelino Robalo Cordeiro, in “A Determinação da Pena”, Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal – Alterações ao Sistema Sancionatório e Parte Especial, Volume II, Centro de Estudos Judiciários , Lisboa 1998, a pp. 30 a 54, na esteira de Figueiredo Dias, em Direito Penal 2, Parte Geral – As consequências Jurídicas do Crime.
6. Conforme ponto IV do sumário publicado do acórdão de 8.11.2023, proferido no processo n.º 808/21.3PCOER.L1.S1, relatado Pela Conselheira Ana Barata Brito, sem prejuízo, naturalmente, da amplitude sindicante dos tribunais de recurso, quando, ainda assim, concluam pela injustiça da pena, por desproporcional ou desnecessidade, como se afirmou, v. g., no acórdão do STJ, de 14.06.2007, proferido no processo n.º 07P1895, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, ambos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.
7. Ambos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.