REFORMA DE ACÓRDÃO
VALOR DA AÇÃO
COLIGAÇÃO ATIVA
CONDENAÇÃO EM CUSTAS
Sumário


I - A reclamante, que através do incidente de verificação do valor da causa visava, no fundo, garantir que a cada um das seis ações coligadas pendentes fosse fixado, a esse título, um montante superior a 30.000,01 €, com as consequências legais ao nível do recurso ordinário de revista [números 1 dos artigos 629.º e 671.º do NCPC], logrou consegui-lo apenas relativamente a duas, muito embora tenha também obtido o aumento do valor das outras quatro, que, contudo, se revelou insuficiente para os descritos propósitos, por não ter ultrapassado, quanto a elas, a alçada dos tribunais da relação.
II - Deve ser a primeira regra do número 1, em conjugação com o número 2 do artigo 527.º do CPC/2013, que deve ser aqui aplicada, ou seja, a da causalidade mensurada pelo decaimento, na proporção em que terá ocorrido, pois o referido incidente de verificação do valor da causa não apenas foi motivado pela forma como os Autores se posicionaram na sua Petição Inicial quanto a essa matéria, como sempre contou com a sua expressa discordância, nas duas instâncias, a qualquer alteração do valor das ações por eles originalmente avançado [não equivalendo o seu silêncio nas contra-alegações da revista, a uma aceitação das teses da Ré ou à sua não oposição às mesmas.]
III - A circunstância de haver revistas cruzadas e de os dois novos valores assacados às ações de duas das Autoras também beneficiarem estas últimas não possui a virtualidade de modificar o raciocínio deixado exposto, que seria precisamente o mesmo, ainda que nenhum dos demandantes tivesse interposto simultaneamente recurso de revista excecional ou ordinária.
IV - Não obstante a recorrente não ter visto ser acolhido o seu primeiro pedido [interesses imateriais], viu ser atendido, ainda que parcialmente, o seu pedido subsidiário, devendo a tributação dos autos incindir sobre essa segunda realidade processual.
V - Nessa medida, há que reformar a decisão do Acórdão este STJ de 5/6/2024, quanto à condenação em custas a cargo da Recorrente, que passará a ter apenas a responsabilidade de 4/6, por referência às quatro ações onde não obteve o total vencimento [resultado] perseguido com o mencionado incidente e na proporção de tal decaimento [sendo os respetivos Autores responsáveis pela restante proporção], recaindo a total responsabilidade dos outros 2/6 sobre as outras duas Autoras, onde existiu verdadeiro decaimento por parte das mesmas.

Texto Integral

Revista n.º 28988/21.0T8LSB.L1.S1 (4.ª Secção) [PEDIDO DE REFORMA DE CUSTAS]

Recorrente: T..., S.A.

Recorridos: AA E OUTROS

(Processo n.º 28988/21.0T8LSB - Tribunal Judicial da Comarca de ... -Juízo do Trabalho de ... - Juiz ...)

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

I.RELATÓRIO

1. AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ e KK intentaram, no dia 6/12/2021, ação declarativa sob a forma de processo comum contra T..., S.A., formulando os seguintes pedidos:

“Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exa. doutamente suprirá deverá a presente ação ser julgada procedente e consequentemente:

a. Ser considerada nula a justificação aposta ao contrato de trabalho dos Autores, e serem os mesmos considerados como contratos de trabalho sem termo, nos termos do artigo 147.º/1, a), b) e c) do CT;

b. Ser declarado ilícito o despedimento de cada um dos Autores, conforme artigo 381.º, c) e segs. do CT, por não ter sido precedido de processo disciplinar, nem integrar qualquer uma das formas lícitas de resolução do contrato e, em consequência ser a Ré condenada a:

I - Reintegrar os Autores no seu posto de trabalho com a categoria de CAB I e antiguidade nessa categoria reportada à data de início dos seus contratos, ou categoria mais elevada se lhes couber à data da decisão do Tribunal, conforme n.ºs 1 e 3 da cláusula 4.ª e n.ºs 1 e 2 da cláusula 5ª do Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina e nos termos do artigo 393.º/2, b), do CT;

II - A pagar aos Autores as retribuições intercalares, incluindo subsídios de Natal e de férias, que estes deixaram de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado, com exclusão das remunerações relativas ao período que decorreu entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da ação nos termos do artigo 393.º, n.º 2, a) do CT.

III - A pagar aos Autores a retribuições intercalares a Garantia Mínima, que é parte integrante do seu salário base (Cláusula 5.ª do RRRGS – “Garantia Mínima”), que estes deixaram de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado, com exclusão das remunerações relativas ao período que decorreu entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da ação nos termos do artigo 393.º, do CT, e que deverá ser calculada de acordo com a Cláusula 5.ª do RRRGS – “Garantia Mínima”;

IV - Seja a Ré condenada a pagar aos Autores as diferenças salariais devidas a título de salário base, verificadas em virtude da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início dos seus contratos de trabalho, nos termos do artigo 389.º/1, a) do CPC que, sem prejuízo da necessidade de recorrer a incidente de liquidação que se possa revelar necessário, são as seguintes, acrescidas de juros desde a data de citação:

a) Ao Autor AA o valor de € 7.401,77 (sete mil quatrocentos e um euros e setenta e sete cêntimos) ilíquidos;

b) […]

c) À Autora BB o valor de € 7.401,77 (sete mil quatrocentos e um euros e setenta e sete cêntimos) ilíquidos ;

d) Ao Autor GG o valor de € 7.401,77 (sete mil quatrocentos e um euros e setenta e sete cêntimos) ilíquidos;

e) [...]

f) À Autora FF o valor de € 10.023,61 (dez mil e vinte e três euros e sessenta e um cêntimos) ilíquidos

g) À Autora EE o valor de € 10.023,61 (dez mil e vinte e três euros e sessenta e um cêntimos) ilíquidos;

h) […]

i) À Autora II o valor de € 7.558,17 (sete mil quinhentos e cinquenta e oito euros e dezassete cêntimos) ilíquidos;

j) […]

k) […]

V - Seja a Ré condenada a pagar aos Autores as diferenças salariais devidas a título de ajuda de custo complementar, que os Autores deixaram de auferir fruto da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início dos seus contratos de trabalho e até ao final da relação laboral, nos termos do artigo 389.º/1, a) do CPC, e por isso, sem prejuízo de eventual incidente de liquidação quanto aos montantes vincendos aos Autores que respeite, são as seguintes, acrescidas de juros desde a data de citação:

a) Ao Autor AA o valor de € 10.113,06 (dez mil cento e treze euros e seis cêntimos) ilíquidos;

b) […]

c) À Autora BB o valor de € 9 948,62 (nove mil novecentos e quarenta e oito euros e sessenta e dois cêntimos) ilíquidos;

d) Ao Autor GG o valor de € 11.510,80 (onze mil quinhentos e dez euros e oitenta cêntimos) ilíquidos;

e) […]

f) À Autora FF o valor de € 17.307,31 (dezassete mil trezentos e sete euros e trinta e um cêntimos) ilíquidos;

g) À Autora EE o valor de € 17.636,19 (dezassete mil seiscentos e trinta e seis euros e dezanove cêntimos) ilíquidos;

h) […]

i) À Autora II o valor de € 10.565,27 (dez mil quinhentos e sessenta e cinco euros e vinte e sete cêntimos) ilíquidos;

j) […]

k) […]

VI – Seja a Ré condenada a cada um dos Autores, indemnização por danos não patrimoniais em valor a arbitrar pelo tribunal, mas nunca inferior a € 2.000,00 (dois mil euros), por cada um deles;

VII - Ser a Ré condenada no pagamento de juros de mora vencidos e vincendos, sobre todas as quantias peticionadas, vencidas, vincendas e, também, sobre as que resultarem, eventualmente, da aplicação do disposto no artigo 74.º do CT, desde a data da citação e até total a integral pagamento;

Se assim não se entender, subsidiariamente:

[…]

IV – […]

Ainda, se assim também não se entender, subsidiariamente:

[…]

IV – […]” [1]/[2]

2. Citada, a Ré contestou, suscitando, além do mais, incidente de verificação do valor da causa.

Os Autores responderam ao incidente, tendo-se oposto ao mesmo e defendido o valor das ações coligadas pelos mesmos indicado na sua Petição Inicial.

Na mesma data foi proferido despacho saneador, que julgando improcedente o incidente suscitado pela Ré, fixou à ação “o valor global de € 199 054,80, sendo o valor a considerar por cada um dos autores coligados:

AA: € 19.514,83;

CC: € 19.843,71;

BB: € 19.350,39;

GG: € 20.912,57;

FF: € 29.330,92;

EE: € 29.659,80;

II: € 20.123,44.”

3. A Ré interpôs recurso autónomo de apelação de tal despacho saneador, por referência, entre outras questões em que decaiu, a tal decisão do incidente de verificação do valor da causa, vindo a Autora CC responder às alegações da T... em moldes similares aos antes apresentados [manutenção do valor da ação fixado no aludido despacho saneador].

Este recurso veio a ser, posteriormente, integrado no recurso de Apelação da sentença final,

4. Foi realizada a audiência de julgamento.

Em 11.10.2022 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

Destarte, julga-se parcialmente procedente a presente ação e, em consequência:

a) Declara-se a nulidade da cláusula de termo aposta nos contratos de trabalho celebrados entre cada um dos Autores AA, BB, GG, EE, FF e II e a Ré e, consequentemente, consideram-se sem termo os respetivos contratos;

b) Declara-se ilícito o despedimento de que os Autores AA, BB, GG, EE, FF e II foram alvo;

c) CONDENA-SE a Ré T..., S.A., a reintegrar cada um dos referidos Autores AA, BB, GG, EE, FF e II no seu posto de trabalho com a antiguidade que lhes couber em face do início da sua relação laboral com a ré, assim como com a inerente antiguidade à data do trânsito da presente decisão conforme n.ºs 1 e 3 da cláusula 4.ª e n.ºs 1 e 2 da cláusula 5.ª do Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina;

d) CONDENA-SE a Ré pagar a cada um dos Autores AA, BB, GG, EE, FF e II as quantias, a liquidar, relativas às retribuições – incluindo férias, subsídios de férias e subsídios de Natal – devidas desde o 30.º dia anterior à data da propositura da presente ação até à data do trânsito em julgado da presente decisão, acrescidas de juros, à taxa legal de 4%, desde o vencimento de cada uma dessas prestações e até integral pagamento (descontadas das importâncias que os autores tenham obtido com a cessação do contrato e que não receberiam se não fosse o despedimento e do subsídio de desemprego atribuído no referido período, a entregar pelo empregador à segurança social).

e) CONDENA-SE a Ré a pagar aos Autores AA, BB, GG, EE, FF e II as quantias, a apurar em incidente de liquidação, respeitantes às diferenças salariais entre os montantes que os mesmos auferiram como CAB início e CAB 0 e os valores que deveriam ter auferido como CAB 1 com a posterior progressão.

f) CONDENA-SE a Ré a pagar aos Autores AA, BB, GG, EE, FF e II as quantias, a apurar em incidente de liquidação, relativas às diferenças registadas a título de ajuda de custo complementar (“per diem”) que os mesmos auferiram como CAB início e CAB 0 (enquanto contratados a termo) e os valores que deveriam ter auferido como CAB 1 e posterior progressão (enquanto trabalhadores sem termo).

g) Absolve-se a Ré do demais peticionado.”

5. A Ré interpôs recurso de apelação.

Os Autores interpuseram recurso subordinado.

Por acórdão de 26.06.2023, o Tribunal da Relação julgou:

“a) Totalmente improcedente o recurso interposto pela Ré da decisão proferida quanto à alegada exceção da compensação e quanto ao incidente do valor da causa;

b) Parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré da sentença e revoga as alíneas e) e f) da parte decisória;

c) Procedente o recurso interposto pelos autores e condena a Ré a pagar a cada um deles, em sede de retribuições intercalares, designadamente o montante de 15 garantias mínimas por cada mês.

No resto confirma-se a, aliás, douta sentença recorrida.

6. Os Autores vieram requerer a reforma do acórdão, invocando a nulidade por contradição, e interpor recurso de revista excecional.

Os Autores requereram ainda o julgamento ampliado.

Por acórdão de 20.12.2023, o Tribunal da Relação indeferiu o pedido de reforma e julgou improcedente a nulidade.

A Ré interpôs recurso de revista nos termos gerais.

Os Autores apresentaram contra-alegações mas não se pronunciaram sobre a questão do valor da ação.

Por despacho de 10.02.2024, o Tribunal da Relação admitiu os recursos de revista.

7. Neste STJ, pelo Relator foi proferido o seguinte despacho liminar, não objeto de impugnação:

Preenchidos todos os seus legais pressupostos, verifica-se a admissibilidade do recurso de revista interposto pela Ré quanto à questão do valor da causa.

Quanto ao remanescente do recurso da Ré e quanto ao recurso dos Autores não está verificado o pressuposto do valor da causa (o valor da causa de cada uma das ações conexas é inferior ao valor da alçada do Tribunal da Relação).

Porém, estando pendente recurso quanto ao valor da causa, a admissibilidade dos restantes recursos deverá aguardar a decisão do primeiro recurso.

Se o recurso do valor da ação for julgado improcedente, o recurso de revista dos Autores e o remanescente do recurso da Ré não deverão ser admitidos por não estar verificado o referido pressuposto.

Caso o referido recurso for procedente e o valor da causa for fixado para cada uma das ações conexas em valor superior a 30.000,00 €, deverão ser admitidos o remanescente do recurso da Ré e o recurso dos Autores.

Assim, e para já, admite-se o recurso de revista interposto pela Ré quanto à questão do valor da causa”.

8. O Ministério Público, em 29/4/2024, emitiu Parecer no sentido da improcedência da revista, não tendo as partes se pronunciado sobre o mesmo, dentro do prazo legal.

9. Este Supremo Tribunal de Justiça veio a prolatar, com data de 5 de junho de 2024, Aresto, onde decidiu, a final, nos seguintes moldes:

«Pelo exposto, acorda-se em conceder parcialmente a revista, fixando-se, em relação a cada um das ações conexas, os seguintes valores:

- Na ação do Autor AA: 23.915,83 € (19.514,83 + 4.401,00);

- Na ação da Autora BB: 23.751,39 € (19.350,39 + 4.401,00);

- Na ação do Autor GG: 25.313,57 € (20.912,57 + 4.401,00);

- Na ação da Autora FF: 35.198,92 € (29.330,92 + 5.868,00);

- Na ação da Autora EE: 35.527,80 € (29.659,80 + 5.868,00);

- Na ação da Autora II: 25.991,44 € (20.123,44 + 5.868,00).

Custas pela Recorrente.»

10. Notificada de tal Acórdão, veio a recorrente pedir a reforma do mesmo quanto a custas nos seguintes termos:

«T..., S.A. (“T...”), RECORRENTE nos autos acima identificados, tendo sido notificada do Acórdão proferido em 06.06.2024, vem, muito respeitosamente, nos termos do disposto no artigo 616.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (“CPC”), requerer a respetiva REFORMA QUANTO A CUSTAS, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

1. A RECORRENTE interpôs recurso de revista do Acórdão proferido pela Relação de Lisboa no dia 28.06.2023, o qual confirmava a decisão do Despacho Saneador, de 22.04.2022, que concluiu pela improcedência do incidente do valor da causa deduzido pela RECORRENTE, que foi fixado em € 199.054,80 (cento e noventa e nove mil, cinquenta e quatro euros e oitenta cêntimos).

2. Nas conclusões do seu recurso de revista, a RECORRENTE veio arguir que o pedido dos AUTORES não se esgotava no pagamento das diferenças salariais alegadamente devidas pela RECORRENTE, devendo ainda ter-se em conta os pedidos imateriais dos AUTORES, pois “tais pedidos, concretos e autónomos, detém, naturalmente, uma utilidade económica distinta daquela que respeita à pretensão dos Autores de verem reconhecidos os seus créditos sobre a ora RECORRENTE. I. Utilidade essa que, não sendo suscetível de avaliação pecuniária (…) Ao invés se impondo, em cumprimento do preceituado no artigo 303.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi os artigos 1.º, n.º 2, alínea a), e 49.º, n.º 2 do CPT, a fixação do seu respetivo valor no montante mínimo de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo)”.

3. Subsidiariamente, a RECORRENTE argumentou que ao valor da ação deveria ser somado o valor dos pedidos de reintegração, que corresponderia ao valor que teria a indemnização em sua substituição, e dos pedidos relativos aos salários intercalares liquidáveis até ao momento da propositura da ação.

4. O douto Acórdão proferido em 06.06.2024 julgou parcialmente procedente o recurso em causa, dado que determinou que ao valor de cada uma das ações conexas devia ser acrescentado o valor dos pedidos de reintegração, designadamente as quantias relativas a indemnização de antiguidade à data da propositura da ação, tendo o valor de duas das seis ações sido fixado em valor superior a € 30.000,01:

Decisão

Pelo exposto, acorda-se em conceder parcialmente a revista, fixando-se, em relação a cada uma das ações conexas, os seguintes valores:

- na ação do Autor AA: 23.915,83 € (19.514,83 + 4.401,00);

- na ação da Autora BB: 23.755,39 € (19.350,39 + 4.401,00);

- na ação do Autor GG: 23.313,57 € (20.912,57 + 4.401,00);

- na ação da Autora FF: 35.198,92 € (29.330,92 + 5.868,00);

- na ação da Autora EE: 35.527,80 € (29.559,80 + 5.868,00);

- na ação da Autora II: 25.991,44 € (20.123,44 +5.868,00).”.

5. Destarte, cotejando, por um lado, o pedido da RECORRENTE no recurso de revista – no sentido de que o valor da causa deveria ser fixado em € 30.000,01 – e, por outro, a decisão do douto Tribunal – que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela RECORRENTE, ao determinar que ao valor de cada ação devia acrescer o valor dos pedidos de reintegração, o que levou a que fosse fixado um valor superior a € 30.000,01 para duas das ações conexas,

6. Resulta claro que a RECORRENTE obteve provimento parcial do seu recurso.

7. Sucede, contudo, que, no douto Acórdão sub judice, o Tribunal condenou a RECORRENTE na totalidade das custas.

8. Ora, tal condenação não está, com a devida vénia, conforme a lei.

9. Como decorre de forma clara do disposto no n.º 1 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue a ação condena em custas “a parte que a elas houver dado causa, ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito”, entendendo-se, como o explicita o n.º 2 do mesmo artigo, que dá causa às custas do processo “a parte vencida, na proporção em que for”.

10. Reconhece-se que a base da responsabilidade pelas custas assenta num princípio de causalidade: paga as custas quem lhes dá causa.

11. Nas palavras de ALBERTO DOS REIS, “[p]orque o processo é um aparelho necessário, mas perigoso, que não se põe em movimento sem lesar alguém e, em primeiro lugar, sem ocasionar despesas, segue-se naturalmente que deve suportá-las aquele que as ocasiona. A raiz da responsabilidade está, pois, na relação causal entre o dano e a atividade de um homem[3]1.

12. E o critério para determinar quem dá causa à ação, incidente ou recurso prescinde, em princípio, nas palavras de LEBRE DE FREITAS, de “qualquer indagação autónoma: dá-lhe causa quem perde[4]2, ficando vencido quem na causa não viu os seus interesses satisfeitos, total ou parcialmente.

13. O n.º 2 do artigo 527.º, do CPC enuncia, ainda, o princípio da proporcionalidade, na medida em que “[s]e o êxito for apenas parcial, o encargo das custas é repartido entre ambas as partes, na proporção em que cada uma tenha ficado vencida[5]3.

14. Pelo que, na condenação em custas, verifica-se a necessidade de se avaliar a sucumbência das partes.

15. Segundo ALBERTO DOS REIS, a sucumbência afere-se através do seguinte critério: “a equação entre o pedido que a parte formulou ou entre a pretensão que deduziu em juízo e a rejeição que encontrou por parte do tribunal. Sucumbência quer dizer insucesso; ora o insucesso mede-se e gradua-se pelos termos em que a decisão jurisdicional tenha deixado de acolher a pretensão da parte. Sucumbe em juízo o litigante que não conseguir obter decisão favorável à sua pretensão, e sucumbe na medida em que a decisão lhe foi desfavorável[6] (destaques nossos).

16. No mesmo sentido também já se pronunciou a jurisprudência dos tribunais judiciais, referindo, a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 10.09.2020 (proferido no processo n.º 1934/16.6T8VCT.G1.S1), que “a regra geral da responsabilidade pelo pagamento das custas assenta, a título principal, no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual, sendo aquele indiciado pelo princípio da sucumbência, pelo que deverá pagar as custas a parte vencida, na respetiva proporção” [7] 5.

17. Ora, no processo em epígrafe, como se referiu supra, a RECORRENTE obteve uma decisão parcialmente favorável, uma vez que parte do seu pedido subsidiário – que se atendesse ao valor dos pedidos de reintegração no cálculo do valor da ação – foi julgado procedente pelo douto Tribunal, o que levou a que fosse fixado um valor superior a € 30.000,01 para duas das seis ações conexas.

18. Nesta medida, e uma vez que o critério legal para a repartição das custas decorre do princípio da causalidade e da sucumbência, atribuindo-se a responsabilidade pelo pagamento das custas à parte vencida, quer a RECORRENTE (que defendeu que o valor da causa deveria ser fixado em € 30.000,01), quer os RECORRIDOS (que pugnaram pela manutenção do valor da causa tal como foi fixado em 1.ª e 2.ª instância), obtiveram uma decisão parcialmente desfavorável, pelo que ambos terão de ser condenados no pagamento das custas, proporcionalmente.

19. Por conseguinte, a repartição das custas entre a RECORRENTE e os RECORRIDOS deveria ter sido decidida na proporção do seu decaimento, i.e., 4/6 e 2/6, respetivamente.

20. Obedecendo-se, deste modo, à regra geral do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, que determina que a parte vencida deve ser condenada em custas, na proporção do seu decaimento.

21. Em face do exposto, requer-se, muito respeitosamente, nos termos do disposto no artigo 616.º, n.º 1, do CPC, a reforma do Acórdão proferido a 06.06.2024, quanto à condenação da RECORRENTE na totalidade das custas, no sentido da sua substituição por uma decisão de condenação dos RECORRIDOS no pagamento de 2/6 (dois sextos) das custas e da RECORRENTE em 4/6 (quatro sextos) das custas.

Termos em que requer a V. Ex.as se dignem reformar o Acórdão quanto a custas, revogando a decisão de condenação da RECORRENTE na totalidade das custas e substituindo-a por outra que reparta as custas entre RECORRENTE e RECORRIDOS na proporção do respetivo decaimento, a saber, 4/6 e 2/6, respetivamente.»

11. O Recorrido não veio responder dentro do prazo legal de 10 dias a tal pedido de reforma quanto a custas.

12. Cumpre decidir.


*

13. Ora , tendo em atenção, por um lado, o disposto nos artigos 613.º, número 2, 616.º, 617.º, 666.º e 685.º do CPC/2013, quando à admissibilidade do pedido de reforma quanto a custas formulado pela recorrente e, por outro, ao estatuído no artigo 527.º do mesmo diploma legal, quando define a regra geral em matéria de custas, importa realçar, desde logo, que o valor global da presente causa – como o de cada uma das ações coligadas - não se mostrava definitivamente estabelecido, até à prolação por este Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão de 5/6/2024.

Verifica-se, com efeito, que os Autores no final da sua Petição Inicial vieram indicar valores parciais e totais [cf. Nota de Rodapé n.º 1] que nunca foram aceites pela Ré – ainda que no toca às transações judiciais feitas com cinco dos onze Autores que propuseram esta ação, as tenham concluído em termos tributários por referência a valores substancialmente inferiores aos alegados pelos demandantes e defendidos pela demandada -, tendo aquela, para o efeito, suscitado o respetivo incidente de verificação do valor da ação.

Foi aliás fixado, no quadro de tal incidente suscitado pela T... e por força do seu indeferimento, o valor global da causa em € 199.054,80, por despacho que, no entanto, nunca transitou em julgado, dado a Ré não se ter conformado com o seu teor, nem depois com a sua confirmação pelo Tribunal da Relação de Lisboa, discordância essa que, finalmente, chegou a este Supremo Tribunal de Justiça e que foi julgada pelo aludido Aresto de junho de 2024.

Aí a recorrente viu mais uma vez ser rejeitada a sua pretensão de, com base no regime jurídico do artigo 313.º do CPC/2013 e da natureza imaterial dos interesses que estavam subjacentes de algumas das pretensões formuladas pelos Autores, ver o valor de cada uma das ações coligadas ser acrescentado com aquele correspondente à alçada dos tribunais da relação, mas deferido o pedido subsidiário deduzido no sentido de ser considerado para aquele mesmo efeito os pedidos de reintegração dos Autores e que foram quantificados nos termos da indemnização por antiguidade, que o legislador equipara aquela e pela qual permite ao trabalhador ilicitamente despedido optar, em substituição da reintegração.

A aqui reclamante, que através do incidente de verificação do valor da causa visava, no fundo, garantir que a cada um das seis ações coligadas pendentes fosse fixado, a esse título, um montante superior a 30.000,01 €, com as consequências legais ao nível do recurso ordinário de revista [números 1 dos artigos 629.º e 671.º do NCPC], logrou consegui-lo apenas relativamente a duas, muito embora tenha também obtido o aumento do valor das outras quatro, que, contudo, se revelou insuficiente para os descritos propósitos, por não ter ultrapassado, quanto a elas, a alçada dos tribunais da relação.

Tendo como pano de fundo o disposto no artigo 527.º do NCPC, poder-se-ia discutir aqui se a condenação das partes em custas, no caso concreto em apreço, deveria seguir o critério do vencimento ou decaimento ou antes do proveito extraído pelas mesmas da decisão judicial recorrida, dado que a modificação do valor das aludidas duas ações para quantias que extravasam os 30.001,00 € beneficia não apenas a Ré recorrente mas também aqueles dois recorridos, que, dessa forma, veem reforçada a possibilidade de ver os seus recurso de revista excecional serem também admitidos por este STJ.

Afigura-se-nos, no entanto, que deve ser a primeira regra do número 1, em conjugação com o número 2 do artigo 527.º do CPC/2013, que deve ser aplicada, ou seja, a da causalidade mensurada pelo decaimento, na proporção em que terá ocorrido, pois o referido incidente de verificação do valor da causa não apenas foi motivado pela forma como os Autores se posicionaram na sua Petição Inicial quanto a essa matéria, como sempre contou com a sua expressa discordância, nas duas instâncias, a qualquer alteração do valor das ações por eles originalmente avançado [não equivalendo o seu silêncio nas contra-alegações da revista, a uma aceitação das teses da Ré ou à sua não oposição às mesmas.]

A circunstância de haver revistas cruzadas e de os dois novos valores assacados às ações das Autora FF [35.198,92 € (29.330,92 + 5.868,00)] e da Autora EE [35.527,80 € (29.559,80 + 5.868,00)] também beneficiarem estas últimas não possui a virtualidade de modificar o raciocínio deixado exposto, que seria precisamente o mesmo, ainda que nenhum dos demandantes tivesse interposto simultaneamente recurso de revista excecional ou ordinária.

Pensamos que a recorrente, não obstante não ter visto ser acolhido o seu primeiro pedido [interesses imateriais], viu ser atendido, ainda que parcialmente, o seu pedido subsidiário, nos moldes antes descritos, devendo a tributação dos autos incindir sobre essa segunda realidade processual.

14. Sendo assim, defere-se a presente reclamação da Ré visando a reforma do Acórdão proferido em 5/6/2024, quanto à condenação em custas do mesmo constante, atentos os fundamentos expostos na fundamentação deste aresto.

Nessa medida, acorda-se em reformar tal decisão quanto à condenação em custas a cargo da Recorrente, que passará a ter apenas a responsabilidade de 4/6, por referência às quatro ações onde não obteve o total vencimento [resultado] perseguido com o mencionado incidente e na proporção de tal decaimento [sendo os respetivos Autores responsáveis pela restante proporção], recaindo a responsabilidade total dos outros 2/6 sobre as acima identificadas Autoras, onde existiu verdadeiro decaimento por parte das mesmas.

Este Aresto, no que toca ao deferimento da reforma da condenação em custas, passa a fazer parte integrante do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 5 de junho de 2024.

Notifique.

Lisboa, dia 25 de setembro de 2024

José Eduardo Sapateiro [Juiz-Conselheiro Relator]

Júlio Gomes [Juiz Conselheiro Adjunto]

Domingos José de Morais [Juiz Conselheiro Adjunto]

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1. Pode ainda ler-se no final da Petição Inicial dos Autores:

«Valor da causa por Autor:

AA – € 19.514,83 (dezanove mil quinhentos e catorze euros e oitenta e três cêntimos);

CC - € 19.843,71 (dezanove mil oitocentos e quarenta e três euros e setenta e um cêntimos);

BB - € 19.350,39 (dezanove mil trezentos e cinquenta euros e trinta e nove cêntimos);

GG - € 20.912,57 (vinte mil novecentos e doze euros e cinquenta e sete cêntimos);

DD - € 20.159,74 (vinte mil cento e cinquenta e nove euros e setenta e quatro cêntimos);

FF - € 29.330,92 (vinte e nove mil trezentos e trinta euros e noventa e dois cêntimos);

EE - € 29.659,80 (vinte e nove mil seiscentos e cinquenta e nove euros e oitenta cêntimos);

HH - € 29.258,17 (vinte e nove mil duzentos e cinquenta e oito euros e dezassete cêntimos;

II - € 20.123,44 (vinte mil cento e vinte e três euros e quarenta e quatro cêntimos);

JJ - € 19 753,45 (dezanove mil setecentos e cinquenta e três euros e quarenta e cinco cêntimos;

KK - € 14 653,42 (catorze mil seiscentos e cinquenta e três euros e quarenta e dois cêntimos).

Valor Global da Causa - € 282.879,58 (duzentos e oitenta e dois mil oitocentos e setenta e nove euros e cinquenta e oito cêntimos).»↩︎

2. Por sentenças de 10.04.2022 foram homologadas as transações celebradas entre as Autoras DD, JJ, KK e HH e a Ré.

Por sentença de 20.07.2022 foi homologada a transação celebrada entre a Autora CC e a Ré.↩︎

3. «JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, Vol. II, Coimbra, 1981, p. 201.» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO, COM O NÚMERO 1.↩︎

4. «JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2022, p. 419.» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO, COM O NÚMERO 2.↩︎

5. «Ibidem.» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO, COM O NÚMERO 3.↩︎

6. «JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, Vol. II, Coimbra, 1981, pp. 205 e 206.» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO, COM O NÚMERO 4.↩︎

7. «Disponível in www.dgsi.pt.» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO, COM O NÚMERO 5↩︎