Para efeitos do disposto no art.º 672.º, n.º 1, c), do CPC, há contradição entre acórdãos que – no domínio da mesma legislação e reportando-se a situações de facto que no essencial sejam idênticas – dão respostas diametralmente opostas quanto à mesma questão fundamental de direito.
Recorrente: VIDRALA LOGISTICS UNIPESSOAL LDA
Recorrido: AA
(Processo n.º 1466/22.3T8LRA – Tribunal Judicial da Comarca de ... -Juízo do Trabalho de ... - Juiz ...)
ACORDAM NA FORMAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 672.º, N.º 3, DO CPC, JUNTO DA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I – RELATÓRIO
1. AA intentou ação declarativa com comum laboral contra VIDRALA LOGISTICS UNIPESSOAL LDA peticionando o seguinte:
“Termos em que deve a presente ação ser julgada procedente por provada e a Ré condenada a
a) Ser a Ré condenada a pagar ao seu trabalhador e ora Autor a título de créditos laborais já vencidos na importância 33128,52€ (trinta e três mi cento e vinte e oito euros e cinquenta e dois cêntimos;
d) Ser a Ré condenada no pagamento nas prestações pecuniárias que se vencerem até final, incluindo diferenças salariais, e
e) Ser a Ré condenada no pagamento de juros de mora à taxa legal desde a citação, até efetivo e integral pagamento”.
“Pelo exposto julgamos parcialmente procedente a presente ação pelo que condenamos a ré a pagar ao autor, a título de diferenças salariais por diuturnidades, a quantia total já vencida de € 854,73 (oitocentos e cinquenta e quatro euros e setenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Mais condeno a ré a pagar ao autor as diuturnidades de acordo com o estabelecido no CCTV aplicável ao setor, tendo o autor, no momento, direito a 2 diuturnidades no valor total de € 34,00/mês.
No mais vai a ré absolvida.
Custas por Autor e Ré na proporção dos decaimentos.
Valor da ação: € 33.128,52 (trinta e três mil euros cento e vinte e oito euros e cinquenta e dois cêntimos)
Registe e notifique.”
Por Acórdão de 24.11.2023, o Tribunal da Relação de Coimbra julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão recorrida [1].
Por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra tirado na Conferência realizada em 15.03.2024 foi considerada improcedente a nulidade arguida através do requerimento autónomo de 14.12.2023.
«1 - Resulta do douto acórdão sob censura que o recorrente não tem direito à retribuição prevista na cl.ª 61.ª do CCTV de 2018 e na Cl.ª 61.ª do CCTV de 2019, publicado no BTE n.º 34 de 15 de setembro e no BTE n.º 45 de 8 de dezembro de 2019 respetivamente, quando tal desiderato está em contradição frontal com o Acórdão proferido no processo n.º 176/22.6T8LRA.C1 da mesma secção do Tribunal da Relação de Coimbra, cuja certidão se junta e se dá por reproduzida.
2 - Com efeito, quer nos presentes autos, quer no referido acórdão fundamento transitado em julgado em que foi proferida decisão contrária à dos presentes autos, têm ambos na sua base situações materiais análogas ou equiparáveis, há uma verdadeira identidade substancial/material do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto,
3 - Ora, havendo identidade factual e acima de tudo por a questão de direito controvertida assumir um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso em cada uma das decisões, se justifica o presente recurso de revista excecional. Concretizemos,
4 - Na verdade, cfr. se demonstrará, o presente recurso é pertinente por ser impossível a coexistência de duas decisões contraditórias quando:
1.º - Está em causa a mesma realidade laboral em que o recorrente foi admitido ao serviço da Recorrida em 1 de julho de 2015 para exercer as funções de motorista profissional de pesados e o outro trabalhador sobre a qual versa o acórdão fundamento foi admitido ao serviço da mesma recorrida em 1 de novembro de 2017, para o exercício da mesma função (tal é subsumível uma vez que ganhou direito à primeira diuturnidade em novembro de 2020 - vide acórdão/ sentença em que condenou a recorrida nesse pagamento);
2.º - Em ambos os acórdãos estão em causa dois trabalhadores que exercem a mesma função e a mesma entidade patronal, sendo que esta intervém em ambas os acórdãos contraditórios como recorrida/Ré e;
3.º - Em ambos os acórdãos está em causa a mesma função exercida e levada a cabo por dois trabalhadores, motoristas de pesados, afetos ao serviço denominado de interno, e que é executada no mesmo raio geográfico e para a mesma entidade patronal, a recorrida nos presentes autos;
4.º - Em ambos os acórdãos aplicam o CCTV de 2018 e CCTV de 2019, publicados no BTE n.º 34 de 15 de setembro de 2018 e no BTE n.º 45 de 8 de dezembro de 2019 respetivamente; e
5.º - Em ambos os acórdãos se prenunciam sobre o direito ou não de cada um dos trabalhadores neles visado em receber a retribuição especifica previstas na Cl.ª 61 ª do CCTV de 2018 e no CCTV de 2019 supra. Contudo,
5 - No Acórdão fundamento, transitado em julgado, os mesmos juízes entendem que o trabalhador em causa e que exerce a mesma função do ora recorrente tem direito à retribuição especifica e prevista na Cl.ª 61.ª do CCTV de 2018 e Cl.ª 61.ª do CCTV de 2019 supra e, no acórdão ora em apreciação e sob censura entendem os mesmos Juízes desembargadores que o ora recorrente já não tem direito a tal retribuição especifica.
6 - Donde resulta que estamos de forma clamorosa perante contradição de julgados:
(i) Há evidente identidade da questão de direito sobre que incidem os acórdãos em confronto, a qual tem pressuposta a identidade dos respetivos pressupostos de facto;
(ii) Há oposição emergente de decisões expressas e não apenas implícitas;
(iii) Há oposição com reflexos no sentido da decisão tomada.
7 - Em complemento, sempre se dirá que, estão preenchidos os requisitos de recorribilidade geral, nomeadamente o da alçada, e os especiais, por neste último caso estar em causa uma questão de relevância jurídica, na exata medida em que há conflito na interpretação da Cl.ª 61.ª dos CCTV´s de 2018 e 2019, quando foi determinado no acórdão fundamento que um trabalhador que tem direito a receber o quantitativo nela previsto e no acórdão posterior em que visa outro trabalhador e ora recorrente já diz que este, ocupando a mesma função já não tem direito a tal retribuição especifica.
8 - Assim, tendo por referencia o acórdão fundamento transitado em julgado que determinou a condenação da recorrida no pagamento da Cl.ª 61.ª a um trabalhador desde 2018 até à presente data, e estando em causa o exercício da mesma função para a mesma entidade patronal, não pode subsistir dúvidas de que esta decisão conflitua com a falta de condenação da recorrida no pagamento ao ora recorrente da cláusula em causa (Cl.ª 61.ª), vertida no acórdão em reapreciação, quando tal era expetável que fosse determinado em iguais circunstâncias, modo e termos.
9 - Com a agravante de tal contradição de julgados ser geradora de particular relevância e reflexo social ao constituir uma clamorosa injustiça retributiva quer para o ora recorrente em que é penalizado financeiramente em face de um outro colega de trabalho, quer perante os demais colegas de trabalho que exercem a mesma função e que tenderá a agravar-se e a gerar alarde caso venha a persistir a coexistência de duas decisões contraditórias.
10 - Deve assim, o acórdão sob censura ser admitido e reapreciado, por verificado e preenchidos os requisitos previstos nos artigos 629.º n.º 1 e 672.º n.º 2, alíneas a),b) e c) ambos do CPC e em consequência ser substituído por decisão justa e que respeite o espirito dos CCTV outorgados entre a ANTRAN e a FESTRAN em moldes que faça prevalecer a máxima de trabalho igual, salário igual.»
8. Com relevância para o presente Aresto, há a considerar os seguintes factos:
- FACTOS PROVADOS PELO TRIBUNAL DA 1.ª INSTÂNCIA:
«1. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica ao transporte público ocasional de mercadorias e transportes público internacional rodoviário de mercadorias e logística, comércio de vidros, utilidades, porcelanas, esmaltes e análogos.
2. A sociedade “G..., S.A.” é proprietária da fábrica e dos armazéns em referência infra e é detentora da totalidade do capital social da Ré.
3. No dia 01.07.2015 a Ré, então denominada J... Unipessoal, Lda., admitiu o Autor ao seu serviço para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de motorista, através de contrato de trabalho a termo que se foi renovando no tempo.
4. A Ré tem ao seu serviço diversos motoristas que se dedicam à atividade de transporte rodoviário de mercadorias em viaturas pesadas.
5. Enquanto motorista ao serviço da Ré, o Autor faz o transporte de garrafas de vidro de e para a fábrica G..., S.A., sita em Rua ..., em ..., de e para os dois armazéns da Ré, um sito na ... e outro na ..., também em ....
6. Pelo que os transportes realizados pelo Autor são feitos no concelho de ....
7. A distância percorrida nas viagens de ida e volta referidas em 5. é de cerca de 5 km.
8. A Ré tem ao seu serviço 10 trabalhadores, entre os quais o Autor, a exercer as funções referidas em 5..
9. O Autor sempre esteve afeto às funções referidas em 5., nunca tendo exercido funções no transporte ibérico e internacional ou fora da ....
10. Os motoristas afetos aos transportes referidos em 5. têm um regime de trabalho de três turnos rotativos, semanalmente, de segunda-feira a domingo, a saber das 05h00 às 13h00, das 13h00 às 21h00 e das 21h00 às 05.h00.
11. Cada turno corresponde a oito horas diárias de trabalho, com uma pausa de 45 minutos.
12. Pelo facto de trabalhar em turnos, o Autor recebe mensalmente um subsídio de turno, no valor de € 155,16 (cento e cinquenta e cinco euros e dezasseis cêntimos), conforme recibos de vencimento juntos aos autos.
13. Sempre que o Autor prestou trabalho suplementar ou trabalho em dia de feriado, a Ré pagou os valores que eram devidos a esses títulos, conforme resulta dos recibos de vencimento juntos.
14. Todos os motoristas que exercem as funções suprarreferidas recebem um prémio de função pelo trabalho de cargas e descargas que efetuam, trabalho esse que não é efetuado pelos restantes motoristas da Ré.
15. O “prémio de função” consta de todos os recibos de vencimento e tem o valor mensal de € 155,16 (cento e cinquenta e cinco euros e dezasseis cêntimos).
16. O Autor realiza uma média de cinco transportes diários da fábrica da G..., S.A. para os seus armazéns e vice-versa, não saindo da ....
17. Todos os dias dorme em casa.
18. No exercício das suas funções, ao realizar o seu trabalho diariamente, o Autor tem em conta uma listagem que lhe é fornecida no dia anterior à tarde pelo chefe do armazém ou pelo gerente da empresa.
19. É o Sr. BB, responsável dos serviços de logística da Ré, quem coordena o trabalho dos motoristas e quem elabora os horários dos mesmos.
20. Quando a Ré determina que o Autor preste trabalho suplementar, designadamente para substituir outro motorista, é-lhe paga a remuneração correspondente.
21. Sempre que o Autor trabalha em dia feriado esse trabalho é-lhe pago.
22. O trabalho do Autor é controlado e determinado pela Ré diariamente, quer quando carrega na fábrica quer quando descarrega nos armazéns, através do sistema informático inserido nos equipamentos de trabalho e da entrega de listagens com as referências que tem de carregar/descarregar.
23. a 63. [pagamentos feitos pela Ré ao Autor e constantes dos respetivos recibos de vencimento, respeitantes aos meses de outubro de 2018 a fevereiro de 2022]
64. Até setembro de 2020, a rubrica “vencimento base” integrava o complemento salarial, conforme recibos de vencimento juntos aos autos.
65. A partir de outubro de 2019 a rubrica “compensação trabalho noturno”, que se destinava efetivamente a compensar o trabalho em regime de turnos rotativos, passou a denominar-se “subsídio 3 turnos”.
- FACTOS ADITADOS PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
- “ No contrato de trabalho inicial (01/07/2015) consta que a Ré se obrigou a pagar ao Autor a retribuição base no valor de 715,13€/mês, prémio de função no valor de 100,00€/mês e subsídio noturno no valor de 150,00€/mês, tendo-se tais valores se mantido nas suas renovações com exceção do prémio de função, que a partir da segunda renovação (01/01/2016) passou a ser de 150,00€/mês.”;
- “O Autor sempre esteve afeto, em exclusivo, ao transporte “interno” da Ré, nos termos referidos no facto 15.”;
- “O Autor conduz viaturas com tonelagem superior a 7,5t”.
- FACTOS NÃO PROVADOS:
Não existem factos não provados que possam ter relevância para a decisão de mérito.».
III - OPOSIÇÃO DE JULGADOS [ALÍNEA C) DO NÚMERO 1 DO ARTIGO 672.º DO NCPC] [2]
9. Uniformização de jurisprudência
Oposição entre o Acórdão de 28/4/2023 proferido no processo n.º 176/22.6T8LRA.C1 do Tribunal da Relação de Coimbra e que é invocado no quadro do presente recurso de revista excecional como Acórdão fundamento e o aqui impugnado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.11.2023.»
10. Para efeitos do disposto no art.º 672.º, n.º 1, al. c) do CPC/2013, há contradição entre acórdãos que – reportando-se a situações de facto essencialmente idênticas – dão respostas diametralmente opostas quanto à mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação.
Ora, relativamente a esta última questão suscitada pelo Recorrente – direito à retribuição prevista na cl.ª 61.ª do CCTV de 2018 e na Cl.ª 61.ª do CCTV de 2019, publicado no BTE n.º 34 de 15 de setembro e no BTE n.º 45 de 8 de dezembro de 2019 respetivamente -, parece-nos, de facto, existir a contradição invocada pela recorrente entre o Acórdão do TRC que aqui é objeto de recurso [3] e o Acórdão desse mesmo Tribunal da 2.ª instância identificado como Acórdão fundamento [4], contradição essa que resulta, desde logo, do teor dos respetivos Sumários elaborados pelo relator comum a ambos os Arestos [sublinhados a negrito da nossa responsabilidade].
O Juiz Desembargador que redigiu esses dois Acórdãos é o próprio a reconhecer no Aresto aqui recorrido uma mudança de interpretação do regime convencional constante do CCT de 2018 e respetiva Ata Interpretativa, quando afirma o seguinte:
«Esta Relação teve já oportunidade de se pronunciar sobre esta questão no acórdão 176/22.6T8LRA.C1 de 28.04.2023, consultável em www.dgsi.pt/jtrc.
Neste aresto, afirmou-se que no domínio do CCTV de 2018 seria de aceitar a interpretação segundo a qual, à semelhança do que acontecia no anterior CCTV (de 1980), a quantia prevista na sua Cl.ª 61.ª só seria devida aos motoristas de pesados quando estivesse demonstrado que o desempenho da condução fosse suscetível de apresentar uma maior penosidade e um esforço acrescido.
No entanto, apelando à ata interpretativa de 09.01.2019 elaborada para o CCTV de 2018, segundo a qual “a presente cláusula (61.ª), apesar de ter como epigrafe “Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados”, não é por esta que resulta o seu âmbito de aplicação; efetivamente tal é fixado pelo disposto no seu n.º 1. A opção por esta redação, no que à epígrafe diz respeito, visou apenas tornar mais claro que esta cláusula visa substituir a anterior cláusula 74/7 do anterior CCTV – embora com algumas alterações - adotando-se por isso parte da epígrafe desta última. Assim, todo e qualquer trabalhador com a categoria de motorista de pesados e ligeiros – com exceção dos motoristas ligeiros afetos ao transporte nacional -, têm direito a receber estas prestações pecuniárias, sendo irrelevante qual a distância realizada pelos veículos cuja condução estão afetos. Em suma para a aplicação desta cláusula é indiferente se a distância percorrida pelo veículo que o trabalhador está afeto, é de 2km, 10 km, 20 km ou mais”, entendeu-se e decidiu-se que para o trabalhador motorista ter direito à prestação pecuniária prevista nesta cláusula não era necessário demonstrar que o desempenho da condução fosse suscetível de apresentar uma maior penosidade e um esforço acrescido.
Após melhor reflexão sobre a questão que se controverte, propendemos agora para que, da ata interpretativa, não resulta a conclusão a que havíamos chegado no citado aresto.
Com efeito, embora a questão não seja totalmente isenta de dúvidas, se esta cláusula 61ª se destinou a substituir a cláusula a 74.º n.º 7 do CCTV de 1980 (e nisto todos estão de acordo), para que o trabalhador tenha direito a receber a quantia nela prevista, necessário se torna que se encontram reunidos os requisitos exigidos para que, em face da Cl.ª 74.º n.º 7, fosse atribuído tal direito ao trabalhador motorista.
Ou seja: exige-se a prova por parte do trabalhador (o respetivo ónus sobre ele recai) dos factos donde se possa extrair que o desempenho da sua atividade como motoristas apresenta uma maior penosidade, um esforço acrescido e um maior isolamento.
E, ponderando melhor sobre a ata interpretativa, não vemos agora que da mesma resulte a interpretação de que a atribuição da prestação prevista na Clª 61º do CCTV de 2018 prescinda da demonstração da maior penosidade no desempenho das funções por parte do motorista.
Na ata interpretativa afirma-se expressamente que visa substituir a anterior cláusula 74/7 do anterior CCTV esclarecendo-se que todo e qualquer trabalhador com a categoria de motorista de pesados e ligeiros – com exceção dos motoristas ligeiros afetos ao transporte nacional -, têm direito a receber estas prestações pecuniárias, sendo irrelevante qual a distância realizada pelos veículos cuja condução estão afetos.
Apenas se pretende esclarecer quais as categorias de trabalhadores abrangidos pela cláusula e não afastar a verificação do requisitos da penosidade, esforço acrescido e maior isolamento.
Também é esta a melhor interpretação tendo em conta a uniformidade do sistema jurídico e o teor da mesma cláusula do CCTV de 2019
Nesta, evitando quaisquer dúvidas de interpretação, alude-se expressamente à situação da prestação de uma atividade que implique regularmente um elevado grau de autonomia e a possível realização de trabalho suplementar de difícil controlo e verificação pela empresa, decorrente da imprevisibilidade da duração concreta dos serviços a serem realizados encontrando-se deslocados das instalações dos empregadores e sem controlo hierárquico direto; ou seja, consignaram-se os motivos que a jurisprudência havia considerado como sendo necessários verificarem-se para que que fosse atribuída a quantia da anterior cl.ª 74.º n.º 7 do antigo CCTV de 1980.
Com a redação dada à Cl.ª 61.ª do CCT de 2019 houve, no entendimento que agora perfilhamos, uma clara intenção das partes outorgantes em precisar o que havia sido estipulado na mesma Cl.ª do CCT de 2018 no sentido de a retribuição especial ser devida para compensar os trabalhadores motoristas de pesados da maior penosidade e esforço acrescido inerentes à sua atividade, partindo do pressuposto que essa atividade impõe, normalmente, a prestação de trabalho suplementar de difícil controlo.» [sublinhados a negrito da nossa responsabilidade]
Nessa medida, verifica-se claramente nos autos a invocada oposição entre Acórdãos reclamada pela alínea c) do número 1 do artigo 672.º do NCPC [5].
IV – DECISÃO
11. Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 672.º, números 1, alínea a) e 3 do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça em admitir o presente recurso de Revista excecional interposto pela Ré VIDRALA LOGISTICS UNIPESSOAL LDA, pelos fundamentos invocados e analisados em sede da fundamentação deste Acórdão.
Custas do presente recurso a cargo da recorrente - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Lisboa, 25 de setembro de 2024
José Eduardo Sapateiro - Relator
Mário Belo Morgado
Júlio Gomes
_____________________________________________
1. Embora nada seja referido no dispositivo, o Tribunal da Relação aditou os seguintes factos ao elenco de factos provados:
- “ No contrato de trabalho inicial (01/07/2015) consta que a Ré se obrigou a pagar ao Autor a retribuição base no valor de 715,13€/mês, prémio de função no valor de 100,00€/mês e subsídio noturno no valor de 150,00€/mês, tendo-se tais valores se mantido nas suas renovações com exceção do prémio de função, que a partir da segunda renovação (01/01/2016) passou a ser de 150,00€/mês.”;
- “O Autor sempre esteve afeto, em exclusivo, ao transporte “interno” da Ré, nos termos referidos no facto 15.”;
- “O Autor conduz viaturas com tonelagem superior a 7,5t”.↩︎
2. As referências teóricas e jurisprudenciais constantes da presente fundamentação foram extraídas, com a devida vénia, do Acórdão proferido no Processo n.º 511/20.1T8FAR.E1.S2 (revista excecional), que é relatado pelo Juiz Conselheiro MÁRIO BELO MORGADO e tem data de 11/9/2024.↩︎
3. E que possui o seguinte Sumário:
«1. […]
2. O complemento salarial previsto na Cl.ª 59.ª do Contrato Coletivo de Trabalho Vertical celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS, publicado no BTE n.º 45 de 08.12.2019,e com Portaria de Extensão no BTE n.º 49/2020, de 26.02, não entra no cômputo do montante do salário base devido aos motorista abrangidos por aquele CCTV.
3. A retribuição especial prevista na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT entre celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 9, de 08-03-80, tinha por objetivo compensar os trabalhadores motoristas de transportes internacionais rodoviários de mercadorias da maior penosidade e esforço acrescido inerentes à sua atividade, tendo sido atribuída pela consideração de que essa atividade impõe, normalmente, a prestação de trabalho suplementar de difícil controlo.
4. Tal retribuição não pressuponha uma efetiva prestação de trabalho suplementar, revestia carácter regular e permanente e, como tal, integrava o conceito de retribuição, sendo devida em relação a todos os dias do mês, independentemente da prestação efetiva de qualquer trabalho, acrescendo à retribuição de base.
5. As cláusulas 61.ª dos CCT celebrados entre a ANTRAM e a FECTRANS publicados nos BTES n.º 34 de 15.09.20 e n.º 45 de 18.12.2019 visaram substituir a cláusula 74.ª, n.º 7 do CCTV de 1980.
6. Para que o motorista tenha direito a auferir a quantia prevista nas cláusulas 61.ª do CCTs de 2018 e de 2019, exige-se que prove estar a prestar uma atividade de transporte que implique regularmente um elevado grau de autonomia e a possível realização de trabalho suplementar de difícil controlo e verificação pela empresa, decorrente da imprevisibilidade da duração concreta dos serviços a serem realizados e encontrando-se deslocados das instalações dos empregadores e sem controlo hierárquico direto.»↩︎
4. O Sumário de tal Acórdão-Fundamento é o seguinte:
«1. […]
3. A retribuição especial prevista na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT entre celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 9, de 08-03-80, tinha por objetivo compensar os trabalhadores motoristas de transportes internacionais rodoviários de mercadorias da maior penosidade e esforço acrescido inerentes à sua atividade, tendo sido atribuída pela consideração de que essa atividade impõe, normalmente, a prestação de trabalho suplementar de difícil controlo.
4. Tal retribuição não pressuponha uma efetiva prestação de trabalho suplementar, revestia carácter regular e permanente e, como tal, integrava o conceito de retribuição, sendo devida em relação a todos os dias do mês, independentemente da prestação efetiva de qualquer trabalho, acrescendo à retribuição de base
5 As cláusulas 61.ª dos CCT celebrados entre a ANTRAM e a FECTRANS publicados nos BTES n.º 34 de 15.09.20 e n.º 45 de 18.12.2019 visaram substituir a cláusula 74.ª, n.º 7 do CCTV de 1980.
6. Considerando a redação da cláusula 61.ª do CCT de 2018 e o teor da ata interpretativa subscrita pelos outorgantes desse CCT, um motorista de pesados tem direito à quantia prevista na referida cláusula independentemente da demonstração do motorista se encontrar a prestar uma atividade que implica regularmente um elevado grau de autonomia e a possível realização de trabalho extraordinário de difícil controlo e verificação pela empresa, decorrente da imprevisibilidade da duração concreta dos serviços a serem realizados e encontrando-se deslocados das instalações dos empregadores e sem controlo hierárquico direto.
7. Esta demonstração já terá de ser feita com base na aplicação da cláusula 61.ª do CCT de 2019 para que o motorista tenha direito a receber a quantia pecuniária nela prevista.
8. Contudo, encontrando-se um trabalhador motorista abrangido pelos dois CCTs (de 2018 e 2019) da aplicação do CCT de 2019 não poderá resultar quaisquer prejuízos, designadamente diminuição de retribuição e outras regalias de carácter regular ou permanentes, não contempladas nesse CCTV e, bem assim, diminuição da retribuição líquida do trabalhador.»↩︎
5. Este STJ, no quadro do processo n.º 1354/22.3T8LRA.C1.S1, no qual é discutida igualmente o direito do ali Autor à retribuição específica prevista na Cláusula 61.ª dos CCTV entre ANTRAM e outra e a FECTRANS e outros, com publicação nos BTE, nº 34 de 15.09.2018 e nº 45 de 18.12.2019, respetivamente, admitiu igualmente a revista excecional por Acórdão de 12.04.2024 (relatado pelo Juiz-Conselheiro Júlio Gomes).↩︎