TRABALHO NOTURNO
DESLOCAÇÃO EM SERVIÇO
TEMPO DE TRABALHO
Sumário


I. - Para o trabalhador ter direito ao acréscimo de 25% previsto para pagamento do trabalho nocturno, tem de alegar e provar qual a retribuição e o trabalho equivalente ao seu que é prestado durante o dia, nos termos do artigo 266.º, nº 1, do Código do Trabalho de 2009 e artigo 30.º do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de setembro, na interpretação do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 348/73, de 11 de julho.
II. - Salvo acordo do trabalhador e empregador em contrário, as deslocações entre a residência do trabalhador e o seu local de trabalho, e vice-versa, e o tempo habitual ou normal que demoram, não obstante se poderem ainda considerar conexionadas com a atividade subordinada do assalariado, não configuram tempo de trabalho.

Texto Integral

Processo n.º 1071/21.1T8TMR.E1.S1

Recurso de revista

Relator: Conselheiro Domingos José de Morais

Adjuntos: Conselheiro Júlio Manuel Vieira Gomes

Conselheiro José Eduardo Sapateiro

Acordam os Juízes na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I.Relatório

1. - AA intentou acção com processo comum contra

B..., Unipessoal, Lda.., pedindo condenação a:

a) Reconhecer que a remuneração mensal do Autor integra uma componente fixa e uma componente variável, em função da atividade prestada à Ré, denominada no contrato de trabalho como “diária”, nas tabelas salariais como “complemento” e nos recibos como “ajudas de custo”;

b) Reconhecer que em média a componente variável da retribuição do Autor foi, de acordo com os valores supra indicados, 1 451,15 € em 2010; 1 275,21 € em 2011; 1 185,18 € em 2012; 936,03 € em 2013; 1 128,89 € em 2014; 1 149,15 € em 2015; 1 127,51€ em 2016; 1 240,89 € em 2017; 1 126,60 € em 2018; 1 112,62 € em 2019; 1.019,36 € em 2020 e 1 223,01 € em 2021;

c) Pagar ao Autor a quantia de 812,36€ a título de trabalho suplementar em serviço de voo diário; em alternativa, pagar o valor de 1541,64€ se for considerada a retribuição variável como parte da remuneração do Autor;

d) Pagar ao Autor a quantia de 21.173,88 € a título de trabalho suplementar que ultrapassou o limite anual de 2000 horas; em alternativa, pagar o valor de 41.641,81€ euros se for considerada a retribuição variável como parte da remuneração do Autor;

e) Pagar ao Autor a quantia de 13.855,15€ a título de trabalho prestado em período noturno; em alternativa, pagar o valor de 27.037,26€ se for considerada a retribuição variável como parte da remuneração do Autor;

f) Pagar ao Autor a quantia 1898,86€ a título de trabalho prestado em dias feriados; em alternativa, pagar o valor de 3643,42€ se for considerada a retribuição variável como parte da remuneração do Autor;

g) Pagar ao Autor a quantia de 12.410,17€, a título de posicionamento/tempos de deslocação e regresso para bases operacionais; em alternativa pagar o valor de 23911,61€ se for considerada a retribuição variável como parte da remuneração do Autor;

h) Efetuar os pagamentos das diferenças pagas por subsídio de Natal, subsídio de férias e férias pagas e os valores que deveriam ter sido pagos pela integração da componente variável nessas prestações, o que totaliza 30.192,18€;

i) Pagar ao Autor a retribuição variável pelo tempo em que esteve em cumprimento de serviço em reuniões de coordenação, treino e ações de formação no valor de 12.914,05€;

j) Pagar ao Autor os complementos salariais de IFR, vencidos e vincendos, o que totaliza na presente data 33.600€;

k) Regularizar os descontos para a segurança social, integrando os valores não declarados da componente variável de modo a permitir a recomposição da carreira contributiva do Autor;

l) Pagar os valores peticionados acrescidos de juros de mora até integral pagamento.

2. - A Ré contestou, concluindo pela total improcedência da acção e sua absolvição do pedido.

3. - Apresentada nova petição inicial e respectiva resposta, o Tribunal da 1.ª instância decidiu:

“(J)ulga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência decide-se:

1.- Condenar a Ré B..., Unipessoal, Lda.:

a.- A reconhecer que a remuneração mensal do Autor AA integra uma componente fixa e uma componente variável, em função da atividade prestada à Ré, denominada no contrato de trabalho como “diária”, nas tabelas salariais como “complemento” e nos recibos como “ajudas de custo”;

b.- A reconhecer que, em média, a componente variável da retribuição do Autor foi de: 1.149,55 € de abril a dezembro de 2010; 1.275,22 € em 2011; 1.184,35 € em 2012; 936,03 € em 2013; 1.128,90 € em 2014; 1.049,29 € em 2015; 1.127,52 € em 2016; 950,02 € em 2017; 657,23 € em 2018; 1.019,91 € em 2019; 1.019,36€ em 2020 e 1.045,17 € em janeiro e fevereiro de 2021;

c.- A pagar ao Autor a quantia de 4.975,76, a título de trabalho suplementar que ultrapassou o limite anual de 2000 horas;

d.- A pagar ao Autor a quantia de 4.496,32 €, a título de trabalho prestado em dias feriados;

e.- A pagar ao Autor a quantia de 33.629,97 €, a título de subsídio de Natal, subsídio de férias e férias;

f.- A pagar juros legais, sobre as quantias referidas em c), d) e e) (que totalizam 43.102,05), contados desde a citação até integral pagamento;

2.- Absolver, no mais, a Ré do peticionado pelo Autor;

3.- Condenar o Autor e a Ré no pagamento das custas, na proporção do decaimento, sendo 80,73% da responsabilidade do primeiro e de € 19,27% da responsabilidade do segundo;

4.- Determino a aplicação à ação dos valores da taxa de justiça constantes da tabela I-C do RCP, nos termos do artigo 6.º, n.º 5 do RCP, visto a mesma ser de especial complexidade.”.

4. - O Tribunal da Relação acordou:

“(J)ulgar o recurso da Ré totalmente improcedente e o recurso do Autor parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se parcialmente a decisão recorrida, condenando-se a Ré a pagar juros de mora, à taxa legal em vigor, sobre as quantias referidas em c), d) e e) do dispositivo da sentença recorrida, devidos desde o vencimento de cada uma das prestações em dívida e até integral pagamento, sendo a sua liquidação, se necessário, efetuada em incidente de liquidação de sentença.

No demais, mantém-se a sentença recorrida.”.

5. - O Autor interpôs recurso de revista excepcional, concluindo, em síntese:

C. Identifica-se a necessidade de clarificar a aplicação da alínea b) do n.º 3 do artigo 266.º do CT prevenindo dúvidas que possam surgir na interpretação das previsões normativas “aberto ao público” durante a noite e atividade ininterrupta que deva ser prestada em período noturno.

D. A clarificação da aplicação da norma jurídica em causa obstará a que no futuro se abuse da invocação de uma atividade que funcione à noite para se declinar o pagamento do acréscimo remuneratório que a lei prevê no artigo 266.º, n.º 1.

E. O que se enquadra na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.

F. Pede o recorrente que a alínea b) do n.º 3 do artigo 266.º do CT seja interpretada no sentido de não ser a Recorrida dispensada do pagamento do acréscimo salarial aplicável ao trabalho em período noturno, porquanto a atividade da Recorrida não está, pela sua natureza ou força de lei, obrigada a funcionar à disposição do público durante o período noturno.

G. DEVENDO SER CONDENADA A PAGAR AO RECORRENTE O VALOR DE 13.855,15€ A TÍTULO DE TRABALHO PRESTADO EM PERÍODO NOTURNO; EM ALTERNATIVA, PAGAR O VALOR DE 27.037,26€ SE FOR CONSIDERADA A RETRIBUIÇÃO VARIÁVEL COMO PARTE DA REMUNERAÇÃO DO AUTOR.

T. Deve ser reconhecido que o Acórdão sob recurso aplicou incorretamente o disposto nas alíneas c), q) e x) do artigo 2.º do Decreto-Lei 139/2004, o artigo 15.º do mesmo diploma e, sobretudo, o artigo 197.º do Código do Trabalho.

U. Depois também se revela extremamente incorreta a conjugação que o Acórdão recorrido faz entre o artigo 15.º e a definição legal de posicionamento vertida na alínea x) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 139/2004 de 5 de Junho.

V. A definição legal de posicionamento não distingue o meio de transporte utilizado para a deslocação; é qualquer um! Equivale a período de serviço de voo a deslocação por qualquer meio de transporte. A interpretação literal desta norma não pode suscitar quaisquer dúvidas.

W. O que o artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 139/2004 de 5 de Junho acrescenta é a regulamentação de situações em que o tripulante se deslocar para prestar um serviço de voo após ter concluído outro, sem repouso intercalar; ou quando se desloca para iniciar repouso ou folga após ter realizado um voo.

Y. Em conformidade, a alínea x) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 139/2004 de 5 de Junho e o artigo 197.º do Código do Trabalho devem ser interpretados conjugadamente para que sejam reconhecidos como tempo de trabalho os períodos cumpridos durante os trajetos que o Recorrente realiza entre o seu domicílio e as bases para as quais é enviado pela Recorrente, além da base de ....

Z. EM CONSEQUÊNCIA, DEVE A RECORRIDA SER CONDENADA A PAGAR AO AUTOR A QUANTIA DE 12.410,17€, A TÍTULO DE POSICIONAMENTO/TEMPOS DE DESLOCAÇÃO E REGRESSO PARA BASES OPERACIONAIS; EM ALTERNATIVA PAGAR O VALOR DE 23.911,61€ SE FOR CONSIDERADA A RETRIBUIÇÃO VARIÁVEL COMO PARTE DA REMUNERAÇÃO DO AUTOR;

AA. Subjacente ao pagamento do suplemento denominado IFR está o reconhecimento da realização de trabalho em especiais condições de penosidade e dificuldade.

NN. A Recorrida ao remunerar alguns pilotos com o suplemento remuneratório denominado IFR deve adotar essa prática remuneratória relativamente a todos os que trabalham com esse modo de voo.

OO. A matéria de facto considerada provada é inequívoca quanto ao preenchimento dos pressupostos de concessão deste suplemento remuneratório ao Autor: tem averbada essa qualificação na sua licença aeronáutica, voou efetivamente em modo de IFR, as missões desempenhadas não podem ser cumpridas sem a dita qualificação, o modo de voo IFR é mais exigente e desgastante que o modo de voo com apoio visual.

PP. DEVE, POIS, A RÉ PAGAR AO AUTOR O VALOR DE PAGAR AO AUTOR OS COMPLEMENTOS SALARIAIS DE IFR, VENCIDOS E VINCENDOS, O QUE TOTALIZAVA 33.600€ EM JANEIRO DE 2021.

SS. Admitindo-se a revista excecional, por contradição de julgados, deve o Acórdão Recorrido ser revogado por não ter incluído no valor da retribuição horária do Autor as componentes fixa e variável que a compõem.

TT. Violando os artigos 258.º, 260.º, 261.º e 271.º do Código do Trabalho.

UU. Julgando como se peticiona, devem ser revistos os segmentos da condenação previstos em 1, c) e 1, d) para que incluam no cálculo o valor horário resultante da soma da componente fixa e da variável

VV. Consequentemente, no segmento 1,c) do dispositivo a sentença deve ser revista para que a Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia de 24.963,64 euros (em vez da quantia de 4.496,32€ identificada na condenação).

WW. Na mesma linha de raciocínio – e consequente violação da alínea a) do n.º 2 do artigo 262.º e 271.º do Código do Trabalho - o cálculo da remuneração do Autor relativamente ao tempo de trabalho em dias feriados deve ser revisto.

XX. De modo que o correspondente acréscimo remuneratório inclua as componentes fixa e variável.

YY. Deste modo, impõe-se a correção e condenação da Ré no pagamento ao Autor do valor de 4.816,25€ pelo tempo de trabalho prestado em dias feriados.

6. - Por Acórdão da Formação, de 12 de abril de 2024, foi admitida parcialmente a revista excepcional, “não se admitindo apenas quanto à questão de saber se a retribuição base abrange a retribuição variável”.

7. - O Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso de revista e manutenção do acórdão recorrido.

8. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, ex vi do artigo 679.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), cumpre apreciar e decidir.

II. - Fundamentação de facto.

O Tribunal da Relação, julgando improcedentes as impugnações (do Autor e da Ré) da decisão sobre a matéria de facto, transcreveu a matéria de facto que a 1.ª instância julgou provada e não provada e que, atenta a sua extensão e quadros inerentes, aqui damos por reproduzida, atento o disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC.

III. – Fundamentação de direito

1. - Do objeto do recurso de revista.

Como decorre das conclusões do recurso de revista, as questões a decidir são as de saber se o Autor tem direito ao pagamento do: (i) trabalho noturno realizado, nos termos do artigo 266.º n.º 1, do Código do Trabalho (CT); (ii) tempo de posicionamento, previsto no artigo 2.º, al. x), do DL n.º 139/2004; (iii) suplemento IFR (subsídio de voo por instrumentos).

2. - Do trabalho noturno realizado, nos termos do artigo 266.º n.ºs 1, do CT.

2.1. - No acórdão recorrido pode ler-se:

No caso que se aprecia, a Ré opera, ininterruptamente, 24 horas por dia, para a prestação de serviços aeronáuticos, incluindo o transporte de doentes requerido pelo Instituto Nacional de Emergência Médica.

Ora, a natureza da atividade desenvolvida implica que esta deva funcionar à disposição do público em período noturno, pois as emergências médicas podem ocorrer em qualquer momento do dia ou da noite.

Logo, quando o Autor foi contratado tomou conhecimento que as suas condições laborais implicavam o exercício “normal” de atividade laboral noturna e a remuneração contratada já abarcava essa situação.

Por isso, entendemos que a situação sub judice se subsume à previsão inserta na alínea b) do n.º 3 do artigo 266.º do Código do Trabalho, e, em consequência, o trabalho realizado pelo Autor no período noturno não lhe confere o direito ao acréscimo remuneratório previsto no n.º 1 do artigo.

Assim tendo decidido a 1.ª instância, resta-nos confirmar tal decisão e declarar a consequente improcedência do recurso, nesta parte.”.

2.2. - O Autor alegou nas conclusões da revista:

D. A clarificação da aplicação da norma jurídica em causa obstará a que no futuro se abuse da invocação de uma atividade que funcione à noite para se declinar o pagamento do acréscimo remuneratório que a lei prevê no artigo 266.º, n.º 1.

F. Pede o recorrente que a alínea b) do n.º 3 do artigo 266.º do CT seja interpretada no sentido de não ser a Recorrida dispensada do pagamento do acréscimo salarial aplicável ao trabalho em período noturno, porquanto a atividade da Recorrida não está, pela sua natureza ou força de lei, obrigada a funcionar à disposição do público durante o período noturno.”.

2.3. - O artigo 266.º - Pagamento de trabalho nocturno - do CT, prescreve:

1 - O trabalho nocturno é pago com acréscimo de 25 % relativamente ao pagamento de trabalho equivalente prestado durante o dia.

2 - (…).

3 - O disposto no n.º 1 não se aplica, salvo se previsto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho:

a) Em actividade exercida exclusiva ou predominantemente durante o período nocturno, designadamente espectáculo ou diversão pública;

b) Em actividade que, pela sua natureza ou por força da lei, deva funcionar à disposição do público durante o período nocturno, designadamente empreendimento turístico, estabelecimento de restauração ou de bebidas, ou farmácia, em período de abertura;

c) Quando a retribuição seja estabelecida atendendo à circunstância de o trabalho dever ser prestado em período nocturno.”.

É de anotar que o citado artigo 266.º corresponde ao artigo 257.º do CT/2003, que, por sua vez, correspondia ao artigo 30.º do DL 409/71, de 27 de setembro (LDT) e à respectiva interpretação pelo artigo 2.º do DL n.º 348/73, de 11 de julho.

2.4. - Como escreveu Francisco Liberal Fernandes, in O Trabalho e o Tempo: Comentário ao Código do Trabalho, Biblioteca RED, 2018, edição online, da Universidade do Porto, consultável em: https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/111840/2/264530.pdf, pág. 349, 350, 351:

IV. 1. O trabalho nocturno é definido de acordo com o período diário em que é prestado e não propriamente pelo facto de conferir direito a uma maior retribuição; este elemento pecuniário é apenas o efeito típico associado à respectiva realização e não um elemento de qualificação, embora possa constituir um índice do mesmo.”.

(…).

VII. No n.º 3 do art. 266º, alíneas a) e b), estão fixadas as actividade em que a prestação de trabalho nocturno não confere o direito ao acréscimo previsto no n.º 1 do mesmo artigo, excepto quando contemplado em instrumento de regulamentação colectiva. Os critérios estabelecidos não só devem considerar-se taxativos, como ser interpretados em termos restritos, uma vez que a sua aplicação interfere com interesses legalmente protegidos dos trabalhadores. Neste sentido, parece-nos que as actividades enunciadas a título exemplificativo devem funcionar como elementos de delimitação do alcance daqueles preceitos.

De igual modo, o significado de expressão “pela sua natureza ou por força da lei”, contida na alínea b), daquele n.º 3, pode criar algumas dificuldades de interpretação. Assim, atendendo ao princípio referido anteriormente, julga-se que apenas a lei em sentido técnico (acto legislativo) pode determinar quais as empresas ou actividades que podem funcionar em período nocturno; além disso, para uma actividade ser considerada como sendo de funcionamento nocturno por natureza, torna-se necessário atender à realidade económica e atender ao objecto de actividade fixado no acto de constituição da sociedade (art. 11º do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo DL n.º 262/86, de 2-9, e republicado pelo DL n.º 76-A/2006, de 29-3).

2.5. - No sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.07.2016, proc. n.º 377/13.8TTTMR.E1.S1- 4.ª Secção, está consignado:

I - Não é devido o acréscimo remuneratório por trabalho nocturno quando a retribuição do trabalhador tenha sido acordada, aquando da celebração do contrato de trabalho, tendo já em conta o horário de trabalho prestado e a especial penosidade do trabalho nocturno.

II - Para o trabalhador ter direito ao acréscimo de 25% previsto para pagamento do trabalho nocturno, tem de alegar e fazer prova de qual a retribuição e o trabalho equivalente ao seu que é prestado durante o dia, nos termos do art. 266º, nº 1, do Código do Trabalho de 2009 e art. 30º da Lei de Duração do Trabalho (Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro).

III - Essa exigência decorre do facto de o legislador não ter querido abranger sectores de actividade em que a prestação de trabalho no período nocturno se revela sem correspondência exacta no período diurno, não implicando uma maior penosidade especial para os trabalhadores.

IV - Tendo as partes fixado livremente, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, não só o horário/duração do tempo de trabalho a prestar, como também a “remuneração total tendo em conta ser um trabalho nocturno”, essa manifestação de vontade, livre e voluntária, e não ofensiva de nenhuma disposição legal, enquadra-se no espírito da lei e mostra-se abarcada pelos normativos que regulam o trabalho nocturno, assumindo, por isso, plena validade jurídica.”.

2.6. - A factualidade provada com interesse para a questão em apreço:

(i)A Ré operava e opera, ininterruptamente, 24 horas por dia, para a prestação de serviços aeronáuticos, incluindo o transporte de doentes requerido pelo Instituto Nacional de Emergência Médica;

(ii) Consta na alínea (B) do II-PREÂMBULO do CONTRATO DE TRABALHO TERMO CERTO subscrito pelas partes e junto com a petição inicial que:

A contratação do Segundo Contratante insere-se no âmbito da execução de contrato público de fornecimento de serviços adjudicado à Primeira Contratante pelo INEM - Instituto Nacional de Emergência Médica, IP.”;

(ii) Na execução desse contrato público, a Ré organizava e organiza o tempo de trabalho do Autor em dois turnos de 12 horas: um entre as 8 horas e as 20 horas e o segundo entre as 20 horas e as 8 horas do dia seguinte, prestando 40 horas por semana;

(iii) O tempo de trabalho nos turnos decompõe-se em: a) serviço de assistência na base ou junto à base; b) serviço de voo em aeronave – cfr. os pontos 3. a 11 da matéria de facto e o ponto 3. da Cláusula Quarta, do contrato de trabalho celebrado pelas partes;

(iv) A Ré paga ao Autor, a título de retribuição, uma quantia mensal fixa - cfr. Cláusula Terceira, n.º 1 do mencionado contrato de trabalho e ponto 19. da matéria de facto provada;

(v) Em acréscimo ao valor mensal fixo, Autor e Ré convencionaram o pagamento de uma “diária por cada turno de 12h de trabalho efetivamente prestado”, …, a título de “ajudas de custo” e a garantia de alojamento para o Autor, em qualquer base que esteja deslocado - cfr. a referida Cláusula Terceira n.ºs 2 e 3 do contrato de trabalho e os pontos 20. e 184. da matéria de facto provada.

(vi) Entre 2014 e 2021, o Autor cumpriu vários turnos em períodos noturnos. - pontos 81, 119 a 142 e 182 dos factos provados.

(vii) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo remuneratório por trabalho prestado entre as 22h e as 24h e as 00h e as 07h - pontos 143 e 179 dos factos provados.

(viii) O Autor sempre desempenhou, ao serviço da Ré, as funções de copiloto - ponto 191. dos factos provados.

Ora, a descrita matéria de facto é insuficiente para garantir ao Autor o acréscimo remuneratório de 25% por trabalho nocturno, nos termos previstos no artigo 266.º, n.º 1 do CT, dado que não alegou nem provou, como era seu ónus – artigo 342.º, n.º 1 do C. Civil -, nomeadamente, que as suas funções de copiloto ao serviço da Ré eram equivalentes às prestadas por outros trabalhadores durante o dia para um trabalho de igual natureza e qual a respectiva retribuição mensal.

[cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.11.1988, processo nº 198811250019724, em www.dgsi.pt, reportado ao artigo 30.º do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro: “III – O trabalhador não tem direito a retribuição especial por trabalho nocturno se não alega nem prova qual a retribuição do trabalho diurno equivalente ao dele (…)”.].

E também não alegou nem provou que a retribuição contratada com a Ré não abrangia o trabalho prestado no período noturno, das 20 horas às 08 horas do dia seguinte.

Tanto mais que a contratação do Autor se inseriu no âmbito da execução de contrato público de fornecimento de serviços adjudicado à Ré pelo INEM - Instituto Nacional de Emergência Médica, emergência médica que está disponível 24h por dia, todos os dias, ou seja, a actividade adjudicada pelo INEM, à Ré, funciona à disposição do público também durante o período nocturno.

Em conclusão: o trabalho realizado pelo Autor no período noturno não dá direito ao pagamento peticionado, nos termos do artigo 266.º, n.º 1, do CT, por força do n.º 3, alínea b), do mesmo normativo.

3. - Do tempo de posicionamento, previsto no artigo 2.º, alínea x), do DL n.º 139/2004, de 5 de Junho.

3.1. – Nos artigos 165.º e 166.º da petição inicial, o Autor alegou:

Deve salientar-se que contratualmente as Partes fixaram como local de trabalho a sede da Ré, em ..., no concelho de ....”;

E embora se tenha previsto a possibilidade de o Autor cumprir a sua atividade em locais indicados pela Ré (as bases operacionais), estas variam de acordo com as conveniências da Ré, sem regularidade, oscilando entre dezenas e centenas de quilómetros em relação ao domicílio.”.

E pediu: “g) Pagar ao Autor a quantia de 12.410,17€, a título de posicionamento/tempos de deslocação e regresso para bases operacionais;”.

3.2. - O acórdão recorrido consignou:

Conjugando estas normas (artigo 2.º alíneas x), cc) e artigo 15.º do DL n.º 139/2004, de 5 de Junho, em vigor à data dos factos), infere-se das mesmas que o tempo de posicionamento corresponde ao tempo em que o tripulante é transportado como passageiro num voo de deslocação (ou outro meio de transporte), para ser posicionado no local onde irá iniciar uma prestação de serviço ou para ser posicionado no local onde irá iniciar o período de repouso ou folga, considerando-se esse tempo ainda como período de tempo de voo.

Nestas deslocações, o tripulante ainda está sujeito ao quadro de subordinação jurídica que caracteriza a relação laboral.

Ora, quando o Autor se desloca, por sua iniciativa, em viatura automóvel, ou outro meio de transporte à sua escolha, entre a sua residência e a base aérea indicada pela Ré, onde irá iniciar funções, ou vice-versa se estiver a regressar do trabalho, o tempo despendido não é tempo de trabalho, pois o mesmo não se encontra adstrito à realização da sua prestação laboral durante esse período.

Nos termos definidos pela alínea cc) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 139/2004, «tempo de trabalho» é «qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se “(…), quando o Autor se desloca, por sua iniciativa, em viatura automóvel, ou outro meio de transporte à sua escolha, entre a sua residência e a base aérea indicada pela Ré, onde irá iniciar funções, ou vice-versa se estiver a regressar do trabalho, o tempo despendido não é tempo de trabalho, pois o mesmo não se encontra adstrito à realização da sua prestação laboral durante esse período.

Nos termos definidos pela alínea cc) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 139/2004, “tempo de trabalho» é «qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua atividade ou das suas funções, nos termos do presente diploma.”.”. (os negritos e sublinhados inclusos no texto transcrito).

[Os artigos 2.º e 15.º do DL n.º 139/2004 foram revogados pelo artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 25/2022 - Diário da República n.º 52/2022, Série I de 2022-03-15, em vigor a partir de 14.04.2022, data posterior à propositura da presente acção - 29.07.2021].

3.2. - Nas conclusões T. a Y. da revista, o Autor alegou que “o Acórdão sob recurso aplicou incorretamente o disposto nas alíneas cc), q) e x) do artigo 2.º do Decreto-Lei 139/2004, o artigo 15.º do mesmo diploma e, sobretudo, o artigo 197.º do Código do Trabalho.”, dado que “A definição legal de posicionamento não distingue o meio de transporte utilizado para a deslocação; é qualquer um! Equivale a período de serviço de voo a deslocação por qualquer meio de transporte. A interpretação literal desta norma não pode suscitar quaisquer dúvidas.”.

3.3. - Neste particular, foi dado como provado o que consta nos pontos 60. a 63. da matéria de facto:

60.- Tal como se encontra previsto no contrato de trabalho, e na circular interna vigente, o Autor era instruído pela Ré, através das escalas que lhe eram envidas para trabalhar em várias bases a partir das quais os meios aeronáuticos da Ré operavam.

61.- Assim, o Autor foi e ainda é deslocado para trabalhar nas diferentes bases aéreas em que a Ré opera: ..., ..., ..., ..., ..., ... e ....

62.- O Autor não tem uma base atribuída que configure o seu local de trabalho, com exceção da sede da Ré que figura no seu contrato de trabalho.

63.- Mensalmente, a Ré define, em função da sua conveniência, a colocação do Autor em qualquer das bases em que o serviço aeronáutico é prestado.

3.4. - O artigo 2.º - Definições e abreviaturas - do DL n.º 139/2004, de 5 de Junho, dispunha:

“Para efeitos do presente diploma, entende-se como:

(…)

x) «Posicionamento» - deslocação, por qualquer meio de transporte, de um tripulante para um determinado local para iniciar um período de serviço e que é contabilizado como período de serviço de voo;”.

cc) «Tempo de trabalho» - qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua actividade ou das suas funções, nos termos do presente diploma;

dd) «Tempo de transporte» - tempo a considerar pelo operador para o trânsito de um tripulante, fora da base, entre o local de repouso e o local onde deve apresentar-se para o serviço, e vice-versa;”.

Por sua vez, o artigo 15.º - Deslocação do tripulante como passageiro – estabelecia:

1 - Quando o tripulante se deslocar como passageiro para, sem repouso intercalar subsequente, iniciar um voo como tripulante em funções, o tempo gasto no voo de posicionamento é contabilizado como período de serviço de voo para efeitos dos limites constantes dos quadros n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5 e cálculo do período de repouso subsequente.

2 - No caso previsto no número anterior, quando o tripulante puder efectuar o período de repouso entre a chegada do voo de posicionamento e a partida do voo de serviço, o tempo gasto no voo de posicionamento é contabilizado a 50% como período de serviço de voo apenas para efeitos dos limites constantes do quadro n.º 5.

3 - Quando o tripulante se deslocar como passageiro, após um voo, para iniciar o período de repouso ou folga, o tempo gasto no voo de deslocação é contabilizado a 50% como período de serviço de voo apenas para efeitos dos limites constantes do quadro n.º 5, não devendo a deslocação conter mais de dois sectores.”. (negrito nosso).

E o artigo 18.º - Períodos mínimos de repouso - do mesmo diploma, prescrevia:

7 - Quando, fora da base, a soma do tempo de transporte gasto nos dois sentidos, de e para o local de repouso, exceder duas horas, o período de repouso é acrescentado da diferença.”.

O artigo 9.º - Interpretação da lei – do Código Civil, determina:

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”.

Interpretando, importa afirmar que o citado artigo 2.º do DL n.º 139/2004 se limitava a consagrar diversas definições para efeitos de interpretação do mesmo, e não a introduzir qualquer regime sobre a matéria em causa.

Por outro lado, a expressão “voo de posicionamento” para efeitos dos citados artigos 15.º e 18.º do mesmo diploma deve ser interpretada apenas no que respeita à deslocação do tripulante como passageiro entre as bases aéreas mencionadas no ponto 61. dos factos provados e não também na deslocação entre a residência do Autor e a sede da Ré, situada no “Heliporto de ..., Lugar de ..., ...” - cfr. Cláusula Primeira, ponto 3. do contrato de trabalho subscrito pelas partes -, pela simples razão, óbvia, de que a deslocação entre a sua residência e a sede da Ré, e vice-versa, não era, e não é, efectuada por transporte aéreo. Nada foi alegado e provado que assim seja.

3.5. - A questão que importa, pois, apreciar é a qualificação jurídica do tempo despendido pelo Autor entre a sua residência e o seu local de trabalho, e vice-versa, respetivamente, antes do início e depois do fim da sua jornada de trabalho.

Júlio Manuel Vieira Gomes, in Direito do Trabalho, Vol. I, págs. 659 e segts., aludindo ao Acórdão Jaeger do Tribunal de Justiça, escreve: “Uma pura bipartição do tempo entre tempo de trabalho e tempo de descanso, sem que exista qualquer terceira categoria, embora tenha a van­tagem da simplicidade, suscita sérios problemas”, que identifica, mas considerando que “o próprio trajecto do local de trabalho para a residência ou domicílio do trabalhador não será normalmente tempo de trabalho”.

Francisco Liberal Fernandes, na obra citada, no comentário aos artigos 197.º e 199.º do Código do Trabalho, págs. 73 e segts., afirma: “o CT concebe a noção tempo de descanso por contraposição a tempo de trabalho, o que significa que, formalmente, não prevê categorias intermédias ou mistas.”. Como “Consequência desta dicotomia (…), a noção de período de descanso abrange assim o tempo de deslocação para o local de trabalho, o período durante o qual o trabalhador não está a desempenhar efectivamente a sua actividade nem permanece à disposição do empregador”.

E “Embora o tempo gasto na deslocação do domicílio para a empresa ou para o local de trabalho normal ou fixo (e vice-versa) - o local definido pelas partes no contrato ou, na ausência de estipulação, o local onde o trabalhador exerce em termos predominantes as suas funções - seja um período de relativa indisponibilidade para o trabalhador, a respectiva duração não se integra por regra no período normal de trabalho (cf. art. 199º); porém, nada impede que as partes, individual ou colectivamente, estipulem de modo diferente, caso em que passará a ser um período remunerado.”.

O local de trabalho definido pelas partes, na Cláusula Primeira, ponto 3. do CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO, é a sede da Ré, situada no “Heliporto de ..., Lugar de ..., ...”.

Milena da Silva Rouxinol e Joana Nunes Vicente, in Direito do Trabalho, Relação Individual, 2.ª ed, AA. VV., Almedina, 2023, p. 803) também consideram que “(…) o conceito de tempo de trabalho se inscreve num esquema dito binário, em cujos termos o tempo ou é de trabalho, ou é de repouso, sem tertium genus.”. E acrescentam que esse “(…) sistema binário adotado pelo legislador português deriva do Direito da EU. Com efeito, resulta (atualmente) da referida Diretiva 2003/88/CE, que aquela dupla de conceitos é exclusiva e eles são mutuamente excludentes.”

No Acórdão do Tribunal da Relação pode ler-se:

“(…), quando o Autor se desloca, por sua iniciativa, em viatura automóvel, ou outro meio de transporte à sua escolha, entre a sua residência e a base aérea indicada pela Ré, onde irá iniciar funções, ou vice-versa se estiver a regressar do trabalho, o tempo despendido não é tempo de trabalho, pois o mesmo não se encontra adstrito à realização da sua prestação laboral durante esse período.”.

Diferente seria, por exemplo, se a Ré estivesse obrigada, por acordo das partes, a transportar o Autor da sua residência para o local de trabalho, e vice-versa, dado que tal compromisso impediria o Autor de gerir o tempo dessas deslocações com as suas actividades privadas caso assim o entendesse.

Em síntese: tendo sido acordado pelas partes que o local de trabalho do Autor é a sede da Ré, sita no “Heliporto de ..., Lugar de ..., ...”, e não estando provada qualquer obrigação da Ré em transportar o Autor da sua residência para o local de trabalho, e vice-versa, tais deslocações não configuram tempo de trabalho.

4. - Do suplemento IFR (subsídio de voo por instrumentos).

4.1. - No acórdão recorrido foi consignado:

Com arrimo nos factos assentes, o mencionado suplemento remuneratório apenas era pago a alguns pilotos da Ré que assumiam as funções de comandante a bordo da aeronave.

Ora, jamais tendo o Autor assumido tais funções, não lhe era devida tal prestação pecuniária acessória.

E, como se salienta na sentença recorrida, sendo as funções do piloto comandante e do copiloto distintas, o não pagamento do referido suplemento IFR ao Autor não constitui qualquer violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, ou do princípio mais específico de igualdade salarial, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Lei Fundamental.”.

4.2. - Relativo a esta questão foi dado como provado:

160.- IFR corresponde à abreviatura de “Instrument Flight Rules”, modo de voo traduzido no glossário da Autoridade Nacional de Avaliação Civil como “regras de voo por instrumentos” (cf. pág. 14 do Documento).

168.- O suplemento IFR era pago a alguns pilotos da Ré, nomeadamente aos que assumiam as funções de comandante a bordo da aeronave.

171.- A Ré nunca pagou este suplemento ao Autor.

172.- O Autor, na execução do seu trabalho, quando necessário, voou de acordo com as regras de voo por instrumentos, executando, no que se refere à execução dessas regras, trabalho semelhante ao realizado pelos seus colegas comandantes a quem a Ré pagava esse suplemento.

173.- A habilitação para voo por instrumentos estava averbada na licença do Autor.

183.- No exercício da sua atividade profissional, o Autor desempenha as tarefas de pilotagem enquanto coadjutor de um piloto comandante, assumindo diversas tarefas específicas e ainda, em caso de necessidade, as de substituição do piloto-comandante.

191.- O Autor sempre desempenhou, ao serviço da Ré, as funções de copiloto.

192.- O Autor nunca desempenhou ao serviço da Ré a função de Comandante.

193.- A Ré apenas paga aos Comandantes o suplemento remuneratório IFR.

4.3. - Sobre esta questão, o Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto escreveu no seu Parecer:

Em relação à fonte de pagamento deste subsídio, apenas encontramos na matéria de facto dada como provada que «[o] suplemento IFR era pago a alguns pilotos da Ré, nomeadamente aos que assumiam as funções de comandante a bordo da aeronave.» - ponto 168) dos factos provados.

Não se encontra, assim, base legal ou contratual que justifique a obrigatoriedade do pagamento desse subsídio ao recorrente.

Por outro lado, e embora se desconheça concretamente quais os pressupostos que determinavam esse pagamento a certos trabalhadores, resulta da factualidade provada que seria apenas pago aos comandantes.

Não tendo o recorrente a categoria profissional de comandante, pois o recorrente sempre exerceu as funções de copiloto – cf. ponto 191) e 192) dos factos provados –, desde logo a obrigatoriedade do pagamento do subsídio em questão ao recorrente está afastada.

Pelo que, e salvo melhor entendimento, a obrigatoriedade de pagamento deste suplemento ao recorrente apenas poderia derivar de discriminação salarial, em violação ao princípio de por «trabalho igual, salário igual», conforme o previsto no art. 270.º do CT.

Como se sabe, este princípio não tem um caráter absoluto, já que é possível existir diferenciação salarial fundada em critério objetivo, sendo apenas proibida a diferenciação arbitrária.

Acontece que o recorrente não indicou trabalhadores concretos que prestassem trabalho nessas condições, ou seja, em quantidade, natureza e qualidade igual ao seu, e que tivessem um estatuto remuneratório mais favorável, em relação aos quais estivesse, portanto, a ser discriminado – e tinha esse primeiro ónus de prova, por força do disposto no art. 25.º, n.º 5, do CT, sem prejuízo da posterior inversão consagrada no final dessa norma.

O facto de no seu desempenho o recorrente ter voado quando necessário «através de instrumentos, designadamente quando cumpriu turnos noturnos», bem como «executando, no que se refere à execução dessas regras, trabalho semelhante ao realizado pelos seus colegas comandantes a quem a Ré pagava esse suplemento» – cf. pontos 167) e 172) da factualidade provada –, parece-nos manifestamente insuficiente para permitir a conclusão que existiu violação ao princípio da igualdade, na vertente de «trabalho igual, salário igual», conforme o previsto nos art. 270.º do CT.”.

A insuficiente factualidade para sustentar a pretensão do Autor ao pagamento do suplemento IFR também é manifesta mesmo quando o Autor, na execução do seu trabalho, “quando necessário”, voou de acordo com as regras de voo por instrumentos - cfr. ponto 172. dos factos provados - já que não alegou, nem provou, não só as concretas circunstâncias que impunham voar de acordo com as regras de voo por instrumentos, como também os concretos voos - dias e horas - em que foi “necessário” voar de acordo com essas mesmas regras.

Improcede, também, nesta parte, a pretensão do Autor.

IV. - Decisão

Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Social, julgar improcedente o recurso de revista e manter o acórdão recorrido.

Custas a cargo do Autor.

Lisboa, 25 de setembro de 2024


Domingos José de Morais (Relator)

Júlio Manuel Vieira Gomes

José Eduardo Sapateiro