JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
ASSÉDIO MORAL
DIREITO A FÉRIAS
Sumário


I. A justa causa para despedimento disciplinar consiste em um “comportamento culposo do trabalhador que pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho” (n.º 1 do artigo 351.º do CT), sendo que mesmo uma redução anormal de produtividade teria de ser culposa para constituir justa causa.
II. Embora o assédio moral não exija sempre uma intenção assediante, o exercício normal dos poderes de fiscalização da atividade pelo empregador, mormente quando este esteja insatisfeito com a prestação do trabalhador, não constitui, em si mesmo, um qualquer assédio.
III. Ainda que a letra do n.º 1 do artigo 239.º atribua ao trabalhador, no ano de admissão, dois dias úteis de férias por cada mês de duração do contrato, deve entender-se da lógica de todo o preceito que a lei se reporta a cada mês completo de duração do contrato.

Texto Integral

Processo n.º 17600/21.8T8PRT.P1.S1

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

Relatório

AA intentou ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sob a forma de processo especial contra Garagem Avenida do Oeste1 – Comércio e Indústria Peças para Automóveis, Lda., apresentando o formulário com vista à impugnação do despedimento de que foi objeto.

Regularmente notificada, a Ré veio apresentar o seu articulado inicial, pugnando pela regularidade e licitude deste despedimento.

O Autor contestou e deduziu reconvenção.

Em 13.12.2022, proferida Sentença na qual se decidiu:

Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente ação parcialmente procedente por provada e em consequência, julga-se lícito o despedimento aplicado pela R. ao A. enquanto sanção disciplinar, absolvendo-se o demandado do demais peticionado.

Condena-se a R. a pagar ao A. a quantia de € 637,20 (seiscentos e trinta e sete euros e vinte cêntimos) devida a título de créditos por horas de formação não ministrada.

Fixam-se aos presentes autos o valor de € 27.668,49.”.

O Autor interpôs recurso de apelação.

Por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18.09.2023 foi decidido o seguinte:

Em face do exposto, acorda-se, na parte impugnada no recurso, em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, decide-se revogar a sentença recorrida, que é substituída pelo presente acórdão em que se decide:

A. Julgar ilícito o despedimento do Autor, AA;

B. Condenar a Ré, Garagem Avenida do Oeste – Comércio e Industria de Peças para Automóveis, Ldª, a:

b.1. Reintegrar o A. no mesmo estabelecimento e sem prejuízo da sua antiguidade;

b.2. Condenar a Ré a pagar ao A. as retribuições, no montante mensal de €850,00, incluindo subsídios de férias e de Natal, bem como as quantias mensais correspondentes ao benefício económico que o A. retirava da utilização pessoal da viatura automóvel e do telemóvel que lhe haviam sido atribuídos, que o A. auferiria desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado do presente acórdão na parte em que se decide declarar ilícito o despedimento e condenar no pagamento das mencionadas retribuições, mas descontando-se às mesmas: i) as quantias que lhe hajam sido pagas pela Ré em 2021 a título de subsídio de férias vencido nesse ano, de subsídio de natal proporcional ao trabalho prestado em 2021 e de subsídios de férias proporcional ao trabalho prestado em 2021 (que venceria em 01.01.2022); ii) o montante dos subsídios de desemprego que o A. haja recebido desde o despedimento até ao mencionado trânsito em julgado, os quais deverão ser entregues pela Ré à Segurança Social; iii) as importâncias que o A. haja auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento desde 11.11.2022 (data do encerramento da audiência de discussão e julgamento) e até ao mencionado trânsito em julgado, tudo a liquidar em incidente de liquidação nos termos dos arts. 609º, nº 2, e 358º, nº 2, do CPC;

b.3. Condenar a Ré, como consequência da reintegração determinada no ponto V.b.1., a atribuir ao A., também para sua utilização pessoal, o veículo ligeiro de passageiros, de 5 portas, que lhe havia atribuído ou outro de características similares.

b.4. Condenar a Ré a pagar ao A., sobre as quantias referidas em b.2., juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da decisão que proceder à liquidação das quantias em dívida, até efetivo e integral pagamento;

b.5. Condenar a Ré, a partir do trânsito em julgado do presente acórdão, a pagar, em partes iguais destinadas, uma ao A., outra ao Estado, a sanção pecuniária compulsória de €100,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reintegração, nesta se incluindo o atraso no cumprimento da obrigação de atribuição da viatura automóvel nos termos decididos no ponto V.b.3.

C. Condenar a Ré a pagar ao A. a quantia de €5.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais decorrentes de assédio moral.

D. Condenar a Ré a pagar ao A., a título de subsídios de férias relativos ao trabalho prestado nos anos de 2018, 2019 e 2020, as quantias de, respetivamente, €46,36, €1.020,00 e de €1.020,00, acrescida de juros de mora em termos a fixar na sentença que vier a ser proferida na sequência da anulação a que se reporta a subsequente al. F).

E. Condenar a Ré a pagar ao A. a quantia de €154,55 a título de subsídio por isenção de horário de trabalho relativa a novembro de 2019, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 01.12.2019 até efetivo e integral pagamento.

F. Quanto aos pedidos relativos ao pagamento das férias de 2018 (proporcionais), de férias não gozadas vencidas em 01.01.2019 e 01.01.2020 e indemnização por não gozo de férias em 2019 e em 2020, anular, nos termos do art. 662º, nº 2, al. c), do CPC, a sentença recorrida para ampliação, pela 1ª instância, da matéria de facto no termos referidos no ponto IV.9.1.1. do presente acórdão, após o que deverá ser proferida nova sentença em conformidade.”.

A Ré interpôs recurso de revista.

Nas Conclusões do mesmo, depois de questionar o valor da ação (Conclusões 2 a 6) por ter o Acórdão recorrido, ao invés da sentença, decidido que o despedimento era ilícito, a Ré impugnou a decisão em matéria de facto do Acórdão recorrido, invocando ter a Relação feito um uso indevido dos seus poderes processuais na matéria (Conclusão 10).

A respeito, impugna, desde logo, a decisão do Tribunal de eliminar factos como conclusivos.

Invoca, igualmente, excesso de pronúncia quanto à decisão do Tribunal no Acórdão recorrido de dar como não provados certos factos (Conclusões 27 e 28).

Em síntese nesta matéria defende que “[d]everá manter-se toda a decisão de facto, matéria provada e não provada, proferida pela sentença de 1.ª instância e repristinada a sentença, por terem sido violados os mais elementares princípios jurídicos do direito probatório” (Conclusão 33; ver também Conclusão 35).

Seguidamente nega a existência de danos não patrimoniais do trabalhador e a existência de assédio moral por parte da Ré (Conclusões 35 a 52).

Defendeu, ainda, a licitude do despedimento (Conclusões 53 a 55) e, em consequência, que não deveria ser atribuída qualquer indemnização ou compensação ao trabalhador pelo despedimento de que foi alvo, nem a sua reintegração.

Quanto aos créditos salariais do trabalhador afirma já ter procedido anteriormente ao pagamento dos subsídios de Natal e de férias a que foi condenada (Conclusões 56 a 59), acrescentando que tendo o trabalhador iniciado a sua atividade em dezembro de 2018, não se teria vencido a 1 de janeiro de 2019 qualquer direito a férias (Conclusões 60 e 61).

Uma vez que, ao contrário da sentença de 1.ª instância que tinha decidido pela licitude do despedimento, o Tribunal da Relação se pronunciou pela licitude do mesmo foi determinado que as instâncias procedessem a novo cálculo do valor da ação.

Com efeito, a Secção Social deste Tribunal tem reiterado que nos casos em que o Tribunal da Relação revoga a Sentença que tinha considerado lícito o despedimento e condena o réu a proceder ao pagamento dos créditos decorrentes de um despedimento que pela primeira vez no processo é declarado ilícito, o Tribunal da Relação deve fixar o valor da causa com o fundamento de que só naquele momento se determina a utilidade económica do pedido (cfr. Acórdão proferido na revista nº 17293/20.0T8SNT-A.L1.S1, de 15-12-2022, Relator Mário Belo Morgado; Acórdão proferido na revista nº 714/15.0T8BRR.L2.S1, Relator Ribeiro Cardoso, de 08-05-2019).

Tendo o Autor reclamado desse despacho, foi proferido Acórdão pela Conferência confirmando o despacho

Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da total improcedência do recurso.

O empregador respondeu ao Parecer.

O Autor respondeu pedindo o desentranhamento da resposta e invocando que a Ré e Recorrente agia de má fé, ao exceder claramente os limites da resposta ao Parecer.

Em despacho do Relator depois de sublinhar que a resposta ao Parecer não é um meio processualmente legítimo para corrigir ou desenvolver as alegações de recurso, destacou-se que apenas seriam tomadas em linha de conta as conclusões constantes do recurso, já que são elas que delimitam o objeto do mesmo (sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso pelo Tribunal), mas decidiu-se não estar demonstrada a má-fé da Recorrente e não se justificar o desentranhamento da peça.

Fundamentação

De Facto

1. O A. foi admitido na R. em 12.12.2018, para lhe prestar serviço como... (...), sob a sua autoridade e direção, com a remuneração mensal de 850€, acrescida de uma retribuição especial por isenção de horário de trabalho, de 170€, e de subsídio de alimentação.

2. A R. dedica-se à importação, comércio e indústria de peças e acessórios para automóveis, combustíveis e lubrificantes.

3. O A. não é sindicalizado.

4. O horário de trabalho do A. era das 9 às 19 horas, com 2 horas de intervalo para o almoço, de 2ª a 6ª feira.

5. O aqui A. no exercício das suas funções utilizava diariamente um veículo automóvel, um telemóvel e um tablet.

6. O trabalho por ele desenvolvido é na zona do ..., onde faz vendas e deve angariar novos clientes.

7. Habitualmente o sócio e gerente da sociedade empregadora está na sede, encontrando-se na ....

8. O Autor raramente se desloca à sede na ....

9. O Autor deveria fazer Relatórios de deslocação a clientes e enviá-los, para o Dr. BB e devia ainda registar as suas visitas e vendas num tablet, para haver um histórico dos clientes e possíveis novos clientes.

10. Eliminado. (o teor deste facto era o seguinte: “O Dr. BB pediu para fazer os relatórios, há cerca de 6 ou 7 meses, porque é procedimento comum dos vendedores da empresa, mas o A. não apresentava registos no tablet e depois de várias vezes alertado poucos registos fez”).

11. O Autor quando entrou para empresa ficou com carteira de clientes dos postos de abastecimento com o símbolo da Q... e com algumas lojas de peças para automóveis.

12. Eliminado. (o teor deste facto era o seguinte: “Alguns dos representantes desses postos entram em contacto direto com a sede, por mail ou telefone, para fazer encomendas porque o vendedor não passava por lá. O que foi confirmado durante o período em que esteve de férias, nos meses de julho e de agosto do corrente ano, percecionado pelas chamadas que receberam dos vários clientes”)

13. Eliminado. (o teor deste facto era o seguinte: “Num dos últimos pedidos para que cumprisse os objetivos e identificasse os novos clientes, o Autor, por e-mail de 15/07/2021, veio colocar em causa os clientes, os preços e a qualidade dos produtos vendidos”)

14. O Autor aos 15.07.2021 enviou à Ré e-mail com o seguinte teor: “Bom dia. Penso que a sua política de redução de custos começou logo que eu fui admitido, pois não me pagou: férias, subsídio de férias e de Natal de 2018 (proporcionais) férias (não gozadas) e subsídio de férias vencidos em 1.1.2019, férias (não gozadas) vencidas em 1.1.2020. Espero e solicito o pagamento dos valores que me são devidos, pois deles não abdico.

Relativamente às considerações sobre o meu desempenho de vendas, eu também gostaria de vender mais e de alcançar os objetivos que unilateralmente me fixa, mas a verdade é que não sou eu que mando nos clientes, nos preços praticados, na qualidade dos produtos e no estado geral da atividade económica. Por isso apenas posso fazer o meu melhor, que é que tenho feito. E por isso logo que me pediu os dados dos clientes enviei-lhe. Como disse, não tenho stress, mas cumpro as minhas obrigações e faço pundonor disso.

Cumprimentos, AA”.

(alterado pelo Tribunal da Relação)

15.A R., em 16/07/2021, apresentou a resposta seguinte: “Boa tarde, Exmo. Senhor AA

Venho pelo presente responder ao seu e-mail de 15/07/2021.

A entidade patronal, ao contrário de V. Exa., tudo tem feito para manter o seu posto de trabalho, daí a política da redução de custos e a tentativa de fomento da produtividade dos seus trabalhadores. No entanto, no seu e-mail, V. Exa. coloca em causa os preços, praticados pela empresa, os clientes e, pior, “a qualidade dos produtos”. Quanto aos clientes V. Exa. não tem de se ficar pelos angariados pelos outros vendedores e muito nos agradaria que angariasse por si novos clientes.

Perguntamo-nos ainda se um vendedor não acredita na qualidade dos produtos que vende, como poderá convencer os clientes a comprar?

Quanto ao desempenho da sua atividade, como sabe a entidade patronal não está presente, não o controla e não aquilo que V. Exa. faz, daí que peça a identificação de novos clientes e os relatórios de visita. O que não tem sido devidamente feito por si. O lema desta sociedade sempre foi tratar todos os clientes e trabalhadores com respeito e dignidade, principalmente, os vendedores porque são a cara da nossa empresa, perante os clientes, e um vendedor insatisfeito não irá transmitir uma boa imagem.

A si apenas pedimos profissionalismo.

Quanto aos alegados créditos salariais, convém referir que iniciou o contrato em 12/12/2018 e deverá V. Exa. consultar os seus recibos de vencimento, pois todos os créditos foram pagos no devido tempo, isto é, o subsídio de Natal de 2018 foi pago no mês de dezembro de 2018 e os subsídios de férias foram pagos nos meses em que gozou as suas férias e V. Exa. gozou férias no ano de 2019 e no ano de 2020.

As suas comunicações, para com a entidade patronal, têm sido intimidatórias e acusatórias e é V. Exa. quem está a ter uma atitude persecutória, tentando forçar a entidade patronal a “perder a cabeça” e a despedi-lo. Mas, este não é nem nunca foi o estilo desta empresa, por isso agradeço que pare com a atitude persecutória e que desempenhe a sua atividade com profissionalismo e dedicação, designadamente, enviando a identificação dos novos clientes, os relatórios das visitas e que cumpra os objetivos por si propostos. Conforme lhe foi transmitido é necessário que entregue o veículo, nas instalações da empresa, durante os períodos em que V. Exa. vai gozar férias no verão, uma vez que estamos com falta de viaturas.

Com os melhores cumprimentos, (Alterado pelo Tribunal da Relação)

16. O Autor visita os clientes que entende e nunca houve impedimento para que os visitasse e fizesse prospeção, pelo contrário, era incentivado a ter novos clientes.

17. Sempre que houve formações da Q... e da O..., na ..., o Autor era convidado para fazer as formações. A última terá sido há cerca de um ano e meio (depois não houve mais por causa da pandemia).

18. Há quatro vendedores de lubrificantes na empresa, habitualmente os ... marcam reunião com o Dr. BB, para falar sobre os clientes, as campanhas os novos produtos, os preços, as estratégias do negócio e as dificuldades. O Autor, com exceção do pedido de reunião referido no facto n.º 58 dos factos provados, é o único que não marca reuniões e é raro aparecer na sede. (Alterado pelo Tribunal da Relação)

19. Eliminado. (O teor deste facto era o seguinte: “A faturação do A., relativa aos anos de 2019, 2020 e 2021, em relação aos outros vendedores, ao serviço da R. é inferior aos demais”)

20. Eliminado. (O teor deste facto era o seguinte: “Durante o período de férias do Autor, em agosto, as encomendas eram feitas diretamente na sede e verificou-se que a faturação, sem as necessárias visitas presenciais, era exatamente a mesma que o Autor, em período normal de trabalho, efetuava”)

21. Em 30.04.2021 o gerente da Ré comunicou ao A., nos termos referidos no nº 60 dos factos provados, que “ia providenciar a troca da sua viatura por um veículo que não tivesse tributação autónoma e em que pudesse deduzir o IVA, para redução de custos” e, em 16.07.2021, o mesmo pediu ao A. que procedesse à entrega do veículo nos termos constantes do email referido no nº 15 dos factos provados, em que refere que “é necessário que entregue o veículo, nas instalações da empresa, durante os períodos em que V. Exa. Vai gozar férias no verão, uma vez que estamos em falta de viaturas”. (Alterado pelo Tribunal da Relação)

22. Na falta da entrega da viatura foram trocados os seguintes e-mails: - Enviado pela aqui R., em 30.7.2021, 16:20: “É para informar que se irá buscar a viatura segunda-feira a partir das 16 horas.”. Resposta do Autor, 30.7.2021, 17:37: “Em resposta ao seu email, informo que 2f estarei ausente, de férias, pelo que agradeço que informe como quer fazer para recolher o carro.”; e-mail da R. de 30.7.2021, 17:48: “Temos outra chave do veículo, apenas precisamos que nos diga em que rua vai estar.”. Resposta do Autor, 30.7.2021, 22:12: “Travessa ..., junto ao número ....”.

22-A. A viatura, após a troca de emails referida no nº 22, não foi recolhida pela Ré e foi entregue pelo A. à Ré no dia 23.08.2023, aquando da reunião que teve lugar neste dia (Aditado pelo Tribunal da Relação).

23. Por, na sequência dos emails referidos no nº 22-A, a viatura não ter sido recolhida pela Ré e atenta a necessidade da realização de uma reunião presencial, durante o período de férias do A., em 06.08.2021, o gerente da Ré convocou o A. para uma reunião logo no primeiro dia de trabalho após as férias, dia 23.08.2021, pelas 14 horas, convocatória essa constante do email de 06/08/2021 enviado ao A. com o seguinte teor:

Boa tarde,

Apesar de solicitarmos a entrega da viatura durante as suas férias tal não foi cumprido. Por outro lado, quando tentámos ir buscar a viatura deparámos com inúmeras objeções da sua parte para a entrega da viatura. Primeiro afirmou que estava de férias, segundo afirmou que a viatura estava na Travessa ... junto ao número ..., mas afinal na segunda-feira de manhã estava na sua garagem, terceiro, a viatura não pegava e chamou-se o reboque, afinal era falta de bateria, entretanto perdemos a oportunidade de ir buscar a viatura por indisponibilidade quer de pessoas ou de viatura, o que lamento. Venho ao mesmo tempo marcar uma reunião na sede da empresa para o dia 23 de Agosto às 14 horas de modo a que não tenha desculpas para não vir, dado que, no limite, este email às 9 horas da manhã do dia 23. Temas para a reunião:

Preços praticados pela empresa. Qualidade dos nossos produtos. Plano de vendas.

Cumprimentos

BB”. (Alterado pelo Tribunal da Relação)

24. O Autor respondeu, em 22/08/2021, dizendo que: “não lhe admito que me ofenda com email provocatórios a minha honra e dignidade” e dando explicações para a não entrega da viatura.

25. A reunião ocorreu, no dia 23/08/2021, para discutir estratégias de venda, no escritório da sede da sociedade.

26. A zona do escritório, situa-se no primeiro andar, é composta por dois gabinetes e duas salas abertas.

27. No dia da reunião a secretária CC estava sentada na sua secretária, na sala que fica junto ao gabinete do Dr. BB, e, durante a reunião, a porta do gabinete do Dr. BB estava entreaberta como sempre acontece.

28. Para além da CC, na outra sala, na sua secretária, encontrava-se a administrativa DD.

29. A reunião começou por volta das 11 horas, mas estava marcada para as 14 horas e estavam a organizar a manhã e teve de ser tudo alterado, designadamente pedidos de combustíveis, pagamentos e outros assuntos, para não interromperem a reunião, apenas fizeram um pagamento urgente.

30. Nesse dia também o Autor voltou a comunicar que o carro estava com um problema de bateria. O Peugeot 308 só pegava com os cabos e a fazer encosto de bateria.

31. Durante o período da manhã, o Autor, foi com o ... de peças, o EE, à oficina ver o carro, a Peugeot Partner. O Autor, ... e ... dos lubrificantes da marca Q... ficou admirado porque o veículo tinha a publicidade da Q... e disse “ de dois lugares?”, e respondeu ainda “isto eu não quero.”.

32. Com exceção do vendedor da Ré FF, que utilizava uma viatura ligeira de 5 lugares, os outros vendedores usam viaturas de 2 lugares, com publicidade da Q... e nunca se recusaram a usar carros com a publicidade da marca de lubrificantes. (Alterado pelo Tribunal da Relação).

33. Depois de o carro ser mostrado ao A. por um outro trabalhador da Ré (GG), o Dr. BB continuou a reunião com o A. (Alterado pelo Tribunal da Relação)

34. A reunião correu de forma cordial, sem gritos ou levantar de voz e após, sem quaisquer queixas ou comentários, foram almoçar juntos e voltaram à tarde.

35. Na parte da tarde o Autor esteve sentado numa secretária à frente da funcionária CC, a fazer chamadas e não fez qualquer comentário com as trabalhadoras administrativas.

36. A meio da tarde voltou à conversa com o Dr. BB, o Dr. BB desceu e o Autor desceu atrás dele.

37. Passado pouco tempo ele subiu, para ir buscar as coisas, despediu-se de ambas as funcionárias do escritório e estas não notaram qualquer alteração no comportamento do Autor.

38. Só quando o Dr. BB regressa ao escritório é que ficam a saber que o Autor se recusou a levar o carro, abandonou a sede e foi a pé.

39. O Dr. BB ficou nervoso com a situação, porque esperava que ele levasse a Peugeot Partner e não estava à espera ele fosse embora a pé.

40. No dia 25/08/2021, enviou um e-mail com o seguinte teor:

Bom dia. O senhor chamou-me às instalações da empresa para me humilhar à frente dos colegas. Desde logo com a intenção de me atribuir uma viatura comercial de caixa alta, pintada com letras, para substituir a viatura ligeira que me estava disponibilizada. E nem teve coragem de me dizer frontalmente, tendo incumbido um colega de tratar comigo. Depois passou a reunião a desvalorizar e a rebaixar o meu trabalho, constrangendo-me e colocando-me no nível zero. Não posso aceitar minimamente esta situação. Não abdico de continuar a exercer as minhas funções, nem do pagamento dos valores que reclamei, e reservo-me o direito de denunciar este tratamento a quem de direito.

Atentamente,”.

41. A aqui R. apresentou a seguinte resposta:

“Boa tarde,

Exmo. Senhor AA

Venho pelo presente responder aos seus e-mails de 22/08/2021 e de 25/08/2021. Começando pelo e-mail de 22/08/2021.

Como se pode perceber, pela leitura dos meus e-mails, jamais o provoquei ou atentei contra a sua honra e dignidade.

Limito-me, como entidade patronal, a solicitar informação sobre a prestação dos seus serviços.

Mas, pelo teor dos seus e-mails quase parece que V. Exa. é que ordena e eu tenho de me limitar a aceitar aquilo que decide.

O Sr. AA sabia, desde o dia 30 de Abril, que iria trocar a sua viatura por uma comercial. Voltei a solicitar a entrega do veículo antes das férias, no mês de Agosto, mas V.Exa. não o entregou. Depois disse que a viatura estava na Travessa ... junto ao ..., mas mais tarde disse que estava na sua garagem.

É muito estranho que, durante pelo menos dois meses que a bateria não estava a funcionar bem, ser no dia exato da recolha da viatura que a mesma não pegue.

No que diz respeito ao e-mail de 25/08/2021 e em relação ao que se passou na reunião:

O Sr. AA foi convocado para uma reunião às 14 horas, na sede da empresa, e chegou à sede às 11 horas.

Reunimos, apesar de V. Exa. ter antecipado a hora da reunião e de eu ter de desmarcar os meus compromissos.

No início da reunião foi-lhe comunicado que teria de trocar de viatura (como tinha informado no email de 30 de Abril), para uma comercial, que é da mesma marca, com a mesma cilindrada e com os mesmos extras, a única diferença é ser comercial, o que, para o exercício da sua atividade, não o afeta minimamente.

Foi-lhe apresentada a viatura e disse, de imediato, “só tem dois lugares”. Ora, trata-se de uma viatura de serviços e não de uma viatura familiar ou de passeio e apenas foi colocada à sua disposição para uso exclusivo no âmbito da atividade profissional.

Depois disso tivemos a reunião, no meu gabinete, que correu sempre de forma cordial.

A forma como escreve a entender que a reunião foi um caos, que houve desentendimentos e provocações, quando tal não corresponde à realidade. Com estas afirmações é V. Exa. que está a colocar em causa a minha honra, consideração e dignidade. Comportamento inaceitável e parece que me quer levar à exaustão. É completamente falso que o tenha constrangido ou rebaixado.

Pior! Pelo facto de a porta do meu gabinete estar entreaberta não pode dizer que o estava a “humilhar à frente de colegas”, pois no escritório não estavam quaisquer outros colegas vendedores, apenas estavam as administrativas e cada uma estava na sua secretária, em sítios diferentes. No fim da reunião, como o ambiente esteve sempre calmo, veio dizer que iria levar a viatura Peugeot 308 SW e eu respondi que a viatura que iria levar era a Peugeot Partner, igual à dos colegas, ao que V. Exa. respondeu que então ia a pé. E saiu porta fora!

Ficámos boquiabertos, depois de sair porta fora, pois não se esperava tal atitude. Esta tentativa de vitimização é grave, porque não foram praticados atos para o ofender ou provocar. Mais grave ainda o Sr. AA ter-se recusado a usar a viatura que a empresa lhe disponibilizou, sublinhando que todos os vendedores usam veículos da mesma gama, pois ela é fundamental para o exercício da sua profissão. Deverá V. Exa. dirigir-se, de imediato, à sede da empresa para levar o veículo que lhe está afeto.

Mais informo que, ou V. Exa. termina com este tipo de ameaças e de e-mails ou será aberto processo disciplinar, uma vez que não posso ficar indiferente a atitudes deste género e e-mails que atentam contra a minha honra, consideração e dignidade.

Quanto aos créditos salariais, irei verificar se algum valor está em dívida e, se assim for, ser-lhe-á pago o que é devido, uma vez que é política da empresa pagar todos os valores devidos aos trabalhadores.

Quanto às férias, como V. Exa. bem sabe, foram marcadas gozou-as. BB”.

42. O Autor voltou a enviar um e-mail, em 26/08/2021, 10:18, dizendo o seguinte:

“Bom dia.

Não adianta distorcer a realidade. A sua postura comigo foi lamentável e chegou à indignidade de me mandar vir para o ... a pé, nem me tendo levado a um local onde tivesse transporte de regresso. Incrível.

A retirada da viatura que me estava afeta, com o subterfúgio de falta de viaturas nas férias, a redução das minhas condições contratuais com a retirada da IHT e agora as humilhações que me infligiu e quer infligir com a atribuição de uma carrinha comercial de carga e a não devolução do ligeiro que me disponibilizou desde o início, bem como o não pagamento de valores que me são devidos, evidenciam um procedimento de assédio, tendo em vista a criação de condições para que me demita.

Não adianta ameaçar com processo disciplinar. As coisas são como são e não me pode impor a humilhação, nem eu a aceito.

O senhor fará como entender. Atentamente,”

43. A R. nesse mesmo dia, 11:08, respondeu alegando que:

“Boa tarde,

Exmo. Senhor AA

Lamentável o seu e-mail, com alegações absolutamente falsas, jamais houve qualquer tipo de humilhação. É V. Exa. que distorce a realidade, querendo levar-me à exaustão e fazer com que o despeça. O que vale é que a situação do carro foi presenciada por vários funcionários e foi a sua atitude que deixou todos boquiabertos. Como é que é possível um funcionário tratar assim o patrão?

O senhor deverá cumprir as ordens que lhe são indicadas, pela entidade patronal, e se alguém que está a assediar é V. Exa. e tal é inadmissível.

44. Quanto às férias, os vendedores têm o mapa de férias e avisam quando estão de férias e é na sede que são recebidos os pedidos das encomendas quando eles estão de férias.

45. Eliminado. (O teor deste facto era o seguinte: “O depoente gozou as férias, normalmente as férias são gozadas no mês de Agosto, quando as oficinas estão fechadas”)

46. Depois do dia da reunião o Autor não voltou à sede da empresa e recusa-se a utilizar a viatura comercial, de 2 lugares, caixa alta e pintada com as letras daQ..., as quais se destinam à promoção dos lubrificantes daquela mesma marca, sendo que, até à reunião de 23.08.2021, a viatura distribuída ao A. era uma viatura ligeira, de cinco lugares, e sem tal publicidade (alterado pelo Tribunal da Relação).

47. O Autor deixou de fazer o correto acompanhamento dos clientes, deixando de fazer as necessárias visitas e demonstração e explicação presencial dos produtos.

48. O A. dispôs desde o início um veículo automóvel ligeiro, Peugeot 308 SW, que mantinha em sua casa no ... e para seu uso diário exclusivo, para todas as suas deslocações, incluindo as pessoais, incluindo aos fins-de-semana e feriados, com todas as despesas de circulação, manutenção e combustível, impostos, seguro e portagens a cargo da R., cuja utilização pessoal o A. estima em 250€ mensais.

49. A R. também disponibilizou ao A. um telemóvel para todas as chamadas que tivesse de fazer, incluindo as pessoais, sem qualquer limite, cuja utilização pessoal o A. estima em 25€ mensais.

50. Por email de 11.6.2020 o gerente da R. comunicou ao A. e aos vendedores da R. HH e II «Foi-vos solicitado no passado mês que me indicassem casas de peças na vossa zona de modo a elaborarmos um projeto de vendas de O... através dessas mesmo casas de peças. Até à data ainda não recebi a indicação de nenhuma casa de peças, como tal, a partir de hoje eu próprio ou alguém que eu indique irá procurar essas casas de peças dado o vosso desinteresse no assunto. Mais informo, relativamente às vossas vendas, que quem não atingir os valores mínimos num mês, terá de no mês seguinte fazer um relatório diário sobre a sua atividade, não podemos continuar a ter prejuízo com a atividade e não ligar nenhuma (como prova o vosso desinteresse pelas casas de peças). E começa este mês».

51. Por email de 27.8.2020 o gerente da R. dirigiu-se ao A. nestes termos: «Estive a verificar as vendas, do mês de Agosto e acumuladas, e os números são no mínimo péssimos. Para agravar o número de prospetos novos no tablet são de apenas 6 desde o início de Junho. Sendo assim, por não ter atingido os mínimos de vendas, a partir de 1 de Setembro, quero que me envie diariamente um relatório sobre as visitas efetuadas que contenha: nome do cliente (ou possível cliente), localidade, data e hora da visita, finalidade da visita, conclusão da mesma (se efetuou venda ou não, se efetuou cobrança ou não, etc.).»

52. O A. recebeu este email sem mais explicações.

53. No dia 21.09.2020 a R. comunicou ao A. que:

“No passado dia 27 de Agosto foi-lhe solicitado um relatório diário sobre as visitas efetuadas. À data de hoje, 21 de setembro, não tenho os relatórios dos dias 3, 14, 16, 17 e 18, dondo deduzo que nesses dias não fez visitas.

A partir de hoje, e para que não haja dúvidas, só começa as visitas desse dia depois de enviar as do dia anterior. E isto não é um pedido, é uma ordem».”

54. No dia 06.12.2020, domingo, pelas 18h34, o gerente da R. enviou ao A. o email que consta do documento nº 14 junto com a contestação, no qual refere que:

Número de visitas: 118 (média por dia: 6,21)

Número de visitas a clientes com fichas abertas: 46 (média por dia: 3,21)

Número de clientes com ficha aberta: 93 (visitou apenas 49,5% desses clientes)

Primeira visita é feita em média às 10h09.

Última visita é feita em média às 15h55.

Sabendo que as vendas de novembro foram de 7.939 € (19% abaixo do valor do mês homólogo de 2019) chego às seguintes conclusões:

- Todos os dias começa a trabalhar às 10h00 e acaba às 17h00 (17h00 considerando que entra no último cliente às 16h00 e as visitas duram em média 45 minutos)

- Só visitando cerca de 50% dos clientes ativos, é praticamente impossível crescer nas vendas (esse número deveria ser 80%)

- Falta de planeamento do trabalho (em dois dias de trabalho não visitou um único cliente ativo)

Agradeço,

Planeamento para o mês de dezembro, com objetivos de vendas, quer em litros, quer em euros.

Explicação para as visitas aos clientes serem entre as 10h09 e as 15h55 (entrada no último cliente), assim como o facto de apenas visitar cerca de 50% dos clientes ativos. (Aditado pelo Tribunal da Relação)

54-A. O A. respondeu, por email de 9.12.2020, ao mail mencionado no nº 54, a declinar as acusações e com o quadro de visitas de novembro e com os objetivos de dezembro e, sem ter sido pedido, um plano mensal de visitas (Renumerado e alterado pelo Tribunal da Relação).

55. No dia 10.01.2021, domingo, pelas 15h45, o gerente da R. enviou ao A. e aos vendedores HH e II um email (logo recebido e lido no smartphone do A.) a solicitar o plano de vendas para 2021, com euros e litros, em cada mês e total do ano.

56. No dia 24.2.2021 o gerente da R. enviou aos mesmos destinatários um email a dizer «solicitei no dia 10 de janeiro um plano de vendas para 2021, se o mesmo não estiver em cima da minha mesa até às 9 horas da manhã de segunda-feira considero que não estão interessados em trabalhar nesta empresa, dado que não ligam a ordens dadas superiormente».

57. O gerente da R. enviou ao A. um email, no sábado, dia de descanso do A., dia 27.2.2021, pelas 18h39 (e logo recebido e lido no smartphone do A.), acusando-o de não ter cuidado nenhum a fazer um plano de atividade e que se não atingisse o número seu plano de vendas, «não estarei disposto a continuar a financiar a sua atividade».

58. Por email de 03.03.2021 o A. pediu ao gerente da R. que o recebesse na sede da R. para tratar de uma proposta de negócio, tendo-lhe aquele respondido por email de 04.03.2021 que para ir à sede da empresa, podia ir quando quisesse, mas para reunir com ele teria de ser quando ele tivesse disponibilidade e como já lhe tinha dito ao telefone, quando tivesse essa disponibilidade informava-o.

59. No dia 12.04.2021 o gerente da R. enviou ao A. um email a dizer que «quero que a partir de amanhã (13 de abril) me passe a enviar, logo de manhã, os clientes que vai visitar, e a que horas. Não vai para a estrada sem eu ter recebido o mail com o planeamento das suas visitas»; ou seja, antes de o A. sair para as visitas, passou a ter de relatar as visitas feitas no dia anterior (email de 21.9.2020) e a enviar o planeamento das visitas que tencionava fazer nesse dia (email de 12.4.2021).

60. Por email de 30.04.2021, 6ª feira, às 19h09 (e logo recebido e lido no smartphone), o gerente da R. comunicou ao A. que estava abaixo do objetivo e que não necessitava de trabalhar fora do horário das 9 às 18h e por isso extinguia a isenção de horário de trabalho com efeitos a partir do 30º dia seguinte e informou-o de que ia providenciar a troca da sua viatura por um veículo que não tivesse tributação autónoma e em que pudesse deduzir o IVA, para redução de custos.

60-A. Com a comunicação referida no nº 60 dos factos provados, de que a Ré iria extinguir a isenção de horário de trabalho, o A. sentiu-se perturbado e incomodado.

61. Por email de 13.05.2021 o gerente da R. comunicou ao A. que a partir do dia seguinte queria que nos relatórios de vendas indicasse os quilómetros da viatura: à saída de casa, em cada cliente e à chegada a casa.

62. No dia 21.03.2021, domingo, pelas 11h46, o gerente da R. enviou ao A. um email (logo recebido e lido no smartphone do A.) a informar os preços mínimos dos especiais dos lubrificantes Q... a vigorar até 15 de abril; no dia 13.05.2021 o A. questionou o gerente da R. sobre o preço de um lubrificante (A...) e se podia vendê-lo em ..., que estava a meio de ... e ....

63. O gerente da R. respondeu no mesmo dia 13.5.2021 «sobre o A..., não tem preços no tablet? Não sabe os preços mínimos? Que eu saiba ... fica no distrito de ...».

63-A. O A. sentiu-se humilhado e afetado na sua dignidade com a resposta do gerente da Ré mencionada no nº 63 dos factos provados (Aditado pelo Tribunal da Relação).

63-B. Aos 16.05.2021, domingo, pelas 11h29, o gerente da Ré enviou ao A. um email a informar os preços mínimos dos lubrificantes Q... a vigorar entre 17 de maio e 4 de junho. (Aditado pelo Tribunal da Relação).

64. Por email de 15.07.2021 o A. referiu ao gerente que a sua política de redução de custos começou logo que o admitiu, pois não lhe pagou férias e subsídio de férias proporcionais a 2018, férias não gozadas e subsídio de férias vencidos em 1.1.2019 e férias não gozadas vencidas em 1.1.2020, e relativamente às considerações sobre o seu desempenho de vendas, também gostaria de vender mais e de alcançar os objetivos que unilateralmente lhe fixava, mas a verdade é que não era ele que mandava nos clientes, nos preços praticados, na qualidade dos produtos e no estado geral da atividade económica. Por isso apenas podia fazer o seu melhor, que era que tinha feito.

65. Enquanto esteve ao serviço da R. o A. nunca teve aumento de remuneração.

66. Na data de admissão do A. a R. entregou-lhe a lista de clientes que provinha do anterior vendedor que tinha estado ao serviço da mesma antes do aqui demandante.

67. Na reunião de 23/08/2021 o gerente determinou ao A. que fosse falar com o colega GG por causa da viatura; o gerente deu instruções ao GG para comunicar ao A. que a sua viatura ligeira ia ser substituída por uma viatura comercial, de 2 lugares e caixa alta, pintada com letras da Q....

68. A R. não deu formação ao A. nem lhe pagou o crédito de formação dos últimos 3 anos: 115 horas.

69. O A. remeteu ao legal representante do R. um email (25/08/2021), nos seguintes termos: “Não adianta distorcer a realidade. A sua postura comigo foi lamentável e chegou à indignidade de me mandar vir para o ... a pé, nem me tendo levado a um local onde tivesse transporte de regresso. Incrível. A retirada da viatura que me estava afeta, com o subterfúgio de falta de viaturas nas férias, a redução das minhas condições contratuais com a retirada da ... e agora as humilhações que me infligiu e quer infligir com a atribuição de uma carrinha comercial de carga e a não devolução do ligeiro que me disponibilizou desde o início, bem como o não pagamento de valores que me são devidos, evidenciam um procedimento de assédio, tendo em vista a criação de condições para que me demita.

Não adianta ameaçar com processo disciplinar. As coisas são como são e não me pode impor a humilhação, nem eu a aceito. O senhor fará como entender.”.

70. No dia 24.8.2021 o A. enviou ao gerente da R. um email a pedir cotação de um produto para um cliente, tendo obtido resposta.

71. Em 30/04/2021 o legal representante da R. remeteu email ao aqui A. comunicando-lhe que em face dos valores ali indicados, a mesma demandada considerava que o A. não necessitava de trabalhar fora do seu horário de trabalho, pelo que extinguia a isenção de horário de trabalho com efeito a partir de 30 dias a contar da data indicada – cfr. doc. nº 20 junto com a contestação, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.

71-A. O gerente da R. retirou ao A. a isenção de horário de trabalho nos termos referidos nos nºs 60 e 71 dos factos provados (aditado pelo Tribunal da Relação).

72. O A. enviou à R. uma encomenda do cliente JJ, de 1 tambor de Q..., para entrega em 1.9.2021, não o recebeu e após várias insistências o cliente deu à R. prazo até 8.10.2021 para a entrega, caso contrário anulava a encomenda. (Aditado pelo Tribunal da Relação).

73. O gerente da R. não aceitou a colocação de uma encomenda do A., para entrega no dia seguinte, relativamente ao cliente KK, em 23.6.2021, referindo que “O S... só se compromete com a entrega até 48 horas, sendo assim não vamos correr o risco de não ser efetuada a entrega e termos o custo do transporte a nosso cargo sem efetuar a venda” (Aditado pelo Tribunal da Relação).

74. Em 16.5.2021 o gerente da R. enviou ao A. uma tabela com os preços mínimos dos lubrificantes O... até 4.6.2021, com a cuba do óleo hidráulico 68 a 1.171€. (Aditado pelo Tribunal da Relação)

75. Em 12.6.2021, na sequência de visitas comerciais de angariação, do A., de 2018 e 2019, o (nesta altura potencial) cliente A... pediu ao A. cotação para o óleo hidráulico 68. (Aditado pelo Tribunal da Relação)

76. O A. reencaminhou o email desse (potencial) cliente ao gerente da R., tendo o gerente dado os preços em 15.06.2021: para 12 cubas, 1.216€ cada uma, para 24, 1.186€ cada uma (Aditado pelo Tribunal da Relação).

77. O A. informou o (potencial) cliente dos preços dados pelo gerente. (Aditado pelo Tribunal da Relação)

78. O (potencial) cliente perguntou ao A. se dava para fazer o mesmo preço unitário dado para as 24 cubas, para 12 (Aditado pelo Tribunal da Relação).

79. Por email de 17.6.2021 o gerente não autorizou o negócio de 12 cubas pelo mesmo preço unitário de 24, porque «não entramos em leilões de produtos» (Aditado pelo Tribunal da Relação).

80. No dia 08.08.2021, estando o A. de férias, o A. recebeu do gerente uma listagem com preços mínimos até 31.8.2021, mantendo a cuba do óleo hidráulico 68 a 1.171€ (Aditado pelo Tribunal da Relação).

81. Durante as férias do A. de agosto o gerente da R. autorizou a venda à A..., em 16.08.2021, de 12 cubas do referido óleo hidráulico 68, a 1.098€ a cuba, venda essa que foi feita pelo ... FF e a ele atribuída (Aditado pelo Tribunal da Relação).

82. O gerente da R. também impossibilitou ao A. um negócio de óleo hidráulico 46, cuja cuba estava ao mesmo preço da do óleo hidráulico 68 em junho e em agosto, ao impor um preço em 02.07.2021, de 1.230€. (Aditado pelo Tribunal da Relação).

83. O A. enviou emails de trabalho ao gerente da R. em 07.09.2021, em 13.09.2021, em 21.9.2021 e em 19.10.2021, a pedir cotações (docs. 46 a 49), mas dele não obteve resposta. (Aditado pelo Tribunal da Relação).

84. Apesar do referido no nº 83 dos factos provados, o A. continuou a trabalhar, fazendo as comunicações necessárias aos serviços da R. (Aditado pelo Tribunal da Relação)

85. O A. não mais foi convocado para ir à sede da R. (Aditado pelo Tribunal da Relação)

86. Ao ... da R. FF, residente no concelho de ..., admitido na Ré em outubro de 2020, que, tal como o A., não fazia entrega de mercadorias e também tem atribuída viatura ligeira, de 5 lugares, uma carrinha Opel Insignia, não foi ordenado pela R. que a restituísse, para substituição por uma viatura mista, de 2 lugares, de caixa alta e com publicidade de lubrificantes (aditado pelo Tribunal da Relação).

87. O A. sentiu-se perturbado, incomodado, intimidado, hostilizado, humilhado e afetado na sua dignidade com os emails mencionados nos nºs 54, 57, 58 e 59 dos factos provados, bem como do referido nos nºs 53, 61, 71 e 71-A, 79 a 81, 82, 83, 85 dos mesmos e com a pretensão da Ré de trocar a viatura, de 5 lugares, que lhe havia sido disponibilizada por uma viatura comercial, de dois lugares (aditado pelo Tribunal da Relação).

88. A Ré, na sequência de procedimento disciplinar instaurado ao A., veio, por carta datada de 21.10.2021 e por este recebida aos 22.10.2021, a despedir o A. com invocação de justa causa, com fundamento nas “acusações” que lhe foram imputadas na nota de culpa, e que teve como provadas, mais referindo que o A., “com a sua conduta, violou o disposto no nº 1 do artigo 126º, nas alíneas a), c), d), e), e h) do nº 1 e nº 2 do artigo 128º, todos do C. Trabalho”. (aditado pelo Tribunal da Relação).

89. Da nota de culpa enviada ao A. consta o seguinte (…) [Dada a extensão da nota de culpa, a cujo conteúdo se fará referência na decisão considera-se reproduzida a mesma tal como consta do Acórdão do Tribunal da Relação]

90. O Autor, em “resposta” à nota de culpa referiu o seguinte:

Tendo recebido a nota de culpa verifico do seu teor que seria uma pura perda de tempo esgrimir qualquer argumentação. Cairia em saco roto, como cairiam as minhas reclamações anteriores. Por isso e por uma questão de dignidade nada mais direi.

De Direito

O presente recurso de revista incide, desde logo, e em grande medida, sobre a decisão do Tribunal da Relação em matéria de facto.

Importa, desde logo, advertir que, nesta sede, os poderes do Supremo Tribunal de Justiça são muito limitados, como decorre quer do artigo 674.º n.º 3, quer do artigo 662.º n.º 4 do Código do Processo Civil. Deste último preceito resulta inequivocamente que a decisão de alteração da matéria de facto realizada pelo Tribunal da Relação não é suscetível de recurso para este Supremo Tribunal de Justiça. Assim, a decisão de alterar ou aditar factos oficiosamente pelo Tribunal da Relação não pode ser apreciada por este Supremo Tribunal. E a invocação de uma pretensa nulidade por excesso de pronúncia (Conclusões 27 e 28) não permite contornar esta insusceptibilidade de recurso das decisões do Tribunal da Relação tomadas ao abrigo dos números 1 e 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil.

Aproveitar-se-á o ensejo, todavia, para responder a uma acusação feita no recurso de revista ao critério do Tribunal da Relação que teria agido em violação do princípio da imparcialidade (n.º 104: “é flagrante a parcialidade na alteração dos factos provados”; no mesmo número fala-se em violação da igualdade entre as partes) ao ter aditado em certos factos que o email enviado pelo empregador o foi num domingo (facto 54). Pretende a Recorrente que o Tribunal deveria, então, ter aditado igualmente que o trabalhador respondeu numa quarta-feira…

Ora, como é evidente, não há aqui simetria e não há qualquer violação da imparcialidade. O que se passa é que, mesmo antes da entrada em vigor do artigo 199.º-A n.º 1 do Código do Trabalho, introduzido pela Lei n.º 83/21 de 6 de dezembro, poderia importar saber se o empregador desrespeitava sistematicamente o direito ao descanso do trabalhador.

Já a decisão de eliminar factos como “conclusivos” pode ser objeto do recurso de revista

A este respeito pode ler-se no Parecer do Ministério Público proferido neste Tribunal ao abrigo do artigo 87.º, n.º 3, do Código do Processo de Trabalho a seguinte passagem:

“No acórdão recorrido foi decidido considerar como não escritos os pontos 10, 12, 13, 19, 20 e 45, por serem conclusivos, tendo sido devidamente explicitado na fundamentação dessa decisão a razão pela qual os mesmos foram tidos como conclusivos, sendo que, alguns deles integravam a matéria da acusação que sustenta a justa causa de despedimento (pp. 55 a 63 do acórdão).

A recorrente pretende que esses pontos sejam integrados no elenco dos factos provados (conclusão 20.ª).

Todavia, a recorrente não apresenta qualquer argumentação em ordem a demonstrar que esses pontos não são conclusivos. Pretende a recorrente, apenas, sustentar a sua pretensão na circunstância de ter havido produção de prova sobre os mesmos (conclusões 15.ª e 16.ª).

Ora, o que está em causa é demonstrar que esses pontos não contêm matéria conclusiva, não importando saber se sobre os mesmos incidiu ou não a produção de prova. Esta teve lugar em primeira instância porque o Tribunal considerou estar perante factos, mas tendo o Tribunal da Relação entendido de modo diferente, para esta decisão não importa se foi ou não produzida prova sobre esses pontos.

O que agora apenas releva é se se trata de matéria conclusiva e a recorrente não aduz nenhum argumento que contrarie a decisão da Relação que, de forma fundamentada, pronunciando-se sobre cada um desses factos de forma pertinente, assim decidiu”.

No entanto, uma vez que a questão da eliminação de factos por conclusivos pelo Tribunal da Relação foi colocada no recurso há que a conhecer.

Sublinhe-se, antes de mais, que foi na sequência do recurso de apelação do Autor e com a inerente salvaguarda do contraditório que o Tribunal da Relação se pronunciou quanto à “matéria de facto conclusiva a eliminar ou a considerar não escrita [nºs 10, 12, 13, 18, 19, 20, 23, 45 e 47 da matéria dada como provada]”

Quanto ao facto n.º 10, o Acórdão recorrido considerou que o facto era genérico e conclusivo (“poucos registos fez”: durante quanto tempo? E concretamente quantos é que fez?). Concordamos tanto mais que na própria nota de culpa (número 11) este facto não é suficientemente concretizado.

Quanto ao facto n.º 12 observa-se no Acórdão recorrido que “do ponto em questão não consta a identificação dos clientes, nem, tão pouco, o número de clientes, que contactaram a sede para fazer encomendas porque o A. não efetuava visitas, bem como quando e/ou em que período o A. deveria ter efetuado as visitas e em que não as efetuou”. E, mais uma vez, não se concretiza na nota de culpa o que tornaria o facto demasiado genérico para sustentar a decisão de despedimento.

Relativamente ao facto n.º 13 refere-se no Acórdão recorrido que “é patente que a referência de pôr “em causa os clientes, os preços e a qualidade dos produtos vendidos”, tem natureza conclusiva e valorativa”. Concorda-se inteiramente – o pretenso facto não passa de um juízo de valor, tanto mais que o teor do email consta do facto 14.

Relativamente ao facto 19, observa-se que “[d]e tal ponto não consta qual a faturação apresentada pelo A. nos mencionados anos, nem a apresentada pelos demais vendedores para se concluir que seja, aquela, inferior e em que medida o era, pelo que é o mesmo conclusivo, vago e genérico, tanto mais tendo em conta, como já acima referido, que se trata de acusação em que se sustenta a justa causa do despedimento e que esta deve ser devidamente circunstanciada conforme referido a propósito da impugnação do nº 10, para onde se remete, sendo que a concretização de tal ponto também não consta nem da nota de culpa, nem da decisão de despedimento, nem aliás do articulado motivador do despedimento”.

Acrescentamos, ainda, que mesmo que este facto não fosse eliminado dele não se poderia retirar a prova de qualquer redução culposa da produtividade do trabalhador e só a redução culposa de produtividade é que é justa causa para o despedimento disciplinar do trabalhador (no caso dos autos não tratamos de avaliar, por exemplo, um despedimento por ineptidão).

Quanto ao n.º 20 dos factos dados como provados em 1.ª instância, o Tribunal da Relação afirmou o seguinte: “Nele não se diz qual a faturação correspondente às encomendas feitas diretamente na sede no período de férias do A. e a que este apresentou no período em que não estava de férias por forma a se poder concluir que seria a mesma. Para além de que não se concretizam o ou os meses (quantos meses? todos?) em que, não estando o A. de férias, apresentou a mesma faturação do que no mês de agosto”. Concorda-se com a observação e a conclusão de que o facto é genérico.

O facto n.º 45 foi igualmente considerado “conclusivo, vago e genérico, pois que não se concretizam os períodos/dias em que o A. gozou férias e do facto de “normalmente” as férias serem gozadas no mês de agosto, “quando as oficinas estão fechadas”. não decorre necessariamente que o A. tenha gozado férias no mês de agosto e, em eventual caso afirmativo, se em alguns dias ou se em todos os dias desse mês e em que anos”. Efetivamente não se concretizam os dias de férias gozados pelo trabalhador.

Importa, pois, concluir que o Tribunal da Relação justificou de forma convincente e detalhada por que é que os factos em causa foram eliminados por se revelarem genéricos, vagos ou conclusivos.

Importa agora discutir se há, ou não, face à matéria de facto dada como provada, justa causa para o despedimento disciplinar do trabalhador.

Da nota de culpa constam acusações que, desde logo, sugerem que o empregador considerou existir uma redução de produtividade por parte do trabalhador. Assim, os números 11 (“nada era registado no tablet e depois de alertado, poucos registos fez”), 12 (“a faturação do AA, em relação aos outros vendedores na mesma área que a dele, é baixa”); afirmava-se igualmente que o trabalhador faria poucas visitas pessoais aos clientes (números 14, 15 e 16), pouco visitava a sede (número 7: “o trabalhador raramente se desloca à sede na ...”; número 26: “o arguido é o único [dos quatro vendedores] que não marca reuniões [com o superior hierárquico] e é raro aparecer na sede”) e não fazia vendas que justificassem os custos (número 27 da nota de culpa).

Acusa-se o trabalhador de “colocar em causa os clientes, os preços e a qualidade dos preços vendidos” (números 18 a 24; cfr., ainda, o número 59: “o trabalhador colocou em causa os clientes e a qualidade dos produtos que vende (mail 15-07-2021)”).

Invoca-se, seguidamente, a recusa na entrega da viatura que lhe tinha sido disponibilizada pela empresa (números 29 a 32), bem como a recusa por parte do trabalhador em aceitar o veículo substitutivo que lhe propunham.

Alude-se, igualmente, à troca de emails entre o Autor e o empregador, qualificando-se um dos emails do trabalhador como “intimidatório” (número 53). Aliás, a conduta do trabalhador é globalmente qualificada como persecutória (número 69: “levando a E.P. à exaustão com a falta de respeito demonstrada”) ao acusar o empregador de estar a “distorcer a realidade” (número 64) e de indignidade (número 65).

Afirma-se que a conduta do trabalhador causou um prejuízo patrimonial à empresa (número 71) “uma vez que deixou de fazer o acompanhamento correto dos clientes”.

E conclui-se dizendo que “os comportamentos descritos e imputados ao trabalhador arguido constituem violação grave dos deveres [de] realizar o trabalho com zelo e diligência, tratar o empregador com respeito e urbanidade e não imputar factos gravosos e promover ou executar todos os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa e não lesar os interesses desta”, pelo que se teria violado o disposto no n.º 1, alíneas a), c), d), e) e h) do artigo 128.º do Código do Trabalho, bem como o n.º 2 do mesmo artigo 128.º

Como é sabido, “constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho” (n.º 1 do artigo 351.º do CT), cabendo o ónus da prova da sua existência ao empregador. A justa causa de despedimento disciplinar há-de traduzir-se, pois, em um comportamento subjetiva e objetivamente grave do trabalhador.

Quanto à alegada violação por este do dever de realizar o trabalho com zelo e diligência não há, nos factos provados, qualquer suporte para uma infração com a gravidade que pudesse justificar um despedimento. Mesmo o facto 47 – “O Autor deixou de fazer o correto acompanhamento dos clientes, deixando de fazer as necessárias visitas e demonstração e explicação presencial dos produtos” – deve-se, no fim de contas, a não dispor o trabalhador de viatura para o desempenho das suas funções após a sua recusa, que como veremos foi lícita, em aceitar a viatura de dois lugares que lhe foi proposta.

Sublinhe-se, aliás, que como já foi mencionado, só a redução culposa de produtividade é que seria justa causa de despedimento disciplinar e, por conseguinte, mesmo que o empregador lograsse provar que a produtividade do trabalhador era baixa (ou mais baixa do que a dos seus colegas com as mesmas funções) tal não implicaria necessariamente a existência de justa causa disciplinar.

Quanto ao email referido no facto 14 o mesmo não representa sequer qualquer infração disciplinar, mormente no que toca à referência aos preços praticados e à qualidade dos produtos. Em primeiro lugar, sublinhe-se que se trata de uma comunicação reservada e não de uma qualquer expressão junto do público. Em segundo lugar, trata-se de uma situação em que um vendedor apresenta justificações para o seu desempenho ao seu superior hierárquico. Aliás, um vendedor bem pode sentir necessidade de chamar a atenção à sua empresa para a qualidade dos produtos dos concorrentes ou para os preços por eles praticados sem que isso represente, de modo algum, uma infração disciplinar, desde que o alerta tenha sido realizado, como foi, de maneira sigilosa e sem ferir a imagem da empresa junto do público.

A recusa em aceitar a substituição de uma viatura de cinco lugares por uma viatura de dois lugares, sendo certo que a substituição não foi apresentada como temporária, foi perfeitamente lícita, atendendo ao facto 48. Com efeito, o Autor podia utilizar a viatura para fins pessoais e não apenas profissionais, pelo que uma parte do valor da utilização da viatura se deveria considerar como integrando a sua retribuição e não lhe podia ser licitamente retirado sem uma compensação. A sua recusa foi, assim, repete-se, lícita, não constituindo qualquer infração disciplinar.

Quanto à alegada violação dos deveres de urbanidade embora haja expressões emotivas – aliás, de ambas as partes – como acusações feitas pelo trabalhador ao superior hierárquico de práticas indignas, “distorcer a realidade”, “postura lamentável” (veja-se o email referido no facto 69), afigura-se que as mesmas proferidas num clima de tensão e de crescente conflito não têm, em todo o caso, gravidade suficiente para constituir justa causa de despedimento.

Há, pois, que manter a decisão recorrida no segmento em que se pronunciou pela ilicitude do despedimento e suas consequências, tendo em atenção que o trabalhador não optou pela indemnização de antiguidade em substituição da reintegração.

O Acórdão recorrido considerou igualmente demonstrada a existência de assédio e condenou o empregador ao pagamento de uma compensação no montante de cinco mil euros pela prática do mesmo.

Concorda-se inteiramente com o Acórdão recorrido quando este sublinha que para a existência de assédio face ao disposto no n.º 2 do artigo 29.º do Código do Trabalho não é necessária uma intenção assediante, bastando o efeito “de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”, como decorre claramente da letra da lei (“com o objetivo ou o efeito”). Por outro lado, é inteiramente exata a asserção de que o interesse da figura do assédio está em que permite em uma visão de conjunto de vários comportamentos aparentemente isolados descortinar uma conduta ilícita, quando as suas várias componentes que se sucederam ao longo do tempo pareceriam lícitas se singularmente consideradas.

No entanto, no caso dos autos não se afigura que o ambiente criado seja, em rigor, “intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”. O facto de o trabalhador se ter sentido “perturbado, incomodado, intimidado, hostilizado, humilhado e afetado na sua dignidade com os emails mencionados nos nºs 54, 57, 58 e 59 dos factos provados, bem como do referido nos nºs 53, 61, 71 e 71-A, 79 a 81, 82, 83, 85 dos mesmos e com a pretensão da Ré de trocar a viatura, de 5 lugares, que lhe havia sido disponibilizada por uma viatura comercial, de dois lugares” (facto 87) não é suficiente para tanto, porque a lei não se basta com o sentimento subjetivo do trabalhador, até porque nem todos têm a mesma suscetibilidade ou sensibilidade. É verdade que o empregador (através do seu gerente) exerce, ou passou a exercer, os seus poderes de fiscalização da prestação laboral de modo mais intenso, por estar pouco satisfeito com a prestação dos vendedores. Os emails referidos em 54, 57, 58 e 59 inserem-se na linha de outros, anteriores e posteriores (ver factos 51, 55, 56, 60), que traduzem a insatisfação com a prestação realizada e com o cumprimento (ou falta dele) das ordens ou instruções do empregador. São, no fim de contas, o normal exercício do poder de fiscalização da prestação. Reconhecemos que traduzem alguma exasperação por parte do gerente, mas não se nos afigura que se possa falar em um ambiente humilhante ou desestabilizador. É certo que alguns emails foram enviados ao domingo ou ao sábado (dia de descanso do trabalhador – ver factos 55. 57, 62, 63-B), sem que aparentemente existisse urgência que o justificasse, o que traduz algum desrespeito pelo direito ao descanso do trabalhador, mas a referida conduta foi, apesar de tudo, relativamente pontual.

A exigência de indicação da quilometragem (facto 61) parece inserir-se no poder de fiscalização da atividade de um trabalhador como o Autor, e não vemos nada de humilhante ou ofensivo na resposta referida no facto 63 («sobre o A..., não tem preços no tablet? Não sabe os preços mínimos? Que eu saiba ... fica no distrito de ...») que o trabalhador considerou humilhante e afetando a sua dignidade (facto 63-A), mas ainda que se possa considerar um pouco ríspida ou pouco simpática não se afigura desrespeitosa ou ofensiva.

Considerando o gerente do empregador que o trabalho prestado pelo Autor não justificava a isenção de horário de trabalho está nos seus poderes, por razões de oportunidade, retirá-la. O trabalhador pode ter-se sentido perturbado e incomodado (facto 60-A), mas não vemos que tal constitua um assédio ou uma componente deste.

Sublinhe-se, aliás, um aspeto a que o Tribunal da Relação não atribuiu neste contexto particular relevância: referimo-nos aos factos 40 – o Autor enviou um email ao gerente afirmando, designadamente, que “[o] senhor chamou-me às instalações da empresa para me humilhar à frente dos colegas (…) passou a reunião a desvalorizar e a rebaixar o meu trabalho, constrangendo-me e colocando-me no nível zero”. No entanto, consta do elenco dos factos provados que “[a] reunião correu de forma cordial, sem gritos ou levantar de voz e após, sem quaisquer queixas ou comentários, foram almoçar juntos e voltaram à tarde” (facto 34).

Relativamente aos factos 79 a 82 não é claro que tais factos possam servir de base a uma acusação de assédio. É normal que os preços flutuem em consideração das mutáveis situações de mercado e realisticamente pode afirmar-se que os clientes não são todos iguais. O facto de nas férias do Autor ser atribuído a outro trabalhador um negócio em condições que não tinham sido permitidas ao Autor não se afigura, de todo, suficiente para essa ilação.

Mais grave é o facto 83 e a ausência de resposta a vários emails do trabalhador pedindo informações, mas nem toda a mora do credor constitui assédio. Já o facto 85 (o Autor não foi mais convocado a comparecer na sede da empresa) não parece assumir gravidade, tanto mais que o Autor sempre se deslocou raramente à sede (facto 8), inclusive por sua própria iniciativa.

Em suma, embora haja atos isolados ilícitos – desde logo, a tentativa de “forçar” o trabalhador a aceitar a substituição da viatura – tais condutas não constituem assédio. Qualquer atividade laboral, ou mesmo qualquer atividade humana, é marcada por uma certa dose de conflito, sem que tal represente necessariamente uma situação de assédio.

Assim, deve revogar-se a condenação do empregador no pagamento de cinco mil euros como indemnização pelo assédio moral.

Nas Conclusões 56 e seguintes do seu recurso de revista, o Recorrente que não dispõe dos recibos correspondentes aos subsídios de férias e de Natal que foi condenado a pagar ao trabalhador invoca outros documentos, mormente comprovativos de transferências bancárias para provar o seu pagamento. Tal questão, contudo, não pode ser objeto do recurso de revista, porquanto, como já se referiu, o n.º 2 do artigo 682.º do Código do Processo Civil expressamente estabelece que “a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º”. Uma vez que não está em jogo a ofensa de uma disposição legal expressa que exija uma certa espécie de prova ou que fixe a força de determinado meio de prova (n.º 3 do artigo 674.º, parte final), forçoso é concluir que a questão da reapreciação da prova colocada pelo empregador não cabe no âmbito do recurso de revista.

Já a questão de direito sobre a aplicação do n.º 1 do artigo 239.º do Código do Trabalho cabe, patentemente, no âmbito do recurso de revista e será, por conseguinte, apreciada.

Está em jogo saber se tendo sido admitido a 12.12.2018 o Autor terá algum direito a férias relativamente ao seu ano de admissão. Trata-se de uma questão delicada que divide, compreensivelmente, a doutrina. No sentido adotado pelo Tribunal da Relação que atribuiu um dia de férias ao trabalhador pronunciou-se MILENA ROUXINOL. Em sentido oposto pronunciaram-se, por exemplo, LUÍS MIGUEL MONTEIRO e MARIA DO ROSÀRIO PALMA RAMALHO. É certo que o n.º 1 do artigo 239.º não refere “por cada mês completo”, mas sim “por cada mês” de duração do contrato, pelo que é defensável que havendo mais de meio mês de serviço no ano de admissão (o trabalhador foi admitido a 12 de dezembro de 2018) se considere que o trabalhador terá direito a um dia de férias pelo trabalho prestado em 2018. No entanto, há argumentos fortes no sentido oposto: é que a lei embora fale em dois dias por cada mês de duração do contrato, acaba por estabelecer que o trabalhador tem direito a dois dias por cada mês até ao limite de 20. Assim, se o trabalhador começar a trabalhar a 15 de janeiro ou até a 15 d fevereiro no ano de admissão só terá direito a 20 dias. Não vemos por que é que se há-de fazer proporção relativamente a menos de um mês completo na hipótese dos autos, afigurando-se que a lei quis referir-se sempre a mês completo de serviço.

Conclusão: Concedida parcialmente a revista, revogando-se o Acórdão recorrido apenas quanto à decisão de condenação do empregador em cinco mil euros por assédio moral que se decide não ter existido e quanto ao pagamento da remuneração e subsídio de férias respeitante ao ano da admissão (2018). Destarte mantém-se o Acórdão recorrido, na parte em que decidiu:

A. Julgar ilícito o despedimento do Autor, AA;

B. Condenar a Ré, Garagem Avenida do Oeste – Comércio e Industria de Peças para Automóveis, Ldª, a:

b.1. Reintegrar o A. no mesmo estabelecimento e sem prejuízo da sua antiguidade;

b.2. Condenar a Ré a pagar ao A. as retribuições, no montante mensal de €850,00, incluindo subsídios de férias e de Natal, bem como as quantias mensais correspondentes ao benefício económico que o A. retirava da utilização pessoal da viatura automóvel e do telemóvel que lhe haviam sido atribuídos, que o A. auferiria desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado do presente acórdão na parte em que se decide declarar ilícito o despedimento e condenar no pagamento das mencionadas retribuições, mas descontando-se às mesmas: i) as quantias que lhe hajam sido pagas pela Ré em 2021 a título de subsídio de férias vencido nesse ano, de subsídio de natal proporcional ao trabalho prestado em 2021 e de subsídios de férias proporcional ao trabalho prestado em 2021 (que venceria em 01.01.2022); ii) o montante dos subsídios de desemprego que o A. haja recebido desde o despedimento até ao mencionado trânsito em julgado, os quais deverão ser entregues pela Ré à Segurança Social; iii) as importâncias que o A. haja auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento desde 11.11.2022 (data do encerramento da audiência de discussão e julgamento) e até ao mencionado trânsito em julgado, tudo a liquidar em incidente de liquidação nos termos dos arts. 609º, nº 2, e 358º, nº 2, do CPC;

b.3. Condenar a Ré, como consequência da reintegração determinada no ponto B.b.1., a atribuir ao A., também para sua utilização pessoal, o veículo ligeiro de passageiros, de 5 portas, que lhe havia atribuído ou outro de características similares.

b.4. Condenar a Ré a pagar ao A., sobre as quantias referidas em b.2., juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da decisão que proceder à liquidação das quantias em dívida, até efetivo e integral pagamento;

b.5. Condenar a Ré, a partir do trânsito em julgado do presente acórdão, a pagar, em partes iguais destinadas, uma ao A., outra ao Estado, a sanção pecuniária compulsória de €100,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reintegração, nesta se incluindo o atraso no cumprimento da obrigação de atribuição da viatura automóvel nos termos decididos no ponto B.b.3.

C. Condenar a Ré a pagar ao A., a título de subsídios de férias relativos ao trabalho prestado nos anos de 2019 e 2020, as quantias de, respetivamente, €1.020,00 e de €1.020,00, acrescida de juros de mora em termos a fixar na sentença que vier a ser proferida na sequência da anulação a que se reporta a subsequente al. E).

D. Condenar a Ré a pagar ao A. a quantia de €154,55 a título de subsídio por isenção de horário de trabalho relativa a novembro de 2019, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 01.12.2019 até efetivo e integral pagamento.

E. Quanto aos pedidos relativos ao pagamento das férias não gozadas vencidas em 01.01.2019 e 01.01.2020 e indemnização por não gozo de férias em 2019 e em 2020, anular, nos termos do art. 662º, nº 2, al. c), do CPC, a sentença recorrida para ampliação, pela 1ª instância, da matéria de facto, após o que deverá ser proferida nova sentença em conformidade e fixada a data a partir da qual os juros de mora são devidos.

Custas na proporção do decaimento, que se fixam em 5/6 para o Réu empregador e 1/6 para o Autor.

Lisboa, 25 de setembro de 2024

Júlio Gomes (Relator)

Domingos José de Morais

José Eduardo Sapateiro