ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
ACTO SEXUAL DE RELEVO
Sumário

I - Tendo o arguido, em diferentes ocasiões, “apalpado” a vulva de crianças com idades inferiores a 14 anos, umas vezes por baixo das cuecas, outras vezes por cima da roupa que as crianças traziam vestida, tal factualidade integra a prática, pelo arguido, relativamente a cada uma das menores ofendidas, de atos sexuais de relevo, porquanto tais condutas revestem cariz sexual explícito, são objetivamente censuráveis (por referência aos sentimentos gerais da comunidade) e constituem uma ofensa séria e grave à intimidade e liberdade das vítimas.
II - Essas condutas do arguido possuem o “relevo” exigido pelo tipo legal de crime enunciado no artigo 171º, nº 1, do Código Penal, não sendo passíveis de integrar a previsão da alínea a) do nº 3 do artigo 171º do mesmo diploma legal.

Texto Integral



Acordam, em conferência, os Juízes que integram a 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I – RELATÓRIO
1.1. No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo Central Criminal de Setúbal - Juiz 3, foi o arguido F condenado, por acórdão proferido em 22 de março de 2024, da prática de:
a. Um crime de abuso sexual de criança sobre a ofendida C, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do C.P., na pena de 2 (dois) anos de prisão;
b. Um crime de abuso sexual de criança sobre a ofendida C, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do C.P., na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;
c. Um crime de abuso sexual de criança sobre a ofendida C, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do C.P., na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;
d. Um crime de abuso sexual de criança sobre a ofendida I, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do C.P., na pena de 2 (dois anos de prisão);
e. Um crime de abuso sexual de criança sobre a ofendida I, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do C.P., na pena de 2 (dois) anos de prisão;
f. Um crime de abuso sexual de criança sobre a ofendida I, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do C.P., na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;
g. Um crime de abuso sexual de criança sobre a ofendida A, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do C.P., na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão.
2. Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 5 anos de prisão, a qual se suspendeu na sua execução, por igual período, com sujeição ao regime de prova, que deverá incluir consultas de psicologia, e caso venha a ser necessário, de psiquiatria, de forma a despistar qualquer patologia que possa provocar os referidos comportamentos.
Foi, ainda, arbitrado o pagamento, pelo arguido, às vítimas da quantia de:
a. 8.500,00€ (oito mil e quinhentos euros), à ofendida C;
b. 7.500,00€ (sete mil e quinhentos euros), à ofendida I;
c. 3.500,00€ (sete mil e quinhentos euros), à ofendida A.
*
1.2. Inconformado com esta decisão, da mesma interpôs o arguido o presente recurso, formulando no termo da motivação as seguintes CONCLUSÕES (transcrição):
“1. Subsistem contradições entre o depoimento da Menor C e as testemunhas, seus Pais, B e P, que se revelam de enorme relevância e que implicam a conclusão de que a matéria de facto, designadamente, a descrita nos pontos 6 a 9 da factualidade provada do Acórdão Recorrido, resultou incorretamente julgada;
2. A testemunha B, em declarações prestadas em relação aos factos provados nos referidos pontos 6 a 9, transmitiu que estavam na cozinha e começaram a ouvir um grande reboliço vindo da casa de banho e o choro da sua filha acompanhado de gritos (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA B - Inicio da Gravação: 09h54m/ Fim da Gravação: 10h40m [46 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:06:20 a 00:09:39).
3. A testemunha acrescentou que a sua filha saiu da casa de banho a chorar e agarrou-se à mãe (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA B - Inicio da Gravação: 09h54m/ Fim da Gravação: 10h40m [46 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:06:20 a 00:09:39).
4. No que respeita a tal episódio, a testemunha P, pai da Menor C, declarou que a sua filha saiu normal da casa de banho, que não verificou nada de especial e que a menor lhe disse que estava bem (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA P - Inicio da Gravação: 10h43m/ Fim da Gravação: 11h36m [53 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:10:00 a 00:11:24).
5. Essa testemunha acrescentou que lhe parecia estar tudo bem com a sua filha, que a mesma não estaria a chorar e que não ficou preocupado com o ocorrido (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA P - Inicio da Gravação: 10h43m/ Fim da Gravação: 11h36m [53 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:29:31 a 00:31:25).
6. As testemunhas T e M, apesar da quase impossível probabilidade de ter ocorrido um convívio no dia da criança, não denegando um eventual encontro na sua casa de Azeitão, declararam que nada de estranho presenciaram e que não ocorreu qualquer movimentação anómala junto da casa de banho da sua residência nos termos que resultaram relatados nos autos, em particular por via do depoimento da testemunha B (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA T - Inicio da Gravação: 15h36m/ Fim da Gravação: 16h15m [38 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravações de 00:03:00 a 00:11:30)///(Cfr. Acta de Julgamento de 06/02/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA M - Inicio da Gravação: 10h14m/ Fim da Gravação: 10h43m [28 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravações de 00:03:20 a 00:07:50).
7. T e M adiantaram que as crianças presentes no local, aquando desses encontros, estavam sempre perto dos seus pais, atendendo inclusive a que o local de convívio era uma sala no primeiro andar da casa e a casa de banho estava em frente dessa divisão (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA T - Inicio da Gravação: 15h36m/ Fim da Gravação: 16h15m [38 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravações de 00:03:00 a 00:11:30)/// (Cfr. Acta de Julgamento de 06/02/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA M - Inicio da Gravação: 10h14m/ Fim da Gravação: 10h43m [28 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravações de 00:21:00 a 00:22:30).
8. Somente a testemunha B, prestou um depoimento que, tendencialmente, procurou ir ao encontro da versão dos acontecimentos descrita pela sua Filha C, mas o depoimento do pai da menor, não coincide com as declarações prestadas pela sua filha e, ademais, contradiz o depoimento da mãe desta.
9. Contrariamente ao descrito no Acórdão Recorrido, é muito mais consentâneo com as regras da experiência comum a conclusão de que os factos insertos nos portos 6 a 9 não tenham ocorrido do modo como resultam descritos na acusação.
10. É pouco credível que os factos tenham ocorrido conforme relata o acórdão recorrido, uma vez que o local contava com a presença de muita gente, inclusive na presença de outras pessoas que nem sequer resultaram arroladas como testemunhas, mas que foram identificadas por B (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA B - Inicio da Gravação: 09h54m/ Fim da Gravação: 10h40m [46 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:10:20 a 00:10:50 e 00:25:10 a 00:26:01).
11. Não é consentâneo com as regras de experiência comum que o arguido, no referido contexto e estando a casa de banho relativamente próxima e visível da sala onde estavam todos os adultos, se tenha fechado naquela divisão, com os próprios netos e a menor C, com o intuito de molestar sexualmente esta criança.
12. A menor C, como é natural, tem uma memória pouco definida dos factos, não fazendo afirmações concretas em relação à forma como os mesmos ocorreram (cfr. declarações de C – fls 237 a 238 dos autos – passagens do Depoimento da Menor – 00:06:06 a 00:08:12).
13. Por sua vez, a motivação da matéria de facto provada do Acórdão “A Quo” incorre num manifesto erro de apreciação, uma vez que considera que o arguido é conhecido de longa data dos Pais da Menor C, quando, em bom rigor, esse conhecimento decorre somente dos convívios ocasionais, promovidos pelos filhos deste [cfr. ponto 2 dos factos provados] (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA P - Inicio da Gravação: 10h43m/ Fim da Gravação: 11h36m [53 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:01:55 a 00:03:00, 00:29:10 a 00:29:30).
14. Não seria com base nessa relação de proximidade, que o arguido se aproximaria da Menor nos termos que resultam plasmados no Acórdão Recorrido, tanto na perspetiva dos factos ora em análise, como naqueles que resultam vertidos nos pontos 10 a 21 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal recorrido.
15. O facto inserto no ponto 9, em momento algum resultou confirmado pelas testemunhas, uma vez que tanto B, como P, não relataram que a sua filha tenha fugido do local onde se encontrava e que a mesma, segundo o seu Pai, estaria bem e não estava a gritar e a chorar no momento em que saiu daquela divisão da casa.
16. O Tribunal Recorrido, erradamente, retirou relevância ao depoimento das Testemunhas T, o que não se aceita, quando estas testemunhas evidenciaram um particular e pertinente conhecimento acerca da dinâmica existente sobre os factos e que resulta descrito nos pontos 3 a 9 da factualidade descrita como provada no Acórdão Recorrido.
17. Por conseguinte, por via da reapreciação dos depoimentos das testemunhas B, (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA B - Inicio da Gravação: 09h54m/ Fim da Gravação: 10h40m [46 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:06:20 a 00:09:39, 00:10:20 a 00:10:50 e 00:25:10 a 00:26:01), P (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA P - Inicio da Gravação: 10h43m/ Fim da Gravação: 11h36m [53 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:01:55 a 00:03:00, 00:10:00 a 00:11:24, 00:29:10 a 00:29:30 e 00:29:31 a 00:31:25), T (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA T - Inicio da Gravação: 15h36m/ Fim da Gravação: 16h15m [38 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravações de 00:03:00 a 00:11:30), Carla Susana Rocha Massano (Cfr. Acta de Julgamento de 06/02/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA M - Inicio da Gravação: 10h14m/ Fim da Gravação: 10h43m [28 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravações de 00:03:20 a 00:07:50 e 00:21:00 a 00:22:30), deve concluir-se que a matéria de facto inserta nos pontos 6 a 9 da factualidade deve ser dada como não provada e em consequência ser expurgada do Acórdão Recorrido.
18. Em relação aos pontos 10 a 14 dos factos provados do Acórdão Recorrido, a convicção do Tribunal “A Quo” resultou formada com base em premissas erradas.
19. Ao Contrário do sufragado pelo Tribunal Recorrido Não existia qualquer “relação quase paternal” entre o arguido e a testemunha P, que permitisse ao arguido ter o comportamento que resulta descrito nos pontos 10 a 14.
20. A testemunha P era amigo de H, mas não denotava qualquer relação de proximidade como o arguido, sendo que somente de forma ocasional e na presença dos filhos deste convivia com o mesmo (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA P - Inicio da Gravação: 10h43m/ Fim da Gravação: 11h36m [53 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:01:55 a 00:03:00, 00:29:10 a 00:29:30)///(cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA H - Inicio da Gravação: 11h51m/ Fim da Gravação: 12h35m [44 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:36:24 a 00:38:20)
21. O depoimento da testemunha P contraria o que resultou concluído pelo Tribunal “A Quo”.
22. Ao contrário do aludido no Acórdão Recorrido, esta testemunha, referindo-se a um hipotético encontro com o arguido num café, não se sabe quando, nem muito bem onde, transmitiu que não viu a sua filha ao colo do arguido, acrescentando ademais que, enquanto estiveram no café, a menor esteve sempre consigo e que à sua frente não se passou nada (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA P - Inicio da Gravação: 10h43m/ Fim da Gravação: 11h36m [53 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:12:40 a 00:14:11).
23. A testemunha H, amigo de P, não confirmou ter estado em tal encontro;
24. O referido acontecimento (visualização de um jogo de futebol num café) é de todo inverosímil, uma vez que a ter ocorrido, H teria estado presente:
25. Tal é o que faria sentido uma vez que a relação de amizade era entre H e P e não entre este o Arguido (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA H - Inicio da Gravação: 11h51m/ Fim da Gravação: 12h35m [44 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:05:00 a 00:05:15).
26. É inaceitável que o Tribunal Recorrido entenda que a matéria de facto dos pontos 11 a 14 da factualidade provada tenha passado despercebida à testemunha P.
27. A testemunha P confirmou que a sua filha não esteve ao colo do arguido e que esta testemunha nunca se ausentou do café ou do espaço onde estava a sua filha, o que é revelador da pouca relação de proximidade que havia com o arguido, contrariamente ao sufragado pelo aresto Recorrido (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA P - Inicio da Gravação: 10h43m/ Fim da Gravação: 11h36m [53 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:35:10 a 00:38:30).
28. Os depoimentos da Menor C e do seu Pai são assim totalmente contraditórios, não podendo o Tribunal Recorrido dar mais relevância a um do que a outro com base na motivação descrita no aresto Recorrido, em particular concluindo que o depoimento de P resultou condicionado em virtude de uma situação de “(…) desconforto de um pai que sente que pode não ter conseguido proteger a filha como pretendia.”
29. Essa sensação de desconforto desse Pai não resultou atestado por via do depoimento desta testemunha, uma vez que P foi muito claro quando disse que a menor nunca saiu de junto de si.
30. Ao não apresentação, pelo arguido, de uma versão contrária dos acontecimentos, não poder ser passível de constituir um juízo de censura, tão pouco pode subsumir qualquer reconhecimento do arguido em relação aos factos de que vem acusado.
31. O arguido, não deixou de abordar tal factualidade em sede de contestação à acusação, negando-a, pelo que não se pode aceitar que o mesmo não se tenha pronunciado sobre tais factos.
32. A convicção do Tribunal Recorrido para dar como provados os factos insertos nos pontos 10 a 14 da factualidade provada é absolutamente dissonante com o que resultou demonstrado por via do depoimento da testemunha P, que afastou, em absoluto, a verificação dos mesmos.
33. Não é consentâneo com as regras de experiência comum que o arguido, no referido contexto e estando num local público, frequentado por muitas pessoas (o que é altamente provável, uma vez que estava a ser exibido na televisão um jogo de futebol), tenha molestado sexualmente a menor C nos termos descritos no aresto recorrido, sem que o próprio pai da menor, e inclusive outras pessoas que estariam nesse local, se tenham apercebido.
34. Não resultou também concretizado o local concreto e o tempo da prática dos factos, ainda que por referência ao ano, mês ou época do ano (Verão, outono, inverno, primavera).
35. Subsiste, em relação a tal matéria de facto, uma clara imprecisão o que colide com o direito ao contraditório, na esfera da defesa do arguido.
36. É assim manifesta a violação por parte do Tribunal Recorrido das disposições normativas previstas no artigo 283.º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal e artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
37. O Tribunal Recorrido não dispunha de elementos de prova bastantes, atenta ademais a contradição entre os depoimentos de C e P, para ter dado como provado os pontos 10 a 14 da factualidade.
38. O Tribunal “A Quo” fez uma errada interpretação da prova produzida, designadamente no que respeita aos depoimentos da Menor e do seu Pai.
39. Por via da reapreciação dos depoimentos de P (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA P - Inicio da Gravação: 10h43m/ Fim da Gravação: 11h36m [53 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:01:05 a 00:03:00, 00:12:40 a 00:14:11, 00:29:10 a 00:29:30, 00:35:10 a 00:38:30) e H (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA H - Inicio da Gravação: 11h51m/ Fim da Gravação: 12h35m [44 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:05:00 a 00:05:15, 00:36:24 a 00:38:20), deve concluir-se que a matéria de facto inserta nos pontos 10 a 14 da factualidade deve ser dada como não provada e em consequência ser eliminada do Acórdão Recorrido.
40. A motivação do Tribunal Recorrido envida em manifestos erros relativamente à apreciação da prova produzida, o que conduziu ao julgamento incorrecto dos pontos 16 a 21 dos factos dados como provados no Acórdão Recorrido.
41. Em relação a tal matéria, a ofendida em momento algum declarou que o arguido lhe apalpou a vagina, mas sim que o mesmo tocou na vagina da ofendida por cima das leggins (cfr. declarações de C – fls 237 a 238 dos autos – passagens do Depoimento da Menor – 00:17:20 a 00:24:36).
42. Nem a Ofendida declarou que o arguido a apalpou, nem tão pouco tal conclusão resultou sustentada por via dos depoimentos das testemunhas que motivam a fundamentação do Tribunal Recorrido para suportar a prova dos supra enunciados factos.
43. A testemunha L revelou que viu a Menor C junto do arguido, porém, não denotou da parte do arguido nenhum comportamento suscetível de incomodar a Ofendida (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA L - Inicio da Gravação: 12h37m/ Fim da Gravação: 12h52m [15 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravações de 00:12:40 a 00:13:34).
44. Esta testemunha descreveu que a Menor C estava sentada/encostada sobre uma das pernas do arguido e não ao colo do mesmo (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA L - Inicio da Gravação: 12h37m/ Fim da Gravação: 12h52m [15 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravações de 00:13:40 a 00:14:47).
45. Transmitiu ainda que nunca viu o arguido colocar as mãos no corpo de C (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA L - Inicio da Gravação: 12h37m/ Fim da Gravação: 12h52m [15 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravações de 00:05:00 a 00:11:40).
46. Adiantou ainda que junto das crianças estavam presentes os adultos, designadamente o Pai da C e a namorada deste, assim a como a Mãe da testemunha L e estavam todos a jogar bowling no mesmo espaço (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA L - Inicio da Gravação: 12h37m/ Fim da Gravação: 12h52m [15 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravações de 00:05:00 a 00:11:40, 00:12:00 a 00:12:35).
47. A testemunha T, transmitiu que viu a menor ao colo do arguido (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA T - Inicio da Gravação: 15h06m/ Fim da Gravação: 15h34m [15 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravações de 00:02:30 a 00:04:12).
48. O depoimento da testemunha T não é totalmente consentâneo com o depoimento da sua filha L, tendo esta testemunha especificado em que condições a C estaria com o arguido e que não são consentâneas com a prática de acto sexual de relevo susceptível de importunar a Menor.
49. Nenhuma das pessoas que estavam presentes no referido local, incluindo o pai da menor C e a, à data, namorada deste, presenciarem ou visualizaram qualquer comportamento do arguido passível de corroborar o descrito nos pontos 16 a 21 da factualidade provada do Acórdão Recorrido (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA P - Inicio da Gravação: 10h43m/ Fim da Gravação: 11h36m [53 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:16:00 a 00:16:36, 00:24:40 a 00:25:18).
50. A testemunha P transmitiu que no local onde estava conseguia ver onde se encontrava a sua filha, nunca a tendo perdido de vista (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA P - Inicio da Gravação: 10h43m/ Fim da Gravação: 11h36m [53 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:17:00 a 00:17:28, 00:38:31 a 00:39:35, 00:40:50 a 00:41:10).
51. O Acórdão Recorrido padece de manifesto e grosseiro erro ao considerar, por referência ao relatório da perícia médico-legal a que foi submetida C, que a conduta do arguido pode ter sido causa de uma verruga genital que a menor terá tido.
52. O Perito subscritor de tal relatório, em sede de esclarecimento escrito prestado em 12/01/2024, transmitiu que a alusão a uma suposta “verruga genital” “não pertence à avaliação da menor”, padecendo o referido relatório, nesse segmento, de um erro que se deveu a “(…) uma distração do perito” (cfr. esclarecimentos ao relatório de perícia médico-Legal de 09/12/2023).
53. A referida perícia resultou condicionada, o que afectou a sua imparcialidade, porquanto o senhor Perito não foi informado de todas as circunstâncias de natureza pessoal e familiar que envolveram a criança num passado recente, designadamente o facto da menor ter sido alvo de importunação sexual por parte de um colega de escola, matéria que resultou confirmada pela testemunha B (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA B - Inicio da Gravação: 09h54m/ Fim da Gravação: 10h40m [46 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:33:56 a 00:37:25).
54. Desconhecia o Sr. perito que a menor havia ainda vivenciado o processo de divórcio dos seus Pais (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA B - Inicio da Gravação: 09h54m/ Fim da Gravação: 10h40m [46 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:33:56 a 00:37:25).
55. Tais informações seriam importantes para as conclusões a retirar da Perícia (cfr. Acta de Julgamento de 06/02/2024 – DEPOIMENTO DO PERITO [DR. M] – Inicio da Gravação: 09h52m/ Fim da Gravação: 10h13m [20 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravações de 00:04:20 a 00:10:40).
56. Não é consentâneo com as regras de experiência comum que o arguido, no referido contexto e estando num local público, frequentado por muitas pessoas, tenha molestado sexualmente a menor C nos termos descritos na Acusação e dado como provado no Acórdão Recorrido, sem que o próprio pai da menor, e inclusive outras pessoas que estariam nesse local, se tenham apercebido.
57. A própria Mãe da Menor acaba por afastar a probabilidade de os factos ocorrerem nos termos enunciados nos pontos 16 e 20, uma vez que declara que a sua filha não é dada a contacto físico e que não se senta ao colo de alguém que não seja do seu circulo familiar próximo, o que não era o caso do arguido (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA B – Inicio da Gravação: 09h54m/ Fim da Gravação: 10h40m [46 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:33:00 a 00:33:55).
58. Os pontos 16 a 21 resultaram incorrectamente julgados, porquanto a prova produzida não podia permitir ao Tribunal Recorrido a plena convicção de que os referidos factos tenham ocorrido nos termos que se encontram descritos no aresto Recorrido.
59. Não resultou dos depoimentos das testemunhas L que o arguido tenha colocado as mãos a fim de tocar na vagina da Menor C.
60. Ao considerar, nos pontos 17 e 21 da factualidade, que o arguido apalpou a zona vaginal de C, o Tribunal Recorrido conclui pela verificação de um facto que não resulta evidenciado ou transmitido por via de qualquer elemento de prova, designadamente através do depoimento da Ofendida.
61. O aresto recorrido evidencia um manifesto erro de apreciação da prova, uma vez que formula uma conclusão que contradiz a prova produzida, designadamente a prova pericial, porquanto entende que a menor padecia de uma verruga genital que teria resultado de condutas do tipo daquelas que resultam imputadas ao Arguido.
62. Os pontos de factos 16, 17, 18, 20 e 21 da factualidade resultaram incorrectamente julgados, atendendo a que os depoimentos das testemunhas P, L e T contradizem as declarações de C, não corroborando a ocorrência dos mesmos nos termos descritos pela Ofendida.
63. A matéria inserta nos pontos 16, 17, 18, 20, 21 e 22 da factualidade do Acórdão recorrido deve ser dada como não provada.
64. Em relação aos pontos n.ºs 26 a 29 da factualidade, o Tribunal Recorrido não entendeu como particularmente relevante o local da prática dos factos.
65. Em sede de declarações para memória futura, à pergunta formulada pelo Meritíssimo Juiz: “Chegou a tocar-te na vagina?”, a Menor respondeu: “Não” (cfr. declarações de I – fls 258 a 263 dos autos – passagens do Depoimento da Menor – 00:08:26 a 00:08:55).
66. A Menor I em momento algum declarou que o arguido apalpou ou tocou na sua vagina ou na sua zona vaginal.
67. Objectivamente, não resultou provado o facto inserto nos pontos 28 e 29 da factualidade.
68. A Menor em nenhum momento declarou a ocorrência de qualquer facto no verão de 2019, uma vez que relativamente a esse ano, I, somente declarou que ela e a sua família deixaram de ver o arguido em 2019, não podendo concluir-se que no verão de 2019 tenha ocorrido o aludido no ponto 29 (cfr. declarações de I – fls. 258 a 263 dos autos – passagens do Depoimento da Menor – 00:04:29 a 00:05:58).
69. O demais que resulta das declarações da Menor A não pode permitir ao Tribunal recorrido concluir que o arguido tenha praticado acto sexual de relevo, com o objectivo de molestar a menor.
70. O documento de fls. 50, que reproduz uma troca de mensagens entre o arguido e o pai desta menor, não pode constituir meio de prova bastante para subsumir que o arguido praticou os factos que lhe resultam imputados.
71. Não resultou concretizado o local onde os factos ocorreram.
72. O Tribunal Recorrido, em oposição ao libelo acusatório, reconhece que tais factos não ocorreram na casa de Benavente, propriedade do filho do arguido T.
73. Não concretizando onde é que que os factos ocorreram, o Acórdão Recorrido alude a uma suposta casa e a um galinheiro que não se sabe onde se localizam ou sequer se existem.
74. Os referidos factos dados por provados pelo Tribunal “A Quo” representam uma clara imprecisão da matéria de facto provada e colidem com o direito ao contraditório, na esfera da defesa do arguido, o que configura uma clara violação das disposições normativas previstas no artigo 283.º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal e artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
75. Perante a ausência da plena concretização do enquadramento espácio temporal dos factos, acrescida da manifesta insuficiência de elementos de prova que permitam sustentar que o arguido tenha praticados os ilícitos criminais de que vem acusado e sendo o declarado pela Menor Inês contrário ao Acórdão Recorrido, é imperativo concluir que os factos dos pontos 28 a 30 devem ser dados como não provados e expurgados do aresto recorrido.
76. A motivação do Tribunal Recorrido para dar como provada a matéria de facto dos pontos 32 a 35, assenta nas declarações da Menor A e no depoimento das Testemunhas O e M.
77. A testemunha T nada presenciou de relevante (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA T - Inicio da Gravação: 15h06m/ Fim da Gravação: 15h34m [28 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravações de 00:11:35 a 00:13:30).
78. A testemunha M nem sequer esteve no local onde, alegadamente, os factos terão ocorrido, nada tendo presenciado (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA M - Inicio da Gravação: 14h51m/ Fim da Gravação: 15h05m [14 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravações de 00:02:15 a 00:03:40).
79. A testemunha H, comum à acusação e à defesa do arguido, relatou que quando confrontou o Pai com o que se passou com a menor I, este transmitiu que somente brincou com a menor nunca tendo qualquer intenção de lhe fazer mal (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA H - Inicio da Gravação: 11h51m/ Fim da Gravação: 12h35m [44 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:10:54 a 00:15:46).
80. As testemunha T e C, relativamente à mesma matéria transmitiram que os Pais da Menor ausentaram-se da casa destes, denotando um comportamento normal e não evidenciando mau estar revelador da ocorrência de algum acontecimento grave que tenha afectado a sua filha (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA T - Inicio da Gravação: 15h36m/ Fim da Gravação: 16h15m [38 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravações de 00:16:00 a 00:24:12)///(Cfr. Acta de Julgamento de 06/02/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA C - Inicio da Gravação: 10h14m/ Fim da Gravação: 10h43m [28 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravações de 00:08:55 a 00:13:30 e 00:18:00 a 00:18:50).
81. De forma errónea e contradizendo o declarado pela Menor A, o Tribunal Recorrido considerou provado que o arguido apalpou a zona vaginal da menor.
82. A ofendida não declarou que o arguido lhe apalpou a vagina, mas sim que o mesmo tocou nas partes íntimas por cima da roupa (cfr. declarações de A – 11/08/2022 - passagens do Depoimento da Menor – 00:05:00 a 00:08:10).
83. Ainda que se possa concluir que a alusão a “partes intimas” é referente à zona vaginal, a verdade é que apalpar constitui um acto mais relevante e importunador que o acto de tocar.
84. Em relação aos factos dos pontos 28 a 30, é insuficiente a prova para condenar o arguido pelo ilícito criminal cuja prática lhe é atribuída.
85. Os factos dos pontos 28 a 30 devem ser dados como não provados.
86. O Tribunal Recorrido não justificou, em sede de motivação, como resultou formada a sua convicção em relação ao facto provado n.º 45.
87. Não subsiste nenhum elemento de prova que ateste que o arguido é uma pessoa impulsiva, sendo que tal conclusão constitui uma afirmação de desvaloriza a personalidade do mesmo.
88. Somente o relatório social imputa tal característica ao arguido, porém não evidencia com base em que fontes ou elementos o Sr. técnico de Reinserção Social chegou a tal conclusão, não dispondo do de suporte de outros elementos de prova que tenham sido carreados para os autos.
89. Não está assim provado que o arguido seja dotado de uma personalidade impulsiva.
90. Não pode ser dado como provado o facto inserto no ponto 45 da factualidade.
91. As testemunhas H e M, declararam que o arguido nunca usava unhas cumpridas (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA H - Inicio da Gravação: 11h51m/ Fim da Gravação: 12h35m [44 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:39:49 a 00:40:43)///(Cfr. Acta de Julgamento de 06/02/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA M - Inicio da Gravação: 10h14m/ Fim da Gravação: 10h43m [28 minutos] – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravações de 00:07:55 a 00:08:14).
92. A testemunha T declarou que o arguido tinha o mau hábito de roer as unhas o que impedia que as mesmas ficassem compridas (cfr. Acta de Julgamento de 12/01/2024 – DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA T – Inicio da Gravação: 15h36m/ Fim da Gravação: 16h15m [38 minutos] – Passagens relevantespara a presente matéria do recurso: gravações de 00:26:00 a 00:26:40).
93. Os referidos depoimentos não podem ser descredibilizados e em consequência tal facto deve ser incluído no rol dos factos provados, matéria que afasta a tese da Ofendida C e da sua Mãe de que o arguido tinha unhas compridas e arranhou a menor.
94. A matéria de facto dada como provada pelo Tribunal Recorrido deve ser objecto de reapreciação e, em consequência, devem ser dados como não provados os factos insertos nos pontos 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 16), 17), 18), 20), 21), 22), 23), 26) 27), 28), 29), 30, 31), 32), 34), 35), 36) e 45) da matéria assente da fundamentação de facto do Acórdão Recorrido.
95. Por seu lado, a alínea F) dos factos não provados deve passar a constar nos factos provados.
96. O Arguido não praticou os factos que lhe resultam atribuídos e que constituem ilícitos criminais.
97. Por via da modificação da matéria de facto ora suscitada, o arguido deve ser absolvido da prática dos crimes pelos quais foi condenado em primeira instância.
98. Sem conceder e por dever de patrocínio:
99. Da relação dos factos espraiada nos pontos 7 a 37 da factualidade não é possível extrair, que a actuação do arguido tenha conduzido à prática de acto(s) sexual(is) de relevo, nos termos previstos no artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal.
100. Das declarações prestadas pelas menores não resulta que o arguido tenha praticado actos que, de forma significativa, tenham afectado a livre determinação sexual das ofendidas.
101. Em relação à menor C, é descrito um facto que consistiu num toque vaginal quando a menor teria cerca de 5 anos de idade (pontos 7 a 9 da factualidade).
102. Os demais factos que envolvem a Menor, consistiram em toques por cima da roupa que a menor trazia vestida (factos 10 a 13 e 16 a 21 da factualidade da fundamentação do Acórdão Recorrido).
103. Não resultou provada a prática de qualquer acto mais intensivo, suscetível de entrar significativamente na livre determinação sexual da menor.
104. No que respeita aos factos relacionados com a menor I (pontos 26 a 30 da factualidade) resultou transmitido por esta menor que o arguido não lhe tocou na vagina, mas por cima da roupa, entre as pernas.
105. Também em relação aos episódios relatados que envolveram esta menor não ocorreu a prática de qualquer acto passível de ser considerado de relevância tal que seja susceptível de entrar significativamente na livre determinação sexual da menor.
106. Em relação à menor A (pontos 32 a 34 da factualidade) atenta a sua idade, tratando-se de um facto isolado e de pouca intensidade, tendo consistido num toque na menor, também deve ser entendido que tal conduta imputada ao arguido não assume o relevo previsto no artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal.
107. A lei penal não fornece uma densificação do conceito de ato sexual de relevo, nem casuística exemplificativa. Esta situação confere margem de apreciação a quem julga, em função das realidades sociais, das conceções dominantes e da própria evolução dos costumes (Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24/05/2022 (Processo n.º 95/17.8JASTB.E2 – www.dgsi.pt ).
108. Atenta a descrição dos factos vertidos nos presentes autos, as condutas que resultam imputadas ao Recorrente não têm o relevo exigido pelo artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal, sendo susceptível, inclusive de ter deixado dúvida, em meninas tão jovens, quanto ao seu propósito.
109. Em relação à menor C, a mesma somente revelou o alegado episódio de Vendas de Azeitão, ocorrido em 2013 ou 2014, passados cerca de 9 anos e os demais factos, foram revelados três ou quatro anos depois.
110. Tal é revelador de que só muito recentemente a jovem alcançou o propósito dos factos que descreveu nestes autos.
111. Mutatis mutantis em relação aos episódios que envolveram as menores I e A.
112. Os comportamentos atribuídos ao arguido não entram de forma significativa na livre determinação sexual das vítimas.
113. No limite e contrariamente ao sufragado pelo Acórdão Recorrido, as condutas imputadas ao arguido, somente poderão ser passíveis de integrar a previsão da alínea a) do n.º 3 do artigo 171.º do Código Penal e não o n.º 1 do mesmo artigo, disposições normativas que resultaram manifestamente violadas pelo Tribunal Recorrido.
114. Em consequência, a moldura penal a aplicar ao arguido nunca poderá ser, na sua globalidade, superior a 3 anos de prisão, devendo sempre ser reduzida para os seus limites mínimos, atento o estatuído no artigo 171.º, n.º 3, alínea a) do Código Penal e por aplicação das regras do cúmulo jurídico previstas no artigo 77.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, aceitando-se a suspensão da pena de prisão nos termos promovidos pelo Acórdão Recorrido.
115. Ainda que não se entenda a susbsunção dos factos ao enquadramento jurídico-criminal supra enunciado, o que não se aceita e somente por dever de patrocínio se equaciona, sempre o Tribunal recorrido, em obediência aos pressupostos da culpa, gravidade dos danos e circunstâncias sociais e económicas do arguido, acrescido da ausência de antecedentes criminais do mesmo (cfr. Pontos 38 a 43 dos factos provados), devia ter aplicado uma moldura penal nos seus limites mínimos, conforme previsto no artigo 171.º, n.º 1, não superior a 3 anos de prisão, suspensa na sua execução.
116. O Acórdão recorrido é atento o ora exposto violador dos princípios da proporcionalidade e da culpa, além de ter violado o estatuído nos artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, 71.º, 77.º n.º 1 e 171.º, n.ºs 1 e 3, alínea a) do Código Penal, pelo que deve ser modificado, devendo, por conseguinte, em caso de condenação do arguido, reduzir-se a moldura penal fixada, para os seus limites mínimos, suspensa na sua execução.
117. O Tribunal Recorrido ao arbitrar indemnizações a favor das Ofendidas não respeitou critérios da equidade, não considerou a culpa do agente, a sua situação económica, a situação económica do lesado, assim como as especiais circunstâncias do caso, a gravidade do dano, ou seja, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
118. O Tribunal Recorrido não apurou qual situação económica das Ofendidas e dos respectivos agregados familiares.
119. E em relação às menores I e A não está elencado na factualidade provada, nem subsiste qualquer elemento de prova que ateste acerca das consequências da conduta do arguido, designadamente se sofreram tristeza, vergonha e medo, com perturbação do crescimento da sua sexualidade.
120. Não está demonstrado que essas duas menores apresentam, ou não, dificuldades relevantes de comportamento, instabilidade emocional, sintomatologia depressiva ou ansiogena.
121. Subsiste uma clara insuficiência da matéria de facto provada para decisão proferida pelo Tribunal Recorrido em relação ao arbitramento dos montantes indemnizatórios.
122. A situação económica do arguido, conforme sustenta o Tribunal Recorrido, é de baixos rendimentos (pontos 41 e 42 dos factos provados), pelo que o valor individual de cada indemnização, fixado no aresto recorrido, é extremamente excessivo.
123. Os valores compensatórios arbitrados estão desfasados e são fixados bem acima dos valores que em relação a casos mais graves têm sido estabelecidos pelos Tribunais portugueses, sendo manifestamente excessivos e desproporcionais ao grau de culpa do agente e à gravidade dos danos, tendo o aresto recorrido violado o disposto nos artigos 483.º, 494.º e 496.º todos do Código Civil.
124. O Tribunal Recorrido não considerou factores fundamentais para a determinação do justo e adequado valor compensatório.
125. O Acórdão Recorrido carece de fundamentação bastante para sustentar os valores indemnizatórios fixados, não justificando a razão pela qual, em relação às Menores C e I, atribuiu indemnizações em valor quase equivalente, quando a gravidade dos factos imputados é diferente.
126. O Tribunal Recorrido não dispunha de elementos objectivos para arbitrar indemnizações nos termos que resultaram fixadas no acórdão Recorrido.
127. Ainda que o arguido venha a ser condenado no pagamento de compensação a favor das menores, o valor de cada indemnização civil deve assim ser reduzido em obediência às regras de boa prudência, de bom senso prático, justeza da medida aplicada e criteriosa ponderação das realidades da vida.
128. Ao arbitrar as indemnizações nos termos estatuídos no Acórdão recorrido, o Tribunal “A Quo” não respeitou os princípios da proporcionalidade e da culpa e por conseguinte violou, para além das disposições normativas já supra mencionadas, o disposto nos artigos 40.º, n.º 1 e 71.º, n.º 1 do Código Penal.”

*
1.3. Notificado da interposição do recurso, o Ministério Público apresentou resposta, apresentando a seguinte síntese conclusiva (transcrição):
“1. Não tendo o arguido cumprido o preceituado no artigo 412.º, n.º 3 e n.º 4, do Código de Processo Penal, deverá o recurso interposto ser liminarmente rejeitado na parte em que impugna a decisão da matéria de facto, sem prejuízo, naturalmente, da apreciação de questões de conhecimento oficioso - designadamente, os vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
2. Entendemos também que as conclusões da motivação do recurso apresentado, numeradas em 128 pontos que se espraiam por cerca de dezassete folhas, padecem de evidente falta de concisão, tendo o arguido tornado a alegar de facto e de direito, ao invés de em síntese, resumir as razões do seu pedido, como preceitua o n.º 1 do artigo 412.º do Código de Processo Penal.
3. O douto acórdão recorrido mostra-se devidamente motivado, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal a quo segundo as regras da experiência comum e da sua convicção, impondo a conjugação dos elementos probatórios indicados e examinados, a conclusão de que o arguido praticou os crimes pelos quais veio a ser condenado.
4. Beneficiando das vantagens da imediação e da oralidade, o Tribunal explicitou em termos que nos merecem integral concordância, as razões pelas quais atribuiu maior credibilidade a alguns depoimentos em detrimento de outros, não traduzindo a ausência de concretização das circunstâncias de tempo e de lugar qualquer violação do disposto nos artigos 283.º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal e 32.º da Constituição da República Portuguesa, por integrar elemento meramente acidental e não essencial, como decorre da utilização da expressão se possível.
5. A contestação apresentada pelo Exm.º Mandatário do arguido não equivale à prestação de declarações por este em julgamento, sendo legítimo concluir, como fez o Tribunal, que o arguido não tomou posição sobre os factos que lhe eram imputados, negando-os ou confessando-os, já que se remeteu ao silêncio em sede de audiência de julgamento.
6. Concordamos, na íntegra, com a qualificação jurídica dos factos praticados pelo arguido: ao contrário do que este pretende, o mesmo não se limitou a tocar nas menores sobre a roupa, apalpou-as e arranhou Carolina na área genital, por mais do que uma vez e durante algum tempo, causando-lhe dores, o que só por si reflecte o “vigor” com que o fez, sendo certo que, pelo menos numa ocasião (a primeira), a menor C estava sem roupa.
Não estamos, de todo, perante toques fortuitos, inofensivos e anódinos, insignificantes ou bagatelares, antes se revestindo de conotação sexual expressiva, como se extrai das reacções desencadeadas nas menores, as quais tinham menos de 14 anos de idade.
7. Reconduzidos à moldura penal prevista na citada disposição legal, de 1 a 8 anos de prisão e considerando as elevadas exigências de prevenção geral e especial, as consequências psicológicas resultantes para as vítimas, a reiteração da conduta do arguido, com diversas vítimas em diversas ocasiões, aproveitando-se da relação que tinha com as suas famílias, em locais públicos mas sempre de forma velada, nenhuma censura nos merecem, quer as penas parcelares encontradas para a sua punição, quer a pena única aplicada - ainda assim passível de suspensão na respectiva execução -, perfilhando na íntegra, a fundamentação plasmada no acórdão recorrido.
8. Há ainda a ter em conta o facto de, no caso vertente, o arguido ser o pai de um dos melhores amigos do pai da menor C, uma pessoa cujo conhecimento vinha de longe, o que contribuía para que as menores o vissem como integrando um ambiente protector, onde se sentiam seguras, compreendendo-se o receio e a relutância sentidos por C em relatar inicialmente os factos, temendo que não acreditassem nela.
A conduta do arguido destruiu laços de proximidade existentes num grupo de amigos, cujo relacionamento se iniciou na infância, manteve-se durante a juventude e perdurou na fase adulta, durante mais de 20 anos, estendendo-se às famílias entretanto constituídas, alargando-se aos descendentes que, entretanto, estabeleceram laços próximos entre si, funcionando quase como família alargada,
E fê-lo apenas para satisfação dos seus instintos libidinosos.
9. De igual modo, afiguram-se-nos justos e adequados os montantes indemnizatórios arbitrados pelo Tribunal, a título de compensação pelos danos não patrimoniais provocados, no valor de €8.500,00, €7.500,00 e €3.500,00 às ofendidas C, Inês M e A, respectivamente, atento o preceituado no artigo 496.º, n.ºs 1 e 3 do Código Civil e uma vez preenchidos os seus pressupostos, considerando a diferente gravidade dos factos, mostrando-se a decisão recorrida suficientemente fundamentada, nesse segmento.
10. Não se mostram violados, a nosso ver, quaisquer preceitos legais, mormente os invocados.”
*
1.4. Igualmente a assistente respondeu ao recurso interposto pelo arguido, sintetizando assim a sua motivação (transcrição):
"Não lhe assiste razão, já que o mui douto Acórdão está bem fundamentado e a sua motivação está explanada de forma coerente, assente na prova produzida em audiência de julgamento cuja interpretação foi a mais correta levando á conclusão de que o Arguido praticou os crimes de que vinha acusado, pelo que legitima as indemnizações arbitadas nos moldes em que o foram.
A indicação da totalidade do depoimento das testemunhas ou a sua súmula proposta pelo recorrente não cumpre as exigências processuais contidas no artigo 412.º n.º 3 e 4 do CPP. O ónus que recai sobre o recorrente é de uma impugnação específica, impugnatória de factos concretos fazendo em cada ponto referência aos meios de prova que considere relevantes. Não pode ater-se a indicar todo o depoimento, pois tal redunda em apelo a nova apreciação de facto de todo o depoimento e até de todos os outros depoimentos.
O resumo de depoimento é uma elaboração usada pelo recorrente ferida de qualquer valor probatório, pelo que tais conclusões assim apresentadas deverão, salvo o devido entendimento desta Relação, ser alvo de convite ao aperfeiçoamento, nos termos do artigo 417.º n.º 3 do CPP, com vista a completar ou esclarecer as conclusões formuladas.
Na verdade, é possível aferir em que termos os depoimentos das testemunhas contribuíram para a formação da convicção do Tribunal a quo.
Por outro lado, dúvidas não se suscitam que tais depoimentos foram compaginados com os elementos documentais constantes dos autos.
O Direito Penal e Processual Penal Português regem-se pelo princípio geral da livre apreciação da prova - cfr. art. 127º do CPP.
Logo, perante a produção de prova, o Coletivo “a quo” teria necessariamente que possuir um espírito crítico e, no âmago da sua isenção e objetividade, avaliar cada depoimento prestado de per si e avaliar quais os depoimentos que se apresentaram mais credíveis.
Cabia-lhe com todos os elementos probatórios colhidos nos autos apreciar livremente, o que não é sinónimo de arbitrariamente avaliar os factos.
Com os elementos probatórios colhidos, não se afigura que a posição tomada do Tribunal a quo pudesse ser diversa.
Donde que, mais não resta do que concluir que inexiste qualquer erro na apreciação da matéria de facto no que respeita aos crimes de Abuso Sexual de Menores ás vítimas que tiveram a coragem de denunciar todos os factos ocorridos, pelo que no douto Acórdão recorrido foram dados como provados todos os factos que incumbia dar como provados nesta parte e, consequentemente, o arguido/recorrente condenado, por se mostrarem preenchidos todos os elementos (objetivo e subjetivo) daquele crime.
Pelo exposto, e por ter feito correta interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis, o douto Acórdão recorrido não é merecedor de qualquer censura nem no que respeita aos crimes de abuso sexual de menores nem às penas aplicadas e devidas indemnizações.
Neste contexto, e contrariamente ao referido pelo recorrente, importa concluir que a decisão recorrida não padece de qualquer vício e que a prova testemunhal não carece de qualquer reapreciação, sendo mais do que suficiente para condenar como condenou o Arguido.
No que toca aos montantes indemnizatórios arbitrados às vítimas, só pecam por não serem mais altos.
Como tal, deverá o recurso a que agora se responde improceder e manter-se o mui douto Acórdão nos seus exatos termos.”
*
1.5. Nesta Relação, o Exo. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.
*
1.6. Foi cumprido o estabelecido no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta ao parecer pelo recorrente e apresentada resposta pela assistente.
*
1.7. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência a que alude o art.º 419.º, do Código de Processo Penal, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Âmbito do recurso e questões a decidir
Conforme entendimento pacífico, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar (Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª edição, p. 335, e acórdão do STJ, de 19.06.1996, in BMJ n.º 458, p. 98), sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Assim, considerando o teor das conclusões do recurso interposto, no sentido acabado de referir, o objeto do presente recurso centra-se nas seguintes questões:
1.ª Determinar se o acórdão recorrido violou as disposições normativas previstas no art.º 283.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, e art.º 32.º, da Constituição da República Portuguesa.
2.ª Determinar se o acórdão recorrido padece do vício previsto no art.º 410.º, n.º 2, alínea c), do Código do Processo Penal – insuficiência da matéria de facto provada para decisão proferida pelo Tribunal Recorrido em relação ao arbitramento dos montantes indemnizatórios.
3.ª Determinar se se verifica um erro de julgamento por parte do tribunal de primeira instância relativamente aos factos dados como provados sob os pontos 3 a 37 e 45, e facto não provado sob a alínea F); o princípio da livre apreciação da prova; a violação do in dubio pro reo;
4.ª Caso improceda a questão anterior, determinar se os factos provados permitem enquadrar juridicamente as condutas do arguido no art.º 171.º, n.º 1, do Código Penal;
5.ª Em caso afirmativo, se devem as penas concretamente aplicadas serem reduzidas para muito próximo dos limites mínimos;
6.ª Caso improceda a 2.ª questão, determinar se os montantes indemnizatórios arbitrados a favor das menores são excessivos, devendo serem reduzidos.
*
2.2. O acórdão recorrido (nas partes relevantes)
2.2.1. O tribunal de primeira instância deu como provados os seguintes factos:
1. Desde data não concretamente apurada, que os filhos de F mantinham uma relação de amizade/convívio com P, pai de C, nascida a 28.04.2009.
2. Por força dessa relação, C frequentava, ainda que ocasionalmente, os mesmos locais que F.
3. Assim, em data não concretamente apurada do ano de 2013/2014, C encontrava-se em casa do filho de F, sita nas Vendas de Azeitão.
4. Aquela moradia era grande e espaçosa, encontrando-se várias crianças no local.
5. A determinada altura, C teve necessidade de ir à casa de banho, tendo-se deslocado acompanhada de outras duas crianças que se encontravam na referida casa.
6. F acompanhou os três à casa de banho.
7. No interior daquela divisão, C e as outras crianças acabaram por ficar sem roupa.
8. Sendo que, a determinado momento, F tocou e apalpou a zona vaginal de C.
9. De seguida, C conseguiu fugir daquele local depois de gritar para que alguém abrisse a porta.
10. Passado algum tempo, em data que não foi possível concretizar, mas que terá sido quando C frequentava o terceiro ou quarto ano de escolaridade, a mesma que se encontrava acompanhada pelo seu pai, voltou a encontrar-se com F num café, em local não concretamente apurado, mas sito na Quinta do Conde.
11. Nessa ocasião, F convidou C a sentar-se no seu colo, ao que a mesma acedeu.
12. Nesse seguimento, F pegou na mesma e colocou-a no seu colo.
13. Aquando desse movimento, F colocou uma das suas mãos debaixo do “rabo” de C e apalpou-a na zona vaginal, pela parte de fora da roupa, acabando por arranhá-la com as suas unhas, provocando-lhe dores.
14. Por força de todo o desconforto que esta situação originou, C acabou por sair do colo de F e fugir para mais longe, inventando uma história sobre pessoas más para poder escapar do mesmo.
15. Posteriormente a estas situações, em data não concretamente apurada, mas que terá ocorrido quando C tinha 9 anos de idade, a mesma, o seu pai, a sua madrasta e o filho desta, deslocaram-se a uma sala de bowling, localizado na cidade de Setúbal, onde se encontraram com F na companhia de outros familiares.
16. Nesse evento, sempre que C lançava a bola, F pedia-lhe sempre para ela se sentar no seu colo, o que a mesma acabava por aceder.
17. Nessas ocasiões, F apalpou a zona vaginal de C, pela parte de fora da roupa.
18. Situação que ocorreu, pelo menos, entre cinco a dez vezes, enquanto o jogo de bowling durou.
19. Ainda no mesmo local, algum tempo depois, C quis jogar um jogo com outro menino que também ali se encontrava.
20. Tal jogo era jogado numa máquina com duas cadeiras e dois volantes, tendo-se F sentado na cadeira ao lado da outra criança e sugerido que C se sentasse ao seu colo, o que a mesma fez.
21. Nesse momento, F apalpou a zona vaginal de C, por cima da roupa que a mesma trajava, acto que durou algum tempo, até o jogo acabar.
22. Nas três ocasiões descritas supra, F agiu sempre de forma livre, deliberada e conciente, com o objectivo, concretizado, de molestar sexualmente C e satisfazer os seus desejos libidinosos, apalpando-lhe a zona vaginal, bem sabendo que se tratava de uma criança de tenra idade, sem qualquer hipótese de se defender de tais actos.
23. Sabia que, ao fazê-lo, atentava contra a sua autodeterminação sexual, bem sabendo das consequências da sua actuação na formação da personalidade daquela criança e no despertar precoce da sua sexualidade.
24. F é primo do avô de I, nascida a 01.07.2008 e de A, nascida a 09.06.2011.
25. Por força dessa relação familiar, as referidas menores, que são irmãs e residentes em França, costumavam frequentar alguns dos locais que F frequentava, o que ocorria durante as férias de Verão.
26. Durante esses períodos de férias, designadamente nos anos de 2018 e 2019, I encontrava-se num desses locais, não concretamente apurado, tendo F convencido a mesma a ir com ele até junto de um galinheiro que ali existia.
27. Por vezes, se as outras pessoas que se encontravam na casa estavam a comer na parte de fora, ele levava-a para dentro de casa, local onde ficavam sozinhos.
28. Assim, nesses locais e em, pelo menos duas ocasiões no referido ano de 2018, aproveitando o facto de estarem sozinhos, F apalpou I na zona vaginal, por baixo das cuecas.
29. Numa outra ocasião nas férias de verão do ano de 2019, aproveitando o facto de estarem sozinhos, F apalpou I na zona vaginal, desta feita por cima da roupa.
30. Nas três ocasiões descritas supra, F agia de forma livre, deliberada e consciente, com o objectivo, concretizado, de molestar sexualmente I e satisfazer os seus desejos libidinosos, apalpando-lhe a zona vaginal, bem sabendo que se tratava de uma criança de tenra idade, sem qualquer hipótese de se defender de tais actos.
31. Sabia que, ao fazê-lo, atentava contra a sua autodeterminação sexual, bem sabendo das consequências da sua actuação na formação da personalidade daquela criança e no despertar precoce da sua sexualidade.
32. Relativamente a A, em data não concretamente apurada, mas que terá sido nas férias de Verão de 2019, F levou-a para umas obras que decorriam em frente à casa onde se encontravam.
33. Ali chegados, F pegou em A e colocou-a ao seu colo, tendo dito que ia fazer como se ela andasse a cavalo.
34. Nesse seguimento, F apalpou a zona vaginal de A, por cima da roupa que a mesma trazia.
35. Na ocasião ora descrita, F agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o objectivo, concretizado, de molestar sexualmente A e satisfazer os seus desejos libidinosos, apalpando-lhe a zona vaginal, bem sabendo que se tratava de uma criança de tenra idade, sem qualquer hipótese de se defender de tais actos.
36. Sabia que ao fazê-lo, atentava contra a sua autodeterminação sexual, bem sabendo das consequências da sua actuação na formação da personalidade daquela criança, bem como no despertar precoce da sua sexualidade.
37. F sabia que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
38. Desconhecem-se anteriores condenações penais ao arguido, constando do seu certificado de registo criminal que as não tem.
39. O arguido vive com a esposa, com quem casou em 1981, com um filho e o filho deste, seu neto, em habitação integrada em área socio-residencial onde predominam moradias, sem conotação com problemáticas sociais e criminais.
40. Encontra-se reformado da actividade profissional que desenvolvia como vendedor de peças automóveis, e tem o 6.º ano de escolaridade.
41. Aufere pensão de reforma no valor de 1.108,00€ mensais e a esposa 673,00€ mensais.
42. O agregado apresenta despesas de 400,00€ mensais com alimentação e higiene, 220,00€ de água, luz, gás e telecomunicações.
43. O arguido ocupa o tempo com frequência de actividades na Universidade Sénior e a promoção/organização de excursões/passeios de grupos lúdico-recreativos.
44. Foi relatada vivência familiar com alguma instabilidade.
45. O arguido é tido no meio familiar como impulsivo.
46. Na casa de Benavente, propriedade do filho do arguido, T, não existe qualquer galinheiro.
2.2.2. O tribunal de primeira instância deu como não provados os seguintes factos:
A. Nas circunstâncias referidas em 1, F mantinha uma relação de amizade/convívio com P.
B. Os factos narrados em 3 a 9 passaram-se em 01.06.2014.
C. A actuação referida em 13 provocou em C comichão.
D. Nas circunstâncias referidas em 19, o outro menino era um primo.
E. Os fatos referidos em 26 a 32 passaram-se numa casa sita em Benavente.
F. O arguido não usa unhas compridas e anda sempre com as mesmas cortadas rentes ao “sabugo”.
2.2.3. A motivação da decisão recorrida, na parte que interessa, foi a seguinte:
O Tribunal formou a sua convicção relativamente à matéria de facto provada e não provada com base na prova produzida em julgamento, apreciada de acordo com regras de razoabilidade, experiência e bom senso.
Essencialmente, para dar como provados os factos da acusação que o foram, o Tribunal baseou-se nas declarações para memória futura prestadas pelas ofendidas C, I e A, as quais narraram de forma objectiva, clara e pormenorizada os factos constantes da acusação, com a salvaguarda daqueles que não foram dados como provados.
Relativamente aos factos 1 a 21, os mesmos não só foram relatados de forma isenta e espontânea pela jovem C, a qual demonstrou algumas hesitações no seu relato, as quais se mostram perfeitamente naturais, atenta a antiguidade dos primeiros factos narrados e a tenra idade que tinha quando os mesmos se passaram, mas no essencial se mostrou segura do que dizia, olhando directamente para o interlocutor, fazendo expressões esclarecedoras dos seus sentimentos a algumas perguntas mais íntimas, e frisando que apenas estava a falar sobre o assunto para evitar que acontecesse a outras crianças, situação que mostrava causar-lhe aflição.
A referida jovem, com 13 anos de idade, começou imediatamente por dizer que a situação de que se lembrava menos era a mais antiga - factos 1 a 9 -, tendo no entanto conseguido recordar com quem estava e que, pelo menos, o arguido lhe tocara “nas partes íntimas”, dentro da casa de banho, e que não fora com papel, para a limpar, mas sim com a mão, na sua pele. Pelos pormenores apresentados, o Tribunal alcançou a convicção de que se trata de uma memória real – note-se que a jovem recordou a posição de todas as pessoas que estavam na divisão, ela, o arguido e os dois netos do arguido, que as crianças tinham ficado sem roupa, que a seguir tinha chorado para lhe abrirem a porta e que quando saíra vinha desorientada.
Conjugou-se as declarações de C com o depoimento prestado pela sua mãe B e pelo seu pai, P – como demonstrado pelo documento de assento de nascimento da jovem, a fls. 30 -, as quais corroboraram o que por aquela foi dito, sem contradições de monta, nem grandes faltas de memória. Com efeito, pequenas divergências, como as que se verificaram entre o depoimento das referidas três testemunhas não lhes retiraram qualquer credibilidade, na medida em que se prenderam apenas com pequenos pormenores, tendo sido coerentes no essencial.
De notar que as duas últimas testemunhas referidas demonstraram ter conhecimento mais parcial dos factos, por apenas conhecerem alguns deles por lhes terem sido contados pela ofendida, e apenas terem presenciado parte do que se terá passado. Ambos demonstraram recordar-se de algum alvoroço ocorrido num dia de um convívio - por alegadamente a porta não abrir convenientemente e o arguido ter ficado fechado na casa de banho com as crianças -, que se terá passado segundo eles no dia da criança, quando a filha teria cerca de 5 anos, depois de se terem encontrado num parque próximo da casa de T, em que teriam sido convidados para ir a casa deste para um lanche ajantarado.
O relato produzido pelas referidas testemunhas revelou pormenores que lhe confere credibilidade, como o facto de ter sido coerente entre si e com o narrado pela filha. De notar que as mencionadas testemunhas apenas recordavam esses factos, e que depois tinham experimentado a porta, que não se encontrava avariada, mas que nada tinham pensado de mal, em virtude de o arguido ser pai de um dos melhores amigos de P, conhecendo a criança desde o nascimento, e agindo em geral como uma figura equivalente a um avô, quer para os próprios netos quer para as outras crianças.
Atendendo às regras da experiência comum, quando se confia nas pessoas, não se espera que cometam factos menos próprios, pelo que apesar da natural vigilância de um pai para com os filhos, não resulta estranho que o comportamento do arguido tenha passado despercebido. Também não é de estranhar que a percepção do pai e da mãe sobre a perturbação da ofendida tenha sido diferente, ou que a própria lembrança, tantos anos depois, possa estar alterada pela passagem do tempo. Não sendo um facto essencial, entende o Tribunal que também isto não retira credibilidade aos depoimentos.
Quanto à data em que os factos ocorreram, a mesma não foi dada como provada, apesar do depoimento da ofendida e dos seus pais apontar para a referida na acusação, uma vez que a ofendida não consegue recordá-la em concreto, e se reporta ao que lhe terá sido dito pela sua mãe. Por outro lado, apesar de B ter referido a data concreta com alguma segurança, fornecendo pormenores sobre o que terá acontecido nesse dia, no que foi corroborada por P, tanto as testemunhas T como H, assim como M, respectivamente filhos e nora do arguido referiram que apenas haveria hipótese de ter ocorrido tal convívio, que no entanto não recordavam em concreto, no dia do aniversário da sua filha, e não no dia da criança.
Ora, apesar do depoimento das testemunhas T, H e M se ter demonstrado parcial e muito influenciado pela relação que mantêm com o arguido, tendo-se prendido a pormenores para, sem negarem positivamente o ocorrido, terem tentado tirar credibilidade ao narrado pela ofendida, não tendo a vítima demonstrado certeza quanto à data, mas resultando de um raciocínio dos próprios pais sobre a sua própria recordação, ficou a dúvida ao Tribunal quanto a isto, não se tendo em consequência dado como provada a data concreta.
Quanto ao mais, as referidas testemunhas referiram não se recordarem de qualquer episódio relativo à porta da casa de banho, colocando muita ênfase em que todas as crianças estariam sempre, em todos os convívios supervisionadas pelos pais, e nunca muito longe dos mesmos. Tentaram mesmo referir que a casa de banho seria a do andar de cima e não de baixo, e que o arguido nunca estaria a tomar conta das crianças. Não obstante, por como acima se referiu, se terem prendido a pormenores, demonstrando preocupação em descredibilizar o depoimento da ofendida e de seus pais, mostraram-se pouco credíveis, o que de resto não é de estranhar, atenta a relação familiar com o arguido.
Mostra-se, ademais, muito mais consentâneo com as regras da experiência comum num convívio com adultos e crianças, que pessoas mais velhas, presumivelmente com mais paciência com as crianças, se oferecessem para tomar conta das mesmas – por um lado porque não teriam tanto em comum com os pais, para participar nas conversas destes e por outro por os pais se mostrarem presumivelmente gratos pelo facto de poderem conviver sem a preocupação de saber que os filhos estavam sozinhos. Sendo o arguido conhecido de longa data dos pais da ofendida, nada seria considerado estranho em o mesmo estar com ela e os próprios netos ou, atenta a pouca idade de todos, sequer os levar à casa de banho, ou mesmo os limpar, depois de fazerem as necessidades. É uma reacção natural.
Relativamente ao segundo episódio – factos 10 a 14 – o mesmo foi igualmente dado como provado por ter sido narrado com clareza e espontaneidade pela ofendida, que apesar de não ter sabido balizá-lo no tempo, identificou a idade que teria à data, a situação de ter ocorrido um encontro espontâneo entre o pai e o pai dos amigos, por se tratar eventualmente de um jogo do clube de ambos, no que de resto, também foi corroborada pelo pai.
Acresce que a ofendida explicou pormenorizadamente como ocorreram os factos, o convite para se sentar ao colo do arguido, a posição em que o mesmo estaria, como lhe colocaria a mão por baixo de modo a ninguém ver, e porque aceitara. Entende o Tribunal que a credibilidade da ofendida sai ainda reforçada pelo desconforto que demonstra por ter aceite os referidos convites, e por não ter dito nada antes, o que é perfeitamente natural numa criança, que teme que não acreditem nela, ou que está a imaginar coisas, perante uma figura conhecida, e respeitada pelos seus pais.
Note-se que o próprio facto de o arguido ter apalpado a zona íntima da ofendida, quando sentado à mesa com o pai da mesma pode parecer estranho, e é quase negado pelo depoimento de P, mas tendo em conta a relação quase paternal que existiria entre ambos, com confiança desde a adolescência deste último, e que o movimento era escondido – as pernas abertas e uma mão por baixo da criança, como se fosse para a segurar – é perfeitamente natural que tenha passado despercebido.
Do depoimento do pai da ofendida, que refere que é possível que se tenha encontrado casualmente com o arguido num café, enquanto estava com a filha, mas se ocorreu algo teria sido quando foi à casa de banho, porque não permitiria que a filha se sentasse ao colo do arguido, não se retira que contrarie o depoimento da filha, mas sim o desconforto de um pai que sente que pode não ter conseguido proteger a filha como pretendia. Com efeito, a recordação da jovem mostra-se muito mais completa, pormenorizando a localização do estabelecimento, que seria junto da igreja, e que estaria ainda no primeiro ciclo, bem como que após criara uma brincadeira para fugir da situação, em que dizia que o arguido é mau, pelo que mereceu credibilidade ao Tribunal, também quanto a isto.
De resto, não foi sequer dada uma versão contrária dos acontecimentos, - não tendo o arguido falado. O que é narrado é um encontro espontâneo, num café, em que duas pessoas que se conhecem naturalmente se sentam à mesma mesa, para uma conversa informal. Este tipo de situação nada tem de estranho, é um cenário perfeitamente provável, parecendo mais estranha a tentativa de o descredibilizar com recurso a pormenores periféricos e sem importância para o núcleo dos acontecimentos – isso sim, que retira credibilidade à posição do arguido – como aconteceu quando os filhos do arguido negaram peremptoriamente que o pai combinasse encontrar-se com o pai da ofendida, o que nem é por ela alegado.
Relativamente à terceira situação ocorrida com C - factos 15 a 21 -, entende o Tribunal que igualmente, pelos pormenores apresentados, a mesma resultou provada. A ofendida especificou o local em causa, o bowling de Setúbal, tendo o encontro sido confirmado não só pelo seu pai como pelas testemunhas L e T, que depuseram no sentido de confirmar ter visto a ofendida ao colo do arguido, tendo estranhado esse facto.
A situação é narrada com espontaneidade pela ofendida, contando com precisão os factos que são imputados ao arguido e o encontro nem sequer é negado pelos filhos do arguido, que apenas colocam em causa, como em todas as situações que o arguido tivesse oportunidade de, estando tanta gente à volta, praticar os factos. No entanto, como a situação é explicada pela ofendida, em que o arguido a chama para o colo, insistentemente, e que o pai lhe diz – porque não tinha paciência – “Vai, vai, vai”, e ela se senta no colo do arguido, que lhe coloca a mão por baixo e discretamente lhe apalpa a zona genital por cima da roupa, novamente é perfeitamente possível que tivesse passado despercebido.
Até pela linguagem corporal, em que se nota que a ofendida está a pensar e a puxar as suas recordações, possivelmente reprimidas durante anos, em que demonstra algum desconforto, não só por se tratar de pessoa da confiança dos pais, mas até pelo facto de não ter denunciado a situação antes – a certa altura a ofendida diz que “infelizmente” não disse nada antes e demonstra que pensa que não devia ter-se sentado ao seu colo quando diz que “não sabe porque concordou”, as suas declarações aparentam ao Tribunal verdadeiras, dentro da memória que tem. Mereceu total credibilidade, por isso e porque corroborada pelas testemunhas referidas, ao Tribunal, pelo que foi essencial para dar como provados os referidos factos.
Neste sentido se pronuncia igualmente o relatório pericial médico-legal, que não coloca em causa a credibilidade da ofendida C, antes a sustenta, fazendo mesmo a ligação a uma verruga genital que a mesma terá tido, e que pode ser causada por comportamentos deste tipo. O perito, ouvido em esclarecimento, por seu lado, sustentou a mesma posição, apenas tendo feito algumas correcções devido a lapsos de escrita.
Relativamente aos factos 22 e 23, por serem factos internos, da consciência do arguido, não pode o Tribunal fazer apelo ao depoimento de qualquer testemunha. Não tendo o arguido confessado, ou prestado qualquer declaração, entende o Tribunal ser ainda assim possível dar os mesmos como provados por apelo às regras da experiência comum. Com efeito, não obstante não poder o Tribunal colocar-se na mente do arguido, o que é certo é que actualmente é impossível existir alguém que não saiba que os comportamentos equivalentes ao que se encontra imputado ao arguido são penalmente punidos, além de sempre terem sido moralmente considerados censuráveis. Cada vez mais existe, mesmo na comunicação social, informação sobre os males que colocam estes tipos de conduta à autodeterminação sexual, especialmente dos jovens e das crianças, prejudicando-as por toda a vida no seu desenvolvimento psicológico e na vivência saudável da sua sexualidade.
Assim, não existe qualquer dúvida que o arguido, pessoa de idade algo avançada, com uma vida perfeitamente ajustada, e uma inteligência, pelo menos mediana, tinha consciência do que fazia, e das suas consequências para as ofendidas, e que o seu comportamento era proibido e punido por lei.
Quanto ao facto 24 e 25, relativos à relação familiar que liga o arguido com as ofendidas I e A, os mesmos foram confirmados unanimemente pelas ofendidas e pelas testemunhas, incluindo os filhos do arguido, não tendo o Tribunal tido qualquer dúvida em o dar como provado. Neste aspecto, bem como quanto à idade das ofendidas, analisou o Tribunal também o cartão de cidadão das ofendidas, cuja cópia se encontra junta aos autos, que por ser documento autêntico, não provocou qualquer dúvida ao Tribunal.
Os factos dados como provados quanto à ofendida I, apesar de não especificar as datas individuais em que os factos terão acontecidos, a mesma produziu também um depoimento espontâneo e objectivo, apenas demonstrando também alguns lapsos de memória, que como já se referiu acima, atenta a idade que tinha à data dos factos e ao lapso de tempo decorrido desde então, não são de estranhar e não lhe retiram credibilidade.
O Tribunal deu como não provado que os factos se tenham passado na casa de Benavente pertencente ao filho do arguido, T, como diz a acusação, uma vez que nas declarações para memória futura a ofendida não identifica o local em que tudo se terá passado. A ofendida nem sequer refere a existência de uma capoeira, apenas refere que se encontravam e o arguido lhe perguntava se queria ir ver as galinhas, ou se estivessem a almoçar fora lhe perguntava se queria ir ver televisão no interior da casa, de modo a afastá-la dos demais. Por outro lado, refere que se encontrava com o arguido nas férias, e que tal se terá passado duas vezes em 2018 e uma em 2019.
Quanto ao meio como os toques do arguido se terão processado, que será o cerne da questão, a própria atitude de corpo da ofendida indica que a mesma fala verdade – quando perguntado onde o arguido lhe terá tocado, imediatamente a ofendida espontaneamente indica o meio das pernas, e demonstra desconforto e mesmo expressão incomodada, o que na opinião do Tribunal reforça a sua credibilidade. Não restou, de facto, qualquer dúvida ao Tribunal, de que a ofendida falava a verdade.
Tratando-se de inquirição para memória futura ocorrida em ocasião já afastada dos factos, entende o Tribunal que os lapsos que possam ter ocorrido se devem ao decurso do tempo, e não a qualquer tentativa de dissimulação por parte da ofendida.
O seu depoimento é corroborado pelo facto de o mesmo ter ocorrido a C, e à sua própria irmã A, não havendo qualquer motivo para que todas pudessem ter dito coisas tão semelhantes, em alturas diferentes e estando C fisicamente afastada das mesmas, não obstante haver conhecimento entre os pais desta e daquelas. De facto, a ligação entre as situações foi mesmo realizada por pessoas terceiras, nomeadamente por M, a quem ambos os pais falaram na situação e a quem soou familiar.
A situação passada com a ofendida A, por seu lado, é talvez a que encontra maior sustentação probatória, até pelo facto de o arguido ter sido imediatamente confrontado na data dos factos.
Quanto aos factos 32 a 34 também neste caso as declarações da ofendida A se mostram perfeitamente credíveis, tendo narrado o que lhe ocorreu com grande espontaneidade, não obstante também demonstrar incómodo pelo que se passou. As declarações da referida criança foram precisas e pormenorizadas, demonstrando boa memória das mesmas, tendo também sido as que maior actualidade tinham.
Como acima se afirmou, também esta situação, porque semelhante às anteriores, não colocou qualquer dúvida ao Tribunal quanto à sua prova. Acresce que o depoimento da ofendida A, além de corroborado pela irmã, foi ainda corroborada pelo depoimento já referido de M, que apesar de nada ter visto fez a ponte entre as duas famílias, por ter associado as duas histórias que lhe foram contadas, e pelo depoimento de T, que não tendo presenciado os factos em si, declarou recordar-se de um lanche ajantarado em que a família da ofendida também estava, e do qual saíram precipitadamente, tendo segundo ela, voltado depois, para falar de assunto grave.
A testemunha T, apesar de ser ex-namorada do filho do arguido, H, não demonstrou qualquer parcialidade ou quezília contra o arguido ou família, relatando estes factos com objectividade, apenas demonstrando a estranheza que a situação lhe provocou. Com efeito, a testemunha apenas demonstrou alguma mágoa por terem sido os factos em causa os despoletadores da sua separação, mas até falou em ter alguma ternura pelo arguido, uma vez que à data dos factos, para ela “era uma pessoa querida, era o seu sogro, no qual não via maldade” (sic). Mereceu, por isso, credibilidade, ao Tribunal, que ficou convicto da sinceridade do seu depoimento, que respaldou as declarações das ofendidas, ao mesmo tempo que descredibilizou, por oposto, os depoimentos dos filhos e nora do arguido – que referiram que naquele dia nada tinha sido dito, apenas tendo a família M falado com eles mais tarde, e em termos algo abstractos – o que não faz qualquer sentido.
As declarações das ofendidas I e A são também corroboradas pelo documento de fls. 50, em que é narrada a situação e se transcreve mensagens de telemóvel em que o arguido pede para não ser feita queixa, mas não nega os factos.
Todo o vertido, bem como o facto de a ofendida I ter declarado que apenas tinha dito o que se passava por a irmã mais nova o ter feito, conferiu ainda mais credibilidade ao seu depoimento, sendo a sua atitude perfeitamente normal numa criança, perante um adulto, com relação familiar com os seus pais, que teme não ser acreditada.
Quanto aos restantes factos, 34 a 37, factos internos da consciência do arguido, novamente se reporta o Tribunal às regras da experiência comum e do bom senso, como acima já se explanou.
Como já referido, as testemunhas H e T, bem como M, quanto aos factos, como já referido, por terem tido um depoimento parcial e interessado, prendendo-se a pormenores de configuração da casa, que nada vêm acrescentar ou retirar de credibilidade ao depoimento das ofendidas, e especialmente a testemunha T, demonstrando uma atitude defensiva, utilizando muitas vezes a palavra verdade, no seu depoimento, não teve qualquer credibilidade, mostrando pelo contrário, ter algo a esconder.
As condições de vida do arguido foram dadas como provadas por apelo ao relatório social que se mostra junto aos autos, o qual foi tomado em conta, na falta de outros elementos nos autos.
O modo como o arguido é percepcionado no seu meio social, por seu lado, foi trazido pelas testemunhas abonatórias arroladas, S e U, que deram a sua opinião sobre a pessoa que consideram como amigo, não tendo qualquer dúvida, o Tribunal, sobre a sinceridade do seu depoimento.
A ausência de anteriores condenações do arguido foi dada como provada por apelo ao certificado de registo criminal que se encontra junto aos autos.
Por seu lado, os factos que foram dados não provados, como acima já se abordou, foram-no por não se ter sobre os mesmos produzido qualquer prova, por não terem sido mencionados pelas ofendidas com certeza suficiente para sustentar a convicção do Tribunal quanto a eles.
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2.3. Apreciação do recurso
1.ª Questão
Determinar se o acórdão recorrido violou as disposições normativas previstas no art.º 283.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, e art.º 32.º, da Constituição da República Portuguesa

O recorrente insurge-se contra os factos provados no acórdão recorrido descritos sob os números 3, 10, 15, 26, 28, 29 e 32, na medida em que, segundo refere, se traduzem na imputação de factos genéricos, vagos, sem localização no tempo e no espaço. No seu entender, em violação do princípio do contraditório e do seu direito de defesa, assegurados pelo art.º 32.º, da Constituição da República Portuguesa, e art.º 283.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal.
Vejamos se lhe assiste razão.
A questão suscitada pelo recorrente relativa à deficiente descrição e concretização dos factos imputados ao arguido na acusação e dados como provados no acórdão tem sido objeto de apreciação por parte da jurisprudência sobretudo quanto à narração dos factos relativos aos crimes habituais e aos crimes de trato sucessivo, que se caraterizam por as condutas do agente se prolongarem no tempo. Ou seja, situações em que a conduta do agente se repete, com contornos muito semelhantes ou até da mesma forma, por um período considerável de tempo, dificultando o processo da sua memorização por parte daqueles que posteriormente tenham necessidade de relatar os factos em tribunal, com o necessário rigor, o mesmo é dizer, localizando-os no tempo e no espaço, por forma individualizada, especificada e contextualizada. Desta circunstância decorrem naturais dificuldades de prova desses factos, que não podem ser ultrapassadas por via de um menor na narração dos factos, em prejuízo do direito de defesa do arguido.
Integrarão o conceito de imputações genéricas, para efeitos penais, as imputações feitas sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o crime pelo qual é acusado ou condenado, nomeadamente, sem indicação das circunstâncias de tempo e lugar, nem da motivação, nem do grau de participação, nem doutras relevantes.
Quando estão em causa, porém, “casos de violência doméstica, abuso sexual ou outro tipo de crimes em que existe uma reiteração de condutas, ao longo de um período relativamente longo, numa dinâmica intrafamiliar, em que os actos isolados se tornam mais difíceis de concretizar no tempo e espaço, quanto maior o seu número, e o distanciamento temporal entre a ocorrência dos mesmos e a acusação e/ou o julgamento, admite-se uma menor pormenorização dos factos” [acórdão do TRC, de 10.04.2024, em que é relator João Abrunhosa, acessível em www.dgsi.pt]
Neste sentido, veja-se, também o acórdão do STJ, de 10.12.2020, relatado por Margarida Blasco, in www.dgsi.pt, de cujo sumário citamos:
“... IV - Tem este STJ reconhecido que as imputações genéricas são imprestáveis. Ou seja, quando as formulações são de tal modo vagas, imprecisas, genéricas, com indefinição a nível do tempo, espaço, participação do agente, ao ponto de não permitir um efetivo exercício do contraditório, impossibilitando a cabal defesa do arguido, devem considerar-se não escritas (jurisprudência esta que tem sido emanada, essencialmente, a propósito do crime de tráfico de estupefacientes). No entanto, o grau de precisão na narração factual não se pode dissociar da concreta criminalidade que está em causa, dos seus contornos, do tempo que perdurou, do peso dos actos isolados ou do comportamento global.
Aliás, esse equilíbrio que é necessário lograr, harmonizando o interesse do Estado na punição do crime e do criminoso, o interesse da vítima em que seja feita justiça, e o interesse do arguido na sua defesa, princípios que emanam do art. 283.º, n.º 3, al. b), ao mencionar que a narração do “lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada” será feita “se possível”. O que demonstra que o legislador admite, nestes aspectos, um maior grau de generalização, se a investigação não permitir uma melhor pormenorização fáctica.
Assim, nos crimes de violência doméstica, em que existe uma reiteração de condutas, ao longo de um período de tempo relativamente longo, numa dinâmica intrafamiliar, em que os actos isolados se tornam mais difíceis de concretizar no tempo e espaço, quanto maior o seu número, e o distanciamento temporal entre a ocorrência dos mesmos e as declarações da vítima. ...”.
Acresce que, decorre do acima referenciado n.º 3, al. b), do art.º 283.º, quanto aos factos que devem constar da acusação e/ou sentença, não ser obrigatória a indicação do lugar e da data dos factos, da motivação e do grau de participação do agente, e das circunstâncias relevantes para a determinação da pena. Com efeito, como decorre expressamente da letra da lei, tais indicações apenas serão de efetuar no caso de ser possível.
Porém, impõe-se que “a indicação os limites temporais da ação se mostrem suficientemente demarcados, adstritos a um concreto período de tempo, circunstância que conjugada com a descrição dos atos integrantes da atividade, dos respetivos intervenientes e local onde ocorreram não conduz a uma compressão inadmissível do exercício dos direitos de defesa do arguido ou da sua posição processual, em suma posto que transpareça devidamente enquadrada pelos demais elementos na norma referidos e que em caso de dúvida sustentada sobre a concreta data do «evento», mostrando-se tal relevante, nomeadamente, mas não só, para efeitos de prescrição, adopte o tribunal a posição [fáctica] que menos prejudica, ou dito de outro modo, mais beneficia o agente do crime” [acórdão do TRC, de 25.02.2015, disponível em www.dgsi.pt].
Nesta ordem de ideias, no âmbito penal, o nosso ordenamento jurídico acolheu o princípio do processo justo e equitativo, que por imposição constitucional decorre dos art.ºs 20.º, n.º 4, e 32.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, consubstanciado em princípios fundamentais do processo penal, como seja o contraditório, do acusatório e da igualdade de armas, consagrados no Código do Processo Penal e em instrumentos de direito internacional, cfr. v.g. art.º 6.º, da CEDH, que fazem parte do direito português.
São do seguinte teor os factos que o recorrente entende conterem imputações genéricas:
3. Assim, em data não concretamente apurada do ano de 2013/2014, C encontrava-se em casa do filho de F, sita nas Vendas de Azeitão.
10. Passado algum tempo, em data que não foi possível concretizar, mas que terá sido quando C frequentava o terceiro ou quarto ano de escolaridade, a mesma que se encontrava acompanhada pelo seu pai, voltou a encontrar-se com F num café, em local não concretamente apurado, mas sito na Quinta do Conde.
15. Posteriormente a estas situações, em data não concretamente apurada, mas que terá ocorrido quando C tinha 9 anos de idade, a mesma, o seu pai, a sua madrasta e o filho desta, deslocaram-se a uma sala de bowling, localizado na cidade de Setúbal, onde se encontraram com F na companhia de outros familiares.
26. Durante esses períodos de férias, designadamente nos anos de 2018 e 2019, I encontrava-se num desses locais, não concretamente apurado, tendo F convencido a mesma a ir com ele até junto de um galinheiro que ali existia.
28. Assim, nesses locais e em, pelo menos duas ocasiões no referido ano de 2018, aproveitando o facto de estarem sozinhos, F apalpou I na zona vaginal, por baixo das cuecas.
29. Numa outra ocasião nas férias de verão do ano de 2019, aproveitando o facto de estarem sozinhos, F apalpou I na zona vaginal, desta feita por cima da roupa.
32. Relativamente a A, em data não concretamente apurada, mas que terá sido nas férias de Verão de 2019, F levou-a para umas obras que decorriam em frente à casa onde se encontravam.
Ao contrário do que defende o recorrente, os factos supra descritos encontram-se localizados no tempo e no espaço, nos termos que acima deixámos expostos, não podendo suscitar a dúvida, designadamente ao arguido, quanto à imputação que lhe é feita, nem tão pouco invocar que não se pode “defender” das imputações que lhe são dirigidas, o que é demonstrado pela contestação que impetrou nos autos em 2 de outubro de 2023.
Por conseguinte, no caso em apreço, não se vislumbra como é que possam ter sido violadas as garantias de defesa do arguido, designadamente o princípio do contraditório e, com isso, o princípio do processo justo e equitativo. Donde decorre não assistir razão ao recorrente quanto à versada questão.
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2.ª questão
Determinar se o acórdão recorrido padece do vício previsto no art.º 410.º, n.º 2, alínea c), do Código do Processo Penal – insuficiência da matéria de facto provada para decisão proferida pelo Tribunal Recorrido em relação ao arbitramento dos montantes indemnizatórios

Na conclusão 121. o recorrente refere que “subsiste uma clara insuficiência da matéria de facto provada para decisão proferida pelo Tribunal Recorrido em relação ao arbitramento dos montantes indemnizatórios.”
E nas conclusões 119. e 120., o recorrente aduz que em relação às menores I e A não está elencado na factualidade provada, nem subsiste qualquer elemento de prova que ateste acerca das consequências da sua conduta, designadamente se sofreram tristeza, vergonha e medo, com perturbação do crescimento da sua sexualidade, se apresentam, ou não, dificuldades relevantes de comportamento, instabilidade emocional, sintomatologia depressiva ou ansíogena, concluindo, assim, por aquele vício decisório (embora expressamente não o refira) da insuficiência da matéria de facto provada para decisão proferida.
Vejamos se se verifica o citado vício.
Nos termos do art.º 410.º, n.º 2, do Código do Processo Penal, o recurso interposto sobre a matéria de facto de uma sentença proferida em processo crime pode ter um de três fundamentos: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) o erro notório na apreciação da prova.
Em qualquer um dos apontados fundamentos, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para o fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento [Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10.ª ed., p. 279; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2.ª ed., p. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., p. 77 e ss.], tratando-se assim de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser autossuficiente.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício previsto no art.º 410.º, n.º 2, al. a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é sindicável em reexame restrito à matéria de direito [a propósito deste vício veja-se, entre outros, o acórdão do TRP, de 15.11.2018, e o acórdão do TRP, de 09.01.2020, ambos acessíveis em www.dgsi.pt].
No caso em apreço, salvo o devido respeito por opinião em contrário, de uma leitura do texto da decisão recorrida na parte respeitante ao arbitramento de uma indemnização a favor das menores, e mais concretamente aos danos sofridos (que o arguido coloca em crise) não se vislumbra carência de factos (nem hiato factuais) que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de Direito, sobre a mesma.
Na decisão recorrida entendeu-se que se provou o facto ilícito, no caso os toques (apalpões) produzidos pelo arguido às ofendidas, que consubstanciam a prática dos crimes de abuso sexual de criança, bem como a culpa do arguido.
Quanto ao dano provocado às ofendidas, o tribunal de 1.ª instância entendeu socorrer-se das regras da experiência comum no sentido de que este tipo de atitudes implica um trauma, que o mesmo é duradouro e que sendo em idade tão jovem como ocorre com as ofendidas implica uma dificuldade acrescida para o futuro início da sua sexualidade, que é uma área essencial da vida humana, e que pode ser fundamental para o seu desenvolvimento, e para a sua felicidade.
Com efeito, do texto da decisão recorrida e da parcimónia dos seus próprios termos, flui com meridiana clareza que o Tribunal a quo deu como provados e não provados todos os factos relevantes para a decisão do arbitramento de indemnização às menores solicitada pelo Ministério Público.
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3.ª Questão
Determinar se se verifica um erro de julgamento por parte do tribunal de primeira instância relativamente aos factos dados como provados sob os pontos 3 a 37 e 45, e facto não provado sob a alínea F); o princípio da livre apreciação da prova; a violação do in dubio pro reo

Visa o arguido, também, com o presente recurso o reexame da matéria de facto.
Decorre do disposto no art.º 428.º, n.º 1, do Código do Processo Penal, que as relações conhecem de facto e de direito, acrescentando-se no art.º 431.º que “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;
b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou
c) Se tiver havido renovação da prova.”
Nesta conformidade e para se proceder ao reexame da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente (i) indicar os factos impugnados, (ii) a prova de que se pretende fazer valer e (ii) identificar o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova.
Convém salientar, porém, que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efetuado, detetando e sanando os eventuais erros decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso.
No objeto do recurso não está contida uma reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa. Neste sentido, entre outros, o acórdão do STJ, de 10.01.2007, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar, acessível em www.dgsi.pt.
Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia e possibilita-se o seu conhecimento por esta Relação [acórdão do STJ, de 08.11.2006, in CJ/acórdãos do STJ, ano XIV, T. 3, p. 222 e seguintes]. Isto significa que a nossa tramitação recursiva, quanto à sua natureza, foi bastante clara em estruturar os recursos como uma fase complementar da inicial, mediante uma conceção limitada do recurso.
Assim, o legislador pretende que o recorrente identifique claramente os erros de julgamento que aponta à decisão factual da 1.ª instância, indicando os pontos que reputa incorretamente julgados na decisão proferida e os meios probatórios que sustentam a sua censura.
Como escreve Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição, p. 1144, “a especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado.”.
A impugnação da matéria de facto pressupõe o cumprimento do disposto no art.º 412.º, n.º 3, do Código do Processo Penal, na estrita obediência às formalidades neste impostas pelo legislador.
Estabelece tal preceito que, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e/ou as que deviam ser renovadas, fazendo-se, essa especificação, por referência ao consignado na ata devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação (art.º 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código do Processo Penal).
O incumprimento da tríplice exigência legal, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, obsta ao conhecimento do recurso da matéria de facto.
Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa, além do mais, que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados.
Discutindo o acerto da factualidade dada como provada e não provada na decisão, o recorrente deu o cumprimento ao ónus que lhe impõe a indicação concreta dos factos que julga incorretamente julgados.
O arguido/recorrente já não assinalou as concretas passagens da gravação que pudessem impor decisão diversa daquela a que chegou o tribunal a quo, não dando cumprimento ao ónus que lhe incumbia a este nível e que impossibilita o efetivo conhecimento da impugnação ampla da matéria de facto que deduziu.
Diz o recorrente que o tribunal de 1.ª instância não valorou devidamente os meios de prova carreados para os autos, em especial a prova oral produzida, dando prevalência aos depoimentos das menores C, I e A em detrimento da prova testemunhal, em especial dos depoimentos das testemunhas de defesa, T, H e M, respetivamente seus filhos e nora.
Apela a contradições entre o depoimento da menor C e das testemunhas, seus pais, B e P, assim como à falta de consentaneidade da prova dos factos com as regras de experiência comum.
Alude, ainda, o recorrente ao relatório da perícia médico-legal a que foi submetida a menor C, concluindo que a mesma resultou condicionada, o que afetou a sua imparcialidade, porquanto o senhor Perito não foi informado de todas as circunstâncias de natureza pessoal e familiar que envolveram a criança num passado recente, designadamente o facto da menor ter sido alvo de importunação sexual por parte de um colega de escola, matéria que resultou confirmada pela testemunha B, sua mãe.
O recorrente coloca, ainda, em crise as declarações prestadas pelas menores I e A.
Diremos que o que ressalta, no essencial, é que o recorrente se limita a divergir da credibilidade que o tribunal conferiu à prova produzida, pretendendo impor a sua própria apreciação dos factos – necessariamente interessada – àquela que foi a convicção isenta e imparcial do tribunal de primeira instância, formada segundo o enunciado princípio da livre apreciação das provas, princípio que, quer relativamente à prova testemunhal, quer quanto à prova documental, quer à prova pericial, salvo havendo confissão, não sofre qualquer limitação. O Tribunal a quo atribuiu ao depoimento das testemunhas menores credibilidade, coerência e veracidade, explicando criticamente a razão da sua convicção e, socorrendo-se das regras da experiência comum e dos critérios de normalidade, assim como da prova pericial produzida.
Como bem se refere no acórdão do TRL, de 10.10.2007 (de que foi relator o Desembargador Carlos Almeida) “o que limita os poderes do tribunal de 2ª instância no recurso quanto à matéria de facto não é o princípio da livre apreciação da prova mas sim a ausência de imediação e de oralidade; por isso, e não por força do princípio da livre apreciação da prova, o tribunal de 2.ª instância não tem, quanto ao recurso da matéria de facto, os mesmos poderes que tinha a 1ª instância. Só pode alterar o aí decidido se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [alínea b) do n.º 3 do artigo 412.º]”.
O tribunal recorrido fez, portanto, uma correta leitura dos elementos de prova disponíveis e deles retirou as pertinentes ilações, explicitando detalhadamente o modo como formou a sua convicção. Na verdade, não se vê que tenha errado nas conclusões que retirou da prova, ou que tais conclusões sejam abusivas ou desajustadas.
Deverá ser aplicado o princípio in dubio pro reo no caso em apreciação?
A resposta é, sem dúvida, negativa.
É consabido que no processo penal, não tem aplicação o ónus da prova formal, nos termos do qual cada uma das partes terá de produzir as provas necessárias a sustentar os factos que alega, porque, vigorando o princípio da investigação, recai sobre o juiz o ónus de investigar e esclarecer oficiosamente o facto submetido a julgamento.
Em consequência, se, recolhida toda aprova, o tribunal tiver persistido numa dúvida razoável sobre determinados factos, o non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a favor do arguido. Com efeito, sendo o direito penal um direito de culpa, a qual representa um limite intransponível para a decisão, “os princípios da presunção de inocência e de in dubio pro reo constituem a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta, como suporte axiológico-normativo da pena” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, p. 519).
Daqui não resulta, porém, que, tendo sido apresentadas em audiência versões díspares e até aparentemente contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser necessariamente beneficiado por aplicação daquele princípio.
Com efeito, o princípio in dubio pro reo pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador; uma dúvida compreensível para uma pessoa racional e sensata, e não uma absurda ou sequer meramente concebível ou conjetural.
Por isso, a violação do referido princípio só pode ser afirmada se, por forma evidente, resultar do texto da decisão que o tribunal, perante a dúvida, optou por decidir contra o arguido. É, por conseguinte, necessário que o tribunal tenha ficado na dúvida quanto à existência de determinado elemento, o que constitui matéria de facto, e que, na dúvida, tenha decidido contra o arguido, o que, só poderá avaliar-se através da análise da matéria de facto e sua fundamentação, conjugada pelo exame das próprias provas que estejam recolhidas nos autos, quando o tribunal de recurso deva conhecer amplamente da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido.
Ora, depois de analisar a fundamentação da matéria de facto, nomeadamente o exame crítico das provas, levada a efeito pelo tribunal, este tribunal pode afirmar que o Tribunal a quo, indicou os fundamentos, mais que suficientes, para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção dos factos dados como provados, não sendo arbitrário, cumprindo a exigência de objetivação, através da fundamentação da matéria de facto, em obediência ao preceituado no art.º 374.°, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Não subsistiu no espírito do julgador a quo, como se refere claramente na motivação da decisão de facto, nem subsiste uma dúvida relevante e invencível sobre a prática pelo arguido dos factos que lhe foram imputados e, consequentemente, deveria ter aplicado o princípio in dúbio pro reo por persistir uma dúvida razoável.
Não se reconhece, pois, como violado o princípio in dubio pro reo.
Assim, em conclusão, assentando a decisão recorrida em meios de prova legais, validamente produzidos e valorados em conformidade com os critérios legais, não merece censura, improcedendo, nesta parte, o recurso.
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4.ª Questão
Caso improceda a questão anterior, determinar se os factos provados permitem enquadrar juridicamente as condutas do arguido no art.º 171.º, n.º 1, do Código Penal

Nas conclusões apresentadas insurge-se, ainda, o recorrente contra a qualificação jurídica dos factos efetuada pelo Tribunal a quo, argumentando que, atenta a descrição dos factos vertidos no acórdão, as condutas que resultam a si imputadas não têm o relevo exigido pelo artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal, sendo suscetível, inclusive de ter deixado dúvida, em meninas tão jovens, quanto ao seu propósito; que em relação à menor C, a mesma somente revelou o alegado episódio de Vendas de Azeitão, ocorrido em 2013 ou 2014, passados cerca de 9 anos e os demais factos, foram revelados três ou quatro anos depois, o que é revelador de que só muito recentemente a jovem alcançou o propósito dos factos que descreveu nestes autos, o mesmo sucedendo em relação aos episódios que envolveram as menores I e A.
Mais alega que os comportamentos que lhe são atribuídos não entram de forma significativa na livre determinação sexual das vítimas e, no limite, as condutas que lhe são imputadas, somente poderão ser passíveis de integrar a previsão da alínea a), do n.º 3, do art.º 171.º do Código Penal e não o n.º 1 do mesmo artigo.
Cumpre apreciar.
Nesta matéria, da decisão recorrida consta o seguinte enquadramento jurídico-penal:
“Ao arguido são imputados 7 (sete) crimes de abuso sexual de crianças, todos previstos e puníveis pelo artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal.
(…)
No ilícito em causa nos autos, o agente será qualquer um, enquanto a vítima será uma criança de menos de 14 anos, de qualquer sexo, tenha ou não capacidade para entender os actos praticados consigo ou perante si.
“Acto sexual de relevo é (…) todo aquele que, de um ponto de vista predominantemente objectivo, assume uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e, por aqui, com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou pratica.”
Relativamente ao tipo subjectivo de crime, é postulado o dolo, em qualquer das suas modalidades, relativamente a qualquer dos elementos constitutivos do tipo de crime.
Vertendo ao caso em apreço, mostra-se provado que em, pelo menos três ocasiões diferentes, o arguido terá apalpado a criança (à data dos factos) C na sua zona vaginal, tendo-o feito quando a mesma tinha cerca de 5 anos da primeira vez, da segunda 8 ou 9 anos e da terceira vez 10 anos, sendo que a primeira vez o terá feito com a criança despida, e tocando directamente na pele e as outras duas por cima da roupa. Mostra-se igualmente provado que terá tido igual comportamento com a ofendida I, duas vezes em 2018, em que lhe terá tocado entre as pernas, apalpando-a por debaixo da roupa e uma vez em 2019, por cima da roupa. Com a ofendida A, encontra-se provado que lhe tocou por cima da roupa, em 2019, em Benavente, numa obra junto a casa do filho T. Ora, todos estes factos constituem claramente acto sexual de relevo – na medida em que não se provou qualquer toque casual, mas um toque e apalpar deliberado e lascivo -, sendo todas as crianças menores de 14 anos, à data dos factos.
Mais se deu como provado que o arguido tinha consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, tendo ainda assim querido agir como agiu, com o propósito concretizado de molestar sexualmente as ofendidas, e sabendo as consequências dos seus actos.
Preencheu, por isso, o arguido os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime, tendo-se constituído em consequência como autor material de sete crimes de abuso sexual de criança, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do C.P., pelo que deve quanto aos mesmos ser condenado.”
Ato sexual é o comportamento que objetivamente assume um conteúdo ou significado reportado ao domínio da sexualidade da vítima, podendo estar presente um intuito libidinoso do agente, conquanto a incriminação persista sem esse intuito (acórdão do TRP, de 13.03.2013, in www.dgsi.pt).
E ato sexual de relevo, é toda a ação com conotação sexual com gravidade significativa em sede de lesão do bem jurídico protegido.
O bem jurídico tutelado pelas normas é a autodeterminação sexual, em função da circunstância de determinadas condutas de natureza sexual que, tendo em consideração a pouca idade da vítima, podem, mesmo com ausência de coação, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da personalidade da criança (neste sentido, Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, T. I, p. 541). Neste sentido ainda, entre outros, o acórdão do STJ, de 12.10.2011 (processo n.º 4/10.5GBFAR.E1.S1, disponível no site www.dgsi.pt).
Trata-se de um crime de perigo abstrato, na medida em que a possibilidade de um perigo concreto para o desenvolvimento livre, físico ou psíquico, do menor ou o dano correspondente podem vir a não ter lugar, sem que com isso fique afastado o ilícito (Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, T. I, p. 542).
Sénio Alves, [Crimes Sexuais, 1995, p. 11 e seguintes] defende que o “acto sexual de relevo é todo o comportamento destinado à libertação e satisfação dos impulsos sexuais, mesmo que não envolva os órgãos genitais de qualquer dos intervenientes, que ofende, em grau elevado, o sentimento de timidez e vergonha comum à generalidade das pessoas.
Resumidamente, está assente que o arguido, em três ocasiões (numa delas a criança estava sem roupa) tocou e apalpou a zona vaginal de C; que em duas ocasiões apalpou I na zona vaginal, por baixo das cuecas, e numa terceira ocasião apalpou I na zona vaginal, desta feita por cima da roupa; e que apalpou a zona vaginal de A, por cima da roupa que a mesma trazia vestida.
Não temos dúvidas em afirmar que a factualidade assente integra a prática, pelo arguido, relativamente a cada uma das menores ofendidas, de atos sexuais de relevo, pois revestem cariz sexual explícito, pelo que tais condutas são objetivamente censuráveis, por referência aos sentimentos gerais da comunidade e constituem uma ofensa séria e grave da intimidade e liberdade das vítimas, sendo que as ofendidos, tinham à data desses factos, menos de 14 anos de idade. C, aquando do primeiro ato do arguido tinha 4 ou 5 anos, Inês 9/10 anos e Andrea 8 anos de idade.
Os toques nas nádegas e na vagina das menores C, I e A, são objetivamente atos de cariz sexual, sendo-o efetivamente atento o contexto em que foram praticados.
Como bem refere o magistrado do Ministério Público na sua resposta ao recurso “No caso vertente, não estamos, de todo, perante toques fortuitos, inofensivos e anódinos, insignificantes ou bagatelares, antes se revestindo de conotação sexual expressiva, como se extrai das reacções desencadeadas nas menores.”
Neste conspecto, mantém-se integralmente a qualificação jurídica dos factos operada no acórdão recorrido.
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5.ª Questão
Determinar se devem as penas concretamente aplicadas ao arguido serem reduzidas para muito próximo dos limites mínimos

É entendimento do arguido que o Tribunal recorrido, em obediência aos pressupostos da culpa, gravidade dos danos e as suas circunstâncias sociais e económicas, acrescido da ausência de antecedentes criminais, devia ter aplicado uma moldura penal nos seus limites mínimos, conforme previsto no art.º 171.º, n.º 1, não superior a 3 anos de prisão, suspensa na sua execução.
Das conclusões de recurso extrai-se que o arguido apenas discorda da moldura penal concreta que lhe foi aplicada (5 anos de prisão) resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares.
Ora, como acima deixámos exposto, a qualificação jurídica dos factos praticados pelo arguido manteve-se.
Assim, a moldura penal abstrata dos crimes cometidos pelo arguido é de 1 a 8 anos de prisão, nos termos do n.º 1 do art.º 171.º, do Código Penal.
A pena visa as finalidades previstas no n.º 1, do art.º 40.º, do Código Penal (proteção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade) e, em caso algum, pode ultrapassar a medida da culpa (n.º 2 do mesmo artigo).
Entendemos que o tribunal doseou de forma correta as penas parcelares aplicadas ao arguido que, repita-se, não são colocadas em crise pelo recorrente caso este tribunal mantivesse as suas condutas integradas juridicamente no n.º 1, do art.º 171.º.
E no que se refere ao cúmulo jurídico, sufragamos o que escreveu o tribunal de 1.ª instância:
«Pelo exposto, a moldura penal a aplicar, em cúmulo jurídico situar-se-á entre os dois anos de prisão e os treze anos e quatro meses de prisão.
Há que ponderar, agora, a imagem global dos crimes que o arguido praticou e bem assim a personalidade por ele revelada.
Nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque: “Tratando-se de uma personalidade mais gravemente desconforme com o Direito, o Tribunal determina a pena única somando à pena concreta mais grave metade (ou em casos excepcionais, dois terços) de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso; tratando-se de uma personalidade menos gravemente desconforme ao Direito, o Tribunal determina a pena única somando à pena concreta mais grave um terço (ou em casos excepcionais, um quarto) de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso.”
Não sendo o Direito uma ciência exacta, considera-se que os cálculos feitos pelo autor citado são demasiado estanques, apesar de os critérios a utilizar serem aproximados dos por ele previstos. Há, como se disse, que ponderar as circunstâncias do crime, para além da personalidade do agente.
No caso vertente, a personalidade do agente mostra-se algo desconforme ao direito pelo facto de ter cometido sete crimes graves, mas não tem antecedentes criminais e a sua idade é já algo avançada, estando inserido familiarmente e contando com o apoio da sua família e amigos, permitindo colocar-se a possibilidade de ser isto algo que não virá a repetir-se.
A imagem social do arguido, até entre amigos, mantém-se preservada, o que sugere que para além das questões em causa nos autos, não tenham ocorrido outros factos, o que permite ao Tribunal baixar a pena a aplicar.
Por outro lado, as circunstâncias dos crimes não são susceptíveis de fazer subir a moldura penal.
Entende o Tribunal, assim, que deve ser aplicada uma pena dentro do primeiro terço da moldura penal, não chegando sequer àquele marco.
Como tal, ponderando todo o exposto, o Tribunal decide aplicar ao arguido, em cúmulo jurídico, a pena única de cinco anos de prisão.»
Mantém-se, assim, a pena única fixada, que não peca por excesso, nem é violadora dos princípios da culpa, proporcionalidade e adequação, pelo que, igualmente, nesta parte, improcede o recurso.
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6.ª Questão
Caso improceda a 2.ª questão, determinar se os montantes indemnizatórios arbitrados a favor das menores são excessivos, devendo serem reduzidos

Pugna o recorrente que o Tribunal recorrido ao arbitrar indemnizações a favor das ofendidas não respeitou critérios da equidade, não considerou a culpa do agente, a sua situação económica, a situação económica do lesado, assim como as especiais circunstâncias do caso, a gravidade do dano, ou seja, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida; e que não se apurou qual situação económica das ofendidas e dos respetivos agregados familiares, concluindo que os valores compensatórios arbitrados estão desfasados e são fixados bem acima dos valores que em relação a casos mais graves têm sido estabelecidos pelos Tribunais portugueses (mas não indicando quais os valores que no seu entendimento são justos), sendo manifestamente excessivos e desproporcionais ao grau de culpa do agente e à gravidade dos danos, tendo o aresto recorrido violado o disposto nos artigos 483.º, 494.º e 496.º, todos do Código Civil.
Nos termos do disposto no art.º 129.º, do Código Penal, a indemnização por perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.
De acordo com o art.º 483.º, n.º 1, do Código Civil “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Nos termos do art.º 25.º, da Constituição da República Portuguesa, a integridade moral e física das pessoas é inviolável e ninguém pode ser submetido, designadamente a tratos cruéis e degradantes ou desumanos.
Também o art.º 70.º, n.º 1, do Código Civil, estatui que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, inferindo-se desta referência genérica à tutela geral da personalidade, designadamente, o direito à vida, à integridade física, à liberdade, à honra, ao bom nome e à saúde.
Os pressupostos da obrigação de indemnizar são os seguintes:
- Facto voluntário, controlável pela vontade humana;
- Ilicitude, que consiste na reprovação da conduta do agente no plano geral e abstrato da lei, em contraposição à culpa que se reporta a um comportamento concreto;
- Culpa, que consubstancia a imputação do facto ao lesante, a título de dolo ou negligência, em qualquer das suas modalidades;
- Dano, que pode assumir uma vertente patrimonial ou não patrimonial;
- Nexo de causalidade – só há responsabilidade relativamente aos danos que o lesado provavelmente não sofreria se não fosse aquela conduta.
Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Os danos podem, pois, ser patrimoniais e morais ou não patrimoniais, incidindo os primeiros sobre interesses de natureza material ou económica, refletindo-se no património do lesado, e reportando-se os segundos a valores de ordem espiritual ou mora.
O montante indemnizatório deverá equivaler ao dano efetivo, com a avaliação concreta do prejuízo sofrido, que deverá prevalecer sobre a avaliação abstrata [Calvão da Silva, RLJ, 134.º, p. 114].
Relativamente aos danos morais (únicos que estão em causa), o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo Tribunal (art.º 496.º, n.º 3, do Código Civil). A indemnização por tais danos não se destina a reconstituir a situação que ocorreria se não tivesse sido o evento, mas principalmente a compensar o lesado na medida do possível.
Equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim um critério para a correção do Direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as consequências do caso concreto, devendo ter-se em conta as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida.
In casu, dúvidas não há que os danos não patrimoniais resultam da violação de direitos de personalidade, (art.º 70.º, n.º 1, da Lei Civil) e são graves, por isso, indemnizáveis.
A quantificação dos danos morais não é fácil, pois o sofrimento destas menores não tem expressão numérica direta. Por isso mesmo, haverá que recorrer à equidade e, apesar das múltiplas e diversas situações ter em vista os padrões usuais das indemnizações fixadas pela jurisprudência, com as correções impostas por outros fatores, nomeadamente a data em que os factos ocorreram, desvalorização da moeda e situação patrimonial do lesante e do lesado.
A indemnização por danos não patrimoniais deve ser, em termos de quantum, não irrelevante ou simbólica, mas significativa, visando propiciar compensação adequada quanto ao dano sofrido, com fixação equilibrada e ponderada, de acordo com critérios de equidade, direcionados para as circunstâncias do caso, sem esquecer os padrões jurisprudenciais indemnizatórios atualizados.
Assim sendo, reitera-se também que o Tribunal de recurso, devendo adotar um critério que apenas considere suscetível de revogação, por inadequada, uma solução que, de forma manifesta, exceda certa margem de liberdade decisória do Tribunal a quo, haverá, para tanto, de sindicar o critério de equidade aplicado no caso concreto.
E, na hipótese de a indemnização arbitrada ainda se conter no âmbito de um exercício razoável do juízo de equidade, mormente à luz da prática jurisprudencial atual, vistas ainda as circunstâncias pessoais das vítimas, não será caso então de revogar a decisão recorrida.
No caso concreto não há dúvidas, face à factualidade provada, que o arguido praticou factos ilícitos e culposos contra as ofendidas, e que lhes causou danos não patrimoniais, danos esses que resultaram direta e necessariamente da sua conduta.
Donde, estão verificados todos os pressupostos da obrigação de indemnizar.
E, tudo ponderado, tendo presente o conjunto dos factos, a sua natureza, gravidade e consequências para as ofendidas, já acima evidenciadas, e tendo presente que a finalidade da indemnização por danos não patrimoniais é, não só compensar o lesado pelas dores e humilhação, mas também sancionar a conduta do lesante, julgamos os que os montantes fixados adequados, proporcionais e justos não merecendo qualquer censura o acórdão recorrido.
Improcede, in totum, o recurso.


III – DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os Juízes que integram a 2.ª subsecção criminal do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e confirmar o acórdão recorrido.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs (art.ºs 513.º e 514.º, ambos do Código de Processo Penal, e art.º 8.º, n.º 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique.
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Évora, 24 de setembro de 2024
(o presente acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos seus signatários – art.º 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal)

Maria José Cortes
Fátima Bernardes
Filipa Costa Lourenço