MEDIDA DE COAÇÃO
SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES
Sumário

I - No tocante à aplicação de medidas de coação, e face ao disposto no artigo 193º, nº 1, do C. P. Penal, o nosso sistema processual penal consagra o princípio da proporcionalidade, que se desdobra em três subprincípios: princípio da necessidade; princípio da adequação; e princípio da proporcionalidade em sentido restrito (ou da proibição de excesso).
II - O princípio da necessidade procura condicionar a aplicação de qualquer medida de coação à indispensabilidade da sua utilização para a satisfação das exigências processuais de natureza cautelar, em detrimento de outras menos gravosas.
III - Portanto, quando se decide aplicar uma medida de coação, o juiz deve formar um juízo prévio no sentido de equacionar se, no caso, se torna absolutamente necessário sujeitar alguém a uma medida desse tipo e se a medida pensada satisfaz e responde às exigências cautelares do processo.
IV - O princípio da adequação serve para fornecer o critério de seleção da medida que melhor se ajusta às exigências processuais do caso concreto.
V - O princípio da proibição de excesso exige que as medidas de coação sejam proporcionais à gravidade do crime que se persegue e às sanções que previsivelmente lhe venham a ser aplicadas.
VI - Aplicando esses princípios ao caso concreto, a medida de coação fixada aos arguidos pelo Juiz de Instrução é, neste momento, adequada e suficiente, não se mostrando necessária a aplicação de qualquer outra medida coativa para além da já imposta, nomeadamente a suspensão do exercício de funções, redundando a aplicação de tal medida numa condenação antecipada dos arguidos (o que, manifestamente, não constitui o objetivo das medidas coativas).

Texto Integral



I. RELATÓRIO

Nos autos principais, após interrogatório judicial, por despacho de 2 de maio do corrente ano de 2024 foi aplicada a cada um dos arguidos medida de coação de proibição de contactos com as testemunhas/ofendidos nos autos, por se terem considerado fortemente indiciados os factos alegados pelo MP no requerimento de apresentação dos arguidos a primeiro interrogatório, suscetíveis de consubstanciar a prática de:
pelos arguidos C, S e A na prática em co-autoria de três crimes de sequestro agravado, previsto e punido pelos artigos 158º nº1 e nº 2 alínea b), e) e g) do Código Penal; cada um dos arguidos, C, S, L e A, na prática, em autoria matéria e concurso real d três crimes de ofensa à integridade física qualificada previstos e punidos pelo art.º 145º nº1 e nº2, por referência art.º 132º alínea c), h) e m) do Código Penal; um crime de abuso de poder previsto e punido pelo art.º 382º do Código Penal;
a arguida S ainda na prática em autoria material e concurso real de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art.º 256º nº1 d), nº3 (ex. vi do art.º 363º nº2 do Código Civil) e nº 4 do Código Penal e um crime de denúncia caluniosa previsto e punido pelo art.º 365º nº1 e nº3 alínea a) do Código Penal;
e o arguido L ainda na prática em autoria material e concurso real de três crimes de ameaça agravada previsto e punido pelo art.º 153º e 155º nº1 alínea a), b) e d) do Código Penal.

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Não se conformando com essa decisão, o MP recorreu para este Tribunal da Relação, requerendo a revogação do referido Despacho e substituído por outro que determine a aplicação aos arguidos, cumulativamente com a medida já aplicada, a medida de suspensão de exercício de funções na Guarda Nacional Republicana, nos termos do disposto nos arts. 193º a 196º, 199º nº 1 alínea a) e 204º nº 1 alíneas b) e c) do Código de Processo Penal.
Para o efeito apresentou as seguintes conclusões:
1. Por Douto despacho datado 02/05/2024, na sequência de primeiro interrogatório judicial de arguidos, o Mmº Juiz de Instrução Criminal aplicou aos arguidos C, S, L e A a medida de coação de proibição de contactos com as testemunhas J, E, R e V.
2. Não se concorda com a não aplicação aos arguidos da medida de coação promovida de suspensão de exercício de profissão e funções ao serviço da Guarda Nacional Republicana, por se considerar que a medida de coação aplicada aos arguidos de proibição de contactos, não é suficiente para acautelar os perigos que se verificam e fazer face às exigências cautelares do caso dos autos.
3. No Douto despacho ora recorrido foi considerada suficientemente indiciada toda a factualidade descrita pelo Ministério Público no despacho de apresentação.
4. Nos mesmos termos imputados pelo Ministério Público, o Mmº Juiz de Instrução considerou que a factualidade indiciada integra a prática de - três crimes de ofensa à integridade física qualificada previstos e punidos pelo art. 145º nº1 e nº2, por referência art. 132º alínea c), h) e m) do Código Penal;- um crime de abuso de poder previsto e punido pelo art. 382º do Código Penal; pelos arguidos C, S e A, em co-autoria, de três crimes de sequestro agravado, previsto e punido pelo artigos 158º nº1 e nº 2 alínea b), e) e g) do Código Penal, pela arguida S, em autoria material e concurso real de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256º nº1 d), nº3 (ev vi do art. 363º nº2 do Código Civil) e nº 4 do Código Penal; e um crime de denúncia caluniosa previsto e punido pelo art. 365º nº1 e nº3 alínea a) do Código Penal; pelo arguido L, em autoria material e concurso real, de três crimes de ameaça agravada previsto e punido pelo art. 153º e 155º nº1 alínea a), b) e d) do Código Penal
5. Suscitam-nos, porém, dúvidas qual o entendimento do Mmº Juiz no que concerne ao juízo de indiciação da factualidade objeto dos autos, porquanto, não obstante se referir no despacho ora recorrido que os factos se encontram suficientemente indicados, aplicou a medida de coação de proibição de contactos, que, como do disposto no art. 200º do CPP, exige a verificação de fortes indícios.
6. Considera, no entanto, o Ministério Público que, em face da prova colhida nos autos e que determinou a apresentação dos arguidos a primeiro interrogatório judicial, deveriam ser considerados como fortemente indiciados todos os factos explanados no requerimento de apresentação.
7. Da leitura do douto despacho retiramos que o Mmº Juiz entendeu serem “muitos os possíveis cenários construíveis em torno da prova angariada e, sobretudo, da por angariar”.
8. Salvo o devido respeito por diversa opinião, entendemos que temos de analisar a prova recolhida visando aquilatar ou não da bondade da versão dos ofendidos, o que, no caso dos autos, conduz-nos a concluir que os factos se passaram tal como supra descritos.
9. Não obstante referiu o Mmº Juiz que “tem-se que as lesões denotadas nas fotografias juntas aos autos ultrapassaram qualquer conceito de força estritamente necessária a uma detenção nos moldes circunstanciais do caso, pelo que acabam por conferir credibilidade à versão dos queixosos”.
10. Assim, atribuindo credibilidade à versão apresentada pelos ofendidos, corroborada pelas lesões sofridas pelos mesmos espelhadas nas fotografias juntas aos autos, vislumbramos com dificuldade outros cenários possíveis que não o descrito.
11. Os arguidos, em sede de primeiro interrogatório, não prestaram declarações sobre os factos que lhes foram imputados e nenhum elemento probatório ou indício foi trazido aos autos que contrariasse os elementos já recolhidos, pelo que não podemos afastar que os factos ocorreram tal como descritos e adiantar a eventual existência de outras versões dos factos.
12. Os elementos de prova recolhidos nos autos e elencados no requerimento de apresentação de arguido, designadamente os autos de inquirição dos ofendidos e das testemunhas, autos de notícia do processo nº 7/24.2GEPLM, nº 385/24.3GDSTB e nº 365/24.9GDSTB, conjugados com as diligências externas efetuadas pela Polícia Judiciária, exames perícias e elementos clínicos, permitem concluir pela forte indiciação dos factos supra descritos.
13. O depoimento dos ofendidos foi colhido no dia seguinte à ocorrência dos factos, o que lhes confere maior espontaneidade e credibilidade, sendo concordantes entre si, não padecendo de qualquer incongruência, e com os demais elementos probatórios juntos aos autos.
14. A corroborar os factos denunciados e a sua dinâmica temos ainda o teor dos autos de notícia por desaparecimento dos menores, que na verdade, estiveram na origem dos factos objeto destes autos, onde nada se relata ou refere relativo a qualquer incidência.
15. Acresce que os depoimentos prestados pelos ofendidos são compatíveis e corroborados pelos vestígios e inspeção judiciária efetuada ao local, designadamente das fotografias com as marcas das lesões sofridas por J - compatíveis com o uso de bastão conforme relatado pelo mesmo.
16. No auto de diligências é visível os pertences do ofendido V junto do muro onde inicialmente os ofendidos foram agredidos, as marcas por arrastamento pelo solo à entrada das antigas instalações da fábrica (…..), vestígios hemáticos, assim como o local onde foi encontrado o brinco do ofendido J.
17. Não existem dúvidas de que foram os arguidos que praticaram os factos objeto dos autos, o que decorre desde logo dos autos de notícia elaborados e juntos aos autos e reforçados pelos reconhecimentos pessoais efetuados nos autos.
18. O auto de notícia elaborado pela arguida S que deu origem ao NUIPC 385/24.3GDSTB, onde se fez constar que os ofendidos relataram terem sido agredidos por um mentor do Centro Jovem Tejo, tem elevado relevo probatório.
19. Do seu teor retira-se que o mesmo foi elaborado numa tentativa de justificar a atuação policial que esteve na origem nos presentes autos, assim como o facto de ter sido chamado ao local, em suposto auxílio da patrulha, o arguido L, que não se encontrava ao serviço.
20. Tentou-se justificar o facto de não ter sido contactado o posto da GNR como deveria e solicitado ao auxílio de outros Militares que se encontrassem ao serviço.
21. Pretendeu ainda a arguida justificar o transporte dos ofendidos para o Posto da GNR ao invés de os transportarem ao Centro Jovem Tejo, assim como de justificar as marcas de agressão que o ofendido J apresentava.
22. De outra banda, o depoimento de E, responsável do Centro Jovem Tejo reforça a versão factos relatados pelos ofendidos, afastando, assim, a teoria contante do auto de notícia elaborado por S.
23. Consideramos, assim, existir, em concreto, perigo de perturbação do inquérito, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, perigo em razão da natureza dos factos e da qualidade dos arguidos de agentes de autoridade de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas e perigo de continuação da atividade criminosa.
24. O Mmº Juiz do Douto no despacho recorrido aplicou aos arguidos a medida de coação de proibição de contactos com os ofendidos e testemunhas nos autos, nos termos dos art. 200º nº1 alínea d e art. 204º alínea b) do CPP, o que apenas acautela o perigo de perturbação do inquérito.
25. Porém, para fundamentação da medida de coação aplicada aos arguidos referiu o Mmº Juiz que “Os factos imputados aos arguidos são notoriamente graves. persiste na nossa sociedade fantasmas da violência policial, sendo tais ocasionalmente comprovados em tribunal”.
26. Tal consideração teria de nos levar a concluir pela existência de perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública, o que não foi citado no despacho nem ficou acautelado com a medida de coação aplicada.
27. Consideramos que se verifica, em concreto, perigo de perturbação da ordem e tranquilidade publica, porquanto os arguidos agiram no desempenho e exercício de funções, exceto o arguido L que não se encontrava de serviço, mas deslocou-se ao local chamado por S devido à sua qualidade de militar da GNR e por ter quezílias anteriores com os menores em causa.
28. No exercício das funções e dos poderes que lhes foram confiados para o seu desempenho, os arguidos sequestraram e agrediram de forma grave três jovens.
29. Exige-se muito mais de um agente de força de segurança do que de um cidadão comum, pelo que a sociedade não poderá compreender que agentes de autoridade que praticaram tais factos se mantenham em exercício de funções.
30. Verifica-se, ainda, em concreto, o perigo de continuação atividade criminosa, porquanto face às funções que os arguidos desempenham, nada deixa antever que, confrontados com situação semelhante, não venham a praticar factos da mesma natureza aos indiciados, seja contra estes ofendidos seja contra indivíduos que tenham quezílias prévias.
31. As próprias expressões descritas na factualidade indiciada em que se refere “se te chibares, mato-te” entre outras e o facto de a arguida S ter lavrado auto de notícia cujo teor não corresponde à verdade, são reveladores de que os arguidos não olham a meios para atingir os fins.
32. Concordamos com o despacho ora recorrido quando se refere que os factos são graves, efetivamente existindo na “nossa sociedade fantasmas da violência policial”, o que a nosso ver, gera alarme social e perturba a ordem pública.
33. Face aos perigos supra elencados, teremos de concluir que a medida de coação aplicada aos arguidos, só por si, não é suficiente nem adequada às exigências cautelares do presente caso, nem proporcionais à gravidade dos crimes cuja prática pelos arguidos se encontra fortemente indiciada.
34. Importa realçar que a medida promovida de suspensão do exercido de funções prevista no art. 199º do CPP, como decorre na norma contida no seu nº 1, não se exige que, para a sua aplicação, estejamos perante fortes indícios, bastando-se a verificação de indícios suficientes, tal como foi entendimento do Mmº Juiz de Instrução.
35. Por todo o exposto, verifica-se que o despacho recorrido violou os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, previsto no art. 193º do Código Processo Penal e as normas dos arts. 199º nº 1alinea a) e 204º alíneas b) e c) do mesmo diploma legal.
Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência ser revogado o Despacho e substituído por outro que determine a aplicação aos arguidos, cumulativamente com a medida já aplicada, a medida de suspensão de exercício de funções na Guarda Nacional Republicana, nos termos do disposto nos arts. 193º a 196º, 199º nº 1 alínea a) e 204º nº 1 alíneas b) e c) do Código de Processo Penal.
V. Exas., no entanto, melhor decidirão e farão, como sempre, a habitual Justiça!
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Recebido o recurso, os arguidos a ele responderam nos termos que resumiram e que se transcrevem:
O arguido A:
I.A medida de coação de proibição de contatos com os ofendidos e testemunhas nos autos nos termos dos artigos 200º, n.º 1 alínea d) e artigo 204º, alínea b) do CPP, aplicada ao arguido afigura-se adequada e proporcional.
II. Em todo o seu recurso o Ministério Público faz referência de forma reiterada à prova recolhida, quando estamos em fase de angariação de prova, de contraprova quanto à prova já angariada e que a defesa desconhece,
III. Sendo efetivamente, tal como consta do despacho ora recorrido, “muitos os cenários construíveis em torno da prova angariada e, sobretudo, da por angariar”.
IV. A factualidade indiciária não nos permite concluir pela existência de perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública,
V. A medida de coação aplicada ao arguido é suficiente e adequada às exigências cautelares do presente caso e proporcional à gravidade dos mesmos.
VI. Não violando o despacho ora recorrido os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, previstos nos artigos 193º, 199, n.º 1, al. a) e 204º als. b) e c) todos CPP.
TERMOS EM QUE,
Deve o Despacho que aplicou ao arguido a medida de coação de proibição de contatos com os ofendidos e testemunhas nos autos nos termos dos artigos 200º, n.º 1 alínea d) e artigo 204º, alínea b) do CPP, ser mantido, negando-se provimento ao presente recurso.
Fazendo-se assim a habituada e sã Justiça!
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O arguido C:
A. Vem o recurso a que se contra-alega, interposto da Douto Despacho proferido em 02 de Maio de 2024 de aplicação de medida de coacção sobre todos os arguidos, onde se inclui o ora Apelado, que decidiu aplicar a medida de coacção de probição de contactos com as testemunhas/ofendidos nos autos; e que decidiu não aplicar a medida de coacção ali promovida pelo Ministério Público de suspensão de exercício de profissção ao serviço da Guarda Nacional Repúblicana.
B. Insurge-se o Ministério Público, nas suas alegações de recurso, quanto à decisão constante do douto despacho agora recorrido por, em síntese, (i) por não concordar com a aprecção dos indícios, (ii) por considerar que a não aplicação medida de coação promovida de suspensão de exercício de profissão e funções ao serviço da Guarda Nacional Republicana e apenas (iii) aplicar a medida de coacção de probição de contatos, não é suficiente para acautelar os perigos que se verificam e fazer face às exigências do caso dos autos.
C. Entendemos que a decisão recorrida, no pedido considerado procedente, não padece de qualquer erro na apreciação de Direito e de facto nos autos, e acolhe a melhor interpretação da lei substantiva e processual, sendo correcta a decisão contante no Despacho ora recorrido de apenas aplicar a medida de coacção de probição de contactos com as testemunhas/ofendidos nos autos, ora posta em crise pelo recorrente;
D. Adentrando nas alegações do Ministério Público, procura este fundamentar que a decisão tomada em sede de Auto de Alteração das Medidas de Coacção quanto à não aplicação da medida de coacção de suspensão de funções ao serviço da Guarda Nacional Republicana, foi erradamente tomada, tecendo considerações de Direito, igualmente procurando a procedência da sua pretensão.
E. Desta forma, e ao contrário do alegado e propognado pelo Ministério Público, o Tribunal a quo bem decidiu naquela sede, fundamentando a decisão a respeito, de forma clara, objectiva e cumprindo com o rigor dos conceitos e preceitos da lei substantiva e processual a respeito;
F. Procedendo, pois, como foi decidido, a promoção do Ministério Público da medida de coacção de proibição de contactos com as testemunhas/ofendidos e a não aplicação da medida de coacção de suspensão de funções;
G. O Ministério Público, tendo por base de todo o seu raciocínio que os indícios recolhidos em sede de inquérito sobre a eventual prática dos crimes imputados aos arguidos já são fortemente suficientes, entende que existe (i) perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do inquérito e (ii) perigo em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade dos arguidos, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa, tudo ao abrigo do disposto nas alíneas b) e c) do CPP.
H. No entanto, no seu Douto Recurso, o Ministério Público apresenta como único motivo para considerar que a não promoção da medida de coacção de suspensão do exercício de funções dos arguidos na Guarda Nacional Republicana pode gerar perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade pública ou continuação da actividade criminosa a sua quase certeza de que os factos alegados em sede do Interrogatório de 02 de Maio de 2024, fazendo, nessa sequência um autêntico pré-julgamento, sem praticamente direito ao contraditório (recorde-se o supra referido a respeito da impossibilidade do ora Arguido ter tido acesso aos autos, até esta data), sentenciando-se desde já todos os Arguidos por via da aplicação das medidas de coaçcão requeridas.
I. São feitas referências a “alarme social” que, com o devido respeito, não se verifica e verificou ao longo de todo este processo.
J. Além do mais, o tal “alarme social” invocado, bem como a necessidade imperetrível em aplicar a medida de coação de suspensão do exercício de funções na GNR, é contraditório com a forma pouco diligente como o Ministério Público conduziu o processo a este respeito. Senão vejamos:
K. Nos presentes autos, o Ministério Público alega que os arguidos praticaram um conjunto de crimes no dia 11 de Abril de 2024.
L. No entanto, e após a constituição de arguido de C e dos restantes arguidos, em 15 de Abril de 2024 (4 dias depois dos eventuais factos), nada de se alterou no quotidiano habitual do ora apelado.
M. Continuou a exercer funções no Posto Territorial da GNR de Palmela;
N. Manteve toda a sua rotina habitual: fazia patrulhas com qualquer colega daquele Posto de Palmela, incluído os restantes arguidos;
O. Trabalhou de forma rotativa como sempre fez, i.e., de noite e de dia;
P. Não foi suspenso de funções por parte da GNR, nomeadamente pela via disciplinar;
Q. Não foi remetido para funções admintrativas em exclusivo.
R. Ou seja, tudo se manteve igual ao que sempre sucedeu na acção laboral do ora Arguido.
S. Apenas em 02 de Maio de 2024, i.e., mais de 20 dias após os alegados factos criminosos praticados pelo arguido, é que o Ministério Público entendeu requerer a alteração das medidas de coação aos arguidos.
T. Durante todo este tempo, não existiu, aparentemente, qualquer alarme social ou perigo de perturnação do inquérito, da ordem pública ou da continuação da actividade criminosa, no entender do Ministério Público.
U. Não existiu qualquer necessidade de actuação rápida por parte do Ministério Público em agir rapidamente e diligentemente, a fim de proteger e acautelar os interesses relacionados com o inquérito e a segurança pública das eventuais e prováveis acções futuras dos Arguidos.
V. Assim, não se entendeu, na altura, qual a razão para o Ministério ter promovido a medida de coação de suspensa do exercício de funções na GNR, tal como não se entende, nesta altura, o seu recurso para revogar a decisão do Tribunal a quo a este respeito.
W. Desde 11 de Abril de 2024 e de 02 de Maio de 2024 até ao presente momento (respectivamente, 3 meses após os alegados factos criminosos e 2 meses após o Interrogatório para alteração de medidas de coação), que não existe qualquer registo de qualquer quezília, conflito, perturbação, desrespeito, ou actividade crimonosa praticada pelo arguido C, o que, só por si, afasta os receios alegados pelo Ministério Público.
X. Mais: a GNR, como medida pedagógica, decidiu transferir cada um dos quatro arguidos para diferentes postos da GNR, estando neste momento estes a trabalhar noutro locais de trabalho, sem sequer se cruzarem entre ambos.
Y. O ora Arguido C encontra-se desde Maio de 2024 no Posto Territorial da GNR em Sesimbra.
Z. Fazendo a sua actividade laboral de uma forma perfeitamente normal e habitual, sem qualquer registo de problemas.
AA. Continua sem ser notificado de qualquer Nota de Culpa ou Despacho de Acusação Disciplinar por parte da GNR.
BB. Não foi suspenso de funções.
CC. Não esteve nem nunca mais viu os ofendidos que, tanto quanto sabe, alguns deles voltaram a fugir do Centro de Acolhimento onde se encontravam.
DD. Ou seja, desde 11 de Abril de 2024 até ao presente momento (quase 3 meses passados), o Arguido mantem a sua vida laboral tal e qual sempre fez, com excepção da transferência de local de trabalho de Palmela para Sesimbra.
EE. A actividade laboral do arguido não perturbou o inquérito, não perturbou a ordem pública nem gerou alarme social, não originou qualquer prática de crime, ou seja, não se registou nada de anormal só pelo facto do arguido manter a sua vida profissional como sempre fez, antes e depois de 11 de Abril de 2024.
FF. Todos os factos supra relatados são apenas por si demonstrativos do seguinte: a) não existe qualquer perigo de perturbação do inquérito ou da instrução do processo; b) Não existe qualquer perigo de que o Arguido execute qualquer actividade criminosa ou que perturbe gravemente a ordem pública.
GG. Deste modo, a aplicação da medida de coacção de suspensão do exercício de funções na Guarda Nacional Republicana não se revela adequada, nem proporcional, nem subsidiária.
HH. Os interesses que o Ministério Público pretende ver atingidos com a promoção da medida de coação em causa já se encontram perfeitamente verificados, desde logo pela medida de coação já aplicada nos presentes autos, i.e., a medida de coação de probição de contactos, nada mais sendo necessário para este efeito.
II. Aplicar a medida de coação promovida e pretendida pelo Ministério Público configuraria um perfeito exagero, sendo desproporcional e desadequado aos reais factos apurados nestes autos, que dizem respeito ao normal funcionamento do presente inquérito e tranquilidade da ordem pública, como se tem visto na prática.
JJ. Revogar a decisão proferida pelo Tribunal a quo em 02 de Maio de 2024 pela pretendida pelo Ministério Público é violador da lei, nomeadamente dos artigos 204.º, 202.º e 199.º do CPP.
KK. Não podendo, desta forma, ser deferida a pretensão do Ministério Público, requerida no seu Douto recurso.
LL. Daí ter o Tribunal a quo decidido bem a este respeito.
MM. Improcede assim toda a alegação do Ministério Público, a respeito desta matéria, e que constitui a totalidade do objecto do seu recurso.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, não deve ser dado provimento ao recurso apresentado pela Recorrente e, consequentemente, devendo ser mantida a douta decisão recorrida, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!
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A arguida S:
1. Em sede de primeiro interrogatório judicial entendeu o Ministério Público que se encontram suficientemente indiciados os factos ali descritos e transcritos nos fundamentos do seu recurso;
2. A arguida confirma o teor do despacho de promoção transcrito, reservando-se ao facto de lhe ter apenas sido notificado as páginas 4 a 15 do referido despacho;
3. Do despacho de promoção proferido pelo Ministério Público, decorre, também, a indicação dos meios de prova e prova recolhida e onde assentam os factos indiciados;
4. O Ministério Público no mencionado despacho fixa como base de prova para os factos indiciados e, consequente, aplicação da medida de suspensão de profissão e funções ao serviço da Guarda Nacional Republicana e medida de proibição de contactos com os co-arguidos, ofendidos e testemunhas no processo, as declarações doofendido(nãoindicandoqual), das testemunhas e os reconhecimentos efetuados;
5. Solicitada a consulta dos autos pela arguida, foi a mesma indeferida uma vez que os autos se encontram em segredo de justiça;
6. A arguida exerceu o seu direito ao silêncio, o que não pode ser usado a seu desfavor e se não foram carreadas para os autos outras provas que contrariassem outros cenários foi porque o Ministério Público não as realizou.
7. Uma vez que foram requeridas pela arguida, S, nos dias que se seguiram à diligência de primeiro interrogatório judicial;
8. O tribunal ora recorrido, considerando o teor do despacho de promoção do Ministério Público, aplicou à ora arguida a medida de coação de proibição de contactos com os ofendidos;
9. O Ministério público vem agora recorrer das medidas de coação aplicadas, invocando outros meios de prova e prova que não ele próprio não fixou ou indicou no seu despacho de promoção;
10. Compete ao juiz definir quais os elementos do processo que devemserrevelados considerando, por um lado, o prejuízo que a sua relevação possa causar à investigação e, por outro, o prejuízo que a sua ocultação possa causa à defesa do arguido - alínea e) do nº4 do artigo 141º do CPP;
11. A arguida não foi notificada de qualquer despacho, devidamente fundamentado, por parte do tribunal quanto à ponderação dos factos omitidos e os factos transmitidos;
12. O Ministério não concretiza factos que fundamentem o perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade pública;
13. O perigo de perturbação do inquérito já não existe, nem é invocado pelo Ministério Público;
14. A arguida desconhece a que quezílias o Ministério Público se refere, até porque não as concretiza no seu despacho de promoção, nem nas suas alegações de recurso e muito menos indica factos concretos que fundamentem esta matéria;
15. O perigo de continuação da atividade criminosa decorre da personalidade do arguido e respeita apenas à continuação da atividade criminosa que se mostra indiciada no processo, o que o Ministério Público não concretiza;
16. Os factos indiciados terão ocorrido em 11.04.2024, a arguida já era militar da GNR há pelo menos 2 (dois) anos a esta data;
17. Deste 11.04.2024 e como sempre ocorreu, a arguida sempre se apresentou ao serviço no posto da GNR de Palmela, sem nunca faltar às suas obrigações e deveres;
18. A arguida foi sujeita à diligência de reconhecimento no dia 15.04.2024, data em que também foi constituída arguida e continuousempre acumprircomas suas obrigações e deveres como Militar da GNR, sem qualquer reparo;
19. A arguida continuou e continua a apresentar-se ao serviço;
20. A arguida não é titular de qualquer processo disciplinar;
21. A arguida não tem anotações na sua ficha individual de militar;
22. A arguida subscreve na integra os fundamentos do despacho proferido pelo tribunal recorrido, o qual deve ser mantido por assegurar de forma adequada e proporcional o disposto nos artigos 193º e 204º do CPP;
23. O recurso interposto pelo Ministério Público viola o artº 32, nº1 da CRP e a alínea e) do nº4 do artigo 141º do CPP;
24. As medidas de coação que o Ministério Público pretende ver aplicadas são manifestamente, desproporcionais e desadequadas, pelo que violam o disposto no artº.193º do CPP.
TERMOS EM QUE
DEVERÁ SER AO PRESENTE RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NEGADO PROVIMENTO E, CONSEQUENTEMENTE, MANTER-SE O DESPACHO RECORRIDO NOS SEUS PRECISOS TERMOS,
FAZENDO ASSIM V. EXAS. A TÃO ACOSTUMADA JUSTIÇA!!!
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Colhidos os vistos foi o processo à Conferência, onde se deliberou nos termos constantes do presente acórdão.
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II - Questões a decidir:
Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. Art.º 119º, nº 1; 123º, nº 2; 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPPenal, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/6/1998, in BMJ 478, pp. 242, e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Tendo em conta este contexto normativo e o teor das conclusões apresentadas pelo recorrente, há que analisar e decidir:
1- Existência de fortes indícios da prática dos factos pelos arguidos.
2- Da necessidade de aplicação da medida de coação da suspensão do exercício de funções.
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III – FUNDAMENTAÇÃO:

A decisão recorrida tem o seguinte teor:
Indiciam suficientemente os autos a prática pelos arguidos da factualidade elencada pelo Ministério Público no despacho fls. 301 e seguintes - e mais concretamente de fls. 304 a 311 -, suscetíveis de consubstanciar a prática: pelos arguidos C, S e A na prática em co-autoria de três crimes de sequestro agravado, previsto e punido pelos artigos 158º nº1 e nº 2 alínea b), e) e g) do Código Penal; cada um dos arguidos, C, S, L e A, na prática, em autoria matéria e concurso real d três crimes de ofensa à integridade física qualificada previstos e punidos pelo art.º 145º nº1 e nº2, por referência art.º 132º alínea c), h) e m) do Código Penal; um crime de abuso de poder previsto e punido pelo art.º 382º do Código Penal; a arguida S ainda na prática em autoria material e concurso real de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art.º 256º nº1 d), nº3 (ex. vi do art.º 363º nº2 do Código Civil) e nº 4 do Código Penal e um crime de denúncia caluniosa previsto e punido pelo art.º 365º nº1 e nº3 alínea a) do Código Penal; e o arguido Luc ainda na prática em autoria material e concurso real de três crimes de ameaça agravada previsto e punido pelo art.º 153º e 155º nº1 alínea a), b) e d) do Código Penal.
Os arguidos exerceram o seu direito de não prestar declarações e os mencionados indícios que se tê, por suficientes resultam, fundamentalmente, da conjugação das declarações dos três queixosos V, J e R, do relatório médico dos ofendidos R e J, das fotografias das lesões físicas sofridas pelos arguidos e do relatório da Policia Judiciária de fls. 271 e seguintes (que incluem também fotografias do local da prática dos factos, nomeadamente vestígios hemáticos e de arrastamento).
Esta conjugação de elementos probatórios é plenamente compatível com a factualidade ora dada por suficientemente indiciada e que corresponde à elencada pelo Ministério Público. Contudo, é igualmente inequívoco serem muitas as variações daquela possíveis e verossímeis, sendo que tais variações ou alternativas versões poderão, em abstrato, alterar o quadro fáctico e o nível de ilicitude e culpa dos arguidos. Com efeito, é consabido serem comuns as dificuldades na detenção de indivíduos mesmo que jovens; e comuns também lesões daí decorrentes. Por outro lado, as palavras que os arguidos terão dirigido aos queixosos apenas por estes podem ser confirmadas - nenhuma outra prova de tal existe por hora ou se vislumbra. E, não obstante, tem-se que as lesões denotadas nas fotografias juntas aos autos ultrapassaram qualquer conceito de força estritamente necessária a uma detenção nos moldes circunstanciais do caso, pelo que acabam por conferir credibilidade à versão dos queixosos e se dá, por isso, como suficientemente indiciada a factualidade supra.
Os factos imputados aos arguidos são notoriamente graves. persiste na nossa sociedade fantasmas da violência policial, sendo tais ocasionalmente comprovados em tribunal. Mas, como se disse, in casu são ainda muitos os possíveis cenários construíveis em torno da prova angariada e, sobretudo, da por angariar. Paralelamente, não existe registo nos autos de possuírem os arguidos antecedentes criminais ou disciplinares.
Assim, tem-se como adequado e proporcional impedir qualquer contacto pelos arguidos com as quatro testemunhas elencadas pelo Ministério Público no despacho supramencionado: J (identificado a fls. 143), E (identificado a fls. 154), R (identificado a fls. 161) e V (identificado a fls. 172), porquanto se tem o seu contacto com aquelas para mais na qualidade de militares, suscetível de influenciar ou perigar a investigação em curso (art.º 191.º, 193.º, 200.º, n.º1, al. d) e 204.º, n.º1, al. b), todos do CPP). Tal proibição de contactos inclui quaisquer interpostas pessoas e por qualquer meio. Tem-se como não proporcional, no quadro supra descrito, a sujeição dos arguidos a outras medidas de coação para além do TIR já prestado, nomeadamente a (suscitada) medida de apresentações periódicas, porquanto, permanecendo os mesmos em exercício em funções, se aquela como redundante.
Notifique o Posto Territorial onde exercem os arguidos as suas funções.
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A factualidade constante do requerimento do MP, de apresentação dos arguidos a primeiro interrogatório judicial para aplicação de medidas de coação, considerada suficientemente indiciada é a seguinte:
1. Os ofendidos V, nascido a (…..), J, nascido a (…..) e R, nascidio a (…..), encontram-se em regime de internato no Centro Jovem Tejo, não estando autorizados a ausentar-se.
2. Tal Associação funciona em regime de internato e, os ofendidos ausentaram-se, sem a devida autorização, dando, assim, origem a Participações por Desaparecimento, registadas pelo OPC comunicante com os NUIPC 365/24.9 GDSTB, 366/24.7 GDSTB e 367/24.5 GDSTB.
3. Assim, no dia 11/04/2024, os Militares da GNR do Posto de Palmela, C e S efetuavam patrulha com o ensejo de localizar os três jovens desaparecidos.
4. A patrulha composta pelos Guarda C, n.º Matrícula (…..) e Guarda S, n.º Matrícula (…..), no exercido das suas funções e devidamente uniformizados, pelas 01h00m, localizou e intercetou os ofendidos na Estrada Municipal 510 em Brejos Carreteiros - Quinta do Anjo.
5. Na execução do procedimento habitual nestas situações de desaparecimentos, deviam os Militares da GNR, ao localizarem os menores, conduzi-los de imediato à Associação de onde se haviam ausentado, a quem ficariam à guarda novamente.
6. Porém, os arguidos não seguiram o procedimento habitual como lhes era exigido.
7. No seguimento da abordagem, os referidos Militares da GNR deram ordem aos três ofendidos para aqueles se encostassem a um muro ali existente e colocassem as mãos na rede do mesmo.
8. A Guarda S dirigindo-se a V fica parado, nenhum movimento, preto de merda mesmo.
9. O Guarda C calçou um par de luvas pretas, estilo táticas e de imediato começou a agredir os R e J, desferindo-lhes bofetadas, socos e preto filho da puta
10. Nessa ocasião, os referidos Guardas desferiram várias bofetadas com a mão aberta na cabeça dos ofendidos, socos e pontapés e ainda munidos com o bastão, que lhes havia sido atribuído para o exercício das funções, desferiram várias pancadas com o mesmo em diversos partes do corpo dos três menores.
11. Após, ordenaram que os ofendidos aguardassem virados de costas e encostados à rede.
12. Nesse momento, a Guarda S telefonou ao seu colega militar da GNR daquele posto - Guarda L n.º matrícula (…..), e dirigindo-se ao mesmo “Apanhámos o J", referindo-se ao ofendido J.
13. Assim, o Guarda L, que não se encontrava em exercício de funções, estando em gozo de férias e trajado à civil, dirigiu-se ao local da interceção dos três menores, onde chegou passados cerca de 10 minutos após o referido telefonema.
14. Lá chegado, o Guarda L, muniu-se de um bastão do Guarda C, que lhe havia sido atribuído para o desempenho das suas funções, e desferiu um número não determinado de fortes pancadas com o mesmo no corpo de J, ao mesmo tempo que lhe desferia pontapés em várias zonas do corpo e dirigindo filho da puta cigano de merda.
15. O arguido Guarda L munido com o bastão desferiu ainda pancadas com o mesmo no corpo de V e R.
16. De seguida, o Guarda L agarrou J pela gola do casaco que vestia e arrastou-o para uma zona de mato envolvente, tomando a direção de uma fábrica abandonada (……), ao mesmo tempo que lhe desferia pancadas com o bastão.
17. Em face das pancadas sofridas, J ficou inanimado por momentos, tendo o Guarda L o arrastado pelo chão.
18. Já no interior das instalações da antiga fábrica, o Guarda L, novamente munido do bastão, desferiu várias pancadas com o mesmo no corpo de J, desferindo-lhe pontapé e murros que o atingiram em diversas partes do corpo, com maior incidência na zona das costas e braços e arrancou-lhe um dos brincos que o mesmo usava, na orelha esquerda, ao mesmo tempo que dirigindo- filho da puta, cigano de merda
19. Enquanto isso, os Guardas S e C mantinham V e R imobilizados, encostados à parede enquanto lhe desferiam socos, bofetadas e pontapés.
20. A dado momento, Guarda C dirigiu-se à fábrica (…..) ao encontro do Guarda L e disse-lhe para parar, tendo aquele, não obstante, continuado as agressões.
21. Após, o Guarda L levou J de volta ao local da abordagem inicial, onde se encontrava a viatura policial.
22. Nesse local, o Guarda L, novamente agrediu J, desferindo-lhe murros e pontapés, pancadas com o bastão.
23. Após, ao tentar levantar J do chão, o arguido colocou-lhe o braço em volta do pescoço, fazendo a técnica denominada "Mata-Leão".
24. O Guarda L avançou ainda na direção de R e desferiu-lhe pancadas com o bastão na zona das costas e costelas do lado esquerdo do corpo daquele.
25. Nesse momento, desferiu ainda uma pancada nas costas de V ao mesmo tempo que lhe dizia “caso voltes a fugir da instituição vais sofrer as consequências”.
26. Em ato continuo, os referidos Guardas algemaram os menores J e V, introduzindo-os na viatura policial, no banco traseiro, juntamente com R desalgemado, que utilizavam para os transportar para o Posto da GNR de Palmela.
27. Nesse momento, o Guarda L aproximou-se da janela onde se encontrava J e dirigindo-se ao mesmo disse “filho da puta se te chibares mato-te cabrão”.
28. Chegados ao Posto da GNR de Palmela, os supra referidos Militares entraram pelo portão existente nas traseiras do Posto, algemaram R, e encaminharam os ofendidos para o seu interior sentaram-nos em cadeiras virados para a parede tendo a guarda S dito “não quero ouvir nenhuma respiração”.
29. Nesse momento, surgiu o Guarda A, n.º Matrícula (…..) que se encontrava devidamente uniformizado e em exercício de funções naquele posto, que dirigiuse aos ofendidos, usando uma luva preta numa das mãos, e desferiu-lhe murros e bofetadas na zona da cabeça e face.
30. Durante o período de tempo em que permaneceram no Posto, cerca de 60 minutos, os Guardas C, S e A desferiam socos e bofetadas nos ofendidos.
31. A dado momento, o Guarda A exibiu uma arma eletrochoque, vulgo taser, e dirigindo-se aos ofendidos disse que os ia obrigar a praticar exercício físico sob pena de não o fazendo os agredir com choques elétricos.
32. Após os Militares da GNR C e S desalgemaram os ofendidos e decidiram então transporta-los, numa viatura daquele Posto, até ao Centro Jovem Tejo, como lhes cabia fazer.
33. Porém, no trajeto entre o Posto da GNR de Palmela e a aludida Instituição, no entroncamento entre a Rua Manuel Martins Pitorra e a Rua Antónia José Marques, os referidos Guardas imobilizaram o veículo e ordenaram aos três ofendidos que saíssem e isseram “agora corram à frente do carro de mãos dadas, até à instituição, quem parar leva mais”.
Os ofendidos com receio pela sua integridade física correram o percurso em falta, cerca de 1 km, até ao Centro Jovem Tejo, sendo seguidos pela viatura da GNR onde se encontravam os arguidos.
34. Chegados ao Centro Jovem Tejo os Militares da GNR C e S ordenaram aos menores que, perante o dirigente do Centro E e por forma a ocultar as agressões por si perpetradas, dissessem que haviam sido vítimas de quedas por forma a justificar as lesões físicas que apresentavam.
35. Foi solicitada assistência médica aos ofendidos pelo 2º Sargento T, tendo J e R sido transportados para o Hospital do Barreiro.
36. Em consequência da conduta dos Militares da GNR, o ofendido J sofreu dores nas partes do corpo atingidas e traumatismo do dorso e do hemitórax esquerdo, concretamente, Equimose em banda oblíqua para baixo e para dentro, medindo 6 cm de comprimento, por 1 cm de largura longitudinal, localizada à face posterior e média do hemitórax esquerdo; Cerca de 5 cm abaixo da anterior, equimose com as mesmas características, transversal, medindo 8 cm de comprimento por cerca de 1 cm de largura longitudinal, lesões que lhe determinaram um número de dias de doença ainda não apurados.
37. Em consequência da conduta dos Militares da GNR, o ofendido R sofreu dores nas partes do corpo atingidas e equimose em banda, obliqua para baixo e para dentro, medindo 6 cm de comprimento, por 1 cm de largura longitudinal, localizada à face antero-externa da cintura escapular esquerda; equimose em banda, obliqua para baixo e para dentro, na face postero-externa do antebraço esquerdo, medindo 5 cm de comprimento, por cerca de 1 cm de largura longitudinal.
38. Em consequência da conduta dos Militares da GNR, o ofendido V sofreu dores nas partes do corpo atingidas.
39. Após o sucedido, a Guarda S, na qualidade de agente autuante, elaborou o auto de notícia que deu origem ao NUIPC 385/24.3GDSTB, com data e hora de 11 de abril de 2024, 02h30m, onde constam como vítimas J, V e R e como suspeito C.
40. Nesse auto, a Guarda S fez constar o seguinte:
“No dia 11 de abril de 2024 quando me encontrava de patrulha às ocorrências juntamente com o Guarda C 1184/2221173 decorrer do giro junto ao caminho municipal 1029 em frente à antiga empresa "SETCOM" encontravam-se 3 jovens na via pública a circular. Desde logo, despertou o interesse desta patrulha pois teria sido efetuado o desaparecimento de três jovem do "centro jovem tejo" em Palmela neste presente dia com NUIPCS 365/24.9GDSTB, 366/24.7GDSTB e 367/24. 5GDSTB. Tentamos de imediato identificar os jovens, os mesmos afirmaram pertencer à instituição "centro jovem tejo" e as suas identificações estarem na posse dos seus mentores". Esta patrulha pediu ao militar de atendimento que confirmasse se no sistema os mesmos constavam como desparecidos. No local, o jovem J teve uma atitude menos colaborante com esta patrulha, nomeadamente não querer dizer o seu nome e fazer alguns movimentos bruscos com os seus braços, tentando efetuar a sua fuga apeada inúmeras vezes. Sendo esta patrulha constituída por dois militares e serem três jovens, foi contactado o Guarda L n° 1160/2220784, por se demostrar sempre colaborante e residir bastante perto do lugar em questão para auxiliar a revista dos jovens. Na sua chegada, os jovens foram devidamente revistados e usada a força estritamente necessária para os colocar dentro da viatura da Guarda para fazer o seu transporte para o Posto territorial de Palmela, a fim de efetuar o expediente referente ao aparecimento dos jovens. Por uma questão de segurança dos Militares os jovens J e V foram algemados dentro da viatura. Já no posto Territorial foram questionados os jovens o porque de os mesmos estarem constantemente a desparecer da instituição sem a devida autorização. Que de imediato o jovem V afirmou serem agredidos por um mentor que lá trabalha, de nome C, muitas vezes com recurso a cabos de vassoura, chapadas e socos. Os restantes jovens confirmaram o sucedido e relataram ainda que o mesmo os proíbe de falarem com os seus familiares, fazendo com que queriam fugir. Os jovens não quiseram apresentar a devida queixa-crime nem desejaram procedimento criminal contra o Sr. C, dizendo que poderiam a vir ter problemas. Os miliares reparam que o jovem J possuía algumas marcas corporais, nomeadamente no seu braço esquerdo e no pescoço, foi questionado se queria assistência médica inúmeras vezes, recusando sempre. Os jovens referem ainda o facto de já terem reportado esta situação superiormente, mas que ninguém os ajuda. Quando esta patrulha terminou o expediente foi entregar os jovens à instituição "centro jovem tejo". No acesso à entrada da instituição o jovem R afirma ter visualizado o Sr. C e num tom de pânico diz "É O C, É O C ESTAMOS FUDIDOS JÁ VAMOS APANHAR" Porém esta patrulha não conseguiu avistar ninguém, sendo procedimento normal desta Guarda deixar os menores assim que estes entram para dentro instituição e segue o giro.
41. Os arguidos agiram livre, consciente e voluntariamente, prevendo e querendo molestar os ofendidos, no seu corpo e saúde, o que fizeram provocando-lhe dores nas partes do corpo que atingiram com as suas condutas, aproveitando o facto de os mesmos serem menores de idade e que por esse facto, não tinham capacidade, destreza ou discernimento para se conseguir defender, o que não desconheciam.
42. O arguido L previu e quis amedrontar J, R e V do modo acima descrito, com o intuito concretizado de o fazer recear pela sua vida e integridade física, e perturbá-los no seu sentimento de segurança e na sua liberdade de movimentação e atuação, bem sabendo que essa conduta era idónea a produzir esse efeito.
43. Os arguidos C e S, ao algemarem e transportem até ao Posto da GNR de Palmela, e nesse local, juntamente com o Guarda A ai fizeram permanecer sem motivo atendível e sem necessidade, os ofendidos, contra a sua vontade, enquanto lhe desferiram pontapés e murros, sabiam os arguidos que os privavam da liberdade e impossibilitavam de se ausentarem do local, por forma a receberem tratamento médico e pedir ajuda, o que quiseram.
44. Atuaram os arguidos voluntária, livre e conscientemente, com o propósito de atingir os ofendidos na sua integridade física, o que consumaram, transportando para o posto da G.N.R, algemando-os e ai os fazendo permanecer, sem motivo plausível, fazendoo na sua qualidade de Militar da G.N.R., com prejuízo para os ofendidos, abusando os arguidos dos poderes inerentes à sua qualidade de agente da autoridade.
45. Sabiam ainda os arguidos que ao agredirem no modo descrito os ofendidos e os fazerem ir a correr na frente do veículo por recearem pelas suas integridades físicas, sedo seguidos pela viatura da GNR onde se faiam transportar praticavam atos cruéis e desumanos, causando angusta, aflição e sofrimento aos ofendidos.
46. Sabiam que se aproveitavam do facto de os mesmos serem menores de idade e que por esse facto, não tinham capacidade, destreza ou discernimento para se conseguir defender, o que não desconheciam.
47. Ao elaborar o auto de notícia e aí fazer constar os factos supra descritos pretendeu a arguida S pretendia ocultar e dissimular os factos praticados pelos arguidos designadamente as agressões físicas perpetradas contra os menores.
48. Sabia que elaborava auto no desempenho das funções de autoridade policial que lhe foram confiadas, com valor probatório, e que o seu teor não correspondia à verdade.
49. Criou, assim, a arguida um suporte documental que aparentava ter ocorrido no caso uma sua atuação conforme com as formalidades e os procedimentos estabelecidos na lei para comunicar a notícia de um crime, o qual, todavia, não correspondia à realidade.
50. Sabia a arguida que atuavam enquanto agentes de segurança, no normal exercício das suas funções, e devia saber que, ao escrever no auto de notícia os factos supra descritos, sem que tal tenha acontecido, abala a segurança, a genuinidade e a credibilidade que aquele documento merece.
51. Visou ainda a arguida, com os factos e considerações que expôs no referido auto de notícia, que fosse iniciada investigação criminal pelo Ministério Público, contra C já que lhe imputava factos que integram crimes de ofensa à integridade física.
52. Os arguidos agiram de forma livre, voluntaria e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Os factos resultam indiciados dos seguintes meios de prova:
- Auto de notícia do processo nº 7/24.2GEPLM;
- Fotografias de fls. 12 e 13 do processo nº 7/24.2GEPLM e de fls. 128 a 131 dos autos;
- Auto de notícia do processo nº 385/24.3GDSTB;
- Ficha individual de Militar de fls. 133 a 136;
- Auto de inquirição de J de fls. 143;
- Auto de inquirição de E de fls. 154;
- Auto de inquirição de R de fls. 161;
- Auto de inquirição de V de fls. 172;
- Cópia do aditamento do processo nº 365/24.9GDSTB de fls. 193;
- Auto de apreensão de fls. 211;
- Auto de inquirição de T de fls. 212;
- Fotografias de fls. 219 e 220;
- Autos de reconhecimento de pessoas de fls. 232 a 267;
- Autos de diligência de fls. 277 a 300;
- Relatório médico dos ofendidos R e J.
***
Analisando e decidindo:
Está em causa, nos presentes autos, a revogação do despacho proferido em 2 de maio do corrente ano, que aplicou a medida de coação de proibição de contactos dos arguidos com as vítimas, pugnando o MP pela aplicação, em aditamento ou cumulação com aquela medida, pela suspensão de funções.
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1 - Existência de Indícios:
No que respeita à primeira dimensão estrutural dos requisitos de aplicação das medidas de coação, ou seja, a dimensão do fumus comissi delicti, no caso dos autos está sustentada nos elementos probatórios identificados e analisados pelo tribunal a quo e a que se refere a decisão recorrida.
Como se alcança da mera leitura da decisão em apreço proferi­da em sede de interrogatório, aos arguidos foram comunicados os motivos do interrogatório, traduzidos em factos com os quais os mesmos foram depois confrontados, caso quisessem prestar declarações, atento os seus direitos a serem informados e ao silêncio, tendo ainda sido informados das provas que sustentavam os factos que o MP lhes imputava/imputa e indicadas no requerimento de apresentação.
Os arguidos não colocam em causa a apreciação vertida no despacho recorrido no que aos indícios diz respeito nem relativamente à medida de coação decretada.
O MP vem no recurso que interpõe levantar a questão relacionada com a suficiência de indícios a que se alude no despacho recorrido, defendendo que existem fortes indícios da prática por parte dos arguidos dos factos que lhes imputa.
Contudo, tendo em conta a medida de coação que pede seja de aplicar cumulativamente com a já determinada, esta última não colocada em causa por qualquer dos sujeitos processuais, verifica-se sem dúvida e de forma cristalina que a mesma não exige para a sua aplicação que no despacho que a decreta se refira a existência de fortes indícios.
A questão apenas poderia ter relevância no que à aplicada e transitada em julgado medida de coação de proibição de contactos, já que quanto a ela refere fortes indícios. Mas, como se disse, esta medida, aplicada e em vigor não é colocada em causa, por qualquer dos sujeitos processuais. Significa assim que o MP vem levantar uma questão relacionada com os indícios que se consideraram verificados e com base nos quais foi decretada uma medida de coação que o próprio MP pretende seja mantida… pretendendo que se conclua que tais indícios são fortes e não suficientes.
Assim, quer-nos parecer que o MP não tem interesse em agir no que à questão da defendida intensidade dos indícios.
Não obstante, sempre se dirá que:
É um facto que o legislador quando se refere às medidas de coação previstas no art.º 200.º, proibição e imposição de condutas, e 202.º, prisão preventiva, parece exigir um grau de indiciação diferente do exigido para a aplicação das restantes, mas não é assim.
Na verdade, ninguém duvida do caracter privativo da liberdade inerente e consequente à aplicação da medida regulada no art.º 201.º, obrigação de permanência na habitação, e relativamente a esta o legislador não se refere a qualquer intensidade dos indícios cuja verificação é necessária para sua aplicação, que seja diversa da exigida para as restantes medidas que não as reguladas nos art.ºs 200.º e 202.º.
Por outro lado, não faz sentido que o legislador exija um grau de indiciação mais forte para a aplicação da medida de coação de proibição ou imposição de obrigações que para a obrigação de permanência na habitação, quando esta é por natureza mais restritiva dos direitos e liberdades fundamentais.
Finalmente, menos sentido faria ainda que se exigisse um grau de indiciação superior para a aplicação de medidas de coação, suscetíveis de aplicação no início do processo, que os exigidos para a dedução de acusação, com todas as consequências decorrentes deste acto, acto processual relativamente ao qual o legislador apenas refere como pressupostos fundamental a existência de indícios suficientes, art.º 283.º, n.º1.
Por tudo isto, e como de forma clara se explica no Ac. do STJ de 28-08-2018, Proc. 142/17.3JBLSB-A.S1, in www.dgsi.pt, que não obstante respeitar a situação de prisão preventiva a questão subjacente é a mesma, fazemos nossa a doutrina que se extrai desta decisão cujo sumário se transcreve:
II - Quando na fase de inquérito, para a fixação da medida de coacção da prisão preventiva, se alude, como no art. 202.º, n.º 1, als. a) a e) a fortes indícios o que se pretende é inculcar a ideia de que o legislador não permite que se decrete a medida com base em meras suspeitas mas exige que haja já sobre a prática de determinado crime uma «base de sustentação segura» quanto aos factos e aos seus autores que permita inferir que o arguido poderá por eles vir a ser condenado e que, por conseguinte, essa base de sustentação deverá ser constituída por «provas sérias», provas que deixem uma impressão já nítida da responsabilidade do arguido objectivadas a partir dos elementos recolhidos.
III - Sendo diferente o contexto probatório em relação ao (primeiro) momento da aplicação da medida de coacção e ao momento da acusação, poderá então afirmar-se que de certo modo se equivalem o conceito de «fortes indícios» usado no art. 202.º e o de «indícios suficientes» explicitado no art. 283.º, n.º 2 CPP: aqueles como estes pressupõem a possibilidade de ao arguido vir a ser aplicada em julgamento uma pena, devendo ter idoneidade bastante para tal.
IV - Mas aferida essa idoneidade pela circunstância de serem usados perante realidades processuais distintas. “Fortes indícios” tendo em conta que a medida de coacção é fixada ainda numa fase de aquisição da prova configurando-se esse conceito como uma exigência de que ela não se apoie numa débil consistência probatória mas antes em elementos probatórios já de solidez suficiente embora porventura não bastantes ainda para deduzir uma acusação. “Indícios suficientes” no sentido em que, finda essa fase de investigação e aquisição da prova eles terão então de possuir, força necessária e solidez vincada, para deles resultar uma possibilidade razoável de em julgamento ser aplicada uma pena ao arguido.
V - Esta é, crê-se, a interpretação que confere ao sistema a integridade e coerência adequadas pois, como ensinou Antunes Varela a lei não deve «rebaixar-se à categoria de simples artigo pronto a ser digerido segundo as várias necessidades fisiológicas do organismo social».
Assim, a primeira questão suscitada pelo MP, existência de fortes indícios e não apenas de indícios suficientes, além de não ter relevância para a decisão do que verdadeiramente peticiona por via do presente recurso – a aplicação em acumulação com a já decretada, da medida de suspensão do exercício de funções, não comporta a leitura que dela é feita.
Termos em que improcede esta questão.
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2 - Da necessidade de aplicação da medida de coação da suspensão do exercício de funções.
Não obstante, para além dos pressupostos gerais aplicáveis a todas as medidas de coação com exceção do TIR, art.º 204.º do CPP, estas só podem ser aplicadas verificadas que sejam as seguintes condições:
- A necessidade, adequação e proporcionalidade da medida – art.º 193.º, n.º 1 parte final do C.P.P.
Ora, no nosso caso, os pressupostos de carácter específico estão todos preenchidos na medida em que dos elementos constantes dos autos, resulta estarem verificados indícios suficientes da prática pelos arguidos dos factos e consequentemente dos crimes que lhes são imputados pelo MP, v. art.º 199 do CPP, já que os crimes em causa são puníveis com pena de prisão superior a 2 anos.
Em relação aos pressupostos de carácter geral, aquando do primeiro interrogatório judicial efetuado, considerou o Sr. Juiz de Instrução Criminal, ainda que de forma muito sintética e pouco aprofundada, que se verificava o seguinte perigo:
- Perigo para a aquisição e conservação da prova (suscetível de influenciar ou perigar a investigação em curso).
Como já acima referimos, para apreciar se a pretensão do recorrente pode proceder, importa partir da identificação do perigo que se verifica, e os princípios da necessidade suficiência e adequação ajuizar se deve ser decretada a suspensão do exercício de funções.
Com a alteração ao art.º 193º, nº 1, do C.P.P., realizada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (15.ª alteração ao CPP), que aditou a palavra “necessárias” à sua redação, ficou de forma clara consagrado o princípio da necessidade. E sobre este princípio diz-nos o Prof. Paulo Albuquerque, Comentário ao C.P.P., pág. 547: “O princípio da necessidade consiste em que o fim visado pela concreta medida de coação ou de garantia patrimonial decretada não pode ser obtido por outro meio menos oneroso para os direitos do arguido.”
Apelando ao que se escreveu no Ac. deste TRE de 13-04-2021, Proc. 173/20.6GCSTB-A.E1 (www.dgsi.pt), (…) sobre as exigências plasmadas no art.º 193.º do CPP: Consagra-se, assim, o princípio da proporcionalidade, que se desdobra em três subprincípios: da necessidade; da adequação e da proporcionalidade em sentido restrito ou da proibição de excesso.
O princípio da necessidade procura condicionar a aplicação de qualquer medida de coação à indispensabilidade da sua utilização para a satisfação das exigências processuais de natureza cautelar, em detrimento de outras menos gravosas.
Portanto, quando se decide aplicar uma medida de coação, o juiz deve formar um juízo prévio no sentido de equacionar se, no caso, se torna absolutamente necessário sujeitar alguém a uma medida desse tipo e se a medida pensada satisfaz e responde às exigências cautelares do processo.
O princípio da adequação serve para fornecer o critério de seleção da medida que melhor se ajusta às exigências processuais do caso concreto.
Como refere o Professor Germano Marques da Silva, em “Curso de processo Penal”, II, pág. 270, uma medida de coação é adequada “se com a sua aplicação se realiza ou facilita a realização do fim pretendido e não o é se o dificulta ou não tem absolutamente nenhuma eficácia para a realização das exigências cautelares”.
Por fim, o princípio da proibição de excesso exige que as medidas de coação sejam proporcionais à gravidade do crime que se persegue e às sanções que previsivelmente lhe venham a ser aplicadas.
Munidos do espírito, alcance e limites legalmente impostos na e para aplicação das medidas de coação, cremos que não se mostra necessária a aplicação de qualquer outra medida coativa para além da já imposta. Na verdade, as consequências que a mesma acarreta para os arguidos não se mostra necessária para alcançar os fins pretendidos com a aplicação da medida, os crimes imputados e o perigo julgado verificado e legitimador da aplicação da já vigente medida de coação.
A aplicação da medida em causa apenas redundaria numa condenação antecipada, porque desnecessária, o que manifestamente não constitui o objetivo das medidas coativas.
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IV - Decisão:
Pelo exposto, decide-se na 2ª Sub-Secção Criminal da Relação de Évora em:
Julgar não provido o recurso interposto pelo Ministério Público.
Sem custas.

Évora, 24 de setembro de 2024

Processado por computador e revisto pela Relatora (cf. art.º 94º, nº 2, do CPPenal).

Maria Perquilhas
Fernando Pina
Maria José Cortes