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MEDIDA DE COAÇÃO
PROIBIÇÃO DE CONTACTOS COM A OFENDIDA
VIGILÂNCIA ELECTRÓNICA
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Sumário
I - Ponderando as declarações do próprio arguido (que nega a prática dos factos, mas referenciando que eram pessoas amigas ou colegas de trabalho que lhe indicavam onde e com quem se encontrava a assistente, e, por isso, não tinha necessidade de promover “escutas eletrónicas”), concatenadas com os demais elementos probatórios, sobretudo as declarações da assistente, resulta fortemente indiciada a prática dos factos que constituem o objeto dos presentes autos. II - Em razão da natureza e das circunstâncias do crime indiciado, e vista a personalidade do arguido, é de concluir que venha a persistir (e até a intensificar-se) a atividade criminosa, mostrando-se necessário, adequado e proporcional aplicar outras medidas de coação para além do termo de identidade e residência do artigo 196º do C. P. Penal. III - Atentos os factos fortemente indiciados (sobretudo a “perseguição” movida pelo arguido contra a vítima/assistente), reveladores de que o arguido possui uma personalidade agressiva e contrária aos ditames do Direito, é de determinar, sem hesitações, que o arguido aguarde os ulteriores termos processuais sujeito à medida de coação de Termo de Identidade e Residência, já aplicada, e, bem assim, às medidas de coação de proibição de contactar, por qualquer meio, com a assistente (ainda que por interposta pessoa), mesmo em questões relacionadas com a filha comum de ambos, e à proibição de se aproximar da assistente, da sua residência e do seu local de trabalho - tudo sujeito a vigilância eletrónica -.
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:
I. RELATÓRIO
A –
Nos autos de Inquérito que, com o nº 411/22.0T9LLE, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Instrução Criminal de Faro – Juiz 2, por decisão judicial datada de 24 de abril de 2024, na sequência do primeiro interrogatório judicial do arguido D (…..), foi determinado que o mesmo aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito à seguinte medida de coacção:
- Termo de Identidade e Residência – cfr. Artigos 191º, 192º, 193º, 194º, 196º, todos do Código de Processo Penal.
Inconformado com a decisão que apenas fixou a medida de coacção de Termo de Identidade e Residência, artigo 196º, do CPP, dela recorreu o Ministério Público, em 07-05-2024, extraindo da respectiva motivação de recurso as seguintes (transcritas) conclusões:
1. O presente recurso é interposto do douto despacho judicial que aplicou ao arguido apenas o Termo de Identidade e Residência, após ser ouvido em sede de 1º interrogatório judicial de arguido detido, referência no CITIUS 132092279, e na sequência da promoção por parte do Ministério Público, a aplicação de medidas de coacção mais gravosas, como a proibição de contactos e de se aproximar da ofendida, sujeito a VE.
2. Para o efeito o douto despacho "a quo" considerou os factos suficiente e não fortemente indiciados, pese embora as declarações da vítima, em sede de DMF, sejam credíveis, nalguns pontos se mostram vagas, genéricas e conclusivas, bem como, à excepção da testemunha R, as restantes proferiram depoimentos indirectos.
3. Também, por isso, o douto despacho recorrido, entendeu a inexistência dos perigos a que alude o disposto no art. 204º do CPP, razão pela qual apenas aplicou ao arguido o TIR.
4. No presente inquérito investigam-se factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152°, nº 1, alínea b) e nº 2, alínea a) do Código Penal.
5. Sabemos que os factos que integram a violência doméstica, na maioria dos casos, ocorrem no interior do lar, longe dos olhos de testemunhas terceiras, pelo que muitas das vezes a única prova é proveniente do depoimento da própria vítima.
6. De harmonia com a doutrina expendida no Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17-04-2023, relatado por Cruz Bucho, disponível in www.dgsi.pt, "O auto de notícia (violência doméstica) e as informações policiais constituem documentos que são livremente valorados pelo Tribunal. O Tribunal não está impedido de considerar indiciados os factos apenas com base no depoimento de uma única testemunha, mesmo que essa testemunha seja o ofendido."
7. Ora. a vítima foi ouvida em Declarações para Memória Futura e mais tarde perante Magistrado do Ministério Público, gravados com som, podendo, portanto, valorar-se as suas declarações, prestadas com emoção própria de quem vivenciou os factos, merecendo por isso credibilidade, que o próprio Mmº JIC reconheceu, para dar como indiciados os factos.
8. Alguns dos factos (aqueles que ocorreram há mais de 1 ano) pela vítima, o Mmº JIC reconheceu como estando corroborados, porque presenciados pela testemunha R, mas já não o fez relativamente aos depoimentos das testemunhas M, E e P, por os considerar testemunho de ouvir dizer, razão pela qual não considerou fortemente indiciados os factos mais recentes.
9. Acontece, contudo, que a própria vítima (testemunha fonte) relatou tais factos a essas testemunhas, pouco tempo depois de ter sofrido os factos (que o próprio Mmº JIC "a quo" considerou credível), dando tais factos com suficiente e não fortemente indiciados para efeitos de aplicação de medida de coacção mais gravoso que o TIR.
10. Ainda que por razões diferentes, há que chamar à colação, a doutrina plasmada no Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 06-02-2024, Proc. 210/23.2GFLLE.E I. Relatora: Maria Clara Figueiredo, a propósito da valoração do depoimento indirecto, quando a testemunha fonte se recuse validamente a depor, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário é o seguinte:
“IV - As palavras ditas na ocasião pela ofendida, proferidas ainda no contexto da agressão de que havia sido vítima, reveladoras da sua aflição, que a testemunha comprovou sensorialmente, são matéria relevantíssima para que o tribunal possa aperceber-se se houve crime. E o que foi comprovado pelos sentidos deve ser considerado em tribunal como depoimento direto.
11. Embora as testemunhas M e P não tenham presenciado os factos ocorridos entre o casal (factos esses, repita-se relatados, com credibilidade e emoção, pela própria vítima - testemunha fonte e que o Tribunal recorrido considerou credíveis -), sabendo desses factos porque a vítima lhes contou (aí, efectivamente, um depoimento indirecto), já em relação ao estado emocional, de desgaste psicológico e do medo que sente do arguido, "reveladoras da sua aflição", é matéria factual apreendida directamente e sensorialmente pelas testemunhas, sendo, portanto, um depoimento directo.
12. O tribunal “a quo” ao desvalorizar tais depoimentos, considerando-os “in totum”, como depoimentos indirectos, violou o disposto nos artigos 127º e 129º do CPP.
13. O mesmo se diga do testemunho de E, patrão da ofendida, considerado “in totum” como depoimento indirecto, quando na realidade, tal testemunha já viu, nas datas referidas pelo mesmo e que corrobora o depoimento da vítima, o arguido no local de trabalho da vítima.
14. Ora, concatenando os depoimentos das testemunhas nos termos acima expendidos, com os depoimentos considerados credíveis da vítima, e com a prova documental (mensagens escritas e áudios enviados pelo arguido à vítima), o douto Tribunal recorrido, deveria ter considerado fortemente indiciados os factos constantes da apresentação do arguido a primeiro interrogatório.
15. Na parte em que o Tribunal recorrido entendeu que o depoimento da vítima era vago e não tão credível para dar como não indiciados os factos relativos ao controlo do paradeiro da vítima através do rastreamento do seu telemóvel, por entender que as suas declarações, nalguns momentos, "afiguram-se muito conclusivas, vagas e baseadas em juízos hipotéticos", por contraposição às declarações do arguido que se limitou a negar, dizendo que eram as pessoas que lhe diziam onde estava a vítima, entendemos que mais uma vez, salvo melhor e mais avalizado entendimento, falece razão ao Mmº JIC "a quo".
16. Salvo o devido respeito, entendemos que em sede de Declarações para Memória Futura, a assistente, de forma séria e emotiva, já fez referência ao rastreamento do seu paradeiro através do telemóvel daquela, por parte do arguido, localizando-os no tempo e no espaço, dando exemplos de situações como as descritas nos autos, que teriam ocorrido, tendo mais tarde, na inquirição, gravada no CITIUS, com som e imagem, perante o Magistrado do Ministério Público, reiterado todos esses factos em investigação, merecendo, pois, credibilidade, que sai reforçada.
17. Tanto assim é que na sequência de promoção, a Mmª JIC a 26-03-2024, prolatou douto despacho a autorizar buscas domiciliárias à residência do arguido, a fim de apreender os equipamentos informáticos que permitem, em tempo real, rastrear o paradeiro da assistente e ouvir, em sede de escutas ambientais, com o seguinte fundamento:
“Acresce que e conforme referiu a Assistente em sede de declarações de forma emotiva, mas credível, o arguido tem um amigo, identificado como A que terá alegadamente pertencido ao FBI que tem conhecimentos de informática relativa a escutas telefónicas, ainda que ambientais, através de recurso de programas informáticos próprios e adequadas para o efeito. Que a assistente ao ter frequentado uma vez, com a filha C, a casa desse indivíduo, já o viu a usar tal programa. O próprio arguido também tem conhecimentos informáticos. Por isso, de harmonia com as regras da experiência comum, sendo o A muito amigo do arguido, este terá aprendido a usar tais programas informáticos com ele; tendo em conta o acima relatado, é muito provável que o arguido para perseguir e controlar a assistente, tenha em casa, programas informáticos que permitam rastrear o telemóvel da assistente, não só para a localizar geograficamente, como para ouvir e ver as conversas/mensagens que aquela troque com terceiros."
18. Na sequência de promoção de prorrogação do prazo para cumprimento dos mandados de busca domiciliária para apreensão de tais equipamentos informáticos, o Mmº JIC "a quo" indeferiu, com o mesmo fundamento de não indiciação suficiente dos factos que lhe subjazem, que fez consignar no douto despacho recorrido.
19. Com efeito, o Mmº JIC "a quo ", entendeu que se lhe afigura "estranho à luz das regras da experiência e da normalidade que entendendo a assistente que o arguido controlava o seu telemóvel nunca tenha trocado o seu equipamento ou procurado alterar as suas passwords."
20. Salvo melhor e mais avalizada opinião, a este propósito falece razão ao Mmº JIC "a quo ''.
21. A assistente, talqualmente o comum dos cidadãos usuários de telemóveis, não têm conhecimentos técnicos que permitam saber que existe software - Spyware- desenvolvido para monitorar as actividades de um dispositivo móvel, como os telemóveis, incluindo a captura de áudio, visualização de mensagens de texto e outros tipos de comunicação.
22. Por outro lado, o comum cidadão, quando compra um telemóvel novo, por defeito já está instalado no equipamento software de escuta ambiental, em que igualmente, por defeito está autorizado o respectivo accionamento para efeitos comerciais.
23. Assim, quando alguém, que está perto de um telemóvel, mesmo que desligado, e fala que está a pensar comprar um frigorífico, logo de imediato aparece no Google do telemóvel anúncios de tais equipamentos.
24. O cidadão então, terá que retirar todas as autorizações no software do telemóvel para não receber esses anúncios.
25. Portanto dizer que a assistente deveria mudar o número de telefone, sempre se dirá que tal acção não afecta directamente o IMEI (Internacional Mobile Equipment Identity) do dispositivo.
26. O IMEI é um identificador único atribuído a cada dispositivo móvel e não muda, independentemente do número associado a ele.
27. Desde que o arguido tenha acesso ao IMEI pode sempre ter acesso à distância ao dispositivo da assistente, o que na maioria dos casos o cidadão comum desconhece.
28. Razão pela qual a assistente, de acordo com a normalidade da vida, julgando que bastava mudar de número de telefone, para não ser mais incomodada pelo arguido, fê-lo, mas ele continuou a importuna-la.
29. Por outro lado, dizer que trocar de telemóvel ou alterar as passwords, a assistente conseguiria livrar-se do controlo do arguido, mais uma vez, tal acção não alteraria em nada, pois estando instalado no novo equipamento tal software, o arguido que soubesse usar um software spyware com capacidade de fazer accionar as escutas ambientais, conseguiria sempre saber o que a vítima fala, escreve e onde está.
30. Assim, desconhecendo a assistente como o software Spyware funciona, não afecta as regras da experiência e da normalidade da vida, o facto de, como diz o douto despacho recorrido, não ter trocado de telemóvel ou alterado as passwords, apesar de se ter apurado em inquérito, que ela mudou de número de telefone e bloqueou-lhe as redes sociais.
31. Daqui se conclui, como o fez a Mmª Juíza de Instrução Criminal, em 26-03-2024, ao emitir mandados de busca domiciliária, com base na mesma prova produzida em inquérito, que o Tribunal recorrido deveria ter dado como fortemente indiciados os factos que considerou não indiciados nos pontos a), b), c), d) e e).
32. Razão pela qual o despacho ora em crise, deve ser revogado e se determine, em consonância com o disposto nos artigos 127°, 129°, 200° n° 1 al. a) e d) e nº 5, 204° nº 1 al. c), do CPP e artigo 31º n° 1 al. d) da Lei 112/2009, de 16-09, com a redacção dada pela Lei 57/2021, de 16-08, considere fortemente indiciados os factos descritos no despacho de apresentação de arguido detido ao Mmº JIC e em consequência, reconhecer que subsiste o perigo de continuação da actividade criminosa (Cfr. artigo 204° n° 1 al, c) do CPP), atentos os factos reveladores de uma personalidade agressiva e contrária aos ditames do direito, no controlo e perseguição movida contra a vítima, pelo que devem ser aplicadas ao arguido as seguintes medidas de coacção (Cfr, 200° nº 1 al. a) e d) e nº 5, 204º n° 1 al. c), do CPP e artigo 31º nº 1 al. d) da Lei 112/2009, de 16-09, com a redacção dada pela Lei 57/2021, de 16-08):
- Proibição de contactar, por qualquer meio com a Assistente, ou por interposta pessoa, mesmo em questões relacionadas com a filha comum de ambos;
- Proibição de se aproximar da Assistente, da sua residência e do seu local de trabalho, sujeito a vigilância electrónica.
Termos em que, o Ministério Público pugna pela procedência do presente recurso e, em consequência, devendo:
Ser revogado o douto despacho recorrido. considerando-se fortemente indiciados os factos descritos no despacho de apresentação de arguido detido ao Mmº JIC, e em consequência, reconhecer que subsiste o perigo de continuação da actividade criminosa (Cfr. artigo 204° nº 1 al. c) do CPP), atentos os factos reveladores de uma personalidade agressiva e contrária aos ditames do direito, no controlo e perseguição movida contra a vitima, pelo que devem ser aplicadas ao arguido as seguintes medidas de coacção (Cfr, 200º n° 1 al. a) e d) e n° 5, 204° n° 1 al. c). do CPP e artigo 31º nº 1 al. d) da Lei 112/2009, de 16-09, com a redacção dada pela Lei 57/2021, de 16-08):
- Proibição de contactar, por qualquer meio com a Assistente, ou por interposta pessoa, mesmo em questões relacionadas com a filha comum de ambos;
- Proibição de se aproximar da Assistente, da sua residência e do seu local de trabalho, sujeito a vigilância electrónica.
Vossas Excelências, porém, decidindo farão, como sempre, Justiça.
Na resposta ao recurso, o arguido D pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso interposto pelo Ministério Público, concluindo por seu turno:
1. O Ministério Público não cumpriu os requisitos do nº 3 e nº 4, do artigo 412º do Código de Processo Penal;
2. O Ministério Público limita-se a fazer referência a “todo o facto" e a “todas as testemunhas", mas não concretiza qual dos depoimentos específicos deve alterar qual dos pontos da matéria de facto constantes do Despacho aqui;
3. Limita-se a referir de forma genérica que deverá considerar os factos indiciados como fortemente indiciados;
4. Existem factos na decisão recorrida, dos quais não existe prova testemunhal, como os pontos xxxv) a xl), que não constam de nenhum depoimento das testemunhas ouvidas no presente inquérito;
5. Para mais o Ministério Público faz por diversas vezes referência às Declarações para Memória Futura da Assistente que, sendo prova gravada deveria indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, o que não faz limitando-se apenas a referir que foram prestadas de forma séria e são credíveis;
6. O incumprimento dos referidos ónus determina a rejeição do presente recurso, sem possibilidade de aperfeiçoamento, o que desde já se requer;
7. Neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-06-2011, processo nº 234/00.8JAAVR.C2.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt;
8. Por despacho judicial datado de 24 de abril de 2024, o Meritíssimo Juiz de Instrução, após audição do Arguido m sede de 1° interrogatório judicial de arguido detido julgou necessário, adequado e proporcional que o Arguido D aguarde os ulteriores termo processuais sujeito à medida de coação de Termo de Identidade e Residência - conforme artigo 191°, 192°, 193º, 194º, 196°, todo do Código de Processo Penal, sendo que inconformado, interpôs o Ministério Público o presente recurso;
9. O qual, porém, não tem qualquer base sólida em que se alicerce, isto porque o despacho judicial proferido pelo Tribunal a quo é inimpugnável;
10. Esteve bem Meritíssimo Juiz de Instrução ao considerar a factualidade i) a xxxiv) como indiciada, mas não fortemente indiciada;
11. A declarações para memória futura prestadas pela Assistente foram muito conclusivas, vagas e baseadas em juízos hipotéticos;
12. A testemunha R apesar de ter presenciado pessoalmente alguma da factualidade, conforme frisou o Meritíssimo Juiz de Instrução, e bem, mantém uma relação amorosa com a Assistente, depoimento é claramente bastante parcial e prestado no sentido de favorecer as pretensões da Assistente;
13. Não merece censura o facto de o Meritíssimo Juiz de Instrução ter considerado que o depoimento das testemunhas M, A e P, também não trazem nada de relevante para os Autos, uma vez que o conhecimento que têm dos factos é indireto, limitando-se a relatar aquilo que lhe foi transmitido pela Assistente.
14. A testemunha E, apenas relata que recebeu uma carta, em nome de A, vinda do grupo Gymnasium a denegrir a imagem da Assistente, sendo que a referida carta nem sequer se encontra assinada pelo Arguido pelo que é completamente irrelevante para os presentes Autos.
15. Estando aqui mais uma confusão do Ministério Público, pois nas suas declarações, a testemunha faz referência a uma carta por si recebida, remetida por A (fls. 125 e seguintes), no entanto, nas suas alegações de recurso Ministério Público alega o seguinte "(...) E, patrão da vítima, foi bastante peremptório ao afirmar que, cerca de 3 semanas, após a ofendida ter começado a trabalhar no eu ginásio, como Coordenadora, em Quarteira, recebera um email a denegrir a sua imagem ( .. .);
16. A testemunha E refere que viu o Arguido passar em frente do ginásio o que por si só não revela uma conduta criminosa, até porque Quarteira é uma pequena cidade, pelo que será normal a passagem do Arguido em frente do ginásio onde a testemunha laborava, sendo também falso que o Arguido alguma vez tenha frequentado esse ginásio, o que se tivesse acontecido certamente estaria devidamente documentado, como em todos os ginásios;
17. Aceitar este tipo de conhecimento indireto como um tipo de conhecimento direto abre a porta a que quando os processos se prolonguem por tanto tempo, como é o caso, exista um precedente extremamente perigoso leva a que os ofendidos consigam manipular a prova de forma a beneficiá-los a eles e à acusação pois basta repetirem a um certo grupo de pessoas vezes e vezes sem conta o que querem ver como provado;
18. Existem outros depoimentos que se encontram nos autos e que não foram referidos pelo Ministério Público;
19. A fls. 531 dos presentes autos, a testemunha N refere que o arguido lhe confidenciou que a Assistente o agrediu;
20. A fls. 533 dos presentes autos, a testemunha F refere que a Assistente desapareceu com a filha durante 1 mês, que trancou Arguido dentro de casa, bem como lhe causou ferimento num dedo e ainda que viu a Assistente a ser agressiva para com o arguido;
21. Relatos esses sustentados pela prova documental, bem como pelas gravações áudio, que foram junto com a denúncia apresentada pelo Arguido contra a Assistente, em 11-11-2022 e que deu origem ao processo nº 1037/22.4T9LLE, inquérito esse que foi apensado aos presente Auto em 17-11-2022, apenso esse que o Ministério Público não faz referência e donde consta, inclusive, um relatório médico de novembro de 2022, de onde resulta que o Arguido sofreu um traumatismo do 2º dedo da mão esquerda, em consequência de uma agressão da Assistente.
22. Existem nos autos, elementos suficientes que demonstram que existiram agressões por parte da Assistente ao Arguido, mas não existem elementos suficientes que demostrem qualquer conduta criminosa do Arguido face à Assistente;
23. Dos emails e mensagens juntos aos Autos, como referido, e bem pelo Ministério Público no seu recurso, em nenhum se vislumbram ameaças ou injúrias por parte do Arguido à Assistente;
24. O Arguido não está integrado nas forças especiais do Grupo de Operações Especiais (GOE) Arguido está integrado na subunidade operacional do Corpo de Intervenção da Unidade Especial de Polícia, Força Destacada, do Comando Distrital de Faro que, nos termo do disposto no artigo 41º da Lei nº 53/2007, de 31 de Agosto, Lei Orgânica da PSP é uma unidade distinta do Grupo de Operações Especiais e com competências distintas;
25. Nos termos do disposto no artigo 42° da Lei n° 53/2007 de 31 de agosto, Lei Orgânica da PSP e da Lei nº 49/2008 de 27 de Agosto, Lei de Organização da Investigação Criminal, nem o Corpo de Intervenção, nem o Grupo de Operações Especiais têm qualquer competência de investigação ou acesso a tecnologia hardware/software que permita localização de GPS, escutas ambientais ou clonagem de equipamentos eletrónicos.
26. Não obstante, o Ministério Público continua a insistir na tese de que como o Arguido está integrado no Grupo de Operações Especiais (GOE), o que não corresponde à verdade, tem acesso a material tecnológico (Hardware e Software) que permite que o mesmo controle permanente, a localização da Assistente, através de meios electrónicos, monitorize as actividades de dispositivos móveis como telemóveis, incluindo a captação de áudio, escutas ambientais, visualização de mensagens e outros tipos de comunicação, sendo que o Corpo de Intervenção é uma unidade de resposta "física" de patrulhamento não uma unidade de investigação ou "espionagem" que lhe conceda tais acessos ou conhecimentos.
27. Não tem o Arguido acesso a este tipo de tecnologia, nem avançados conhecimentos técnicos de informática para tal, pois nunca teve formação para tal no âmbito da sua profissão, nem na sua área de licenciatura (desporto);
28. O Arguido não tem nenhum amigo identificado como A que terá pertencido ao FBI que tem conhecimento de informática relativa a escutas telefónicas através de recurso de programas informáticos próprios e adequados para o efeito (artigo 17. Das conclusões do recurso apresentado pelo MP) sendo esta uma investigação que já corre há mais de 2 anos seria expectável que na presente data, o Ministério Público já tivesse identificado e localizado tal indivíduo, o que não aconteceu;
29. No artigo 17. das suas conclusões escreve o seguinte: (...)
30. No entanto, já no artigo 21. das suas conclusões articula o seguinte: (…)
31. Claramente estes pontos são contraditórios, ou a Assistente já viu este tipo de programas a ser usado ou a Assistente não tem conhecimento que estes tipos de programas existem;
32. Esteve bem o Meritíssimo Juiz de Instrução ao considerar como não indiciado os pontos a) a e) do facto não indiciados no despacho judicial que aqui se recorre, pois, à luz das regras da experiência e da normalidade, entendendo a Assistente que o Arguido controlava o seu telemóvel podia ter trocado o seu equipamento ou procurar alterar as suas passwords;
33. Neste ponto, o Ministério Público defende que o facto de a Assistente alterar o seu número de telefone, não implica que o Arguido deixe de controlar seu telemóvel, pois o IMEI mantém-se o mesmo;
34. No despacho que aqui se recorre, o Meritíssimo Juiz de Instrução, fala na troca de equipamento não de número de telefone, conforme quer fazer crer o MP nas suas alegações de recurso, pelo que, para o Arguido poder ter acesso ao IMEI do equipamento teria de ter acesso físico ao telemóvel da Assistente, o que seria impossível pois estes não passam tempo juntos;
35. Foi realizada uma perícia informática ao equipamento da Assistente, constante de fls, 139 dos presentes autos e que não demonstra que o Arguido controla o telemóvel daquela;
36. Apesar de não constar nas suas conclusões de recurso, na motivação do mesmo, o Ministério Público por diversas vezes faz referência ao seguinte: (…)
37. No despacho de apresentação de Arguido ao Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, o Ministério Público faz referência a este episódio, que se passa a transcrever: (…)
38. No recurso o Ministério Público, refere que as alegadas agressões ocorreram no dia 05-03-2024, enquanto no despacho de apresentação de Arguido ao Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal o Ministério Público refere que a alegadas agressões ocorreram no dia 03-03-2024;
39. No dia 03-03-2024, na hora articulada pelo Ministério Público, o Arguido encontrava-se de serviço FD/UEP/CI/Faro - Março 2024 conforme escalas de serviço juntas aos presentes Autos constantes a fls. 746 e 747 dos mesmos, pelo que, tais fatos não poderiam ter ocorrido nesse dia, o que o MP facilmente investigar e averiguar, bastando para tanto solicitar as escalas de serviço junto do Comando Distrital da PSP, o que não fez;
40. Não foi apresentado qualquer relatório médico ou prova testemunhal que corrobore as alegadas agressões;
41. Não obstante da confusão de datas, pela descrição articulada pelo Ministério Público presume-se que se quisesse referir ao dia 08-03-2024 data de aniversário da filha do Arguido e da Assistente conforme consta do despacho recorrido, do recurso interposto pelo Ministério Público e ainda conforme se pode verificar pela hora da ocorrência e pela descrição do Auto levantado pelos Srs. Militares da GNR do Posto Territorial de Almancil, facilmente se percebe que é a esse dia que o Ministério Público faz referência;
42. Existiu um problema com a entrega da menor nesse dia, mas tal não culminou em agressões por parte do Arguido à Assistente, tendo sido acionada, pelo Arguido, a patrulha da GNR do posto territorial de Almancil e que tomou conta da ocorrência, conforme Auto d informação 36/2024, elaborado pelos Srs. Militares da GNR constante a fls. 766 e seguinte dos presentes autos;
43. No referido auto de informação pode ler-se o seguinte: "(...) De referir que após falarem entre si a Sra. R deixou a sua filha X ir jantar com o pai D que a seguir ao jantar ficou de entregar a mesma à mãe Sra. R.
Por nada mais haver a relatar, dou por encerrado o presente relatório, remetendo à consideração de V. Exa.”;
44. Não foram os Srs. Militares da GNR que se deslocaram ao local inquiridos quanto a esta situação, o que revelaria de extrema importância, pois. pela experiência que têm nestas situações claramente perceberam se existiram ou não, as alegadas agressões mas, não obstante, o Ministério Público não se coibiu de usar a referida situação para proceder à detenção do Arguido, bem como para justificar os pressupostos necessários para aplicação, ao Arguido, de medidas de coação mais gravosas que o TIR;
45. Aqui merece-nos censura despacho judicial proferido pelo Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal ao considerar como indiciado os pontos xxxv a xl), pois face ao supra exposto, facilmente se verifica que tais agressões não existiram, pelo que devem os pontos xxxv) a xl) ser considerados como não indiciados;
46. A conclusão da existência de matéria de facto fortemente indiciada. implica que a tal corresponda uma alta probabilidade de ao Arguido, vir a ser aplicada uma pena, sendo que é um juízo provisório porque se baseia nos elementos disponíveis naquele momento do processo, estando, por isso, sujeito a alterações decorrentes da investigação subsequente pelo que mesmo que se considere o depoimento das testemunhas enunciadas como depoimento direto e não indireto, o resultado seria o mesmo do despacho recorrido, pois não existem elementos suficientes nos presentes autos, para que seja expectável que ao Arguido seja aplicada uma pena de prisão, pelo menos em moldes efectivos.
47. Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 04-06-2024 processo nº 134/17.2JASTB.E1, disponível para consulta em www.dgsi.pt;
48. Pelo que deverá manter como indiciado, mas não fortemente indiciado os factos i) a xxxiv) do despacho judicial que aqui recorre;
49. Deverá considerar-se como não indiciado os factos xxxv) a xl) do despacho recorrido;
50. Deverá manter-se como não indiciados os factos a) a e) do despacho judicial que aqui se recorre;
51. Os presentes Autos do inquérito tiveram início com a apresentação da denúncia pela Assistente em 13 de maio de 2022, tendo sido o Arguido foi constituído como tal em 27 de julho de 2024, pelo que já somamos praticamente 24 meses de investigação, o que ultrapassa os prazos máximos de duração do inquérito previstos no artigo 276º do Código de Processo Penal e que demonstra a forte debilidade probatória do mesmo;
52. Até à presente data, o Ministério Público não foi capaz de carrear para os autos outros factos para além do constantes da denúncia efectuada pela Assistente em maio de 2022, nem de inquirir mais testemunhas para além da constantes na denúncia e das que foram apresentadas pelo Arguido, tendo inquirido por várias vezes as mesmas testemunhas e tendo ouvido a Assistente por pelo menos 7 vezes, incluindo as declarações para memória futura, fls. 91, 286, 391, 424, 521, 558 e 639 dos presentes autos;
53. O presente inquérito teve o seu início em maio de 2022, na presente data estão apenas em causa factos ocorridos em data anterior a essa e apenas os constantes da Denúncia, no entanto, o Ministério Público só ordenou a detenção do Arguido em 24 de abril de 2024 não tendo entendido existir até essa data perigo suficiente de continuação da atividade criminosa ou perigo para a vítima, mas a esta data, sem fundamentos para tal, já considera que existem;
54. Toda esta situação tem prejudicado em muito, Arguido, que sendo agente da PSP, se vê constantemente obrigado a dar justificação aos seus colegas e superiores, que se viu e vê sujeito ao vexame de ser detido no seu local de trabalho, sem qualquer necessidade para tal, pois sempre que foi notificado para tal compareceu junto do Ministério Público ou dos Órgãos de Polícia Criminal;
55. O Arguido evita passar na rua onde reside a Assistente, à excepção das alturas em que vai entregar ou buscar a filha menor de ambos mas, não obstante do medo que a Assistente alega ter do Arguido, por diversas vezes é vista, por este e pelos seus colegas, a praticar exercício na praia onde decorrem os exercícios da Unidade Especial da PSP (praia de Faro), praia essa que é longe do local de Residência da Assistente, sendo que esta bem sabe que é próxima do local de trabalho do Arguido e que este, e a sua unidade, constantemente, lá se encontram a fazer exercícios;
56. Nos mandados de detenção, fls. 572 e seguintes dos presentes autos, pode ler-se o seguinte: “O arguido por pernoitar, por vezes, na UEP (Unidade Especial de Polícia), sediada junto ao Aeroporto de Faro (cfr. Requerimento da Ilustre Mandatária da Assistente, de fls 559, datado de 19-03-2024), pode também o mandato de detenção ser aí cumprido.”, pelo que é a Assistente é que veio informar onde é que o arguido costuma pernoitar;
57. Face ao supra exposto, não se verifica que estejam preenchidos os requisitos constantes do artigo 204º do Código de Processo Penal não existe perigo fuga, não existe perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, ou perigo em razão da natureza e da circunstância do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas;
58. Quanto ao perigo de continuação da atividade criminosa, não existe um aumento, em termos de censurabilidade e risco para a vítima das condutas adotadas pelo Arguido, sendo que a maioria dos factos que resultam indiciados são datados de há cerca de dois ou mesmo três anos atrás;
59. Uma vez que não estão os factos fortemente indiciados, não é possível a aplicação da medida de coação prevista nos artigos 200º, 201º e 202º do Código de Processo Penal, sendo que a obrigação de permanência na habitação e a prisão preventiva se revelariam manifestamente excessivas, desproporcionais e desnecessárias face aos factos que são imputados ao Arguido;
60. O mesmo se dirá quanto às medidas de coação previstas no artigo 198º e 199º do Código de Processo Penal, de apresentações periódicas ou suspensão do exercício de profissão, da função, de atividade e direitos;
61. Em face de tudo o que acima foi exposto, e face ao que consta dos autos, resulta claro que, não estão preenchidos os pressupostos para que exista a aplicação, ao Arguido de uma medida d coação mais gravosa que o termo de identidade e residência;
62. Parece-nos assim necessário, adequado e proporcional que o Arguido aguarde os ulteriores termos processuais sujeito apenas à medida de coação de termo de identidade e residência;
63. Não merece, pois, qualquer censura a decisão do Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal no despacho de aplicação das medidas de coação, à exceção de ter considerado como indiciado os factos xxxv) a xl), que devem ser considerados como não indiciados.
Termos em que, deverão V. Exa. confirmar a decisão do Meritíssima Juiz de Instrução, devendo manter o despacho recorrido na íntegra, à exceção da parte que considerou como indiciado os factos xxxv) a xl), que devem ser considerados como não indiciados, bem como manter a medida de coacção aplicada pelo Tribunal “a quo” de Termo de Identidade e Residência, não aplicando nenhuma mais gravosa, fazendo assim a costumada Justiça.
Nesta Relação, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso interposto, conforme melhor resulta do seu douto parecer elaborado nos autos.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada qualquer resposta.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
B -
No despacho recorrido e da respectiva fundamentação, consta o seguinte:
"(…)
Indiciam fortemente os autos a prática, pelo arguido, dos factos descritos no requerimento do MP para aplicação de medida de coação, a saber (consigna-se que se expurgou a factualidade conclusiva, repetida e irrelevante do ponto de vista criminal):
1. O arguido contraiu matrimónio com a assistente R, no dia 26-01-2017 e estabeleceram a sua morada de família na Rua (……), pertença daquela área deste município de Loulé.
2. Da relação do casal, resultou o nascimento de X, nascida a 08-03-2018.
3. A relação dos arguidos era pautada por discussões constantes.
4. Com o afastamento físico, a relação entre o ex-casal acalmou, motivo pelo qual a assistente regressa, em Abril de 2020, ao Algarve, tendo pouco tempo depois reatado a relação com o arguido.
5. Em Abril de 2021, voltaram as discussões diárias entre o casal, razão pela qual a ofendida resolve avançar com um pedido de divórcio, tendo este sido decretado em 14-02-2022.
6. O arguido é agente da PSP, auferindo cerca de 1500,00 euros mensalmente.
7. Concluiu curso superior na área do desporto.
8. Reside com a sua mãe e com a sua filha que reside alternadamente consigo de semana a semana.
Resulta indiciado, mas não fortemente indiciado os seguintes factos:
1. Cerca de um ano apos o nascimento da filha comum do casal, o arguido desconfiando que tinha relações extraconjugais com outras pessoas, em datas e em número de vezes não concretamente apuradas, mas seguramente desde, pelo menos Março de 2019 a finais desse ano, que durante a noite, sem autorização e conhecimento daquela, mexia no seu telemóvel.
2. Desde essa data, sempre que ambos se cruzam, para efeitos de entrega da filha menor ao outro para passar a semana, em regime de guarda partilhada, que, mesmo na presença da X, o arguido sempre que não está de acordo com o que a vitima pretende, apelida-a, de forma séria e intimidante: "és uma miserável", entre outros impropérios ainda não concretamente apurados.
3. Com efeito, no hiato temporal em questão e até aos dias de hoje, o arguido aparece sem aviso prévio nos locais onde a assistente se encontra e dos quais, em condições normais sem o rastreamento referido em 10, não teria conhecimento, quer durante o exercício da atividade profissional de Personal Trainer da assistente, quer em momentos de lazer desta.
4. Assim, no dia 15-08-2021, a assistente tinha combinado um jantar com um amigo, a testemunha R, na casa deste, sendo que a menor ficaria com o progenitor, conforme previamente acordado entre ambos.
5. Durante esse jantar, a assistente recebeu uma mensagem escrita do arguido a informar que a filha não estaria bem e preocupada, tendo aquela, de imediato telefonado ao arguido que lhe disse em tom jocoso: "O sushi está bom?"
6. Ato contínuo, o arguido estava à porta da residência da testemunha R, e começou a gritar para a assistente sair e vir para a rua, o que ela fez.
7. A meio de Janeiro de 2022, a assistente foi a uma entrevista de emprego no ginásio (…..), em Quarteira, tendo sido pouco tempo depois contratada para exercer as funções de Coordenadora do Ginásio.
8. Cerca de 3 semanas após o início de funções por parte da assistente, o patrão dela, a testemunha E, recebeu uma carta anónima, reenviada da do Grupo Gymnasium, sendo remetente A, cujo conteúdo denegria a imagem profissional daquela, na medida em que dizia que a assistente era uma pessoa não séria, não digna de confiança, que traia o marido com qualquer um.
9. Um email, com o mesmo conteúdo, foi enviado pelo arguido para o CEO da Aldi na Alemanha, uma vez que a assistente trabalhou como funcionária na época da pandemia do Covid 19, ou seja, pelo menos em 2020.
10. No dia 03-10-2021, a assistente foi, durante um dia ao Alentejo, juntamente com a filha menor - a X -, onde estiveram em contacto com diversos animais, inclusivamente cavalos.
11. A assistente partilhou algumas fotografias nas suas redes sociais, e quase de imediato, a mesma recebe um telefonema do arguido, dizendo-lhe que ela "andava metida com o gajo dos cavalos."
12. No dia 09-10-2021, a assistente recebeu uma chamada do arguido a insinuar, a dizer que ela estava a ter uma relação extraconjugal com o seu médico de família e nessa mesma chamada, tendo ainda referido que iria contactá-lo para ele saber quem ele é, dizendo-lhe ainda: "ai de ti que estejas com aquele gajo e com a X."
13. O arguido, quando confrontado pela assistente pelos actos já acima descritos, por várias vezes e em datas não concretamente apuradas, afirma "ter as costas quentes", "nada me acontece" devido ao seu emprego no Destacamento de Intervenção da PSP de Faro - afirmando ainda que a assistente "não tem credibilidade nenhuma."
14. A assistente iniciou a 07-03-2022 um novo relacionamento com R, o que o arguido logo teve conhecimento desse facto, iniciando desde essa data, diversos contactos, aparecendo e rondando a casa da assistente, do atual companheiro desta, e em todos os locais que esta esteja frequentando.
15. Assim, no dia 16-03-2022, pelas 21h30, o arguido contactou a assistente a insistir que queria ver a filha, tendo aquela informado que a menor se encontrava nesse momento a dormir.
16. O arguido aceitando a resposta, deslocou-se, nessa mesma noite, à casa da assistente e tocou ininterruptamente, durante alguns momentos, à campainha, tendo, por conseguinte, acordado X.
17. A assistente, com receio do que o arguido viesse a fazer, chamou a GNR de Almancil que se deslocou ao local dos factos.
18. Em data não concretamente apurada, em Fevereiro de 2022, a assistente, Coordenadora do Ginásio (…..), em Quarteira, encontrando-se a desempenhar as suas funções profissionais, sentiu-se mal com quedas de tensão e como a testemunha R lá estava também ali a treinar, a mesma pediu-lhe ajuda para a levar a casa.
19. Durante o percurso para casa, o arguido seguiu a assistente e R no seu veículo.
20. Estacionou o carro junto do prédio da assistente e enquanto a mesma se dirige a casa, o arguido sai do carro por breves minutos, fica a observa-los, regressa ao carro e abandona o local.
21. No dia 19-03-2021, a assistente e a testemunha R foram nos respetivos veículos em direção ao restaurante "Casavostra", em Almancil.
22. Quando chegaram, a assistente estacionou o seu veículo no parque de estacionamento do restaurante e o carro da marca e modelo referido em 34 deste despacho, conduzido pelo arguido, ficou colado à viatura do R.
23. Quando o R estaciona o seu veículo, o arguido circulou com o seu veículo na estrada, passando pelo restaurante, para cima e para baixo entre as duas rotundas, o que fez pelo menos por 5 vezes.
24. A testemunha perante este comportamento do arguido, ligou para a assistente, que não se tinha apercebido de nada, e saíram dali e foram almoçar a Vilamoura.
25. Em data não concretamente apurada, entre Junho ou Julho de 2021, quando o R estava a regressar a casa do seu trabalho, por volta das 23h00 escolheu um caminho alternativo daquele que fazia todos os dias, quando vê que o carro do arguido estava estacionado na rua em frente à sua residência.
26. O R foi estacionar o seu veículo noutra rua mais acima e cruza-se com o carro conduzido pelo arguido, tendo havido troca de olhares.
27. Nessa mesma noite, o arguido fez uma chamada à assistente a dizer-lhe que o R o andava a seguir.
28. No dia 19-03-2022, dia do pai, a menor encontrava-se a passar o dia com o arguido.
29. Na véspera do dia 20-11-2022, a assistente foi buscar a sua filha à escola e como a criança estava apática, levou-a a casa para verificar o estado de saúde dela.
30. Já em casa, ao fim da tarde, no quarto com a sua filha X, quando começaram a conversar, e a criança quis logo abraçar a mãe, mas não disse o que se passava.
31. No dia 20-11-2022, a assistente foi passear em Vilamoura, próximo do Posto 2, com a filha para a animar, quando inopinadamente esta se dirigiu àquela, dizendo-lhe, com foros de seriedade e de semblante triste, que a "mamã, vais viver uns 20 anos".
32. A assistente preocupada com o teor da asserção dita pela criança, questionou-a sobre o que se passava, tendo a X dito que o pai lhe havia dito que a mãe ia morrer cedo.
33. Em data não concretamente apurada, mas no inverno de 2022, quando a assistente foi buscar a sua filha ao pai, para passar com ela a semana que lhe cabia, por conta do regime de guarda partilhada, estando ambas em casa daquela, a X começou, inopinadamente, a desferir pontapés, com pouca força, nas pernas da mãe, a chamar nomes, não concretamente apurados ao R e olhando fixamente para a mãe, disse-lhe que ia fazer xixi no sofá e fê-lo, efetivamente.
34. Tendo a assistente estranhado o comportamento inusitado da filha, questionou-a o motivo porque estava a fazer aqueles disparates, tendo a menor informado a assistente que o pai lhe prometera dar um jogo, se quando ela estivesse em casa da mãe lhe batesse sem doer, chamasse nomes ao R e fizesse xixi no sofá.
35. No dia 03-03-2024, de acordo com o previamente acordado, o arguido levou, pelas 16h00, a X à casa da assistente para lha entregar e aquele dirigindo-se a esta, de forma séria, intimidante e imperativa, esticando-lhe o dedo indicador, disse-lhe: "às 18h00 tens que ma entregar."
36. Como a assistente confrontou o arguido, dizendo-lhe que como ele passou a manhã e o almoço com a X, ela tinha o direito de jantar com a criança e começou a dirigir-se com a menor ao colo à entrada do prédio onde aquela reside.
37. O arguido exaltou-se com a reação e resposta da assistente, e quando esta ia abrir a porta do prédio para entrar, com a X ao colo, aquele usando o seu próprio corpo empurrou-a, atingindo-a no ombro do lado direito, fazendo com que a vítima se desequilibrasse, sem cair.
38. Ato contínuo, o arguido, com as duas mãos agarrou na camila, o que fez com que a menor se assustasse, gritando e chorando: "mamã, mamã."
39. O arguido levou a criança ao colo e dirigiu-se ao seu veículo automóvel.
40. O arguido agiu com o propósito concretizado de lesar a assistente, sua companheira, e mais tarde ex-companheira na honra, na integridade física, e na dignidade enquanto pessoa humana, atingindo-a emocional e psicologicamente através de maus tratos, bem sabendo que as suas expressões, gestos, e comportamentos, eram adequados a provocar-lhe sentimentos de insegurança, intranquilidade e receio pela sua vida e pela sua integridade física.
41. Quis o arguido com o seu comportamento, pela sua gravidade e repetição, inferiorizar e atemorizar a assistente perante ele, causando-lhe um sentimento permanente de medo e ansiedade, garantindo deste modo a sua superioridade e domínio sobre ela, o que conseguiu.
42. Bem sabia que, praticando tais atos no interior da habitação do casal, na presença de menores, a privava do auxílio de terceiros, deixando-a vulnerável no interior do próprio lar.
43. O arguido agiu ciente que expunha a filha menor aos comportamentos acima descritos, querendo, dessa forma ainda que indiretamente, infligir-lhe maus tratos, atingindo-a na sua saúde psicológica, o que quis e conseguiu.
44. O arguido quis e conseguiu, com os seus comportamentos acima descritos, pela sua gravidade e repetição, expor a criança menor, filha comum do casal, que com eles coabitava e mesmo após a separação definitiva, aos maus tratos que dirigiu à assistente, sua progenitora.
45. Em tudo atuou livre, voluntária, e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era censurável, proibida e punida por lei penal.
Factos não indiciados:
a) O arguido, desde a data referida em I deste despacho até aos dias de hoje, por meios ainda não concretamente apurados, consegue aceder aos contactos telefónicos da assistente, rastreando a sua localização geográfica, bem como ao teor das sua conversas do e para o seu aparelho, e também ao teor dos seus emails.
b) No dia 14-10-2021, a assistente foi com a filha X ao concurso internacional de Hipismo, em Vilamoura, não tendo referido a ninguém que iria estar naquele dia, naquele local.
c) Todavia, o arguido aparece questionando-a: "quem é este gajo? O que é que estás a fazer? Onde está o B?", referindo-se ao nome do médico de família da vítima.
d) Ato contínuo, o arguido pegou na menor ao colo, causando-lhe choro.
e) Nessa noite, o arguido envia uma mensagem escrita à assistente referindo "como vês, as informações chegam-me sempre..."
Consigna-se que se expurgou a factualidade indicada no despacho de indiciação que apresentava contornos conclusivos ou irrelevantes.
Tais indícios resultam dos meios de prova comunicados ao arguido, nomeadamente:
Queixa-crime e prova documental anexa, de fls. 2 a 16., devidamente assinado pela assistente;
Ficha de adesão à Teleassistência, de fls. 27 e ss. e termo de responsabilidade de fls. 108 e ss;
Ficha de Avaliação de Risco - RVDL - "Médio", de fls. 88 e ss.; “Médio", de fls. 173 e ss; "Baixo", de fls. 402 e ss; "Médio", de fls. 438 e ss; "Baixo", de fls. 506 e ss; "ELEVADO", de fls. 523 e ss;
Auto de inquirição da assistente R, de fls. 91, 286 a 288, 391 a 393, 521 e Auto de Declarações da Assistente, gravado no CITIUS com som e imagem, através da plataforma WEBEX perante Magistrado do Ministério Público, de fls. 558.
Autos de inquirição das testemunhas: M, de fls. 119 e 408, A, de fls. 122, E, de fls. 125, P, de fls. 127, R, de fls. 131, 322 a 324, 406 a 407, 540 a 541, C, de fls. 136, G, de fls. 360 a 362, 537 a 539
Cópia da Acta de Conferência de pais, no âmbito do Proc. de Regulação das Responsabilidades Parentais (Proc. 3552/03-05-202321.8T8FAR-A pendente no Juiz 3 do TFM de Faro, de fls. 276 a 279, datada de 27-10-2022.
Relatório de avaliação psicológica da menor X, datada de 03-05-2023, de fls. 395 a 396;
Certidão de nascimento da assistente, de fls. 410;
Auto de declarações para memória futura (DMF) da vítima/assistente R, de fls. 424 a 425.
Auto de transcrição das DMF da assistente, de fls. 459 a 496;
CRC, de fls. 550/550v;
SMS constantes de fls. 295 a 304, 325 a 327;
E-mails de fls. 397 a 401.
A convicção do Tribunal neste juízo indiciário ancorou-se em todos os elementos de prova juntos aos autos, supra melhor descritos.
Comece-se por referir que o arguido prestou declarações, negando, no essencial os factos que lhe são imputados e apresentando pontualmente algumas justificações para se ter cruzado com a assistente já após o fim da relação entre ambos.
Nuns pontos, as declarações do arguido mereceram-nos credibilidade, noutros nem tanto. Por exemplo, o tribunal entendeu credível que o arguido não controle através de uma aplicação o conteúdo do telemóvel da assistente, sendo que, por um lado, inexistem elementos objetivos que nos permitam concluir nesse sentido, sendo que as declarações prestadas pela assistente quanto a esta matéria afiguraram-se vagas e hipotéticas, não nos permitindo dar como indiciada ou fortemente indiciado o ponto a) dos factos não indiciados; de referir que tal como bem referido pelo arguido a este propósito, afigura-se estranho à luz das regras da experiência e da normalidade que entendendo a assistente que o arguido controlava o seu telemóvel nunca tenha trocado o seu equipamento ou procurado alterar as suas passwords.
Também foi merecedor de credibilidade a justificação dada pelo arguido no que se reporta à matéria referida nos pontos b), c) e d) (disse o arguido que se deslocou ao local após ter sabido da existência desse concurso de hipismo através de uma amiga, de nome D).
Noutros pontos, as suas declarações já não se revelaram, nesta fase processual, que é indiciária, tão sustentadas não sendo, por exemplo, verosímil no que concerne à factualidade de 22 a 25, que o arguido tenha aparecido no restaurante e circulando à volta do mesmo porque a sua filha X lhe tinha dito que viu um homem que lhe causava medo na residência da mãe, declarações estas que não vão de forma alguma ao encontro das regras da experiência e da normalidade.
Quanto à matéria indiciada (mas que o tribunal não considerou fortemente indiciada), o tribunal atendeu, em primeiro plano, às declarações da assistente, prestadas em sede de memória futura.
Ora, é certo que nas mesmas, a assistente descreveu a factualidade que acima se transcreveu de uma forma completa. Sem prejuízo, também é verdade que estas declarações, nalguns momentos, afiguraram-se muito conclusivas, vagas e baseadas em juízos hipotéticos (o que é particularmente visível no que se reporta à matéria relativa ao controlo do telemóvel pelo arguido).
Nesta fase processual, embora não se negue que estas declarações sejam secundadas por outras testemunhas, não entendemos que estas sejam suficientemente sólidas para sustentar um juízo de forte indiciação.
No que se reporta às testemunhas que foram ouvidas em fase de inquérito, prova à qual o tribunal atendeu, uma nota para dizer que do depoimento de M, amiga da assistente, nada se extrai com particular relevância para os autos uma vez que se trata de um relato indireto daquilo que foi relatado pela última. O mesmo se refira relativamente a A cujo conhecimento dos factos também indireto, o que vale para outras das testemunhas que foram ouvidas nesta sede.
Já R, atual companheiro da assistente, confirmou muita da factualidade imputada ao arguido (que presenciou diretamente) tendo o tribunal atendido às suas declarações prestadas em vários momentos do inquérito, sem prejuízo de não se ignorar também o facto de ter uma relação amorosa com a assistente.
O tribunal atendeu à demais prova documental dos autos para formar a sua convicção, consignando-se que a matéria fortemente indiciada foi atestada tanto pelo arguido como pela assistente.
Para a prova da ausência de antecedentes criminais do arguido, teve-se em consideração o seu certificado de registo criminal tendo-se atendido às suas declarações para se formar a convicção quanto às suas condições de vida.
Os factos tais como se mostram imputados ao arguido, são suscetíveis de integrar a prática pelo arguido, em concurso real e sob a forma consumada:
- Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1 al. b) e nº 2 al. a), 4 e 5 do Código Penal (assistente Ana Raquel Nunes);
- Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º nº 1, al. d) e e), e nº 2 al. a) e 4 e 5 do Código Penal, conjugado com o artigo 2º als. a) e b) da Lei 112/2009, de 16-09, com a redacção dada pela Lei 57/2021, de 16-08 (ofendida a criança menor, filha comum do casal, Camila Palma)
Cumpre apreciar se subsiste a necessidade de aplicar ao arguido, medida de coação distinta do termo de identidade e residência.
As medidas de coação são medidas processuais, restritivas de liberdades fundamentais.
A tipificação e a aplicação de uma medida de coação, principalmente, a medida mais gravosa, a prisão preventiva, implicam o equacionar do equilíbrio entre a presunção constitucional da inocência contida no artigo 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, e os direitos, liberdades e garantias do cidadão em relação ao qual a prática de um facto criminalmente ilícito ainda não se encontra ainda provada.
Efetivamente, de acordo com o disposto no artigo 191º do Código de Processo Penal, a liberdade das pessoas só pode ser limitada total ou parcialmente em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e garantia patrimonial previstas na Lei.
Por sua vez, decorre do artigo 193º do mesmo diploma legal, que as medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, sendo que a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação.
Acresce que todas as medidas cautelares, à exceção do termo de identidade e residência, deverão evitar um "periculum libertatis" que se pode plasmar, atento o disposto no artigo 204º do Código de Processo Penal, em três vertentes distintas: fuga ou perigo de fuga; perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
Quanto ao perigo de continuação da atividade criminosa, na criminalidade relacionada com a violência doméstica podemos afirmar que, em abstrato, ele possa sempre subsistir (cfr. neste sentido, o Ac. do TRL de 12-10-2017, referente ao processo nº 89/17.3PGOER-A.11-9, disponível em www.dgsi.pt) embora consideremos que neste caso este, embora subsista, se faça sentir com menos intensidade do que noutros processos relacionados com este tipo de criminalidade pela própria natureza dos factos que, nunca desvalorizando, não assumem uma gravidade muito expressiva e pela circunstância de não vislumbrarmos - como também sucede noutros casos – um "escalamento" em termos de censurabilidade e risco para a vítima das condutas adotadas pelo arguido, salientando-se que a maioria dos factos que resultam indiciados (mas não fortemente indiciados) são datados de há cerca de dois ou mesmo três anos atrás.
De resto, não cremos estar verificado qualquer outro perigo cautelar.
Haverá aqui que salientar que não estando os factos fortemente indiciados, está vedado ao tribunal a aplicação das medidas de coação previstas nos artigos 200º, 201º e 202º do CPP sendo que as últimas duas se revelariam manifestamente excessivas e desproporcionais face aos factos que são imputados ao arguido (note-se que o arguido não tem antecedentes criminais nem será expectável que lhe seja aplicada pena de prisão em moldes efetivos).
De outra perspetiva, não vislumbramos de que forma a medida de coação prevista nos artigos 198º e 199º do CPP possam ser idóneas a acautelar o perigo de continuação da atividade criminosa que, como salientámos, é reduzido.
Assim, julga-se necessário, adequado e proporcional que o arguido D aguarde os ulteriores termos processuais sujeito à medida de coação de termo de identidade e residência - cfr. artigos 191º, 192º, 193º, 194º, 196º, todos do CPP).
(…)
II – FUNDAMENTAÇÃO
1 - Âmbito do Recurso
De acordo com o disposto no artigo 412º, do Código de Processo Penal e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19-10-95, publicado no D.R. I-A de 28-12-95, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.
Assim, vistas as conclusões do recurso interposto, verificamos que a questão suscitada é a seguinte:
- Impugnação do despacho recorrido, por não ter considerado como indiciados todos os factos constantes do requerimento do MP para aplicação de medida de coação e, conclua pela aplicação ao arguido das medidas de coação requeridas:
- Proibição de contactar, por qualquer meio com a Assistente, ou por interposta pessoa, mesmo em questões relacionadas com a filha comum de ambos e;
- Proibição de se aproximar da Assistente, da sua residência e do seu local de trabalho, sujeito a vigilância electrónica.
A Jurisprudência tem entendido que a expressão “fortes indícios”, exigência decorrente do preceito que encerra o artigo 202º do Código de Processo Penal, é um conceito equivalente ao de indícios suficientes, contida no artigo 283º do mesmo diploma legal, como sendo todos aqueles dados/sinais/traços que devidamente conjugados e ponderados, seriam idóneos para sustentar uma acusação formal contra o arguido, elementos que conduzam à possibilidade de ao arguido vir a ser aplicada em julgamento uma pena.
O legislador não se limitou a referir indícios, mas sim afirmar fortes indícios, “(…) o que inculca a ideia da necessidade de que a suspeita sobre a autoria ou participação no crime tenha uma base de sustentação segura. Isto é: não basta que essa suspeita assente num qualquer estrato factual, mas antes em factos de relevo que façam acreditar que eles são idóneos e bastantes para imputar ao arguido essa responsabilidade (…)” (Código de Processo Penal Anotado, Simas Santos e Leal Henriques, volume I, 3ª edição – 2008, pg. 1270).
No tipo de crime em causa, violência doméstica, artigo 152º, do Código Penal, que tutela as situações de violência familiar reveladoras de um abuso de poder nas relações afectivas, degradante da integridade pessoal da vítima, protege-se a integridade da pessoa em determinada relação afectiva, no caso, a dignidade da pessoa no casal e esta necessidade de protecção perdura (e intensifica-se mesmo) nas situações de ruptura do casamento ou da relação.
A “ratio” do tipo não reside na protecção da comunidade familiar ou conjugal, mas na protecção da pessoa individual que a integra, na tutela da sua dignidade humana.
Protege-se o bem jurídico (saúde), e não apenas a integridade física.
O bem jurídico (saúde) abrange a saúde física, psíquica e mental (assim, Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2012, p. 512).
De acordo com os indícios constantes dos autos, nomeadamente das declarações da assistente, que efectivamente poderão ser consideradas conclusivas e genéricas, mas que nesta fase processual e nesta tipologia de crime, em que o autor do crime procura o contacto direto com a vítima, sem a presença de testemunhas, intimidando-a, fazendo-se silenciosamente sempre presente e controlador da vida da mesma, atormentando-a, coartando-lhe a liberdade individual, sempre de forma silenciosa, não permite uma prova mais detalhada, embora nos autos existam outras provas, para além das declarações da assistente, como sejam os depoimentos das testemunhas E e R, sendo que as demais testemunhas ouvidas nos autos confirmam o estado psicológico da assistente no relacionamento com o seu ex-marido.
Ponderando as declarações do arguido em que apenas se limita a negar a prática dos factos e concatenadas com os demais elementos probatórios resulta fortemente indiciada a prática de tais factos que constituem o objecto dos presentes autos, sendo esclarecedora dessa mesma indiciação as próprias declarações do arguido quando referencia que eram pessoas amigas ou colegas de trabalho que lhe indicavam onde e com quem se encontrava a assistente e por isso não tinha necessidade de promover escutas electrónicas, revelando que tinha interesse nesse tipo de informação. o que é de todo conforme com os factos indiciados, nomeadamente os ocorridos a 14-10-2021 em Vilamoura, sendo que um agente da autoridade não deveria permitir e alimentar tal tipo de conversas a respeito da sua ex-esposa e mãe da sua filha.
Nestes termos divergimos, pois, do entendimento do Tribunal “a quo” e temos como indiciados ou fortemente indiciados todos os factos constantes do requerimento do Ministério Público para aplicação de medida de coação, sendo previsível que em julgamento venha a ser aplicada ao arguido uma pena.
Perante este quadro factual indiciado, resulta que em razão da natureza, das circunstâncias do crime e da personalidade do arguido, que em concreto, venha a persistir e até a intensificar-se esta actividade criminosa, mostrando-se necessário, adequado e proporcional aplicar outras medidas de coacção, para além do termo de identidade e residência do artigo 196º, do Código de Processo Penal.
Assim, de todas as medidas de coacção legalmente admissíveis neste caso concreto, apenas as requeridas pelo Ministério Público se mostram adequadas às exigências cautelares de impedir que o arguido continue a perseguir a assistente e, simultaneamente proporcionais à gravidade dos factos indiciados e às sanções que previsivelmente lhe poderão vir a ser aplicadas – artigo 191º, 193º e 200º, do Código de Processo Penal.
Então, por consideramos como fortemente indiciados todos os factos constantes do requerimento do Ministério Público para aplicação de medida de coação e, em consequência, reconhecer que subsiste o perigo de continuação da actividade criminosa pelo arguido D, nos termos do disposto no artigo 204°, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, atentos os factos fortemente indiciados reveladores de uma personalidade agressiva e contrária aos ditames do direito, no controlo e perseguição movida contra a vitima/assistente, determina-se que o mesmo aguarde os ulteriores termos processuais sujeito à medida de coacção de Termo de Identidade e Residência já aplicada e às medidas de coacção de:
- Proibição de contactar, por qualquer meio com a assistente, ou por interposta pessoa, mesmo em questões relacionadas com a filha comum de ambos;
- Proibição de se aproximar da assistente, da sua residência e do seu local de trabalho, sujeito a vigilância electrónica.
Por tudo o que se deixa dito, o recurso interposto pelo Ministério Público terá forçosamente de proceder, na sua globalidade, nos termos do disposto nos artigos 191º, 192º, 193º, 200º, nº 1, alíneas a) e d) e nº 5, e, 204º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, artigo 31º, nº 1, alínea d), da Lei 112/2009, de 16-09, com a redacção dada pela Lei 57/2021, de 16-08) e, 18º, 27º, 28º, 32º e, 205º, da Constituição da República Portuguesa.
Sem custas, atenta a qualidade do recorrente e a procedência do recurso.
III - DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
Julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, revogando-se em parte o despacho recorrido, passando o arguido D a aguardar os demais termos processuais, sujeito também às medidas de coacção de:
- Proibição de contactar, por qualquer meio com a assistente, ou por interposta pessoa, mesmo em questões relacionadas com a filha comum de ambos e;
- Proibição de se aproximar da assistente, da sua residência e do seu local de trabalho, sujeito a vigilância eletrónica.
Sem custas.
Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente Acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto, pelos signatários.
Évora, 24-09-2024
Fernando Pina
Maria José Cortes
Beatriz Marques Borges