RECLAMAÇÃO CONTRA DESPACHO QUE NÃO ADMITIR OU RETIVER RECURSO
ADMISSÃO DO RECURSO
EFEITO DO RECURSO
Sumário

1 – A decisão do Tribunal a quo que admite liminarmente o recurso e fixa o efeito e regime de recurso apresenta uma natureza precária.
2 – Sendo admitido o recurso, o juiz fixa o efeito e o regime de subida do recurso. Nem uma, nem outra decisão vinculam o tribunal superior, que pode rejeitar o recurso e modificar o efeito e mesmo modificar o regime de subida imediata do recurso, mandando que ele suba só em momento ulterior.
3 – Apenas o relator do Tribunal ad quem tem poderes para confirmar ou alterar o efeito fixado ao recurso já admitido.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Processo n.º 116/23.5GAVVC.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Évora – Juízo de Instrução de Évora
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I – Relatório:
(…) veio interpor recurso do despacho de não admissão do recurso interposto [quanto ao efeito pretendido], nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 405.º do Código de Processo Penal.
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Em 25/06/2024, foi proferida decisão instrutória que pronunciou o arguido (…) pela prática, em autoria material, de um crime homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas b), c) e j), do Código Penal.
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Nessa mesma decisão, foi admitido o recurso da decisão referência 34169997 (..."decide-se indeferir o impedimento e a nulidade invocados."...), ao qual foi fixado efeito meramente devolutivo, sendo ordenada a subida em separado e imediatamente.
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O arguido veio apresentar requerimento no qual invoca que deveria ter sido fixado efeito suspensivo, invocando a nulidade do despacho em causa.
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Em 19/07/2024 foi proferida decisão que indeferiu o requerido, dizendo que «entende o Tribunal que o poder jurisdicional se mostra esgotado, sendo certo que o efeito ou o regime de subida não vincula o Tribunal superior, nos termos do disposto no artigo 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal».
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O arguido veio apresentar recurso da mencionada decisão, solicitando que a nulidade suscitada fosse declarada.
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Em 26/08/2024, o referido recurso não foi admitido com base na seguinte fundamentação:
«(…) Ora, não se vislumbra que tal despacho (o de 19 de Julho de 2024) admita recurso.
Com efeito, o arguido não recorre de despacho que não tenha admitido ou tenha retido recurso (do qual, aliás, não caberia recurso, mas sim reclamação, nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal), pretendendo antes contestar o efeito atribuído ao recurso.
Acontece que a decisão de fixação de efeito ao recurso por parte do tribunal recorrido não é definitiva, pois não vincula o tribunal superior, que poderá alterar o efeito do recurso para aquele que o arguido pretende (veja-se o artigo 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).
Sendo assim, o arguido não tem interesse em agir no que respeita à fixação do efeito do recurso por parte do tribunal recorrido (aliás, se assim fosse, o legislador teria admitido a existência de reclamação para esse efeito, o que, como vimos, não fez e, por maioria de razão, também carece de interesse em agir quanto ao despacho proferido no dia 19 de Julho de 2024, que se limitou a reiterar o efeito já fixado ao recurso».
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II – Dos factos com interesse para a decisão:
Os factos com interesse para a justa decisão do litígio são os que constam do relatório inicial.
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III – Enquadramento jurídico:
Como questão prévia, importa sublinhar que não admitido o recurso, o meio próprio de reacção é a reclamação do despacho e não o recurso[1]. É certo que o princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais permite a conversão de um recurso em reclamação contra a não admissão de recurso.
É ainda incontestável que «pressuposto da admissibilidade da conversão do recurso indevido em reclamação é que tenha sido interposto no prazo fixado para a reclamação. Ultrapassado o prazo de apresentação da reclamação a reconversão oficiosa já não é possível[2] [3].
Da análise de todo processo resulta que a impugnação da decisão controvertida foi apresentada tempestivamente e, assim, não obstante o erro na forma de processo, converte-se o recurso interposto em reclamação contra a não admissão do recurso.
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Dito isto, do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 405.º[4] do Código de Processo Penal.
Não estamos perante um cenário de não admissão (o recurso foi admitido) nem de retenção do mesmo (foi ordenada a subida em separado e imediatamente).
E a questão controvertida traduz-se na opção pela fixação de efeito devolutivo ao mesmo em detrimento do pretendido efeito suspensivo. Porém, a referida matéria não está abrangida pelo âmbito objectivo do incidente de reclamação.
Na verdade, como é bem mencionado no despacho da Primeira Instância, a decisão que admite liminarmente o recurso não é definitiva. Na verdade, o efeito e o regime de recurso «apresenta uma natureza precária para efeitos de apreciação das (…) questões (…) decididas a final pelo Tribunal ad quem»[5].
Ou, nas palavras Paulo Pinto de Albuquerque, sendo admitido o recurso, o juiz fixa o efeito e o regime de subida do recurso. Nem uma, nem outra decisão vinculam o tribunal superior, que pode rejeitar o recurso e modificar o efeito e mesmo modificar o regime de subida imediata do recurso, mandando que ele suba só em momento ulterior[6].
Aliás, é claríssima a previsão do n.º 3 do artigo 414.º[7] do Código de Processo Penal, quando estabelece que a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o Tribunal superior.
É assim infrutífera qualquer tentativa para antecipadamente alterar o decidido, seja pela via da invocação de nulidade seja por intermédio de reclamação ou de recurso para alterar o efeito da subida de uma impugnação recursal. Assim, a seu tempo, ao apreciar a admissão do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 414.º do Código de Processo Penal, entre o mais, o Desembargador relator apreciará o efeito (suspensivo ou devolutivo) a fixar o recurso já admitido em 19/07/2024.
Assim sendo, apenas o relator do Tribunal ad quem tem poderes para confirmar ou alterar o efeito fixado ao recurso já admitido.
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IV – Sumário: (…)
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V – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, mantém-se o despacho reclamado, não se admitindo os recursos interpostos.
Custas a cargo do arguido, fixando a taxa de justiça em 2 UC´s.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 25/09/2024
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
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[1] António Gama, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo V, Almedina, Coimbra, 2024, pág. 139.
[2] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09/11/1995, publicado em Colectânea de Jurisprudência XX-V-282.
[3] António Gama, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo V, Almedina, Coimbra, 2024, pág. 139.
[4] Artigo 405.º (Reclamação contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso):
1 - Do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige.
2 - A reclamação é apresentada na secretaria do tribunal recorrido no prazo de 10 dias contados da notificação do despacho que não tiver admitido o recurso ou da data em que o recorrente tiver tido conhecimento da retenção.
3 - No requerimento o reclamante expõe as razões que justificam a admissão ou a subida imediata do recurso e indica os elementos com que pretende instruir a reclamação.
4 - A decisão do presidente do tribunal superior é definitiva quando confirmar o despacho de indeferimento. No caso contrário, não vincula o tribunal de recurso.
[5] Paulo Dá Mesquita, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, Almedina, Coimbra, 2024, pág. 224.
[6] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4:ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, pág. 1149.
[7] Artigo 414.º (Admissão do recurso):
1 - Interposto o recurso e junta a motivação ou expirado o prazo para o efeito, o juiz profere despacho e, em caso de admissão, fixa o seu efeito e regime de subida.
2 - O recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não reunir as condições necessárias para recorrer, quando faltar a motivação ou, faltando as conclusões, quando o recorrente não as apresente em 10 dias após ser convidado a fazê-lo.
3 - A decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior.
4 - Se o recurso não for interposto de decisão que conheça, a final, do objecto do processo, o tribunal pode, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, sustentar ou reparar aquela decisão.
5 - Havendo arguidos presos, deve mencionar-se tal circunstância, com indicação da data da privação da liberdade e do estabelecimento prisional onde se encontrem.
6 - Subindo o recurso em separado, o juiz deve averiguar se o mesmo se mostra instruído com todos os elementos necessários à boa decisão da causa, determinando, se for caso disso, a extracção e junção de certidão das pertinentes peças processuais.
7 - Se o recurso subir nos próprios autos e houver arguidos privados da liberdade, o tribunal, antes da remessa do processo para o tribunal superior, ordena a extracção de certidão das peças processuais necessárias ao seu reexame.
8 - Havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, são todos julgados conjuntamente pelo tribunal competente para conhecer da matéria de facto.