ACÇÃO EXECUTIVA
CITIUS
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
PROCURAÇÃO FORENSE
Sumário

- nas ações tramitadas apenas eletronicamente, designadamente as ações executivas sujeitas à disciplina da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, o acesso à tramitação eletrónica implica a junção de uma procuração;
- a mera apresentação da procuração, que é condição de acesso ao sistema eletrónico e constitui pressuposto de atuação processual subsequente, não preclude a possibilidade de arguir a falta de citação;
- nos processos tramitados eletronicamente, a arguição da falta de citação pode ter lugar no prazo de 10 a contar da apresentação da procuração.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Embargante: (…)
Recorrido / Embargado: Banco (…), SA

Por apenso ao processo executivo, o Executado apresentou-se a deduzir embargos de executado arguindo a falta de citação (alegando que nunca foi citado) e a sua ilegitimidade na execução porquanto não é do seu punho a assinatura do seu nome como avalista aposta nas livranças.
Ao que procedeu a 19/12/2023.

II – O Objeto do Recurso
Os embargos foram liminarmente indeferidos por terem sido deduzidos fora de prazo, uma vez que foi junta pelo ora Embargante procuração, nos autos principais, a 09/09/2023, tendo ainda apresentado um requerimento a 03/11/2023.
Inconformado, o Embargante apresentou-se a recorrer, pugnando pela “revogação da sentença proferida que indeferiu a arguição de nulidade da citação por extemporaneidade, e em consequência ser declarada a nulidade do ato de citação, ser decretada igualmente a inconstitucionalidade da decisão, ordenando-se a sua repetição, bem como a anulação de todos os atos posteriores, incluindo a sentença proferida.”
As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«A) Vem o presente recurso interposto da sentença que põe termo aos embargos de executado deduzidos pelo Apelante, por considerar extemporânea a arguição de nulidade por falta de citação.
B) Posição com a qual o Apelante não concorda, por lhe ter sido negada a defesa.
C) Segundo consta dos autos, a citação do Apelante foi efetuada mediante edital, na porta da sua “residência”, que porém nunca chegou ao seu conhecimento (por divórcio, já lá não residia).
D) O Apelante separou-se da ex-companheira em Abril de 2022 e mudou de residência (conforme processo judicial de R.P. junto aos autos).
E) Na sequência da separação surgiu um quadro de conflito entre os membros do ex-casal e, a ter existido citação edital, a mesma nunca foi comunicada ao Apelante (residia ali a sua ex-mulher) Ou seja, o desconhecimento não se deve a motivos que a este sejam imputáveis.
F) O Apelante é deputado da Assembleia da República desde 2019, constando essa informação das bases de dados oficiais, (e constando nas buscas e notificações de penhora feitas pelo mesmo AE que o citou editalmente) acessíveis pelo agente de execução, pelo que, a frustrar-se qualquer tentativa de citação para a morada de residência do Apelante, deveria a mesma ter sido remetida para o local de trabalho conhecido do Apelante antes de se proceder à citação mediante edital.
G) Considera o Apelante que houve uma intencional omissão dessa tentativa de efetivar a citação, vantajosa somente para a Apelada, e subscrita por um Juiz de Direito, lamentavelmente, mas sem surpresa.
H) A lei ordinária confere primazia à citação pessoal (por via eletrónica, pelo correio ou, por contacto pessoal, como decorre do artigo 225.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), sendo a citação edital reservada para as situações em que não seja possível apurar o paradeiro do citando de forma inequívoca (relembrando que era Deputado da A.R. e esta entidade recebe sempre a correspondência).
I) Ou seja, apenas deve recorrer-se à citação edital quando seja impossível o contacto pessoal com o citando, ou contacto direto por outro meio.
J) O agente de execução tem ao seu dispor múltiplas bases de dados (e sabe-se agora que as encontrou, pois citou o Executado da penhora na A.R., usando a citação Edital previamente) que lhe permitiam facilmente apurar a morada profissional do Apelante (serviços de identificação civil, Segurança Social, Autoridade Tributária e Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, por exemplo).
K) Para efectivar a citação pessoal, o AE poderia recorrer a: transmissão eletrónica de dados, carta registada com aviso de recepção, depósito, certificação da recusa de recebimento e contacto pessoal do AE.
L) Em momento nenhum alegou o AE que o Apelante se encontrava em parte incerta, nem demonstrou que hajam sido esgotadas as tentativas para citação pessoal do Apelante conforme os meios acima elencados, ou que hajam sido feitas todas as diligências impostas pela lei processual para saber o último paradeiro ou residência conhecida, conforme imposto pelas normas processuais.
M) Conforme abordado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 29/04/2019, Proc.º n.º 18180/16.1T8PRT-B.P1: “O processo de citação edital implica o cumprimento de várias etapas, com vista à garantia do contraditório: i) a secretaria procura a efetiva citação pessoal por via postal ou por contacto direto (artigo 226.º, n.º 1, do CPC); ii) frustradas as modalidades de citação pessoal do réu em território nacional ou estrangeiro e persistindo a situação de ausência em parte incerta, a secretaria efetua oficiosamente as diligência julgadas pertinentes, junto de qualquer entidade ou serviço, dirigindo-se diretamente a essas entidades por ofício ou qualquer outro meio de comunicação (artigos 236.º e 172.º do CPC); iii) mantendo-se a incerteza quanto ao paradeiro, a secretaria fará o processo concluso ao juiz; iv) confrontado com os elementos constantes do processo, pode o juiz: determinar nova tentativa de citação pessoal, solicitar outros elementos ou, em casos indispensáveis, requisitar informações às autoridades policiais (artigo 236.º, n.º 1, do CPC); v) não se superando a situação de incerteza do paradeiro, deve o juiz ordenar a citação edital”.
N) Ora, o AE deve estar vinculado às mesmas etapas a que está adstrita a secretaria judicial, na medida em que está igualmente em causa o chamamento do citando à ação e, naturalmente, impõe-se igual respeito e cumprimento das garantias de defesa dos citandos, consagradas no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
O) Tais diligências não foram demonstradas pelo agente de execução, que após frustração de citação para a residência (porque efetivamente o Apelante já não residia na morada em causa), bastava uma mera pesquisa nas bases de dados para concluir que o local de trabalho era a Assembleia da República, 1249-068 Lisboa e remeter a citação para essa morada, assegurando assim o direito de defesa do Apelante.
P) Por outro lado, ao haver sido fixado edital à porta da residência em que já não habitava, tendo essa citação sido omitida pela ex-companheira, é imperativo concluir que o não conhecimento se deveu a causas não imputáveis ao Apelante.
Q) Tendo como certo que só deve recorrer-se à citação edital em último recurso, cabia ao agente de execução demonstrar que o Apelante se encontrava em parte incerta e que diligências foram efetuadas para apuramento da morada de residência ou local de trabalho antes de proceder à citação mediante edital, o que não fez em momento algum, pelo que tem de concluir-se obrigatoriamente pela falta de citação do ora Apelante.
R) Assim, nos termos do artigo 188.º, n.º 1, alíneas c) e e), do CPCivil, tendo sido indevidamente empregue a citação edital e o destinatário da citação pessoal não ter chegado a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe foi imputável, deve ser considerada procedente a arguida nulidade por FALTA DE CITAÇÃO.
S) Assim, deverá considerar-se que a sentença recorrida não respeita os direitos de defesa do Apelante e contraria o disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, devendo ser julgada tempestiva a arguição de nulidade da citação, declarada a nulidade do ato de citação mais ordenada a sua repetição e anulados todos os atos posteriores, incluindo a sentença proferida.
T) Mais acresce que, vem o tribunal a quo invocar que foi junta procuração em 09.09.2023 e apresentado requerimento a 03.11.2023, no qual o signatário requeria a citação pessoal do Apelante no âmbito da execução, alegando o tribunal a quo que com essa intervenção ficou sanada a nulidade por falta de citação, posição que desde já se rejeita por ser totalmente contrária à teleologia das normas processuais rígidas no que concerne à citação.
U) A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu/executado de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama o mesmo ao processo para se defender (cfr. artigo 219.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), visando assim assegurar a plena realização do princípio do contraditório, princípio com consagração constitucional (artigos 2.º e 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), estrutura basilar do processo civil.
V) Além de produzir relevantes efeitos processuais, a citação produz importantíssimos efeitos materiais, razão pela qual a lei regula exaustivamente o ato de citação e comine com sanções processuais severas a preterição dessas formalidades processuais.
W) A citação pessoal, modalidade de citação “preferencial” pode ter lugar de diversas formas: por transmissão eletrónica de dados; por entrega ao citando de carta registada com aviso de receção, por depósito, nos termos do n.º 5 do artigo 229.º do CPC, mediante certificação da recusa de recebimento, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo; por contacto pessoal do agente de execução ou do funcionário judicial com o citando; ou ainda por iniciativa do mandatário judicial, desde que respeitadas as exigências dos artigos 237.º e 238.º do CPC. Admite-se, também, que nos casos expressamente previstos na lei, à citação pessoal seja equiparada a citação efetuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do ato, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento (cfr. n.º 4 do artigo 225.º do CPC). Constitui ainda uma forma de citação pessoal aquela que seja feita na pessoa do mandatário constituído pelo citando, com poderes especiais para a receber, mediante procuração outorgada há menos de 4 anos (n.º 5 do artigo 225.º do CPC). Importa ainda referir que existe uma regra de oficiosidade das diligências destinadas à citação, incumbindo, portanto, à secretaria promover oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio (exceto nos casos do n.º 4 do artigo 226.º do CPC), as diligências que se mostrem adequadas à efetivação da regular citação pessoal do réu, seguindo-se os termos do artigo 226.º do Código de Processo Civil.
X) Ou seja, sem citação o citando não pode ter conhecimento do teor da ação contra si intentada, bem como dos documentos que instruem a peça processual, consequentemente não pode apresentar uma defesa com pleno conhecimento da pretensão contra si deduzida e fundamentos invocados pela contraparte.
Y) Como resulta do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Proc. n.º 1969/13.0TBVCD-D.P1: “A citação é essencial à observância do princípio do contraditório e a sua omissão é um desvio de tal modo grave ao núcleo do formalismo processual que a consequência para isso prescrita não podia mais gravosa: a destruição de todo o processado após o momento da omissão”.
Z) Considera-se que o réu/executado intervém no processo quando se apresenta no mesmo a praticar um qualquer ato judicial, não bastando que o mesmo tenha conhecimento de algum ato ou atos nele praticados, conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 04.03.2021, Proc. n.º 14492/19.0YIPRT.
AA) Colhendo o entendimento do Acórdão supra identificado: “A simples consulta do processo por parte de advogado (…) não configura um ato processual relevante, por dele não se poder concluir que o réu tomou conhecimento do seu processado por forma a ficar em condições de assegurar o seu efetivo direito de defesa.”
BB) E mais, o requerimento de 03.11.2023 foi, precisamente, para requerer a citação do Apelante dado que, conforme comunicado aos autos, o mandatário não tinha acesso a toda a informação e documentos constantes dos autos, acrescentando-se ainda que era direito do Apelante ser efetivamente chamado à ação executiva, o que ainda não ocorrera.
CC) Aliás, no artigo 227.º do CPC vêm elencados os elementos a transmitir obrigatoriamente ao citando:
1 - O ato de citação implica a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanhem, comunicando-se-lhe que fica citado para a ação a que o duplicado se refere, e indicando-se o tribunal, juízo e secção por onde corre o processo, se já tiver havido distribuição.
2 - No ato de citação, indica-se ainda ao destinatário o prazo dentro do qual pode oferecer a defesa, a necessidade de patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia.
DD) No caso sub judice, não foi entregue cópia do requerimento executivo, não foram entregues cópias dos documentos, nem foi concedido prazo para apresentação da defesa, pelo que jamais poderia o tribunal a quo decidir no sentido em que decidiu, furtando-se assim à apreciação do mérito da defesa.
EE) Não pode considerar-se que os embargos foram deduzidos intempestivamente, porque o Apelante nunca foi chamado à ação através do mecanismo legalmente previsto para o efeito, a citação.
FF) Impunha-se ao tribunal a quo ordenar, pelo menos, a repetição da citação. O que não fez, violando assim o direito de defesa do Apelante, em violação do disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
GG) Com efeito, a arguição da nulidade por falta de citação foi o primeiro acto jurídico relevante praticado pelo Apelante nos autos, pelo que deverá a arguição mesma ser considerada como tempestiva.
HH) A mera consulta do processo pelo signatário jamais sanaria a falta de citação porque não lhe foram conferidos poderes especiais para ser citado em nome do mandante, nem foi essa citação promovida, conforme exigido nos termos do artigo 225.º, n.º 5, do CPC.
II) No entendimento do Apelante, o tribunal a quo está a colocar em causa a sua idoneidade, ao considerá-lo como efetivamente citado apesar de este arguir múltiplas vezes que nunca foi citado para a ação executiva.
JJ) Com a agravante de que, conforme consta da oposição à execução, a assinatura do Apelante foi falsificada por terceiros para avalizar uma livrança subscrita por uma sociedade comercial, após renúncia à gerência por parte deste e comunicação desse facto à Apelada.
KK) Ou seja, não está só em causa a extrema gravidade da falta de citação, mas também as drásticas consequências do indeferimento dos embargos de executado, tendo como consequência a responsabilização do Apelante pelo pagamento de uma dívida contraída em benefício de uma sociedade comercial, após a renúncia à gerência pelo Apelante, com recurso a falsificação da sua assinatura e, ainda, preenchimento abusivo por parte da Apelada.
LL) A decidir no sentido em que decidiu, o tribunal a quo fez tabula rasa dos argumentos invocados pelo Apelante, eximindo-se assim da apreciação dos embargos deduzidos por este, em violação das normas processuais vigentes relativamente à citação, em violação do princípio do contraditório do Apelante e, ainda, em violação dos direitos de defesa do mesmo e do disposto no artigo 20.º, n.º 1, Constituição da República Portuguesa.
MM) Consequentemente, deverá ser julgada tempestiva a arguição de nulidade da citação, e consequentemente declarada a nulidade do ato de citação, ordenando-se a sua repetição, bem como a anulação de todos os atos posteriores, incluindo a sentença proferida.»

Cumpre apreciar o desacerto da decisão indeferimento liminar dos embargos de executado por extemporaneidade.
Não cabe apreciar se existe nulidade decorrente da falta de citação do Executado no processo executivo, questão de que a 1.ª Instância não conheceu, já que resultou precludida por ter sido considerada sanada.

III – Fundamentos
A – Dados a considerar
1. A 09/09/2023, o Executado dirigiu ao processo de execução o seguinte requerimento:
«(…), Executado nos autos à margem epigrafados, vem requerer a junção aos autos de procuração forense, o que faz em anexo.»
Juntou procuração em favor do Sr. Sr. (…).
2. A 03/11/2023, o Executado dirigiu ao processo de execução o seguinte requerimento:
«(…), Executado nos autos à margem epigrafados, vem informar pare efeitos de citações e notificações a sua morada, o que faz infra.
Mais se informa que o Exequente intentou ação Pauliana ao ora executado a correr termos no Juízo Central Cível de Setúbal – Juiz 3 e Proc.º 3208/23.7T8STB, onde ali foi debatido e informado que o Executado não habita o dito imóvel, por motivos de separação e divórcio, tendo a dita fração ficado como morada de família da sua companheira da altura.
Nesses autos, a morada indicada foi a que ora se indica nestes autos, pelo que, o Exequente tem conhecimento da morada do Executado, acautelando possíveis notificações que para ali tenha feito, sabendo de antemão que o ora Executada não as iria receber nem era essa a sua morada.
Requerendo assim que lhe sejam remetidas as citações e notificações devidas.
Domicílio atual:
Rua (…), n.º 203, (…).»
3. A 06/02/2024, o Executado dirigiu ao processo o seguinte requerimento:
«(…), na qualidade de sócio-gerente da empresa (…) – Equipamentos Industriais, Lda., (…) vem solicitar a V. Exas. O cancelamento imediato da penhora existente sobre a sua quota na sociedade (…) no âmbito do processo supra referenciado e do qual não é devedor e desconhece os intervenientes nos presentes autos.
Sendo que esta situação está a causar vários constrangimentos ao aqui requerente bem como à sua empresa (…)»
Juntou procuração a favor de (…), (…) e Associados – Sociedade de Advogados, RL.

B – A questão do Recurso
A petição de embargos deve ser liminarmente rejeitada se tiver sido apresentada fora do prazo, se assentar em fundamentos diferentes dos legalmente permitidos ou se for manifesta a respetiva improcedência – cfr. artigo 732.º, n.º 1, alíneas a) a c), do CPC.
Ora, nos termos do disposto no artigo 728.º/1, do CPC, o executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação.
Em 1.ª Instância, a petição de embargos, na qual foi arguida, para além do mais, a falta de citação no processo executivo (fundamento que não tem cabimento em sede de embargos – cfr. artigos 729.º e 731.º do CPC) foi liminarmente rejeitada por extemporânea.
O Recorrente sustenta que a arguição na nulidade da citação no âmbito da petição de embargos foi o primeiro ato jurídico praticado nos autos, pelo que a arguição é tempestiva, devendo ser reconhecida e ordenada a repetição do referido ato.
Ora vejamos.
A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender – artigo 219.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPC. «Quer pela forma, quer pelo seu conteúdo e finalidade, a citação constitui o meio privilegiado para a concretização de um dos princípios basilares do processo civil: o contraditório.»[1] Trata-se do ato que permite levar ao conhecimento do demandado a ação que contra si foi proposta, habilitando-o a tomar posição perante a pretensão deduzida e respetivos fundamentos.
Feita que seja a citação com as formalidades legais, o réu constitui-se em revelia absoluta se, além de não deduzir qualquer oposição, não constituir mandatário nem intervier de qualquer forma no processo – cfr. artigo 566.º do CPC. Já se o réu, não deduzindo oposição, juntar procuração subscrita em favor de mandatário judicial, ocorre a revelia relativa, «em que é possível ter por seguro que o réu tem conhecimento da ação que pende contra si.»[2]
Relativamente à intervenção no processo que seja relevante para efeitos de arguição da falta da citação (art.º 189.º CPC), avança Rodrigues Bastos[3] que a aludida intervenção há de reportar-se à prática de ato suscetível de por termo à revelia do réu, esclarecendo que a intervenção do réu (ou do Ministério Público) preenche as finalidades da citação, desde que ele não se mostre, desde logo, interessado em arguir essa omissão. Nas palavras de Lebre de Freitas[4], «ao intervir no processo o réu ou o Ministério Público tem, ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que, optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir iuris et de jure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se.»
Em sede de jurisprudência, era dominante o entendimento segundo o qual, estando o mandatário judicial munido de procuração e sabendo da pendência do processo, estava em condições de a ele aceder junto do tribunal onde o mesmo pendia, podendo e devendo arguir a falta da sua citação aquando da junção aos autos da procuração forense, sob pena de se considerar sanada tal nulidade.[5] Entendendo-se por intervenção no processo a prática de ato suscetível de pôr termo a revelia do réu, o que se verifica até com a constituição de advogado, (…) a junção da procuração a advogado constitui uma intervenção (ato judicial) relevante que faz pressupor o conhecimento do processo, de modo a presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.[6]
No pólo oposto, sufraga-se que, dada a gravidade da cominação imposta no normativo, a intervenção pressupõe uma atuação ativa no processo do Ministério Público ou réu (neste caso do executado), através da prática ou intervenção em ato judicial, que lhe permita tomar pleno conhecimento de todo o processado ou, pelo menos, que faça presumir esse efetivo conhecimento. Logo, a simples junção autos de uma procuração forense não configura qualquer intervenção processual da sua parte no processo, e nem dela se pode extrair (à falta de mais elementos) a conclusão de que a mesma tomou conhecimento do seu processado por forma a ficar em condições de assegurar o seu efetivo direito de defesa.[7]
No caso de ações tramitadas apenas eletronicamente, designadamente as ações executivas sujeitas à disciplina da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto (diploma que regula os aspetos da tramitação eletrónica dos processos judiciais nos tribunais de 1.ª Instância), afigura-se imperioso fazer uma interpretação atualista do regime inserto no artigo 189.º do CPC relativamente aos efeitos decorrentes da apresentação de uma procuração forense, de modo a compatibilizá-lo com o direito constitucional do acesso ao direito. Tal entendimento foi sufragado no Acórdão deste Tribunal de 03/11/2016[8], vindo a merecer acolhimento nos Acs. TRL de 06/07/2017[9] e TRP de 09/01/2020[10], entre outros.
Seguindo, então, de perto a jurisprudência do citado acórdão[11], cabe salientar que o acesso ao sistema informático de suporte à atividade dos tribunais para efeitos de consulta de processos requer o prévio registo dos advogados e solicitadores, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º da referida portaria – cfr. artigo 27.º. Dado que não corre processo físico, em papel, o acesso à tramitação eletrónica implica a junção de uma procuração; ato que, nessa medida, constitui pressuposto de qualquer intervenção no processo. Donde, só uma interpretação atualista (a processar no âmbito do regime inserto no artigo 9.º do CC[12]) quanto aos efeitos relacionados com a apresentação de uma procuração forense será apta a evitar que a simples junção do documento alusivo ao mandato forense implique direta e necessariamente a preclusão de possibilidade de invocar a nulidade por falta de citação. Donde, no âmbito da Tramitação Eletrónica dos Processos Judiciais decorrente da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, não é legítima a conclusão que a apresentação de uma procuração, que é condição de acesso ao sistema eletrónico e constitui pressuposto de qualquer atuação processual subsequente, implica a sanação de eventual falta de citação de uma das partes, precludindo a possibilidade de suscitar a falta de citação. Por via do que não se acolhe a posição de que, nos processos tramitados eletronicamente, a arguição da falta de citação tem de se processar aquando da junção da procuração ao processo.
No entanto, a partir do momento em que o mandatário apresenta procuração da parte no processo, passa ele a ter acesso aos respetivos termos, o que lhe permite tomar conhecimento dos atos que o processo comporta. Usando da normal e devida diligência, resulta adstrito a inteirar-se do processado para gizar o modo adequado a prosseguir a defesa dos interesses do seu constituinte.
Decorre do exposto que arguir logo a falta de citação (cfr. artigo 189.º do CPC) não significa em simultâneo à junção da procuração. Mas terá de ser arguida dentro de pouco tempo, sem demora.[13] Esse tempo há de ser apto e adequado a permitir a consulta do processo e a definição do modo de atuação processual que serve os interesses da parte representada. O que nos conduz ao prazo de 10 dias decorrente da regra geral consagrada no artigo 149.º, n.º 1, do CPC.[14]
No caso em apreço, constata-se que, o ilustre mandatário que arguiu a falta de citação por requerimento de 19/12/2023 tinha acedido pela 1.ª vez ao processo a 09/09/2023, mediante a apresentação da procuração nesta data.
Termos em que resultou sanada, a 19/09/2023, a nulidade da citação por não ter sido arguida em tempo – artigo 189.º do CPC.
Os embargos de executado, que devem ser deduzidos no prazo de 20 dias a contar da citação, são manifestamente extemporâneos.
Nenhuma censura reclama, assim, o despacho de indeferimento liminar dos embargos por terem sido deduzidos fora do prazo.
No que à idoneidade do Embargante concerne, por si veemente propalada na al. II) da conclusões da alegação do recurso, apenas cumpre notar a sua falta de lisura ao invocar no processo desconhecer quem são os intervenientes, quando é certo que ao Exequente se tinha dirigido na peça processual anteriormente apresentada.

Improcedem as conclusões da alegação do presente recurso, inexistindo fundamento para revogação da decisão recorrida.

As custas recaem sobre o Recorrente – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.


Sumário: (…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Évora, 26 de setembro de 2024
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos

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[1] Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, Vol. I, pág. 265.
[2] Abrantes Geraldes e outros, ob. cit., pág. 654.
[3] Notas ao CPC, Vol. I, 3.ª ed., pág. 251.
[4] CPC Anotado, Vol. 1.º, 3.ª edição, pág. 369.
[5] Cfr. Ac. TRE de 16/04/2015 (Francisco Xavier), cuja jurisprudência foi seguida de perto no Ac. TRE de 20/12/2018 (Florbela Lança); Ac. TRL de 20/04/2015.
[6] Ac. TRL de 20/04/2015 (Ondina Carmo Alves).
[7] Ac. TRC de 24/04/2018 (Isaías Pádua).
[8] Relatado por Tomé de Carvalho, subscrito pela ora relatora.
[9] Relatado por Fernandes dos Santos.
[10] Relatado por Paulo Duarte Teixeira.
[11] Já acolhida no Ac. TRE de 29/04/2022, relatado e subscrito pela ora Relatora e 1.ª Adjunta, respetivamente.
[12] Tal como claramente expendido no Acórdão referido.
[13] Cfr. significado de logo in https://dicionario.priberam.org.
[14] Neste sentido, cfr. Ac. TRP de 09/01/2020 já citado.