AUDIÊNCIA PRÉVIA
DISPENSA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
CONHECIMENTO NO SANEADOR
NULIDADE
Sumário

I – Resulta da leitura conjugada do disposto nos artigos 591.º, n.º 1, alínea b), 592.º, 593.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e 597.º do CPCivil, que a audiência prévia é, por norma, obrigatória, podendo, em situações tipificadas na lei, ou não se realizar ou ser dispensada.
II – Nas situações em que a realização da audiência prévia é obrigatória, não é possível dispensá-la com recurso ao disposto nos artigos 6.º, n.º 1 e 547.º do Código de Processo Civil, uma vez que o legislador no artigo 593.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do mesmo Diploma Legal, enunciou especificamente as situações em que era possível dispensar tal diligência com tais fundamentos.
III – A posição que o legislador expressamente consagrou na lei foi a de que nas situações em que o tribunal pretenda conhecer, de imediato, do mérito da causa e a ação tiver valor superior a metade da alçada da Relação, é sempre obrigatória a realização da audiência prévia, de forma a facultar às partes a discussão de facto e de direito sobre as matérias a decidir.
IV – O desrespeito por esta obrigação legal determina a nulidade do despacho que declarou a dispensa da audiência prévia, nulidade essa que se transmite ao saneador-sentença que conheceu de mérito, sem que se tivesse procedido à realização da audiência prévia.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Proc. n.º 3310/23.5T8FAR.E1
2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]

Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
… (Autora) intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “Arrendamento (…) – Fundo de Investimento Imobiliário (…) para Arrendamento Habitacional”,[2] representada pela sua sociedade gestora “(…) – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento (…), S.A.”, e “(…) Portfolio (…), S.A.”[3] (Rés), solicitando, a final, que a ação seja julgada procedente, por provada, e, em consequência, que:
- seja declarado que o contrato celebrado entre as partes é um contrato promessa de compra e venda;
- sejam as Rés condenadas a reconhecer que a Autora é promitente adquirente do imóvel, tendo procedido, a esse título, à entrega de € 53.500,00, o qual se destinou à aquisição do imóvel;
- seja a 2.ª Ré condenada a celebrar tal escritura pública pelo valor de € 53.500,00; e
- no caso de se considerar que a Ré já não tem interesse, deverá ser condenada no pagamento do sinal em dobro, no valor de € 107.000,00.
Para o efeito, e em síntese, alegou que a Autora celebrou um contrato de arrendamento com opção de compra com a Ré “Arrendamento (…)”, considerando a Autora que estava a adquirir o imóvel, visto que pagava, por conta do valor final da aquisição, o montante mensal de € 500,00, ou seja, por ser titular de um contrato promessa de compra e venda, as rendas serviam como princípio de pagamento e não como pagamento de rendas, sendo que apenas firmou o contrato de arrendamento em 2014 por ter interesse na aquisição do referido imóvel, tendo as Rés disso conhecimento.
Mais referiu que as Rés se aproveitaram de famílias que não tinham condições para dar entrada em imóveis, de molde a conseguirem impedir que os seus credores fossem pagos, visto que, estando os imóveis onerados com contratos promessa, tal circunstância impossibilitava a sua venda em hasta pública.
Alegou, igualmente, que a Autora cuidou do imóvel como se fosse seu, pintou-o, arranjou-o, substituiu-lhe partes da canalização e da eletricidade, sem nada imputar ao senhorio, nem este tendo de se preocupar com esses encargos, visto se encontrar convencida de que era a proprietária do referido imóvel, por ter celebrado um contrato promessa de compra e venda e não um contrato de arrendamento.
Mais referiu que a Autora pretendia adquirir o imóvel pelo valor estipulado, tendo pago, a título de princípio de pagamento e pagamento subsequente, o valor de € 53.500,00, sendo que lhe foram garantidos os regimes do artigo 410.º e seguintes do Código Civil, nada apontando no contrato para situações relacionadas com o contrato de arrendamento.
Alegou, por fim, que a Autora tem direito à aquisição do imóvel pelo valor de € 53.500,00, devendo ser fixado o valor da aquisição e o prazo para o pagamento da mesma, sendo que, em caso de se mostrar ultrapassada esta possibilidade, devem as Rés ser condenadas solidariamente no pagamento do sinal em dobro, ou seja, no montante de € 107.000,00.
A Ré “Arrendamento (…)”, representada pela sociedade liquidatária “(…) – (…), S.A.”, apresentou contestação por exceção e por impugnação, requerendo, a final, que seja julgada verificada a invocada exceção de ilegitimidade passiva da 1.ª Ré, com a sua absolvição da instância; ou que seja julgada a ação improcedente, por não provada, com a absolvição das Rés do pedido.
Em síntese, alegou que a Ré “Arrendamento (…)” foi liquidada no dia 13-01-2023, pelo que, desde então, perdeu a sua personalidade judiciária, sendo que a falta de personalidade judiciária consubstancia uma exceção dilatória, que determina a absolvição desta Ré da instância.
Mais alegou que a pretensão da Autora é manifestamente improcedente e corresponde a uma litigância temerária, visto que, nos termos do que foi acordado, a Autora não exerceu a opção de compra, por não ter remetido a comunicação prevista no Anexo 4 até à data de que dispunha para esse efeito, ou seja, até 31-01-2019, pelo que a 1.ª Ré vendeu à 2.ª Ré, em 30-09-2021, o aludido imóvel, facto de que a Autora tem conhecimento desde há muito.
Alegou, por fim, que o pedido de pagamento do sinal em dobro é manifestamente improcedente, por não ter sido praticado qualquer ato ilícito e/ou culposo, de onde resulte o nexo causal para qualquer dano, não tendo a Autora alegado ou demonstrado os requisitos necessários para que lhe seja paga uma qualquer indemnização.
A Ré “(…)”, regularmente citada, não contestou.
A Autora veio exercer o contraditório, pugnando pelo indeferimento da exceção invocada, alegando, em síntese, que os Fundos de Investimento Imobiliário constituem patrimónios autónomos que são destituídos de personalidade jurídica e, consequentemente, de personalidade judiciária, razão pela qual necessitam sempre de uma sociedade gestora e administradora do respetivo Fundo, para que estejam representados, daí que a Autora tenha, conjuntamente com o referido Fundo, demandado a sua sociedade gestora, a qual tem personalidade jurídica e, consequentemente, judiciária, representando o fundo em juízo.
Por despacho judicial proferido em 07-02-2024 foram as partes notificadas nos seguintes termos:
Notifique as partes da possibilidade de ser proferido nos autos saneador-sentença, considerando que a factualidade em litígio já se encontra discutida nos articulados, podendo pronunciarem-se, querendo, em 10 dias, procedendo-se à adequação formal dos autos, entendendo-se que é desnecessária a marcação de audiência prévia, uma vez que as partes se podem pronunciar por escrito acerca de tal questão, o que torna mais célere a tramitação dos autos (artigos 3.º, n.º 3, 6.º e 547.º do CProcessoCivil).
“(…) – (…), S.A”, na qualidade de sociedade liquidatária da Ré “Arrendamento (…)”, pronunciou-se no sentido da não oposição à prolação de um saneador-sentença.
A Autora pronunciou-se, opondo-se a que seja proferida decisão sem a produção de prova e sem o exercício do contraditório, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Mais referiu que, não só os autos não estão em condições de serem decididos sem a produção de prova, nomeadamente da prova testemunhal e depoimentos de parte, por tal ser necessário para confirmar ou infirmar a prova documental junta aos autos; como também não é possível a prolação de saneador-sentença sem que seja realizada a audiência prévia.
Em 22-03-2024, foi proferido saneador-sentença, que fixou à ação o valor de € 107.000,00 e julgou improcedente a invocada exceção dilatória da ilegitimidade passiva, decidindo, a final, nos seguintes termos:
Em face do exposto, decide-se julgar a ação improcedente e, em consequência, absolver as Rés (…) – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento (…), SA e (…) Portfolio (…), SA dos pedidos deduzidos pela Autora (…).
Registe e notifique, inclusivamente as partes.
*
Custas a cargo da Autora, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e sem prejuízo do apoio judiciário de que a mesma beneficia.
Processei e revi.
Inconformada com tal saneador-sentença, veio a Autora interpor recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões:
1. Por sentença datada de 22-03-2024 o tribunal a quo julgou a ação improcedente e em consequência absolveu as Rés dos pedidos deduzidos pela Autora.
2. A ora Recorrente não se conforma com a sentença de que ora se recorre.
3. Em primeiro lugar porquanto o tribunal a quo não poderia ter proferido decisão sem realizar audiência prévia.
4. No NCPC (Lei n.º 41/2013), passou a dispor-se como regra a obrigatoriedade da realização de audiência prévia, agora previsto no artigo 591.º do C.P.C., nomeadamente quando “tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.” (n.º 1, b) Quando o Juiz tencionar conhecer, de imediato, do mérito da causa, a audiência prévia não pode ser dispensada (artigos 593.º/1, a contrario, e 591.º/1-b, ambos do CPC), sob pena de nulidade (artigo 195.º/1, do CPC).
5. Motivos pelos quais deveria ter sido realizada audiência prévia, sendo certo que os presentes autos não se encontravam devidamente debatidos nos articulados e a matéria de facto é indubitavelmente controvertida e impunha a produção de prova.
6. Ao que acresce que a sentença recorrida é totalmente omissa quanto aos factos dados como provados (apenas constando 4 factos) e quanto aos factos dados como não provados.
7. Evidentemente, a omissão de tal formalidade legal tem manifesta influência no exame e decisão da causa, quer para efeitos de impugnação, quer do seu julgamento, que in casu não se realizou.
8. Deste modo, com a omissão das formalidades referidas, previstas no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, cometeu-se uma nulidade processual prevista no artigo 195.º, n.º 1, do CPC. Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil.
9. Devendo ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, seguindo os autos os seus termos ulteriores.
10. Sem prescindir e caso assim não se entenda sempre se dirá que a sentença recorrida viola assim o disposto nos artigos 410.º e seguintes e artigo 442.º ambos do Código Civil.
11. Devendo ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, julgando-se a presente ação totalmente por provada.
Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso e revogar a douta sentença recorrida, seguindo os autos os seus ulteriores termos, assim se fazendo Justiça!
“(…) – (…), SA”, na qualidade de sociedade liquidatária da Ré “Arrendamento (…)”, veio apresentar contra-alegações, pugnando, a final, pela improcedência do recurso, sendo de manter a sentença proferida.
O tribunal da 1.ª instância admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo ainda se pronunciado sobre a nulidade invocada no recurso relativamente à não realização de audiência prévia, pugnando pela sua improcedência.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (artigo 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Assim, no caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Obrigatoriedade da realização da audiência prévia;
2) Nulidade da sentença;
3) Necessidade da produção de prova; e
4) Violação dos artigos 410.º e 442.º do Código Civil.
III – Matéria de Facto
O tribunal da 1.ª instância deu como provada, por entender terem relevo para a decisão, a seguinte matéria de facto:
1) A Autora (…) celebrou com o Fundo Arrendamento (…) – Fundo de Investimento Imobiliário (…) para Arrendamento (…), em 01-12-2014, um acordo escrito denominado “Contrato de arrendamento para habitação permanente com prazo certo e opção de compra” que teve por objeto o prédio urbano sito na Rua (…), n.º 51, freguesia de União das Freguesias de Conceição e Cabanas de Tavira, concelho de Tavira, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º (…) da freguesia de União das Freguesias de Conceição e Cabanas de Tavira e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (…), da freguesia de Conceição, no qual acordaram, em síntese, que:
i. O arrendamento terá a duração de 5 anos, com início em 1 de dezembro de 2014 e termo em 30 de novembro de 2019, renovável por períodos de 1 ano, com a renda inicial de € 500,00 mensais;
ii. O Fundo Arrendamento (…) – Fundo de Investimento Imobiliário (…) para Arrendamento Habitacional conferia à Autora “o direito de adquirir a habitação objeto do contrato”, pelo preço proposto pelo referido Fundo constante no ponto 5 desse anexo, durante o mês de Janeiro de cada ano, com termo final em 31 de janeiro de 2019, mediante o envio, por correio registado (cláusula 9º e ponto 3 do Anexo 3), sendo que o preço a pagar pela Autora seria o que, em cada momento, resultasse da “atualização do valor de € 242.995,00 (duzentos e quarenta e dois mil e novecentos e noventa e cinco euros), por aplicação do índice de preços ao consumidor (IPC) do Continente, sem habitação, ao longo de todo o período de vigência do contrato, até ao mês anterior à data de expedição da referida no número 3, deduzida de um desconto comercial correspondente à percentagem das rendas efetivamente recebidas pelo Senhorio (não sujeita a atualização) a seguir mencionada, devendo a carta a expedir pelo Senhorio mencionar o valor final da venda” (ponto 5 do Anexo 3);
iii. Foi igualmente previsto, nos pontos 5.1 a 5.3 das Condições de Exercício de Opção de Compra, o método de cálculo do “desconto comercial correspondente à percentagem das rendas efetivamente recebidas pelo Senhorio” (ponto 5 do Anexo 3);
iv. O direito a exercer a opção de compra cessava se não fosse exercido até ao termo do prazo inicial do contrato, data a partir da qual em que, caso o contrato de arrendamento ainda estivesse em vigor, a venda do imóvel seria feita caso as partes chegassem a um acordo escrito quanto aos termos da venda (ponto 6 do Anexo 3);
v. segundo os critérios previstos no Anexo 3 do contrato de arrendamento, parte das rendas que fossem pagas pela Autora ao Fundo Arrendamento (…) – Fundo de Investimento Imobiliário (…) para Arrendamento Habitacional poderiam ser consideradas enquanto critério para aplicação de desconto no preço previsto para o exercício da opção de compra (€ 242.995,00), variando a percentagem e ano para ano, tal como resulta do documento 2 da contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2) Por escritura pública de 30 de setembro de 2021, o Fundo Arrendamento (…) – Fundo de Investimento Imobiliário (…) para Arrendamento Habitacional vendeu à Ré (…), SA o prédio referido em 1), tal como resulta do documento 3 da contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3) A Ré (…) – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento (…), SA é a liquidatária do Fundo Arrendamento (…) – Fundo de Investimento Imobiliário (…) para Arrendamento Habitacional.
4) A presente ação foi intentada em 30 de outubro de 2023.
Relativamente aos factos não provados, fez consignar o seguinte:
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar são as questões supra enunciadas.
1 – Obrigatoriedade da realização da audiência prévia
Considera a recorrente que, em face do disposto nos artigos 591.º, n.º 1, alínea b) e 593.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, quando o tribunal a quo pretenda conhecer, de imediato, do mérito da causa, a audiência prévia não pode ser dispensada, sob pena de nulidade, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do mesmo Diploma Legal.
O tribunal a quo pronunciou-se relativamente a esta nulidade, considerando a sua inexistência,
Apreciemos.
Dispõe o artigo 591.º do Código de Processo Civil que:
1 - Concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.º 2 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou alguns dos fins seguintes:
a) Realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.º;
b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa;
c) Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate;
d) Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º;
e) Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º;
f) Proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes;
g) Programar, após audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respetivas datas.
2 - O despacho que marque a audiência prévia indica o seu objeto e finalidade, mas não constitui caso julgado sobre a possibilidade de apreciação imediata do mérito da causa.
3 - Não constitui motivo de adiamento a falta das partes ou dos seus mandatários.
4 - A audiência prévia é, sempre que possível, gravada, aplicando-se com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 155.º.

Estatui o artigo 592.º do mesmo Diploma Legal que:
1 - A audiência prévia não se realiza:
a) Nas ações não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b) a d) do artigo 568.º;
b) Quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados.
2 - Nos casos previstos na alínea a) do número anterior, aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo seguinte.

Determina o artigo 593.º desse Diploma Legal que:
1 - Nas ações que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º.
2 - No caso previsto no número anterior, nos 20 dias subsequentes ao termo dos articulados, o juiz profere:
a) Despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º;
b) Despacho a determinar a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º;
c) O despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º;
d) Despacho destinado a programar os atos a realizar na audiência final, a estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e a designar as respetivas datas.
3 - Notificadas as partes, se alguma delas pretender reclamar dos despachos previstos nas alíneas b) a d) do número anterior, pode requerer, em 10 dias, a realização de audiência prévia; neste caso, a audiência deve realizar-se num dos 20 dias seguintes e destina-se a apreciar as questões suscitadas e, acessoriamente, a fazer uso do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 591.º.

Determina, por fim, o artigo 597.º do mesmo Diploma Legal que:
Nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação, findos os articulados, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 590.º, o juiz, consoante a necessidade e a adequação do ato ao fim do processo:
a) Assegura o exercício do contraditório quanto a exceções não debatidas nos articulados;
b) Convoca audiência prévia;
c) Profere despacho saneador, nos termos do no n.º 1 do artigo 595.º;
d) Determina, após audição das partes, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º;
e) Profere o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º;
f) Profere despacho destinado a programar os atos a realizar na audiência final, a estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e a designar as respetivas datas;
g) Designa logo dia para a audiência final, observando o disposto no artigo 151.º.

Da leitura conjugada dos citados artigos resulta que, por norma, é obrigatória a audiência prévia, porém, não se realiza nas situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 592.º e pode ser dispensada nas situações previstas nos artigos 593.º e 597.º, todos do Código de Processo Civil.
No caso em apreço, em que se decidiu de mérito no despacho saneador, não estamos perante qualquer das situações onde não se realiza a audiência prévia, ou seja, perante as situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 592.º, quer porque a ação foi contestada, quer porque a decisão proferida no despacho saneador não terminou por apreciação de uma exceção dilatória já debatida nos articulados.
Por sua vez, também não estamos perante qualquer das situações de dispensa da audiência prévia, nos termos do artigo 593.º, n.º 1, visto que não estamos perante uma ação que haja de prosseguir, exatamente porque a mesma foi decidida de mérito no despacho saneador.
Por fim, também não estamos perante a situação prevista no artigo 597.º, uma vez que foi atribuído à ação o valor de € 107.000,00, ou seja, um valor significativamente superior a metade da alçada da relação (que é de € 15.000,00).
Para além disso, o legislador fez ainda expressamente consagrar no artigo 591.º, n.º 1, alínea b), que é convocada a audiência prévia nas situações em que o tribunal tencione conhecer, de imediato, no todo ou em parte, do mérito da causa, de forma a facultar às partes a discussão de facto e de direito sobre as questões que se encontram por decidir nesse concreto processo.
Ora, é assim evidente que, no caso em apreço, nos termos da legislação vigente, é obrigatória a realização da audiência prévia, não se mostrando prevista qualquer situação de dispensa da mesma.
Atente-se, aliás, que o artigo 593.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), consagra, de forma expressa, as situações em que o juiz pode dispensar a audiência prévia com recurso aos princípios da adequação formal, da simplificação e da agilização processual, previstos nos artigos 6.º, n.º 1 e 547.º do Código Processo Civil. Tendo o legislador consagrado as situações em que o juiz podia dispensar a audiência com tais fundamentos, não faz sentido que se socorra a esses mesmos fundamentos para dispensar a audiência prévia, para além das situações legalmente consagradas. Na realidade, havendo norma expressa não é defensável equacionar-se que houve esquecimento da lei para as situações que aí não foram previstas. Resulta, pelo contrário, em face do disposto no artigo 591.º, n.º 1, alínea b), que o legislador quis consagrar que nas situações em que o tribunal pretendesse conhecer, de imediato, do mérito da causa e a ação tivesse valor superior a metade da alçada da Relação fosse obrigatória a realização da audiência prévia, de forma a facultar às partes a discussão de facto e de direito das questões a decidir.
Atente-se que, inclusive, no acórdão do TRC, proferido em 03-03-2020, no âmbito do processo n.º 1628/18.8T8CBR-A.C1,[4] citado pelo tribunal a quo, quando se pronunciou sobre a invocada nulidade, se reconheceu que “foi, de facto, omitida uma formalidade imposta pela lei que gerará nulidade, nos termos do artigo 195.º, caso se considere que pode influir no exame ou na decisão da causa”. Porém, por terem igualmente considerado que a nulidade tinha sido arguida fora de prazo, nos termos do artigo 199.º do Cód. de Proc. Civil, não determinaram a nulidade do despacho proferido e respetivas consequências jurídicas. Assim, não foi por terem considerado que o ato de dispensa da audiência prévia naquelas situações era válido que não anularam a decisão recorrida, mas sim porque consideraram que a invocação da nulidade, por omissão de ato que a lei impõe, era intempestiva.
De qualquer modo, diversamente do que foi o entendimento nesse acórdão, entendemos que a omissão da realização da audiência prévia, quando a lei expressamente a impõe, constitui a preterição de um procedimento processual essencial, por violação do princípio do contraditório, que pode influir no exame e/ou na decisão da causa, pelo que gera, não apenas a nulidade processual, como a nulidade do próprio saneador-sentença, por ter conhecido de matéria que, sem a realização do ato que omitiu, não lhe era lícito conhecer. A nulidade declarada afeta não só os atos que padecem desse vício como os termos subsequentes que dele dependam absolutamente (n.º 2 do artigo 195.º do Código de Processo Civil), o que, no caso de nulidade do despacho que dispensou a audiência prévia e do saneador-sentença, determina a anulação de todos os atos posteriores ao do primeiro despacho anulado, ou seja, posteriores ao despacho que determinou a dispensa da audiência prévia.
Cita-se, a este propósito, entre muitos, o acórdão proferido neste tribunal em 10-05-2018:[5] [6]
1 - Entendendo o juiz, após a fase dos articulados, que os autos contêm os elementos necessários a habilitá-lo a proferir decisão de mérito que ponha termo ao processo, impõe-se a convocação de audiência prévia para o fim previsto no artigo 591.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
2 - A preterição da aludida formalidade processual que se reputa de essencial, gera para além de nulidade processual a nulidade do saneador-sentença e atenta a influência sobre esta decisão, implica a anulação do processado a fim da tramitação processual regressar ao momento anterior ao despacho que dispensou a realização da audiência prévia, de forma a possibilitar a efetiva audição das partes em sede de audiência de prévia, devendo no despacho que a designar esclarecer, em concreto, os fins a que se destina.

Apreciemos, então, a situação concreta.
O tribunal a quo, apesar de a presente ação não se enquadrar em nenhuma das situações que permitem a não realização da audiência prévia ou a sua dispensa, proferiu, em 07-02-2024, o seguinte despacho:
Notifique as partes da possibilidade de ser proferido nos autos saneador-sentença, considerando que a factualidade em lígio já se encontra discutida nos articulados, podendo pronunciarem-se, querendo, em 10 dias, procedendo-se à adequação formal dos autos, entendendo-se que é desnecessária a marcação de audiência prévia, uma vez que as partes se podem pronunciar por escrito acerca de tal questão, o que torna mais célere a tramitação dos autos (artigos 3.º, n.º 3, 6.º e 547.º do C.P.Civil).

A Autora, perante tal despacho, veio a opor-se a essa dispensa, invocando a sua obrigatoriedade.
Deste modo, e apesar da obrigatoriedade, imposta pela Lei, de realização da audiência prévia, não houve sequer consenso entre as partes para que a mesma não se viesse a realizar. E nem essa oposição por parte da Autora impediu o tribunal a quo de persistir na omissão desse ato legalmente obrigatório.
Nesta conformidade, apenas nos resta concluir pela nulidade do despacho, proferido em 07-02-2024, que determinou a dispensa da audiência prévia, e do saneador-sentença, afetado diretamente por tal nulidade, bem como de todos os atos subsequentes, devendo tal despacho ser substituído por outro que proceda à marcação da audiência prévia.
Nesta conformidade, tendo sido dado provimento ao recurso interposto quanto à invocada nulidade por ausência de realização da diligência prévia, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pela recorrente.
Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
(…)
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente e, em consequência, determina-se a revogação do despacho que dispensou a audiência prévia e do despacho saneador, bem como dos atos subsequentes, ordenando-se a marcação de audiência prévia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 591.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
Custas pela Apelada “Arrendamento (…)”, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Notifique.
Évora, 26 de setembro de 2024
Emília Ramos Costa (relatora)
Vítor Sequinho dos Santos
Maria Domingas Simões
__________________________________________________
[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Vítor Sequinho dos Santos; 2.ª Adjunta: Maria Domingas Simões.
[2] Doravante “Arrendamento (…)”.
[3] Doravante “(...)”.
[4] Consultável em www.dgsi.pt.
[5] No âmbito do processo n.º 2239/15.5T8ENT-A.E1, consultável em www.dgsi.pt.
[6] Vide também acórdãos do TRE proferido em 18-10-2018, no âmbito do processo n.º 2118/16.9T8ENT-C.E1; do TRE proferido em 18-10-2018, no âmbito do processo n.º 3870/17.0T8FNC-A.E1; do TRE proferido em 17-06-2021, no âmbito do processo n.º 931/19.4T8OLH.E1; do TRG proferido em 28-10-2021, no âmbito do processo n.º 1066/19.5T8VRL.G1; do TRL proferido em 20-12-2018, no âmbito do processo n.º 11749/17.9T8LSB.L1-7; do TRP proferido em 15-12-2021, no âmbito do processo n.º 2577/20.5T88AGD-A.P1; todos consultáveis em www.dgsi.pt.