A prestação de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social em substituição da pena de multa, nos termos do art. 48.º, n.º 1, do CPenal, não pode ser cumprida em estabelecimento prisional onde o arguido se encontra em cumprimento de pena de prisão e em simultâneo com esse cumprimento.
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo Local Criminal de Penafiel – Juiz 2
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
Sumário:
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I. Relatório
No âmbito do Processo Comum Singular n.º 1011/20.5T9PNF, a correr termos no Juízo Local Criminal de Penafiel, Juiz 2, por sentença de 27-01-2023, foi o arguido AA condenado, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art. 360.º, n.ºs 1 e 3 do CPenal, na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 5 (cinco euros), num total de € 1750 (mil setecentos e cinquenta euros).
Esta decisão foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 31-05-2023, já transitado em julgado.
Por requerimento de 05-07-2023, o arguido condenado, aqui recorrente, veio expor e requerer o seguinte:
«1. O Arguido foi condenado nos presentes autos pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo artigo 360.º, n.º 1 e 3 do Código Penal, na pena de 350 dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), no montante global de € 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros).
2. Atento o teor do relatório social junto aos autos com a referência citius 8053425, o Arguido encontra-se a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional ... desde o dia 20-03-2021, à ordem do Processo 24/20.1GAPNF, o que o impede de exercer atividade profissional devidamente remunerada.
3. Face ao exposto, requer-se a V. Exa. se digne ordenar que a pena de multa fixada seja totalmente substituída por trabalho a prestar no Estabelecimento Prisional ..., por força da situação atual do Arguido.
Caso assim não se entenda, o que não se concede e apenas por mera cautela de defesa se configura,
4. Atendendo à situação económica débil do Arguido, requer-se a V. Exa. Se digne admitir o pagamento da multa supra aludida em trinta e cinco prestações, iguais e sucessivas, cada uma delas no montante € 50,00 (cinquenta euros).»
«Na sequência da articulação com a Direção do Estabelecimento Prisional ..., cumpre-nos informar V. Ex.ª que AA exerce atualmente as funções laborais de faxina do Pavilhão B, rendimento essencial à sua manutenção quotidiana uma vez que não recebe visitas nem tem qualquer apoio exterior.
Em consequência, o condenado tem a possibilidade de cumprir a substituição da multa por trabalho naquelas funções, fora do seu normal horário de trabalho, todos os dias da semana, entre as 15:00h e as 18:00h.»
«A. Ser revogado o despacho recorrido;
Caso assim não se entenda o que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se configura,
B. A decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue deferido o requerimento de substituição da pena de multa de 350 dias, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), no montante global de € 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros), em que o Recorrente foi condenado, por prestação de trabalho a favor da comunidade, a realizar no Estabelecimento Prisional ..., onde se encontra recluído desde o dia 20-03-2021, à ordem do Processo 24/20.1GAPNF, nos termos do preceituado no artigo 48.º do Código Penal.
Caso assim não se entenda o que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se configura,
C. A decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue deferido o requerimento de substituição da pena de multa de 350 dias, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), no montante global de € 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros), em que o Recorrente foi condenado, por prestação de trabalho a favor da comunidade, a realizar logo após o termo da pena de prisão que o Recorrente se encontra a cumprir à ordem do Processo 24/20.1GAPNF, tudo nos termos das disposições conjugadas dos artigos 48.º e 125.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal.»
Apresenta em apoio da sua posição as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«A. Por acórdão datado de 27/01/2023, transitado em julgado em 15/06/2023, o Recorrente foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo artigo 360.º, n.º 1 e 3 do Código Penal, na pena de 350 dias de multa, à razão diária de € 5,00, no montante global de € 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros) e, bem assim, no pagamento das custas do processo (artigos 513.º e 514.º Código de Processo Penal), tendo-se fixado a taxa de justiça no mínimo, reduzida a metade por força da confissão.
B. Assim, em 04/07/2023, o Recorrente foi notificado do processamento da multa, tendo em 05/07/2023 apresentado requerimento em virtude do qual pretendia a substituição da pena de multa, em que foi condenado, por prestação de trabalho a favor da comunidade, a realizar no Estabelecimento Prisional ..., onde se encontra recluído desde o dia 20/03/2021, à ordem do Processo n.º 24/20.1GAPNF.
C. No seu requerimento o Recorrente esclareceu, ainda, que por força de se encontrar recluído estava impossibilitado de exercer qualquer trabalho devidamente remunerado, razão pela qual enfrentava sérias dificuldades económicas.
D. Mais esclareceu que a sua débil condição económica não lhe permitia proceder ao pagamento da multa em que foi condenado.
E. Ao abrigo do disposto nos artigos 48.º do Código Penal e 489.º e 490.º do Código de Processo Penal, o douto Ministério Público promoveu que se solicitasse à DGRS a elaboração de relatório com vista a apurar a viabilidade da prestação de trabalho a favor da comunidade por parte do Recorrente, potencialmente no local indicado no seu requerimento.
F. Nessa sequência, o douto Tribunal Recorrido ordenou à DGRSP a elaboração de relatório tendente à substituição da pena aplicada por trabalho a favor da comunidade, tudo nos termos do artigo 490.º n.º 2 do Código de Processo Penal.
G. Acontece que, em 28/09/2023 o Tribunal de Execução das Penas do Porto – Juízo de Execução das Penas do Porto – Juiz 1 dirigiu aos presentes autos um pedido de informação com a referência citius 9069897, solicitando informação quanto ao estado dos presentes autos.
H. O douto Tribunal a quo respondeu ao aludido pedido de informação, em 29/09/2023, através do ofício com a referência citius 93105151, indicando que os presentes autos se encontravam a “aguardar o plano a elaborar pela DGRSP em virtude da substituição da pena aplicada por trabalho a favor da comunidade”.
I. Nessa sequência, em 03-11-2023, o identificado Tribunal de Execução de Penas dirigiu aos autos um despacho com a referência citius 9162589, em virtude do qual considera que “o cumprimento da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade colide, necessariamente, com o cumprimento simultâneo de pena de prisão efectiva”.
J. O aludido despacho nunca foi notificado ao Recorrente, nem lhe foi dada qualquer possibilidade de se pronunciar quanto ao mesmo, desconhecendo-se o fundamento da sua junção aos autos, bem como, a sua oportunidade ou, competência, o que expressamente se invoca com todas as consequências legais.
K. Tanto mais que, o aludido despacho não versa sobre qualquer circunstância do caso concreto, limitando-se a invocar um determinado entendimento como se de uma proibição absoluta plasmada na lei se tratasse, fazendo tábua rasa das circunstâncias concretas do caso sub judice.
L. Se a questão que aqui nos traz fosse linear e indiscutível como decorre do citado despacho, existindo um único entendimento, o Recorrente não assistiria ao cumprimento de trabalho a favor da comunidade por parte dos seus pares junto do Estabelecimento Prisional ..., onde se encontra.
M. Além disso, em 09-11-2023, com a referência citius 9176250, foi junto aos autos o ofício da DGRSP onde se conclui, em suma, que no caso em apreço se encontram reunidas as condições para a requerida substituição da pena, indicado para o efeito que o Recorrente poderia ”cumprir a substituição da multa por trabalho naquelas funções (faxina do Pavilhão B), fora do seu normal horário de trabalho, todos os dias da semana, entre as 15:00h e as 18:00h”.
N. Assim, veio a DGRSP corroborar o invocado pelo Recorrente no seu requerimento, reconhecendo as suas dificuldades financeiras e a inexistência de qualquer apoio por parte de terceiros, bem como, reconheceu existirem condições para o cumprimento da requerida substituição da multa por trabalho a favor da comunidade, nomeadamente, através do exercício de funções de “faxina do Pavilhão B”, todos os dias da semana, entre as 15:00h e as 18:00h e, portanto, fora do horário de trabalho que o Recorrente já exerce enquanto recluso do Estabelecimento Prisional ....
O. Não obstante, em 09-11-2023, após Promoção do Ministério Público, o douto Tribunal recorrido proferiu o despacho com a referência citius 93492790, em virtude do qual indeferiu o pedido, apresentado pelo Recorrente, de substituição da multa, em que foi condenado, por trabalho a favor da comunidade.
P. O Tribunal recorrido fundamentou a sua decisão no facto do Tribunal de Execução de Penas se ter pronunciado no sentido da inadmissibilidade legal de cumprimento conjunto/simultâneo de pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade e de pena de prisão efetiva e, na consequente pronúncia do Ministério Público, acompanhando o sentido de indeferimento da pretensão do Recorrente.
Q. Para tanto, o Tribunal a quo limitou-se a citar o despacho do Tribunal de Execução de Penas, entendendo assim que “o cumprimento da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade colide, necessariamente, com o cumprimento simultâneo de pena de prisão efectiva, porquanto o trabalho prestado em reclusão tem como objectivo a interiorização da importância da prestação laboral com vista à preparação para uma vida em liberdade, enquanto o trabalho a favor da comunidade representa isso mesmo, a prestação de trabalho em benefício da sociedade, pelo que o cumprimento conjunto de penas com natureza totalmente distintas redundaria no não cumprimento desta última”.
R. Todavia, no modesto entendimento do Recorrente, o despacho que antecede não se encontra devidamente fundamentado, de facto e de direito, tal como impõe o estatuído no artigo 97.º, n.º 5 do Código de Processo Penal.
S. Sempre se diga que o Tribunal recorrido fez completa tábua rasa do relatório elaborado pela DGRSP sem concretizar a razão para tal, uma vez que havia sido ordenada a sua elaboração nos termos do artigo 490.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
T. Embora o despacho recorrido assente exclusivamente no entendimento do Tribunal de Execução de Penas, não se vislumbra qualquer argumento jurídico, que o Recorrente possa compreender, que justifique a invocada inviabilidade do cumprimento da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade em Estabelecimento Prisional.
U. Tanto mais, que a própria DGRSP reconhece no caso concreto estarem reunidas as condições para substituição da pena de multa pelo trabalho a favor da comunidade.
V. Atenta a posição da DGRSP, parece-nos resultar claro que in casu não subsistem razões operacionais ou, de insuficiência de recursos humanos que obstem ao cumprimento do requerido trabalho a favor da comunidade.
W. Por identidade de razão, não se vislumbram circunstâncias do regime de reclusão do Recorrente ou, quaisquer outros motivos que impeçam a concretização da medida substitutiva requerida pelo Recorrente.
X. Além disso, o despacho recorrido não invoca qualquer impedimento legal que obste à prestação de trabalho a favor da comunidade a concretizar em Estabelecimento Prisional, nem poderia invocar uma vez que o mesmo não se encontra previsto em nenhum diploma legal.
Y. Salvo devido respeito por opinião diversa, o despacho recorrido é omisso quanto aos fundamentos que no caso concreto impedem a substituição da pena aplicada pela prestação de trabalho a favor da comunidade.
Z. Consequentemente, a decisão de indeferimento proferida viola os mais elementares Princípios Constitucionais de defesa do Recorrente, bem como, o disposto no artigo 97.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, devendo ser revogado.
AA. Sempre se diga que, o despacho proferido faz absoluta tábua rasa das circunstâncias concretas da situação financeira e social do Recorrente, bem como, aquelas a que está sujeito por via da reclusão, designadamente, as condições do Estabelecimento Prisional ... e o regime de execução da pena, que possibilitam o cumprimento da pena de trabalho a favor da comunidade no meio onde se encontra o Recorrente.
BB. Reiterando, nesta sede, que o Recorrente antecipadamente justificou o seu pedido, apresentado com base no previsto no artigo 48.º do Código Penal, quanto à impossibilidade de pagamento e ao seu estado de reclusão.
CC. Assim, salvo devido respeito, impunha-se que fossem ponderados todos os factos expostos pelo Recorrente, bem como, os vertidos no relatório da DGRSP, acompanhados de uma avaliação dos mesmos pelo Tribunal a quo.
DD. Acresce que, da situação financeira e social do Recorrente, plasmada no próprio Relatório da DGRSP, parece-nos resultar claro que o mesmo não tem condições que lhe permitam proceder ao pagamento da multa em que foi condenado.
EE. Atenta a concreta situação de reclusão do Recorrente, propôs a DGRSP o “exercício de funções de “faxina do Pavilhão B”, todos os dias da semana, entre as 15:00h e as 18:00h e, portanto, fora do horário de trabalho que o Recorrente já exerce enquanto recluso do Estabelecimento Prisional ...”, sem considerar que tal afetaria o cumprimento da pena de prisão a que se encontra adstrito e que sempre continuará a cumprir.
FF. Não se vislumbra de que forma o cumprimento de trabalho a favor da comunidade em estabelecimento prisional possa esvaziar as finalidades da pena de prisão.
GG. Bem como, não se concebe que o cumprimento de trabalho a favor da comunidade só pelo facto de ser prestado em estabelecimento prisional não possa realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
HH. Salvo devido respeito por opinião diversa o cumprimento cumulativo de duas punições distintas, mantendo-se o Recorrente, simultaneamente, privado da sua liberdade e adstrito ao cumprimento de trabalho a favor da comunidade contribuirão antes para um reforço da concretização das finalidades das punições aplicadas.
II Sempre se diga que o legislador, nos termos do artigo 48.º, n.º 1 do Código Penal, não impõe expressamente que o Arguido se encontre em situação de liberdade para que lhe seja possível requerer a substituição da pena aplicada por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas coletivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social.
JJ. O aludido preceito legal limita-se a cercear o âmbito da sua aplicação ao facto de se poder concluir em cada caso que o cumprimento de trabalho a favor da comunidade possa realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
KK. Ora, salvo devido respeito, inexistem no processo e, bem assim, no despacho recorrido a menção de quaisquer factos que no caso concreto nos impeçam de chegar à conclusão que o cumprimento da requerida medida de substituição da pena de multa aplicada irá impedir a realização adequada e suficiente das finalidades da punição em causa.
LL. Sempre se diga que os estabelecimentos prisionais fazem parte da estrutura do Estado e, assim sendo, nada obsta a que o serviço a favor da comunidade possa ser prestado junto dos mesmos.
MM. Aliás, devem os Estabelecimentos Prisionais garantir as condições de prestação de trabalho no seu interior, no sentido de se contribuir positivamente para o processo de ressocialização dos reclusos.
NN. Ora, se a ideia plasmada na conclusão que antecede é comumente aceite, não vislumbra porque motivo será de considerar que o trabalho a favor da comunidade praticado junto do Estabelecimento Prisional onde o Arguido se encontra recluído não terá o mesmo efeito positivo e de ressocialização.
OO. Tanto mais que, no Estabelecimento Prisional ..., onde se encontra o Recorrente, existem inúmeras situações de reclusos a quem foram deferidos os pedidos de substituição das penas por trabalho a favor da comunidade.
PP. Assim e, atendendo ao relatório da DGRSP, não pode o Recorrente aceitar que no seu caso igual decisão não possa ser tomada.
QQ. Além disso, o Recorrente não dispõe de meios económicos para cumprimento da pena de multa e, como bem se sabe, está impossibilitado de conseguir um qualquer emprego devidamente remunerado porque não se encontra em liberdade.
RR. A impossibilidade de obter um emprego e a inexistência de qualquer outra forma de financiamento, coloca o Recorrente (e qualquer recluso) nunca situação de maior vulnerabilidade do que aqueles que, sendo condenados em pena idêntica, ainda que sejam desfavorecidos economicamente, possam usar a sua liberdade para conseguir um emprego.
SS. Salvo devido respeito por opinião distinta, o Recorrente não pode ser discriminado face aos demais arguidos que sendo reclusos disponham de património, rendimentos ou familiares dispostos a suportar a multa aplicada, nem pode ser arredado do tratamento consentido aos demais cidadãos que, estando em liberdade e querendo, podem prestar trabalho a favor da comunidade, em substituição de uma multa em que sejam condenados.
TT. Não pode ser impeditivo da substituição da pena de multa pela prestação de serviço a favor da comunidade o facto do Recorrente se encontrar a cumprir pena de prisão à ordem de outros autos, sob pena de violação do Princípio da Igualdade enquanto princípio basilar de qualquer Estado de Direito.
UU. Razão pela qual não podemos deixar de considerar que o despacho recorrido ao decidir pelo indeferimento do pedido de substituição do pagamento da pena de multa em que o Recorrente foi condenado por prestação trabalho a favor da comunidade, viola de forma gritante, o Princípio da Igualdade tal como plasmado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, o disposto no artigo 48.º do Código Penal.
VV. Assim, deve ser concedida a possibilidade ao Recorrente de cumprir a pena de substituição requerida em vez da pena de multa em que foi condenado.
WW. Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve ser revogado em conformidade o despacho recorrido, determinando-se a substituição da pena de multa de 350 dias, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), no montante global de € 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros), em que o Recorrente foi condenado, por prestação de trabalho a favor da comunidade, a realizar no Estabelecimento Prisional ..., onde se encontra recluído desde o dia 20-03-2021, à ordem do Processo 24/20.1GAPNF, tudo nos termos do preceituado no artigo 48.º do Código Penal.
XX. Ainda que se considere incompatível o cumprimento simultâneo da pena de prisão e da prestação de trabalho a favor da comunidade, o que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se configura, estando o arguido a cumprir pena de prisão efetiva, sempre poderia ser diferido o início do cumprimento da prestação de trabalho para momento posterior ao cumprimento da pena de prisão, suspendendo- se o prazo de prescrição desta pena durante o período em que está impossibilitado de o prestar, nos termos do artigo 125.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal.
YY. Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve ser revogado em conformidade o despacho recorrido, determinando-se a substituição da pena de multa de 350 dias, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), no montante global de € 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros), em que o Recorrente foi condenado, por prestação de trabalho a favor da comunidade, a realizar logo após o termo da pena de prisão que o Recorrente se encontra a cumprir à ordem do Processo 24/20.1GAPNF, tudo nos termos das disposições conjugadas dos artigos 48.º e 125.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal.»
«1 - O cumprimento da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade colide, necessariamente, com o cumprimento simultâneo de pena de prisão efectiva, porquanto o trabalho prestado em reclusão tem como objectivo a interiorização da importância da prestação laboral com vista à preparação para uma vida em liberdade, enquanto o trabalho a favor da comunidade representa isso mesmo, a prestação de trabalho em benefício da sociedade, pelo que o cumprimento conjunto de penas com natureza totalmente distintas redundaria no não cumprimento desta última
2 - E a própria natureza das penas em causa que impõe decisão desfavorável á pretensão formulada pelo recorrente.
3 - Não foi, pois, violado qualquer dispositivo legal.»
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
A questão principal que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso é a de saber se a prestação de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social em substituição da pena de multa, nos termos do art. 48.º, n.º 1, do CPenal, pode ser cumprida em estabelecimento prisional onde o arguido se encontra em cumprimento de pena de prisão, em simultâneo com esse cumprimento.
Secundariamente, suscita a questão de poder ser deferido o início do cumprimento do trabalho para momento posterior ao termo da pena de prisão que cumpre.
Vejamos.
Estabelece o art. 48.º do CPenal, sob a epígrafe “Substituição da multa por trabalho”, que:
«1 - A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 58.º e no n.º 1 do artigo 59.º.»
Esta modalidade de execução parcial ou total da pena de multa[2] assemelha-se à medida de trabalho a favor da comunidade, prevista nos arts. 58.º e 59.º do CPenal, enquanto pena substitutiva da pena de prisão, mas não se confunde com esta, apesar de seguir de perto o seu regime, como resulta, desde logo, do disposto no n.º 2 do art. 48.º do CPenal.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para uniformização de jurisprudência n.º 13/2013[3], de 18-09-2013, que fixou jurisprudência no sentido de que «[a] correspondência entre a multa e a prestação de trabalho a favor da comunidade que resulte da substituição da pena de multa, nos termos do artigo 48.º, n.º 2, do Código Penal, é a estabelecida no artigo 58.º, n.º 3, do mesmo diploma, ou seja, um dia de multa corresponde a uma hora de trabalho», e que aqui seguimos de perto, por com mesmo concordarmos, analisou a natureza jurídica destas figuras nos seguintes termos[4]:
«A prestação de trabalho a favor da comunidade enquanto medida penal foi introduzida no direito português com o Código Penal de 1982, inserida num amplo programa político-criminal de reação à pena de prisão e de consagração de um leque alargado de penas alternativas, programa esse inserido também num movimento internacional que visava reduzir a aplicação da pena de prisão, sobretudo quando de curta duração, devido aos seus efeitos criminógenos.
Ela consiste na prestação pelo condenado de serviços gratuitos ao Estado, ou a outras pessoas coletivas de direito público, ou ainda a entidades privadas cujos fins sejam considerados pelo tribunal de interesse para a comunidade (artigo 58.º, n.º 2, do CP).
A prestação de trabalho não constitui, porém, no nosso sistema penal, uma pena principal. Ela não recebeu, sequer, um tratamento unitário no Código Penal. Na verdade, ela funciona em duas vertentes diferentes: umas vezes como pena autónoma, outras como forma de execução de outra pena, concretamente a de multa.
Enquanto pena autónoma, constitui pena substitutiva da pena de prisão, com o regime descrito nos arts. 58.º e 59.º do CP, cominada na própria sentença condenatória.
Mas também funciona como forma de execução da pena (principal) de multa, nos termos do artigo 48.º do CP, a utilizar se não houver pagamento voluntário da multa e for requerida pelo condenado, sendo então objeto de decisão em sede de execução da pena (artigo 490.º, n.ºs 1 e 3, do CPP).
Esta distinção, essencialmente dogmática e procedimental, não obsta a uma substancial similitude entre as duas medidas, quer pelo conteúdo (prestação de serviços gratuitos à comunidade), quer pelo seu sentido político-criminal (evitamento de cumprimento de prisão pelo condenado), em termos de a regulamentação da pena poder servir de “direito subsidiário” da execução da multa, como já se preconizava face à versão originária do CP.»
E mais adiante é salientado que «o que importa acentuar é a opção do legislador de fazer coincidir o regime da prestação de trabalho como forma de cumprimento da multa com o da prestação de trabalho como pena autónoma, por meio da remessa estabelecida no artigo 48.º, n.º 2, para o artigo 58.º, n.ºs 3 e 4, ambos do CP. Foi uma opção inequívoca e coerente com a similitude das duas medidas, já salientada por Figueiredo Dias, como vimos, e reforçada na discussão do anteprojeto do CP.»
Esta apreciação, como se realça no aresto, vai ao encontro do entendimento de Figueiredo Dias[5] de que «[é] de sufragar uma resposta afirmativa de princípio à questão posta: o conteúdo desta sanção sucedânea da multa é inteiramente análogo ao daquela pena; e o próprio sentido político-criminal de uma e outra é idêntico: porque também a sanção de dias de trabalho (apesar de não ser, de um ponto de vista dogmático, uma pena de substituição, como sucede com a pena de PTFC), se justifica como uma última forma de evitar que ao condenado, que não pagou a multa nem voluntária, nem coercivamente, seja aplicada uma pena privativa de liberdade. Uma e outra razão justificam que a generalidade dos problemas de aplicação e de execução da sanção de dias de trabalho seja solucionada da mesma forma e no mesmo sentido em que o são os problemas postos pela pena de PTFC.»
Este cenário mostra-se reforçado com o estatuído no DL 375/97, de 24-12, diploma que estabelece os procedimentos e regras técnicas destinados a facilitar e promover a organização das condições práticas de aplicação e execução da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (PTFC), clarificando as funções dos diversos intervenientes, e que de acordo com o seu art. 15.º é correspondentemente aplicável à substituição da multa por trabalho, regulada nos artigos 48.º do Código Penal e 490.º do Código de Processo Penal.
Ora, a pena de PTFC, como o seu próprio nome sugere, tem em vista um benefício comunitário através da prestação de trabalho levada a cabo pelo condenado.
Em ambos os casos, isto é, da prestação de trabalho prevista no art. 48.º do CPenal, como forma de execução da multa, e da PTFC prevista nos arts. 58.º e 59.º do CPenal, procura-se evitar a privação de liberdade do condenado e levá-lo a prestar serviços úteis à comunidade como forma de expiar e extinguir a sua pena.
Neste sentido, devem os serviços de reinserção social organizar uma bolsa de entidades beneficiárias interessadas em colaborar ao nível local (art. 3.º, n.º 1, do DL 375/97, de 24-12), sendo certo que «[a] selecção dos postos de trabalho é feita em função da utilidade comunitária e do carácter formativo das tarefas a executar, de modo a favorecer a inserção social dos prestadores de trabalho, designadamente nos domínios seguintes:
a) Apoio a crianças, idosos e deficientes, ou no domínio de outras actividades de apoio social;
b) Melhoria das condições ambientais das comunidades locais;
c) Serviços auxiliares em hospitais e outros estabelecimentos de saúde;
d) Acções de prevenção de incêndios;
e) Trabalho em associações ou participação em actividades de carácter cultural, social ou desportivo com fins não lucrativos» (n.º 2 do referido preceito).
Por outro lado, na selecção dos postos de trabalho a atribuir ao condenado a quem venha a ser deferida a prestação de trabalho ou fixada a PTFC, «ponderam-se, entre outros, os seguintes critérios:
a) A disponibilidade de horários de trabalho aos sábados, domingos e feriados ou durante os períodos não incluídos no horário normal de funcionamento das entidades beneficiárias;
b) Os benefícios sociais e as oportunidades proporcionadas pelas entidades beneficiárias, designadamente as perspectivas de inserção sócio-profissional dos prestadores de trabalho.»
Neste percurso, de procura de local para prestação de trabalho/cumprimento de PTFC, «[o]s serviços de reinserção social enviarão ao tribunal informação sobre as entidades beneficiárias da prestação do trabalho, indicando, designadamente, o local, o tipo de trabalho e o horário a praticar e facultando os elementos que permitam ajuizar do interesse do trabalho proposto para a comunidade e da adequação deste ao arguido» (art. 5.º, n.º 2, do DL 375/97, de 24-12).
Duas ideias chave podem ser extraídas do conjunto das normas relevantes para a solução do caso concreto:
Primeiro, o interesse para a comunidade, dentro dos parâmetros que acabámos de referir, é desidrato essencial da prestação de trabalho em substituição da multa e do cumprimento de PTFC em substituição da prisão.
Segundo, a situação económica do condenado no caso da pena principal de multa, que é aquele de que nos ocupamos, e o necessário não cumprimento de prisão subsidiária por razões económicas estão sempre salvaguardados pelos mecanismos de adequação que resultam do disposto nos arts. 47.º, n.ºs 3 e 4, e 49.º, n.º 3, do CPenal.
Porém, a jurisprudência não é uniforme na procura de uma solução para a questão essencial que o recorrente coloca.
Assim, por acórdão do TRL de 07-11-2019[6], foi reconhecida como válida a solução propugnada pelo recorrente, isto é, de que não é incompatível o cumprimento de pena de prisão e a prestação de trabalho em substituição da pena de multa, ao abrigo do disposto no art. 48.º, n.º 1, do CPenal, pois de outro modo estar-se-ia a discriminar a arguida em relação aos demais reclusos que dispõem de património, rendimentos ou familiares dispostos a suportar a multa, redundando ainda no afastamento do tratamento consentido aos demais cidadãos que, estando em liberdade, querendo, podem prestar trabalho a favor da comunidade, em substituição de uma multa em que sejam condenados.
Antes, igual posição já havia sido assumida no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20-10-2015[7], aí se mencionando ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-11-2009 (noutras decisões mencionando-se de 16-11-2019), que não detectámos nas buscas realizadas.
Em sentido contrário, perfilhando o entendimento de que «[c]omo decorre da interpretação literal da lei, o legislador previu tal pena [PTFC] no pressuposto de que o arguido se encontre em liberdade e que tal trabalho assuma, ainda assim, uma restrição dessa mesma liberdade ao sujeitar-se a determinadas atividades laborais impostas; só assim a prestação de trabalho comunitário poderá cumprir a sua finalidade» e de que «[e]xiste, pois, incompatibilidade entre a prestação de trabalho a favor da comunidade e a privação de liberdade», veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-03-2019[8].
Acompanhando este entendimento, que é maioritário, detectámos os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-09-2019[9], mencionado no despacho recorrido, do Tribunal da Relação de Guimarães de 07-11-2013[10] e do Tribunal da Relação do Porto de 05-11-2014[11], mencionado no parecer da Exma. Procuradora-Geral Adjunta, e de 26-10-2017[12].
Ora, não podemos deixar de considerar que esta segunda posição é a que melhor se adequa aos pressupostos e finalidades da prestação de trabalho como forma de cumprimento da pena de multa e da pena de substituição da prisão por PTFC, no fundo às finalidades da punição.
Como bem se argumenta no acórdão do Tribunal da Relação do Porto 05-11-2014, proferido no âmbito do Proc. n.º 1040/13.5PHMTS-A.P1 (cf. nota-de-rodapé 11), «estando o arguido preso em cumprimento de pena, falecem os pressupostos que permitem a aplicação de tal medida punitiva, a qual, a aceitar-se nos termos requeridos, seria desvirtuar a sua finalidade, uma vez que se diluía no cumprimento de outra pena - a de prisão - quando é sabido que os reclusos exercem muitas vezes diversas tarefas similares dentro dos próprios Estabelecimentos Prisionais, sem que isso assuma natureza de prestação de trabalho a favor da comunidade e muito menos medida punitiva.
Como decorre da interpretação literal da própria norma, o legislador previu tal pena no pressuposto de que o arguido se encontre em liberdade e que tal trabalho assuma, ainda assim, uma restrição dessa mesma liberdade ao sujeitar-se a determinadas actividades laborais impostas; só assim a prestação de trabalho comunitário poderá cumprir a sua finalidade, o que não aconteceria se a cumulássemos com o cumprimento da pena de prisão enquanto esta decorre e no mesmo estabelecimento.»
As obrigações do condenado como prestador de serviços e as limitações a que se deve sujeitar, incompatíveis com a situação de reclusão, estão bem patentes nos arts. 7.º e 8.º do DL 375/97, de 24-12.
Igual ilação se extrai do conteúdo do art. 490.º do CPPenal.
Mas a deturpação das referidas finalidades assume ainda outras configurações.
Já vimos que nos termos do DL 375/97, de 24-12, a execução da prestação de trabalho/PTFC implica sempre uma utilidade comunitária, com especial realce em áreas como:
a) Apoio a crianças, idosos e deficientes, ou no domínio de outras actividades de apoio social;
b) Melhoria das condições ambientais das comunidades locais;
c) Serviços auxiliares em hospitais e outros estabelecimentos de saúde;
d) Acções de prevenção de incêndios;
e) Trabalho em associações ou participação em actividades de carácter cultural, social ou desportivo com fins não lucrativos.
Como salienta Paulo Pinto de Albuquerque[13], «[o] único requisito na selecção da entidade beneficiária é o de os fins da entidade serem de interesse para a comunidade», sendo que «[a]tenta a latitude da expressão da lei, ela inclui quaisquer entidades cujos fins sejam úteis para uma pluralidade de pessoas além dos seus membros ou associados.»
Ora, no caso concreto, a prestação de trabalho pelo condenado no próprio estabelecimento prisional onde cumpre pena de prisão não tem qualquer utilidade para a comunidade em geral e muito menos qualquer aproximação às áreas de valor social indicadas, a título exemplificativo é certo, mas também orientador.
E mesmo que procurássemos enquadrar a comunidade daquele concreto estabelecimento prisional como possível beneficiária da prestação de trabalho por parte do recorrente – o que não é possível em face dos requisitos indicados –, sempre teríamos de concluir que o recorrente era o único beneficiário de uma tal medida.
Com efeito, de acordo com a informação prestada pela DGRSP, havia disponibilidade para o recorrente cumprir as tarefas inerentes à função de faxina, que já exerce, mas num outro horário.
Significa isto que o recorrente iria exercer essas funções em horário que outro recluso poderia usar para ter ocupação laborar, actividade com relevante ponderação na avaliação do comportamento dos reclusos em ambiente prisional.
Ora, sendo bem conhecida a escassez de oportunidades de trabalho que grassa no sistema prisional, pois a oferta é menor do que a procura, mostra-se inevitável concluir que a medida requerida iria prejudicar a comunidade prisional onde o arguido se encontra inserido, só a si beneficiando.
E o benefício nem cumpria os desideratos pessoais para que foi pensada a medida, pois o trabalho de faxina nada de formativo aporta ao condenado (art. 3.º, n.º 2, do DL 375/97, de 24-12), traduzindo uma pura forma de ocupação do tempo do condenado no EP e de cumprimento de duas penas de uma assentada, sem qualquer interiorização do sentido de dádiva à sociedade através de limitações a impor à liberdade de opção do condenado, que no caso são inexpressivas.
Deste modo, não era possível concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – art. 48.º, n.º 1, in fine, do CPenal.
Acresce que o argumento do recorrente de que estando preso não pode trabalhar como qualquer pessoa que se encontre em liberdade é demagógico e desresponsabilizante, pois se está privado de liberdade em cumprimento de pena de prisão e ainda tem outra pena para cumprir só a si pode responsabilizar por se encontrar nessa situação.
Este é também o entendimento perfilhado pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-05-2017[14], onde se afirma que «[é]-lhe imputável a falta de pagamento da multa de substituição se o arguido se colocou na impossibilidade de exercer uma actividade remunerada, como a sua situação de reclusão emergente da prática de um crime».
Não obstante sempre se dirá que, uma vez que o presente recurso tem efeito meramente devolutivo, foi deferido ao recorrente o pagamento da multa em prestações (pedido subsidiário) e o mesmo tem cumprido, como resulta da tramitação dos autos posterior à admissão do presente recurso.
Por último, e à semelhança do que se argumenta nos arestos indicados que perfilham a posição que aqui defendemos, não se vê que tal orientação belisque o princípio da igualdade, pois pressupõe igual tratamento para quem se encontra na mesma situação do recorrente.
E se, como se alega, outros reclusos foram admitidos a prestar trabalho no estabelecimento prisional, à luz dos arts. 48.º ou 58.º do CPenal, é situação de que não se fez prova nos autos, mas que, de todo o modo, mesmo a ser verdadeira, não pode determinar o Tribunal a quo a decidir em sentido diverso, nada tendo a ver com o princípio da igualdade inerente à decisão recorrida.
Se existem decisões opostas sobre a mesma questão, o ordenamento jurídico tem veículos próprios para resolver uma tal situação, restabelecendo a justiça relativa do caso concreto.
Assim, ponderando toda a argumentação antecedente, impõe-se concluir que o recurso deve improceder.
No que concerne à questão, secundária, de saber se se pode deferir o início do cumprimento da prestação de trabalho para depois do termo da pena de prisão, uma vez que a mesma não foi colocada ao Tribunal a quo, que sobre ela não foi chamado a pronunciar-se e não se pronunciou, efectivamente, apresentando-se a este Tribunal de recurso como questão nova, a que não compete dar resposta, sob pena de estar a funcionar como 1.ª Instância, não pode a mesma ser aqui conhecida.
Não existe, pois, fundamento legal para revogar o despacho recorrido.
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar total provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, não tomando conhecimento da questão do diferimento do início da prestação de trabalho, e em confirmar o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça (arts. 513.º, n.ºs 1 e 3, do CPPenal e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Maria Joana Grácio
Pedro M. Menezes
Raul Esteves
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[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Maria João Antunes, in As Consequências Jurídicas do Crime, fascículos, Coimbra 2007-2008, pág. 54, considera que, «[p]or força da alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 48/95, a execução da pena de multa pode ocorrer por duas formas: por pagamento voluntário, nos termos do disposto no artigo 489.º do CPP ou por prestação de dias de trabalho, nos termos previstos nos artigos 48.º do CP e 490.º do CPP e no Decreto-Lei n.º 375/97, de 24 de Dezembro, por força do artigo 15.º deste diploma.
A prestação de trabalho deixou de ser uma sanção, para passar a ser uma forma de cumprimento da pena de multa, a requerimento do condenado, quando for de concluir que realiza de forma adequada suficiente as finalidades da punição - a previstas no n.º 1 do artigo 40.º do CP.»
[3] Relatado por Maia Costa e publicado no DR n.º 201, Série I, de 17-10-2013.
[4] Foram excluídas as notas-de-rodapé.
[5] In Direito Penal Português, Parte Geral, II, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas/Editorial Notícias 1993, págs. 139 e 140.
[6] Relatado por Calheiros da Gama no âmbito do Proc. n.º 288/14.0GAALQ.L1-9, acessível in www.dgsi.pt.
[7] Relatado por Filomena Soares no âmbito do Proc. n.º 819/09.7GEALR-A.E1, acessível in www.dgsi.pt.
[8] Relatado por José Eduardo Martins no âmbito do Proc. n.º 75/16.0PFLRA-A.C1, acessível in www.dgsi.pt.
[9] Relatado por Luís Teixeira no âmbito do Proc. n.º 16/11.1PFCLD.C1, acessível in www.dgsi.pt.
[10] Relatado por Paulo Fernandes Silva no âmbito do Proc. n.º 144/00.9TBPVL-B.G1, acessível in www.dgsi.pt.
[11] Relatado por Augusto Lourenço no âmbito do Proc. n.º 1040/13.5PHMTS-A.P1, acessível in www.dgsi.pt.
[12] Relatado por Maria Dolores da Silva e Sousa no âmbito do Proc. n.º 2294/14.5JAPRT.P1, acessível in www.dgsi.pt.
[13] in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Dezembro de 2008, anotação 3 ao art. 58.º, pág. 204.
[14] Relatado por José Piedade no âmbito do Proc. n.º 262/05.7PIPRT-A.P1, acessível in www.dgsi.pt.