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REGISTO CRIMINAL
NÃO TRANSCRIÇÃO
Sumário
Retendo as distintas finalidades dos juízos de prognose necessários à suspensão da execução da pena à decisão de não transcrição da condenação no registo, não temos por contraditório que se tenha concluído ser possível um processo readaptativo apartado do meio carcerário, conducente à suspensão da execução da pena mas que, para os efeitos estritos das finalidades do registo, não possa de antemão assegurar-se, atento o factualismo apurado e os fatores atinentes ao percurso e personalidade do condenado, como afastado o risco de cometimento de crimes e que os interesses particulares do condenado se devam sobrepor aos visados pela normal transcrição das decisões condenatórias.
(da responsabilidade do Relator)
Texto Integral
PROC. N.º 18/21.0GAPNF.P1
Acordam em conferência na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I.
Nos autos de processo comum n.º 18/21.0GAPNF, a correr termos no Juízo Local Criminal de … – Juiz …, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, após prolação de sentença final condenatória (Ref.ª 93235051), foi proferido despacho (Ref.ª 94394370) que indeferiu, com os fundamentos aí consignados, a previamente solicitada não transcrição da condenação no Certificado de Registo Criminal.
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I.2
Inconformado, veio o requerente da predita pretensão, AA, interpor o recurso ora em apreciação, referindo, em conclusão, que (transcrição): I. O presente recurso tem como objeto o despacho judicial que indeferiu o pedido formulado pelo Recorrente de não transcrição da pena no certificado de registo criminal; II. Contudo, o aqui Recorrente não se pode conformar com a decisão proferida; III. Porquanto, entende, com o devido respeito, que o despacho enferma de erro em matéria de direito e viola o disposto nos artigos 10º, nº 6 e 13º, nº 1, parte final, da lei 37/2015, de 5 de maio, e ainda os artigos 47º, nº 1 e 58º da CRP. IV. Entende igualmente que se encontram cumpridos todos os requisitos de que depende a não transcrição da sentença para os certificados de registo criminal, ínsitos no referido normativo legal. V. Encontram-se cumpridos os requisitos formais, pois o Arguido foi condenado pela prática de factos integradores de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1 e 25º, alínea a), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, numa pena não privativa da liberdade e não foi alvo de condenação anterior por crime da mesma natureza, como resulta da lei e da decisão ora posta em crise. VI. Demonstra-se igualmente cumprido o requisito de natureza material, uma vez que, das circunstâncias que acompanharam o crime não se pode induzir perigo de prática de novos crimes pelo condenado. VII. Todavia, o Tribunal a quo indeferiu a requerida não transcrição, por, no seu entendimento não se encontrar cumprido o terceiro requisito material. VIII. Entendemos que andou mal o Tribunal a quo, porquanto, efetuou uma interpretação errónea do requisito material ínsito na parte final do n.º 1 do artigo 13.º da lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, IX. Tanto mais, que a Meritíssima Juiz optou por suspender a execução da pena em que o Arguido foi condenado. X. Na própria sentença veio o Tribunal mostrar a sua convicção de que o Arguido não voltaria a reincidir, ao afirmar “O tribunal acredita que (…) a sua ressocialização em liberdade, assentando na confiança de que este sentirá a presente condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro outro crime, aceitando-se a capacidade do mesmo para compreender esta oportunidade de ressocialização que lhe é concedida.” XI. Isto parece-nos contraditório, uma vez que vem o mesmo Tribunal no despacho recorrido, posterior à Douta sentença, veio vedar ao Arguido a possibilidade de se ressocializar, por no seu entendimento “não poder formular um juízo de prognose seguro de que “este foi um episódio que não se repetirá na vida do arguido”. XII. Mais, dos factos dados como provados na respetiva sentença, não se pode determinar ou afirmar que o Recorrente irá voltar a praticar o crime pelo qual foi condenado nos presentes autos, XIII. Bem pelo contrário, tal como resulta dos factos provados no ponto XX e no ponto XXIII da sentença, o Arguido atualmente encontra-se a trabalhar, e tem a sua retaguarda familiar na progenitora, o que por si só demonstra a integração e a sua intenção de se manter reintegrado na sociedade. XIV. Além do mais, o Arguido quando foi julgado reconheceu a ilicitude dos factos, pelo quais foi condenado nos presentes autos, e reconheceu vítimas e danos, ou seja, valorou os factos de forma critica. XV. Em face das condições pessoais, sociais, familiares e profissionais do Arguido, ora Recorrente, que como se disse, atualmente trabalha e mantém uma relação próxima com a mãe, bem como das circunstâncias que rodearam o caso em apreço, uma vez que se mostrou consciente da ilicitude dos factos que praticou, parece-nos que seria de conceder uma oportunidade ao mesmo para conformar a sua conduta com o direito, e assim não vir a cometer mais ilícitos. XVI. Ponderando ainda que o Arguido não tem antecedentes criminais sobre o mesmo tipo legal de crime, mostrou que se encontra bem inserido na sociedade (bem integrado do ponto de vista familiar e profissional), tudo parece indicar que não voltara a praticar qualquer tipo de ilícito criminal. XVII. Destarte, o Tribunal a quo, no Despacho recorrido, mais não fez, do que um juízo de prognose desfavorável ao Arguido, baseado em meras suposições futuras, quando devia ter realizado um juízo favorável, uma vez que das circunstâncias que acompanharam o crime não se pode induzir com a segurança necessária perigo de prática de novos crimes. XVIII. Pelo que, o Tribunal a quo, na decisão recorrida, optou por valorar de forma negativa as circunstâncias que rodearam o caso concreto, em vez de realizar um juízo prognose favorável ao Arguido, que se mostra apto a começar uma vida nova, que não o ligue ao passado e aos erros que cometeu. XIX. Encontrando-se o Recorrente a trabalhar e a tentar reintegrar-se na sociedade de forma digna, pode a transcrição da sentença vir a prejudicar a sua atividade profissional. XX. Sendo o objetivo da não transcrição evitar as repercussões negativas que podem advir da publicidade dessa condenação, ao nível da reintegração social do condenado, nomeadamente, no acesso ao emprego e na avaliação da idoneidade da sua pessoa. XXI. Cremos que o Tribunal a quo, não conseguindo aferir com a segurança necessária que o Arguido pode vir a praticar novos crimes, devia ter decidido a favor, formulando um juízo de prognose favorável, em prol do cumprimento de um dos princípios basilares do nosso Estado de Direito - o princípio do «in dubio pro reo». XXII. Até porque, a transcrição da sentença dos autos não só impede, infundadamente, o direito de liberdade de escolha de profissão, como ainda o de acesso ao emprego. XXIII. Por todo o exposto, estando reunidos todos os pressupostos a que alude o art.º 15.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto (na redação dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro), para a não transcrição da condenação do arguido nos certificados mencionados nos artigos 11.º e 12.º da mesma Lei no caso de condenação em pena de prisão superior a um ano, suspensa na sua execução por igual período ao da pena de prisão. XXIV. E tendo a pretensão deduzida pelo Recorrente (que esteve na origem da prolação do despacho recorrido), em vista a não transcrição da condenação em certificados do registo criminal requerido para fins de emprego, público ou privado. XXV. O Tribunal a quo ao não ter atendido ao pedido formulado pelo Recorrente, violou direitos e princípios constitucionalmente consagrados como seja, o direito ao Trabalho, o direito de liberdade de escolha da profissão, o princípio da necessidade, entre outros. - cfr. artigos 47. ° n.º 1 e art.º 58. ° da CRP. XXVI. Violando desta forma, o disposto no artigo 13º, nº1, parte final, da lei 37/2015. XXVII. Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser o despacho recorrido revogado e substituído por outro que autorize a não transcrição da condenação sofrida nos presentes autos nos certificados de registo criminal, tal como requerido pelo Recorrente. ASSIM QUER PELO ALEGADO, QUER PELO DOUTAMENTE SUPRIDO DEVE DAR-SE PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGANDO O DESPACHO RECORRIDO, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, SENDO ASSIM FEITA SÃ E INTEIRA JUSTIÇA.
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I.3
Admitido o recurso, o Ministério Público apresentou articulado de resposta referindo: (…) Ao contrário do afirmado pelo recorrente, o diploma lega que se debruça sobre a decisão de não transcrição é a Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio. De acordo com o n.º 1 do art.º 13.º do referido diploma legal, sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.os 5 e 6 do artigo 10.º. O arguido foi condenado nestes autos na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade. De acordo com a norma supra identificada, são pressupostos da não transcrição que o arguido não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza bem como que sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes. Conforme resulta do teor do despacho recorrido, em decisão que não merece censura, “Dela se extrai, por um lado, a gravidade dos factos cometidos pelo arguido e, por outro lado, o elenco de antecedentes criminais que lhe são conhecidos por factos praticados no Reino Unido, inclusivamente pela prática de crimes relacionados com o consumo de produtos estupefacientes, além de outros crimes contra o património e integridade física, também cometidos, o que aliás justificou a medida concreta da pena que aqui lhe foi aplicada, ainda que suspensa na sua execução, mas com um rigoroso regime de prova e sujeição de deveres e obrigações, por forma a salvaguardar as exigências de prevenção especial e de ressocialização que, no caso, se mostram elevadas, conforme foi exarado na sentença condenatória, havendo, pois, o risco do cometimento de novos crimes… Tudo conjugado, o tribunal não pode formular um juízo de razoável grau de certeza quanto à inexistência de perigo da prática de novos crimes por parte do arguido.”. Tudo, visto, diremos que o tribunal fez uma correcta análise tanto da factualidade em apreço, bem como dos requisitos da aplicação da decisão de não transcrição, e de forma profusamente fundamentada e que não merece censura conclui que “Tratando-se de pressupostos cumulativos e não estando preenchido este último, então, decide-se indeferir a requerida não transcrição da sentença condenatória, não sendo caso de aplicação do disposto no artigo 13.º, da Lei n.º 37/2015, de 05 de maio.”. Assim sendo, parece-nos ser clara a inviabilidade da pretensão do arguido em ver não transcrita no CRC a sua condenação. Nestes termos, devem Vossas Excelências rejeitar totalmente o recurso, e em consequência manter na íntegra o despacho recorrido, o qual não merece censura, fazendo assim, como sempre Justiça.
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I.4
Neste Tribunal a Digna Procuradora-Geral Adjunta teve vista nos autos, tendo emitido parecer (Ref.ª 18018225) no sentido do não provimento do recurso interposto, aderindo à fundamentação constante da resposta apresentada em primeira instância.
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Deu-se cumprimento ao disposto no art.º 417.º n.º 2 do C.P.P., não tendo sido exercido o contraditório.
Foram os autos aos vistos e procedeu-se à conferência, importando, pois, apreciar e decidir.
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II.
Questões a decidir:
Conforme jurisprudência recorrente e pacífica, o âmbito de qualquer recurso é delimitado pelas conclusões que sobrevêm às alegações do recorrente (cfr. art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2 e 410.º, n.º 2, als. a) a c) do C.P.P. e Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, de 19.10).
No caso, vistas as conclusões apresentadas em sede recursória, constitui objeto do presente recurso saber se deve ser determinada a não transcrição da sentença condenatória no registo criminal do recorrente.
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III. III.1
Por facilidade de exposição, retenha-se o teor da decisão recorrida, na parte relevante: (…) II – Do pedido de não transcrição da condenação no certificado de registo criminal do arguido AA: Veio o arguido AA requerer a não transcrição da condenação sofrida nestes autos no respetivo certificado de registo criminal. Depois de obtido o certificado de registo criminal atualizado do arguido e a listagem dos processos eventualmente pendentes, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser deferida tal pretensão. Cumpre apreciar: O registo criminal é um “instrumento indispensável para o adequado funcionamento da justiça penal”, na medida em que desempenha um papel fundamental ao nível da determinação da medida da pena e do controlo do efetivo cumprimento das sanções aplicadas aos arguidos (JORGE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Lisboa, 1993, pág. 641, § 1019). Nessa medida, dele constam, de acordo com o estabelecido na Lei n.º 37/2015, de 05 de maio, as decisões que apliquem, revejam ou mantenham ao arguido penas ou medidas de segurança – cfr. artigo 6.º, desse diploma. Contudo, o acesso ao registo criminal, apesar de desempenhar um importante papel de defesa contra a reincidência, pode revelar-se contrário aos princípios que presidem à intervenção penal, na medida em que dificultará em muitos casos a reinserção do arguido (FIGUEIREDO DIAS, ob. e loc. cits.). Por esse motivo, o legislador sentiu necessidade de prever mecanismos que, ponderados os interesses que vimos de referir, impedissem a produção daqueles efeitos negativos nomeadamente no que toca ao acesso ao registo para fins de emprego e outros que não o exercício da justiça penal. Nessa linha surge na Lei n.º 37/2015 o artigo 13.º, n.º 1, que dispõe: “Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º”. Como decorre da letra da norma acabada de transcrever, para a sua aplicação terão de concorrer três requisitos, a saber: a) não estar em causa o regime previsto na disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º- A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal (artigos 163.º a 178.º); b) ter sido aplicada pena de prisão até um ano ou pena não privativa da liberdade e c) o tribunal, efetuado um juízo de prognose, concluir não haver perigo da prática de novos crimes. Vejamos se tais pressupostos estão preenchidos no caso em apreço. Quanto ao primeiro, verifica-se que o arguido foi condenado como, coautor material e na forma consumada, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, com sujeição a regime de prova e obrigações/deveres. Donde, considerando que não está aqui em causa o regime especial referente aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V, do título I do livro II do Código Penal por referência à Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, então, é de concluir que está verificado o primeiro pressuposto formal. No que tange ao segundo requisito formal, porquanto o arguido foi condenado numa pena de prisão, mas suspensa na sua execução, portanto, não privativa da liberdade. Resta o terceiro requisito (de cariz substancial), o qual a nosso ver não está preenchido. E tal conclusão funda-se, desde logo, no teor da matéria de facto dada como provada com relevância para esta decisão. Dela se extrai, por um lado, a gravidade dos factos cometidos pelo arguido e, por outro lado, o elenco de antecedentes criminais que lhe são conhecidos por factos praticados no Reino Unido, inclusivamente pela prática de crimes relacionados com o consumo de produtos estupefacientes, além de outros crimes contra o património e integridade física, também cometidos, o que aliás justificou a medida concreta da pena que aqui lhe foi aplicada, ainda que suspensa na sua execução, mas com um rigoroso regime de prova e sujeição de deveres e obrigações, por forma a salvaguardar as exigências de prevenção especial e de ressocialização que, no caso, se mostram elevadas, conforme foi exarado na sentença condenatória, havendo, pois, o risco do cometimento de novos crimes. Conforme, aliás, se escreveu no Acórdão da Relação do Porto de 06 de maio de 2015, disponível em www.dgsi.pt. “(…) esta afirmação [no sentido de que não é possível afastar a existência de perigo de prática de novos crimes], não colide nem é incompatível com o juízo de prognose positivo que esteve subjacente à aplicação da suspensão da pena, como parece pretender o arguido, cf conclusões XII a XV. Na verdade com o instituto da suspensão da pena, pretende-se em última análise atingir as finalidades da punição através nas palavras do Prof. Figueiredo Dias "da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência» ". (...) Por sua vez a possibilidade de não transcrição das decisões prevista no art° 17° n°I da Lei 57/98 de 18 de Agosto, é ainda uma manifestação do princípio da legalidade consagrado no art° 2° da mesma Lei, mas subordinada aos princípios da necessidade, da subsidiariedade e da proporcionalidade, em que se teve presente no acesso do registo criminal para fins particulares e administrativos, obstar, desde que verificados os requisitos legais, àquilo a que o Prof. Figueiredo Dias designa de "o anátema social que para o condenado deriva da publicidade dos seus antecedentes criminal". ..."; - da RP de 05/04/2006, relatado por Jorge França, no proc. 0516875, in www.dgsi.pt, do qual citamos: "... É verdade que na elaboração do juízo de prognose favorável feita a propósito da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena (art° 50°, 1, CP), a sentença condenatória do recorrente atendeu à sua personalidade, às condições da sua vida, ao seu comportamento e às circunstâncias do crime, concluindo, necessariamente, que a ameaça da prisão e a censura do facto realizavam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição [nelas incluídas as de prevenção especial]. Mas, não é menos verdade que o juízo a formular, a propósito do campo de aplicação do art° 17° em análise, não é exactamente coincidente com o anteriormente referido; com efeito, se assim fosse, logo se poderia concluir que não deveriam ser transcritas todas as condenações em pena de prisão até 1 ano, desde que a respectiva execução fosse suspensa (...)”. Tudo conjugado, o tribunal não pode formular um juízo de razoável grau de certeza quanto à inexistência de perigo da prática de novos crimes por parte do arguido. Neste mesmo sentido, não podemos deixar de chamar à colação o Acórdão da Relação de Lisboa de 12 de setembro de 2019, no qual se decidiu que: “(…) embora o Recorrente fosse primário e a sua pena admita a não transcrição, os elementos disponíveis não permitem afastar o perigo da prática de novos crimes. O que resulta de o Recorrente não ter confessado os factos e de, como se considerou na sentença que o condenou, "... revelar uma personalidade controladora, ..." sendo "... real o risco de os voltar a praticar em pessoa com quem venha a refazer a sua vida no futuro ...". Há que ter em conta que “Convém não olvidar que a normalidade em matéria de registo criminal é a transcrição, sendo a não transcrição a excepção. Na verdade, visando o registo criminal "(...) permitir o conhecimento dos antecedentes criminais das pessoas condenadas e das decisões de contumácia vigentes", a não transcrição só pode mesmo ser considerada uma excepção, a qual tem na base razões de não estigmatização do condenado, já que se reporta a certificados para fins do exercício de profissão e sempre associadas a crimes de pequena gravidade, o que, manifestamente, não acontece no crime de violência doméstica. ..."(9) e que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada não implica que se verifique o requisito material da não transcrição, porque "... É verdade que na elaboração do juízo de prognose favorável feita a propósito da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena (Art° 50°, 1, CP), a sentença condenatória do recorrente atendeu à sua personalidade, às condições da sua vida, ao seu comportamento e às circunstâncias do crime, concluindo, necessariamente, que a ameaça da prisão e a censura do facto realizavam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (nelas incluídas as de prevenção especial). Mas, não é menos verdade que o juízo a formular, a propósito do campo de aplicação do art° 17° em análise, não é exactamente coincidente com o anteriormente referido, com efeito, se assim fosse, logo se poderia concluir que não deveriam ser transcritas todas as condenações em pena de prisão até 1 ano, desde que a respectiva execução fosse suspensa (...)”, disponível em www.dgsi.pt. Na mesma linha, é de concluir que in casu falha, pois, este terceiro requisito material, precisamente por o tribunal não poder formular um juízo de prognose seguro de que “este foi um episódio que não se repetirá na vida do arguido”. Tratando-se de pressupostos cumulativos e não estando preenchido este último, então, decide-se indeferir a requerida não transcrição da sentença condenatória, não sendo caso de aplicação do disposto no artigo 13.º, da Lei n.º 37/2015, de 05 de maio. Notifique. D.N.
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III.2
Outros elementos relevantes para a decisão
III.2.1
Do teor do requerimento do recorrente AA, Arguido nos Autos à margem identificados, Vem expor e requerer a V. Excia o seguinte: Nos autos supra indicados, foi aplicada ao Arguido a pena única 3 anos de prisão suspensa por igual período na condição de: a. Responder a convocatórias do tribunal ou da D.G.R.S.P.; b. Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; c. Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso; d. Efetuar o tratamento médico adequado de desintoxicação de produtos estupefacientes – para o qual o arguido já deu o seu consentimento – na medida e com as condições que lhe vieram a ser estabelecidas pelo médico que o acompanhar e o assistir, e com as diretrizes terapêuticas que lhe forem por ele impostas, durante o período de suspensão, tratamento esse que será articulado e coordenado pela D.G.R.S.P. A aplicação de uma pena não privativa de liberdade possibilita a não transcrição da respetiva sentença no certificado de registo criminal desde que se verifique o preenchimento dos requisitos descritos no n.º1 do artigo 13.º da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio, designadamente que: - o Arguido não tenha sido condenado por crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A ou no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, em que as vítimas sejam crianças menores de idade; - se tratar de condenação de pessoa singular em pena não privativa da liberdade; - o Arguido não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza; - das circunstâncias que acompanharam o crime presente não se puder induzir perigo de prática de novos crimes. Resulta dos Autos que: - O Arguido foi condenado pela prática de factos integradores de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, pelo que não se trata de um crime que se encontra excecionado na referida Lei; - O Arguido foi condenado em pena não privativa da liberdade; - O Arguido está arrependido pelo sucedido; - O Arguido não voltará a praticar o crime pelo qual foi condenado. A inscrição da sentença acima descrita, no registo criminal do Arguido poderá prejudicar a sua atividade profissional e a avaliação da idoneidade da sua pessoa. Pelo que, NESTES TERMOS, SE REQUER A V. EXCIA. A NÃO TRANSCRIÇÃO DA SENTENÇA PROFERIDA NOS PRESENTES AUTOS NO CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL DO ARGUIDO, NOS TERMOS DO ARTIGO 13.º DA LEI N.º 37/2015, DE 05 DE MAIO
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III.2.2
Da sentença cuja não transcrição se pretende
A) - Por sentença de 13.10.2023, transitada em julgado a 13.11.2021 (Ref.ª 93618506), na procedência da acusação, foi AA condenado na pena de 3 anos de prisão pela prática, como coautor material, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos art.ºs 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a) do D.L. n.º 15/93, de 22.01;
B) – A pena referida em A) foi suspensa na sua execução, pelo período de 3 anos, sujeita a “(…) regime de prova conforme o previsto no artigo 53.º, do Código Penal, o qual assentará em plano de reinserção social a elaborar pelos serviços do D.G.R.S.P., sujeitando-o ainda, nos termos do preceituado nos artigos 50.º, n.º 2, 52.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 54.º, n.º 3, todos do aludido diploma, às seguintes obrigações/deveres: a. Responder a convocatórias do tribunal ou da D.G.R.S.P.; b. Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; c. Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso; d. Efetuar o tratamento médico adequado de desintoxicação de produtos estupefacientes – para o qual o arguido já deu o seu consentimento – na medida e com as condições que lhe vieram a ser estabelecidas pelo médico que o acompanhar e o assistir, e com as diretrizes terapêuticas que lhe forem por ele impostas, durante o período de suspensão, tratamento esse que será articulado e coordenado pela D.G.R.S.P.”;
C) – Na sentença referida em A) foram dados como provados os seguintes factos: A – FACTOS PROVADOS: Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão a proferir, os seguintes factos: 1.º O arguido AA, também conhecido por “inglês”, de forma voluntária e sem qualquer causa justificativa, passou a dedicar-se à atividade de tráfico de produto estupefaciente, designadamente heroína e cocaína, pelo menos a partir do início do inverno de 2020; 2.º A partir do início do ano de 2021, o arguido AA passou a contar ainda com a colaboração do arguido BB que vendia canábis por sua conta, ordem e orientação, guardando inclusivamente a referida substância estupefaciente no interior da residência do arguido AA; 3.º Para esse efeito, ambos os arguidos AA e BB deslocavam-se à cidade do Porto onde adquiriam tais substâncias estupefacientes, a pessoa cuja identidade não foi possível apurar; 4.º Os arguidos adquiriam aquelas substâncias estupefacientes em grandes quantidades, já devidamente doseadas, atentas as quantidades que lhes eram solicitadas pelas diversas pessoas que os procuravam para o efeito; 5.º Para tanto, os arguidos, que são também consumidores desse tipo de substâncias, permaneciam na estação de caminhos de ferro de ... e no ..., no concelho ..., onde vendiam tais substâncias estupefacientes, sendo contactados pelos diversos consumidores e compradores de tais substâncias que ali se dirigiam para lhes comprarem as mesmas, previamente através de contacto telefónico ou pelas aplicações whatsapp e messenger do Facebook; 6.º Noutras ocasiões, os arguidos também vendiam as referidas substâncias estupefacientes no interior da residência do arguido AA sita na praceta ..., ..., ..., em ...; 7.º Os arguidos procediam, assim, à venda direta daquelas substâncias estupefacientes (canábis, heroína e cocaína), nas quantidades que para tanto lhes eram solicitadas, aos diversos consumidores de tais substâncias que para tanto os contactavam, vendendo cada pedaço de canábis por quantias que variavam entre € 5,00 (cinco euros) e € 10,00 (dez euros) (consoante a quantidade vendida), cada embalagem de heroína (vulgarmente designada de “pacote”) por € 5,00 (cinco euros) e cada pedaço de cocaína (vulgarmente designado de “base” ou “pedra”) pela quantia de € 10,00 (dez euros); 8.º Para o efeito, os arguidos eram também contactados para os seus telemóveis pelos diversos compradores dessas substâncias, em que eram combinadas as quantidades de droga a vender, bem como o local onde se processaria a venda; 9.º Os arguidos dedicavam-se, assim, à atividade de tráfico de substâncias estupefacientes (canábis, heroína e cocaína), em comunhão de esforços e vontades, não lhes sendo conhecida qualquer atividade profissional ou fonte de rendimento, usando os lucros de tais vendas para suportar os seus próprios consumos de substâncias estupefacientes e demais despesas; 10.º Tanto assim é que, no dia 11 de março de 2021, pelas 15 horas e 30 minutos, na estação de caminhos de ferro de ..., os arguidos venderam € 5,00 (cinco euros) de canábis a CC; 11.º Após a venda da referida substância estupefaciente a CC, e na estação de ..., os arguidos foram abordados por elementos do Núcleo de Investigação Criminal da Guarda Nacional Republicana de ..., tendo o arguido AA na sua posse: a. 9 (nove) pedaços de um produto, com o peso bruto de 1,78 gramas, que, submetido a exame laboratorial, revelou ser cocaína (éster metílico); b. uma embalagem plástica, com o peso bruto de 0,12 gramas, contendo no seu interior uma substância que, submetida a exame laboratorial, revelou ser heroína; c. e ainda a quantia em numerário de € 23,80 (vinte e três euros e oitenta cêntimos); 12.º Por seu lado, o arguido BB tinha na sua posse 4 (quatro) pedaços de uma substância, com o peso líquido de 3,079 gramas que, submetida a análise laboratorial revelou ser canábis (resina), com o grau de pureza de 17,4% (THC), em quantidade suficiente para dez doses médias individuais diárias, de acordo com os critérios da Portaria n.º 94/96, de 26 de março; 13.º O arguido AA referiu aos militares do Núcleo de Investigação Criminal da Guarda Nacional Republicana ter ainda mais substâncias estupefacientes no interior da sua residência, sita na Praceta ..., ..., em ..., tendo autorizado a realização de busca ao seu interior, tendo sido encontrados na sala e apreendidos os seguintes objetos: - no interior da gaveta do móvel da sala: - 13 (treze) embalagens plásticas (vulgarmente designados por “pacotes”), com o peso bruto de 1,98 gramas, contendo no seu interior uma substância que, submetida a exame laboratorial, revelou ser heroína, com o grau de pureza de 9,5%; - 17 (dezassete) pedaços (vulgarmente designados por “pedras”), com o peso bruto de 3,40 gramas, de uma substância que, submetida a análise laboratorial, revelou ser cocaína (éster metílico), com o grau de pureza de 40%; - no interior de outra gaveta de móvel de sala: - 15 (quinze) pedaços embalados, com o peso bruto de 15,14 gramas, contendo no seu interior uma substância que, submetida a análise laboratorial, revelou ser canábis (resina), com o grau de pureza de 17,0% (THC); - na prateleira por cima da televisão: - 3 (três) pedaços de uma substância, com o peso bruto de 3,16 gramas, que submetida a exame laboratorial, revelou ser canábis (resina), com o grau de pureza de 17,0% (THC); - em cima da mesa sala: - 2 (duas) navalhas, uma com cabo castanho e outra com cabo verde; - 1 (uma) tesoura de cor preta, utilizados no corte e embalamento de produto estupefaciente, contendo resíduos de canábis; 14.º Os arguidos tinham, assim, na sua posse: a. 21,217 gramas (peso líquido) de canábis (resina), com o grau de pureza de 17,0% (THC), em quantidade suficiente para 71 (setenta e uma) doses médias individuais diárias, de acordo com os critérios da Portaria n.º 94/96, de 26 de março; b. 3,079 gramas (peso líquido) de canábis (resina), com o grau de pureza de 17,4% (THC), em quantidade suficiente para 10 (dez) doses médias individuais diárias, de acordo com os critérios da Portaria n.º 94/96, de 26 de março; c. 5,063 gramas (peso líquido) de cocaína (éster metílico), com o grau de pureza de 40,0%, em quantidade suficiente para 67 (sessenta e sete) doses médias individuais diárias, de acordo com os critérios da Portaria n.º 94/96, de 26 de março; d. 2,090 gramas (peso bruto) de heroína, com o grau de pureza de 9,5%, em quantidade suficiente para 1 (uma) doses média individual diária, de acordo com os critérios da Portaria n.º 94/96, de 26 de março. 15.º Aos arguidos foram ainda apreendidos os telemóveis que tinham na sua posse, a saber: a. telemóvel de marca Huawei Y6 de cor azul com os IMEI’s ...62 ...08 ...44 ...90 ...86 e ...62 ...08 ...44 ...30 ...98, com o cartão com o n.º ...10 ...04 ...20, do arguido BB; b. telemóvel de marca Huawei, modelo MAR LXLA, com os IMEI’s ...63 ...51 ...46 ...32 ...77 e ...63 ...51 ...46 ...67 ...81, com o cartão com o n.º ...21 ...45 ...00, do arguido AA; 16.º De facto, os arguidos AA e BB vendiam canábis, heroína e cocaína a quem os procurasse nos acima referidos locais; 17.º Os arguidos AA e BB venderam regularmente substâncias estupefacientes às testemunhas CC, DD, EE e FF; 18.º Os arguidos AA e BB são também consumidores de substâncias estupefacientes, assim angariando dinheiro para sustentar os seus próprios consumos; 19.º Os arguidos AA e BB agiram livre, voluntária e deliberadamente, em comunhão de esforços e vontades, com o propósito conseguido de deter, ceder, conservar e vender os referidos produtos estupefacientes, sem qualquer autorização legal, justificação clínica ou médica; 20.º Os arguidos AA e BB conheciam as características e a natureza das substâncias e produtos que detinham, sabendo que aqueles são considerados, por lei, estupefacientes, e bem sabiam que não os podiam adquirir, transportar, vender ou, por qualquer forma, ceder, pois para tal não estavam autorizados; 21.º Agiram ainda com o propósito conseguido de obter elevados proveitos económicos que a venda de substâncias estupefacientes sempre proporciona; 22.º Agiram os arguidos AA e BB sempre livre e conscientemente, com a perfeita consciência de que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei, não se tendo, contudo, coibido de as praticar. Mais se provou que: 23.º Cada um dos arguidos admitiu parcialmente a prática dos factos acima descritos; 24.º O arguido AA: i. É o segundo de uma fratria de três irmãos, sendo o mais velho germano e o irmão mais novo uterino; ii. Desenvolveu a sua personalidade em contexto familiar junto dos progenitores, num contexto de violência doméstica e filio parental, resultante da agressividade física do pai para com os elementos do agregado; iii. Com 7 anos e já emigrado em Inglaterra, a mãe iniciou nova relação, também caracterizada pela agressividade física do padrasto para com o arguido e a aquela; iv. Face aos episódios de violência doméstica no seio familiar foi institucionalizado, por volta dos 13 anos, facto que o arguido descreve como o momento desestabilizador na sua vida; v. Nesta fase, juntamento com grupos de pares pro-criminais, inicia os consumos de estupefacientes, nomeadamente cannabis, que ainda verbaliza manter diariamente; vi. De acordo com o próprio, esses consumos terão sido nocivos e contribuído para alguma da sua desestruturação pessoal e anteriores ligações ao aparelho de justiça, tendo cumprido pena de prisão efetiva em Inglaterra; vii. A sua infância e juventude foi ainda caracterizada por dificuldades de inserção escolar, onde evidenciou desmotivação para os estudos, absentismo escolar, falta de dedicação ao estudo, a que se associava a sua irreverência, que segundo refere a progenitora se devia a diagnóstico de hiperatividade e bipolaridade; viii. Aos 14 anos, já institucionalizado, abandonou os estudos, possuindo como habilitações o 6.º ano de escolaridade; ix. Por volta do ano de 2017, após cumprir pena de prisão, regressa a Portugal; x. Inicialmente integrou o agregado da avó materna, na cidade ..., no entanto, a relação foi-se desestruturando em função da dinâmica diária do arguido, que era associada à ociosidade e ao consumo de estupefacientes; xi. Por essa razão, decidiu autonomizar-se, mantendo residência na cidade ...; xii. O seu percurso profissional, iniciado por volta dos 24 anos, conta com passagens pela área da construção civil, com período de emigração na Bélgica e posteriormente em Espanha, onde o progenitor reside; xiii. Viu nesta aproximação a possibilidade de se aproximar afetivamente do pai, contudo, não correu de acordo com o expetável e por isso, voltou a Portugal e enveredou pela área da restauração e hotelaria; xiv. Pelo arguido é referido padecer de hiperatividade, bipolaridade, doença de Crohn e hepatite B, contudo, não apresentou relatórios clínicos; xv. Em termos clínicos, refere ainda o arguido, no passado, um quadro depressivo que na sequência de uma tentativa de suicídio, o fez estar internado no Centro Hospitalar ..., onde beneficiou de apoio psiquiátrico, problemática que o mesmo refere ter ultrapassado; xvi. O arguido conheceu o coarguido BB, em contexto de pares de consumo de estupefacientes, no entanto, atualmente refere não ter contactos com o coarguido com quem diz que a relação de amizade se extinguiu por desentendimentos, em resultado dos presentes autos; xvii. Atualmente, assim como à data dos factos o arguido reside sozinho, num apartamento arrendado pelo custo mensal de € 325,00 (trezentos e vinte e cinco euros), a que acrescem cerca de € 150,00 (cento e cinquenta euros) de despesas gerais relacionadas com gastos de eletricidade, gás, água e resíduos; xviii. A habitação é localizada numa zona limítrofe da cidade ... e o arguido refere que satisfaz as necessidades habitacionais; xix. À data dos factos, época coincidente com a situação pandémica, o arguido estava desempregado e, segundo este, essa condição concorreu desfavoravelmente para a desestruturação económica e social, pelo que se viu em dificuldades de suprir as despesas de habitação e alimentação, pese embora a progenitora ajudasse a pagar algumas despesas referindo que enviava mensalmente dinheiro ao filho para o custo com a renda da casa; xx. Atualmente, e desde há cerca de 6 meses, refere que está a trabalhar como empregado de mesa, num restaurante na cidade do Porto, não obstante, refere que ambiciona alterar a sua residência para a zona do Algarve, na expectativa de conseguir melhorar a sua situação económica; xxi. Em termos económicos refere que o seu vencimento base é de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros) e acrescem as gorjetas, que mensalmente ajudam obter um ordenado de cerca de € 1.000,00 (mil euros); xxii. Beneficia de apoio extraordinário à renda no valor de € 99,04 (noventa e nove euros e quatro cêntimos); xxiii. Tem a sua retaguarda familiar na progenitora, que vive em Inglaterra, não existindo vinculação afetiva entre si e o seu progenitor; xxiv. Atualmente o seu quotidiano é dedicado ao trabalho, na cidade do Porto, e nos períodos de tempo livre fica por casa ou em convívio com conhecidos na cidade ..., onde se desloca com regularidade; xxv. Este não é o primeiro contacto do arguido com o sistema de justiça, tendo o arguido já sido condenado em pena de prisão efetiva, durante o período em que residiu em Inglaterra; xxvi. Reconhece a ilicitude dos factos de que se encontra acusado nos presentes autos e reconhece vitimas e danos; xxvii. O presente processo não implicou um impacto substantivo na vida quotidiana do arguido todavia, verbaliza inquietação quanto ao desfecho do mesmo, a qual é partilhada pela progenitora; xxviii. Com historial aditivo com consumos de canábis desde os 13 anos de idade, no âmbito da medida de coação aplicada nos presentes autos, iniciou acompanhamento médico no CRI ..., em 09 de agosto de 2021, onde se manteve até 13 de dezembro de 2021, onde foi presente a avaliação para eventual internamento em Comunidade Terapêutica, que o arguido prescindiu; xxix. Posteriormente o arguido deixou de comparecer às marcações e de responder aos contactos telefónicos e e-mail do CRI; xxx. No meio social o processo é desconhecido e o arguido mantém escassa interação, no entanto, é associado ao trabalho na hotelaria; xxxi. Estamos perante um individuo que desenvolveu a sua personalidade num contexto familiar disfuncional, intimamente ligado a situações de violência doméstica e filio parental e cujo percurso de vida foi marcado pela problemática do consumo abusivo de substâncias e ligações ao aparelho de justiça, que revelam alguma persistência; xxxii. Com habilitações a nível do 6.º ano de escolaridade, o arguido apresenta um percurso marcado pela desmotivação para a frequência escolar; xxxiii. Atualmente, refere que se encontra laboralmente inserido, no entanto, a situação atual aparenta alguma vulnerabilidade; xxxiv. Beneficia de retaguarda familiar da progenitora, que embora emigrada se desloca a Portugal com regularidade para conviver com o filho; xxxv. Com historial aditivo de consumos de estupefaciente, desde tenra idade, beneficiou de acompanhamento no CRI ..., com evidentes sinais de desmotivação para a mudança, quer pelo abandono do tratamento quer pelos consumos atuais que ainda verbaliza manter; xxxvi. Considera-se que a intervenção deverá contemplar o tratamento/reabilitação e a concretização de um estado abstémio, bem como, a manutenção de um emprego estável promotor de um estilo de vida responsável e balizado por princípios de convencionalidade; (…)
26.º O arguido AA já sofreu as condenações inscritas no certificado de registo criminal emitida pelo Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, junto a folhas 443 a 472, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e, em particular, que: i. Por decisão de 30/07/2014, pela prática de quatro crimes de furto após violação de propriedade privada, de fraude com burla, de infrações contra o Estado, a ordem pública, a realização da justiça ou pessoa que exerce um cargo público, na pena de prisão; ii. Por decisão de 26/03/2013, pela prática de dois crimes de infrações contra o Estado, a ordem pública, a realização da justiça ou pessoa que exerce um cargo público, na pena de prisão, suspensa na sua execução; iii. Por decisão de 26/03/2013, pela prática de dois crimes de coação, pressão, assédio ou agressão de natureza psicológica ou emocional, na pena de prisão, suspensa na sua execução, com a obrigação de interdição de entrar em contacto com determinadas pessoas, de seguir programa socioeducativo, de se submeter às medidas de vigilância determinadas pelo tribunal; iv. Por decisão de 14/11/2012, pela prática de um crime de furto após violação de propriedade privada, na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução e na obrigação de interdição de entrar em contacto com determinadas pessoas, de seguir programa socioeducativo, de se submeter às medidas de vigilância determinadas pelo tribunal, de frequentar programas específicos de prevenção de condutas típicas de perseguição, de proibição de contacto com a vítima; v. Por decisão de 03/11/2011, pela prática de um crime de consumo ilícito de drogas e aquisição, posse, fabrico ou produção exclusivamente para consumo pessoal, na pena de multa; vi. Por decisão de 27/06/2011, pela prática de um crime de tráfico de produtos roubados, na pena de prisão, suspensa na sua execução, com a obrigação de se submeter às medidas de vigilância determinadas pelo tribunal, incluindo a obrigação de permanecer sob controlo judicial; vii. Por decisão de 14/11/2012, pela prática de um crime de furto após violação de propriedade privada, na pena de prisão, suspensa na sua execução; viii. Por decisão de 06/06/2011, pela prática de outras infrações intencionais, na pena de multa; ix. Por decisão de 20/01/2011, pela prática de um crime de infrações contra o Estado, a ordem pública, a realização da justiça ou pessoa que exerce um cargo público; x. Por decisão de 03/09/2010, pela prática de um crime de infrações contra o Estado, a ordem pública, a realização da justiça ou pessoa que exerce um cargo público, na obrigação de seguir um programa socioeducativo; xi. Por decisão de 10/03/2010, pela prática de um crime de consumo ilícito de drogas e aquisição, posse, fabrico ou produção exclusivamente para consumo pessoal, na pena de multa; xii. Por decisão de 06/10/2009, pela prática de um crime de furto com violência ou arma, ou ameaça de violência ou de uso de arma contra outrem, na pena de multa e na obrigação de se submeter às medidas de vigilância determinadas pelo tribunal, incluindo a obrigação de permanecer sob controlo judicial e de seguir um programa socioeducativo; xiii. Por decisão de 16/04/2009, pela prática de um crime de injúria, calúnia, difamação e ofensa, de discriminação com base no sexo, raça, orientação sexual, religião ou origem étnica, na pena de multa e de obrigação de se submeter às medidas de vigilância determinadas pelo tribunal, incluindo a obrigação de permanecer sob controlo judicial; xiv. Por decisão de 22/01/2009, pela prática de um crime de ameaça, na obrigação de se submeter às medidas de vigilância determinadas pelo tribunal, incluindo a obrigação de permanecer sob controlo judicial; xv. Por decisão de 05/03/2008, pela prática de um crime de infrações contra o Estado, a ordem pública, a realização da justiça ou pessoa que exerce um cargo público; xvi. Por decisão de 28/11/2007, pela prática de um crime de posse ou uso não autorizado de armas, armas de fogo, suas peças e elementos, munições e explosivos e de um crime de infrações contra o Estado, a ordem pública, a realização da justiça ou pessoa que exerce um cargo público, na obrigação de se submeter às medidas de vigilância determinadas pelo tribunal, incluindo a obrigação de permanecer sob controlo judicial e de se encontrar no local de residência em momento determinado; xvii. Por decisão de 01/08/2007, pela prática de dois crimes de danificação ou destruição dolosa de bens, de um crime de ofensas voluntárias à integridade física causadoras de danos corporais de pouca gravidade, na obrigação de se submeter às medidas de vigilância determinadas pelo tribunal, incluindo a obrigação de permanecer sob controlo judicial e de se encontrar no local de residência em momento determinado; (…)
D) – Em sustento da decisão de suspensão da execução da pena exarou-se na sentença referida em A) o seguinte: (…) No que concerne ao arguido AA, pese embora os seus antecedentes criminais, traduzidos nas várias condenações anteriores determinadas pelos tribunais do Reino Unido, num período em que este arguido ali vivia e enquanto ainda era muito jovem, datando a última delas de 2014, a verdade é que este arguido, em Portugal, até ao momento, não sofreu qualquer condenação anterior ou posterior à prática dos factos em apreço, pelo menos que se mostre averbada no respetivo certificado de registo criminal. Além disso, o período pessoal e profissional conturbado que terá ditado a prática dos factos em apreço, aliado aos seus consumos aditivos, parece estar, pelo menos, por ora, ultrapassado, já que o arguido desempenha uma atividade profissional regular, além de contar com o apoio familiar, ainda que à distância, por parte da sua progenitora, a qual se encontra emigrada no Reino Unido. Assim, também quanto a este arguido AA, o tribunal acredita que, neste momento, a simples ameaça da prisão ainda será suficiente para realizar as finalidades da punição e, consequentemente, a sua ressocialização em liberdade, assentando na confiança de que este sentirá a presente condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro outro crime, aceitando-se a capacidade do mesmo para compreender esta oportunidade de ressocialização que lhe é concedida, sendo certo que as sobreditas exigências de prevenção geral possibilitam a execução da pena em liberdade aplicada ao arguido sem que, para tanto, seja abalado o limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico, possibilitando-se ainda desta forma a reafirmação contrafáctica da norma violada. Por tudo o exposto, entende-se igualmente suspender a execução da pena de 3 (três) anos de prisão aplicada ao arguido AA, afigurando-se-nos adequado e proporcional que o período da suspensão corresponda à medida concreta dessa mesma pena, determinando-se assim a suspensão da execução desta pelo período de 3 (três) anos. Cremos, contudo, que, atendendo ao percurso pessoal do arguido AA, ao contexto em que ocorreram os factos em apreço, à personalidade do próprio arguido, aos consumos aditivos e, sobretudo, ao extenso elenco de antecedentes criminais por ilícitos cometidos no Reino Unido e, consequentemente, às elevadas exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, não se mostra bastante a suspensão da execução da pena de prisão supra fixada na sua forma simples. Com efeito, no âmbito da suspensão da execução da pena de prisão, estabelece o citado artigo 50.º, n.º 2, que o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, pode subordinar essa suspensão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou, ainda, determinar que a mesma seja acompanhada de regime de prova, sendo certo que os deveres e regras de conduta podem ser impostos cumulativamente (cfr. n.º 3, do referido preceito) e, por força do n.º 3, do artigo 54.º, do mesmo diploma, também no âmbito do regime de prova, desde que interessem ao plano de readaptação e ao aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do condenado. No que diz respeito aos deveres a cumprir – os quais não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir – dispõe o artigo 51.º, do Código Penal, que a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente: a) pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea; b) dar ao lesado satisfação moral adequada; c) entregar a instituições, públicas ou privadas, de solidariedade social ou ao Estado, uma contribuição monetária ou prestação de valor equivalente. Já relativamente às regras de conduta a impor, prevê o artigo 52.º, n.º 1, do mesmo diploma, que o tribunal pode impor ao condenado o cumprimento, pelo tempo de duração da suspensão, de regras de conduta de conteúdo positivo, suscetíveis de fiscalização e destinadas a promover a sua reintegração na sociedade, nomeadamente: a) residir em determinado lugar; b) frequentar certos programas ou atividades; c) cumprir determinadas obrigações. O tribunal pode, complementarmente, impor ao condenado o cumprimento de outras regras de conduta (n.º 2), designadamente: a) não exercer determinadas profissões; b) não frequentar certos meios ou lugares; c) não residir em certos lugares ou regiões; d) não acompanhar, alojar ou receber determinadas pessoas; e) não frequentar certas associações ou não participar em determinadas reuniões; f) não ter em seu poder objetos capazes de facilitar a prática de crimes. Ademais, pode ainda o tribunal, obtido o consentimento prévio do condenado, determinar a sua sujeição a tratamento médico ou a cura em instituição adequada (n.º 3). Acrescenta também o artigo 53.º, n.ºs 1 e 2, do diploma em apreço que: “1 – O tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade. 2 – O regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social.”. Considerando, então, estes preceitos legais e no que toca à situação em apreço, mostra-se essencial à realização das finalidades da punição, designadamente afastando o arguido do cometimento de novos crimes, que a pena de prisão suspensa na sua execução fique subordinada a regime de prova, não só para sinalizar na comunidade que o crime não compensa e que, por isso, as normas violadas continuam vigentes e como tal são para cumprir, mas também (e sobretudo) para permitir o aperfeiçoamento social deste arguido, estimulando a vontade de abandono de práticas delituosas, reforçando a sua reintegração social, o que terá de contemplar o seu tratamento/reabilitação e concretização de um estado abstémio, aliado à manutenção de um emprego estável promotor de um estilo de vida responsável e balizado por princípios de convencionalidade. Como tal esse regime de prova assentará num plano de reinserção a elaborar pela Direção Geral da Reinserção e dos Serviços Prisionais (doravante apenas D.G.R.S.P.), na execução do qual o arguido AA terá, nos termos do disposto no artigo 54.º, n.º 3, alíneas a) a c), a obrigação de, durante tal período, responder a convocatórias do tribunal ou da D.G.R.S.P., receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência, informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso. Em segundo lugar, atendendo a que a prática do crime em apreço esteve associada ao consumo de produtos estupefacientes, então, é de considerar que o não tratamento dessa adição potencia claramente o risco de o arguido voltar a delinquir, o que de todo não se pretende, razão pela qual se mostra determinante sujeitar o arguido o tratamento médico adequado de desintoxicação de produtos estupefacientes – para o qual o arguido já deu o seu consentimento –, na medida e com as condições que lhe vieram a ser estabelecidas pelo médico que o acompanhar e o assistir, e com as diretrizes terapêuticas que lhe forem por ele impostas, durante o período de suspensão, tratamento esse que será articulado e coordenado pela D.G.R.S.P. Atendendo a que, neste momento, o tribunal não dispõe de todos os elementos necessários à organização do plano de reinserção social do arguido de acordo com todos os deveres/regras e orientações supra elencadas, após trânsito, deverá solicitar-se a sua elaboração à D.G.R.S.P., com as diretrizes e objetivos supra referidos, nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 494.º, do Código de Processo Penal. Pelo exposto, decide-se subordinar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA por 3 (três) anos, a regime de prova, conforme o previsto no citado artigo 53.º e que assentará em plano de reinserção social a elaborar pelos serviços do D.G.R.S.P., conforme o disposto no aludido artigo 494.º, n.º 3, sujeitando-se ainda este arguido, nos termos dos artigos 50.º, n.º 2, 52.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 54.º, n.º 3, às seguintes obrigações/deveres, que se revelam com interesse na execução do plano individual de readaptação: a) responder a convocatórias do tribunal ou da D.G.R.S.P.; b) receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; c) informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso; d) efetuar o tratamento médico adequado de desintoxicação de produtos estupefacientes – para o qual o arguido já deu o seu consentimento – na medida e com as condições que lhe vieram a ser estabelecidas pelo médico que o acompanhar e o assistir, e com as diretrizes terapêuticas que lhe forem por ele impostas, durante o período de suspensão, tratamento esse que será articulado e coordenado pela D.G.R.S.P. Valorando o que se conhece do modo de vida do arguido AA, afigura-se que as ditas condições são, nos seus exatos contornos, razoáveis e com franca possibilidade de cumprimento pelo arguido, sendo que uma suavização das mesmas seria desacreditar a própria suspensão da execução da pena de prisão e criar no espírito deste arguido e na comunidade em geral, um mau sentimento de impunidade. Outrossim, as exigências de prevenção geral e os perigos que existem, e acima apontados, demandam que o arguido AA sinta algum sacrifício para que de futuro manifeste cautelas, evitando a adoção de comportamentos censuráveis como aqueles em causa nestes autos. Por último, refira-se que, nos termos do disposto nos artigos 51.º, 52.º e 55.º, todos do Código Penal, sempre poderá o Tribunal, a posterior e caso se venha a justificar, modificar as obrigações/regras de conduta e/ou os deveres ora impostos ao arguido AA, por forma a acautelar o cumprimento das finalidades que estiveram na base da sua aplicação, além de que a eventual prática de quaisquer factos suscetíveis de integrar um ilícito criminal e, pelo qual venham a ser condenados quer aquele arguido AA, quer o arguido BB, será fundamento para uma eventual revogação da suspensão supra determinada, com o subsequente cumprimento da totalidade da pena de prisão aqui aplicada.
*
(…)
*
III.3
Apreciando
É pretensão recursória do recorrente reverter o despacho que indeferiu o pedido de não transcrição da condenação sofrida no respetivo registo criminal.
No entender do recorrente, encontram-se verificados os pressupostos legais de que depende a procedência do requerido, quer quanto às condicionantes formais quer, ainda, quanto ao requisito material da insusceptibilidade do risco de nova prática criminal, sendo até contraditório o indeferimento contestado ante a anterior formulação de juízo equivalente a propósito da suspensão da execução da pena aplicada.
Apreciando.
O registo criminal é organizado em ficheiro central, sendo constituído pelos elementos da identificação civil do arguido, extratos de decisões criminais e comunicações de factos a este respeitantes, sujeitos a registo, sendo consultado mediante requisição de certificado do registo criminal (cfr. art.º 5.º da Lei n.º 37/2015, de 05/05 (Lei da Identificação Criminal, doravante LIC).
São sujeitas a registo criminal as decisões que apliquem penas, ou medidas de segurança, em conformidade com o estatuído no art.º 7.º da LIC.
Não obstante.
Para além dos efeitos dissociativos e dessocializadores apontados à prática de um crime, à sujeição ao sistema formal de Justiça e à subsequente condenação, dificilmente evitáveis, a informação cadastral articulada com a condenação constitui, muitas vezes, em si mesma, uma (nova) forma de estigmatização ou de auto-perceção desse efeito para o condenado, facilitando a estratificação e desqualificação social, com riscos de exclusão social a jusante.
Sendo o registo criminal, não raras vezes, um elemento a considerar na tomada de decisões que envolvam a afirmação de um conceito de probidade e idoneidade pessoal, designadamente no contato a estabelecer com menores (cfr. Lei n.º 113/2009, de 17.09) ou no acesso a funções, cargos ou trabalho público - dificultando o acesso do condenado a mecanismos de reinserção, com o risco de assunção irreparável de comportamentos desviantes, defluindo na construção de uma vida à margem da convivência social e da participação comunitária ativa -, prevê a LIC, em conformação de direitos e interesses, a possibilidade de atenuação daqueles efeitos perversos paralelos à condenação e emergentes da inevitabilidade da existência de um registo centralizado, designadamente através do cancelamento provisório ou da não transcrição das condenações, essencialmente ante a comissão de ilícitos menos gravosos e socialmente mais “toleráveis”.
Assim, se por um lado, a existência de um registo criminal surge como uma inevitabilidade, - designadamente tendo em conta interesses gerais comunitários, razões de segurança, intercâmbio informacional e reconhecimento mútuo de decisões entre Estados-membro da U.E., proteção social (designadamente prevenindo o contato de condenados por crimes sexuais com menores e o acesso a posições e funções que envolvam esse contato em qualquer país, acesso a armas de fogo, exercício de profissões na área da segurança) ou mesmo razões práticas de acesso rápido a informação condensada relativa ao passado criminal, predecessora à tomada de decisão penal, - por outro, designadamente nos termos da Recomendação n.º R (84) 10 do Conselho da Europa, sobre o registo de antecedentes penais e a reabilitação de condenados, deverá ter-se presente que a criação do registo criminal, se visa sobretudo informar as autoridades responsáveis pelo sistema de justiça penal sobre os antecedentes criminais da pessoa em causa, para que estas possam tomar uma decisão individualizada, deve evitar ou sublimar, na medida do possível, qualquer outra utilização do registo suscetível de comprometer as hipóteses de reinserção social do condenado.
Na construção de um modelo que possa acomodar os interesses individuais e coletivos conflituantes, cônscio do estigma associado à existência e acesso a um registo cadastral penal, o legislador, com expressão na LIC, respondendo às exigências preconizadas na decisão-quadro 2009/315/JAI do Conselho, de 26.02.2009, criou um regime que, se materializa aquela inevitabilidade, também pretende evitar, na justa medida, aqueles efeitos conexos perversos, designadamente, restringindo as informações contidas nos certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou atividade em Portugal (art.º 10.º, n.º 5, da LIC), promovendo o seu cancelamento, ainda que oficioso, em período concordante com a gravidade da infração e o percurso ulterior do condenado, permitindo o cancelamento provisório antecipado, a reabilitação ou a não transcrição.
Em qualquer dos casos, a possibilidade de não transcrição da condenação no certificado de registo criminal, destinando-se a evitar a estigmatização acrescida de quem a sofreu pela prática de ilícito criminal sem gravidade significativa (punido com pena de prisão até 1 ano ou medida não detentiva) e as repercussões negativas que a divulgação da condenação pode acarretar para a reintegração social do delinquente, nomeadamente no acesso ao emprego é, necessariamente, excecional.
Efetivamente, se o registo visa “(…) permitir o conhecimento dos antecedentes criminais das pessoas condenadas e das decisões de contumácia vigentes”, a não transcrição, com o fito de atenuar o já apontado efeito estigmatizante, só pode ser considerada uma exceção, reportando-se, apenas, como se viu, a situações de pequena gravidade e para o caso dos certificados destinados ao exercício de profissão.
Neste conspecto, dispõe o art.º 13.º da LIC, sob a epígrafe “Decisões de não transcrição” que: 1. Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.os 5 e 6 do artigo 10.º. 2. No caso de ter sido aplicada qualquer interdição, apenas é observado o disposto no número anterior findo o prazo da mesma. 3 - O cancelamento previsto no n.º 1 é revogado automaticamente, ou não produz efeitos, no caso de o interessado incorrer, ou já houver incorrido, em nova condenação por crime doloso posterior à condenação onde haja sido proferida a decisão.
Decompondo o regime instituído e nos termos do n.º 1 – que ao caso interessa – temos elencados dois requisitos formais e um terceiro, de natureza material ou substancial, de verificação necessária e cumulativa:
(i) Que o caso não se insira no âmbito da aplicabilidade da Lei 113/2009 e o crime praticado tenha sido sancionado com pena de prisão até um ano ou pena não privativa da liberdade (fatores denotativos da relativa pouca gravidade da infração e da pena);
(ii) Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza (requisito objetivo que se atém à pertinência do efeito ressocializador do pretendido e à elegibilidade do requerente)
(iii) Que das circunstâncias que acompanharam o crime cuja condenação se pretende não transcrita não se possa induzir o perigo de prática de novos crimes (requisito de prognose favorável a avaliar ope juris).
No caso vertente e revertendo as considerações expressas, não estão em causa os dois primeiros requisitos, como é pacífico.
Divergem o decidido e o pretendido quanto ao terceiro.
Ora, o Tribunal a quo entendeu que o terceiro requisito se tinha por inverificado, tendo em conta a matéria de facto dada como provada em C), dela se extraindo a gravidado dos factos e os antecedentes relativos aos crimes praticados no Reino Unido – com confluência na pena concreta aplicada (ainda que a prisão tenha sido suspensa na sua execução) - e que denotam a existência de risco de cometimento de novos crimes, não se podendo afirmar que “este foi um episódio que não se repetirá na vida do arguido”.
Retendo o estatuído no citado art.º 13.º, n.º 1 da LIC, o juízo prudencial atinente à decisão de não transcrição levará em conta as “circunstâncias que acompanharam o crime” para aferir do risco da prática de novos ilícitos e, no caso, considerando a matéria de facto provada, o requerente “de forma voluntária e sem qualquer causa justificativa, passou a dedicar-se à atividade de tráfico de produto estupefaciente, designadamente heroína e cocaína, pelo menos a partir do inverno de 2020” (sublinhado nosso). A partir do início de 2021 “passou a contar com a colaboração do arguido BB que vendia canábis por sua conta, ordem e orientação”, adquirindo o produto estupefaciente na cidade do Porto, em “grandes quantidades, já devidamente doseadas”, chegando a vender no interior da residência do requerente onde, aliás, na sequência de busca, foram encontrados: - 13 (treze) embalagens plásticas (vulgarmente designados por “pacotes”), com o peso bruto de 1,98 gramas, contendo no seu interior uma substância que, submetida a exame laboratorial, revelou ser heroína, com o grau de pureza de 9,5%; - 17 (dezassete) pedaços (vulgarmente designados por “pedras”), com o peso bruto de 3,40 gramas, de uma substância que, submetida a análise laboratorial, revelou ser cocaína (éster metílico), com o grau de pureza de 40%; - 15 (quinze) pedaços embalados, com o peso bruto de 15,14 gramas, contendo no seu interior uma substância que, submetida a análise laboratorial, revelou ser canábis (resina), com o grau de pureza de 17,0% (THC); - 3 (três) pedaços de uma substância, com o peso bruto de 3,16 gramas, que submetida a exame laboratorial, revelou ser canábis (resina), com o grau de pureza de 17,0% (THC);
Ademais, já foi “condenado em pena de prisão efetiva, durante o período em que residiu em Inglaterra” e “com historial aditivo com consumos de canábis desde os 13 anos de idade, no âmbito da medida de coação aplicada nos presentes autos, iniciou acompanhamento médico no CRI ..., em 09 de agosto de 2021, onde se manteve até 13 de dezembro de 2021, onde foi presente a avaliação para eventual internamento em Comunidade Terapêutica, que o arguido prescindiu; Posteriormente o arguido deixou de comparecer às marcações e de responder aos contactos telefónicos e e-mail do CRI;”.
Em Inglaterra: i. Por decisão de 30/07/2014, pela prática de quatro crimes de furto após violação de propriedade privada, de fraude com burla, de infrações contra o Estado, a ordem pública, a realização da justiça ou pessoa que exerce um cargo público, na pena de prisão; ii. Por decisão de 26/03/2013, pela prática de dois crimes de infrações contra o Estado, a ordem pública, a realização da justiça ou pessoa que exerce um cargo público, na pena de prisão, suspensa na sua execução; iii. Por decisão de 26/03/2013, pela prática de dois crimes de coação, pressão, assédio ou agressão de natureza psicológica ou emocional, na pena de prisão, suspensa na sua execução, com a obrigação de interdição de entrar em contacto com determinadas pessoas, de seguir programa socioeducativo, de se submeter às medidas de vigilância determinadas pelo tribunal; iv. Por decisão de 14/11/2012, pela prática de um crime de furto após violação de propriedade privada, na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução e na obrigação de interdição de entrar em contacto com determinadas pessoas, de seguir programa socioeducativo, de se submeter às medidas de vigilância determinadas pelo tribunal, de frequentar programas específicos de prevenção de condutas típicas de perseguição, de proibição de contacto com a vítima; v. Por decisão de 03/11/2011, pela prática de um crime de consumo ilícito de drogas e aquisição, posse, fabrico ou produção exclusivamente para consumo pessoal, na pena de multa; vi. Por decisão de 27/06/2011, pela prática de um crime de tráfico de produtos roubados, na pena de prisão, suspensa na sua execução, com a obrigação de se submeter às medidas de vigilância determinadas pelo tribunal, incluindo a obrigação de permanecer sob controlo judicial; vii. Por decisão de 14/11/2012, pela prática de um crime de furto após violação de propriedade privada, na pena de prisão, suspensa na sua execução; viii. Por decisão de 06/06/2011, pela prática de outras infrações intencionais, na pena de multa; ix. Por decisão de 20/01/2011, pela prática de um crime de infrações contra o Estado, a ordem pública, a realização da justiça ou pessoa que exerce um cargo público; x. Por decisão de 03/09/2010, pela prática de um crime de infrações contra o Estado, a ordem pública, a realização da justiça ou pessoa que exerce um cargo público, na obrigação de seguir um programa socioeducativo; xi. Por decisão de 10/03/2010, pela prática de um crime de consumo ilícito de drogas e aquisição, posse, fabrico ou produção exclusivamente para consumo pessoal, na pena de multa; xii. Por decisão de 06/10/2009, pela prática de um crime de furto com violência ou arma, ou ameaça de violência ou de uso de arma contra outrem, na pena de multa e na obrigação de se submeter às medidas de vigilância determinadas pelo tribunal, incluindo a obrigação de permanecer sob controlo judicial e de seguir um programa socioeducativo; xiii. Por decisão de 16/04/2009, pela prática de um crime de injúria, calúnia, difamação e ofensa, de discriminação com base no sexo, raça, orientação sexual, religião ou origem étnica, na pena de multa e de obrigação de se submeter às medidas de vigilância determinadas pelo tribunal, incluindo a obrigação de permanecer sob controlo judicial; xiv. Por decisão de 22/01/2009, pela prática de um crime de ameaça, na obrigação de se submeter às medidas de vigilância determinadas pelo tribunal, incluindo a obrigação de permanecer sob controlo judicial; xv. Por decisão de 05/03/2008, pela prática de um crime de infrações contra o Estado, a ordem pública, a realização da justiça ou pessoa que exerce um cargo público; xvi. Por decisão de 28/11/2007, pela prática de um crime de posse ou uso não autorizado de armas, armas de fogo, suas peças e elementos, munições e explosivos e de um crime de infrações contra o Estado, a ordem pública, a realização da justiça ou pessoa que exerce um cargo público, na obrigação de se submeter às medidas de vigilância determinadas pelo tribunal, incluindo a obrigação de permanecer sob controlo judicial e de se encontrar no local de residência em momento determinado; xvii. Por decisão de 01/08/2007, pela prática de dois crimes de danificação ou destruição dolosa de bens, de um crime de ofensas voluntárias à integridade física causadoras de danos corporais de pouca gravidade, na obrigação de se submeter às medidas de vigilância determinadas pelo tribunal, incluindo a obrigação de permanecer sob controlo judicial e de se encontrar no local de residência em momento determinado;
Ora, considerada esta factualidade, temos, por um lado, que o crime de tráfico de estupefacientes, ainda que de menor gravidade, é punível com pena até 5 anos de prisão e, no caso, foi o requerente punido com uma pena de 3 anos (ainda que suspensa na sua execução) que, não sendo uma pena privativa da liberdade para efeitos do art.º 13.º da LIC [cfr. a este propósito e ante a lei anterior, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para fixação de jurisprudência de 07.07.2016, proc. 2314/07.0TAMTS-D.P1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt] não deixa de colocar a situação vertida nos autos num plano de “gravidade” superior e na margem do regime e das finalidades da não transcrição, excecional e primacialmente concebida para situações de gravidade inferior, delinquentes primários e de cujos factos demonstrados se alcance tratar-se de uma situação ocasional e irrepetível. In casu, pelos argumentos detetados pelo Tribunal a quo, há uma pluriocasionalidade de comportamentos com relevância criminal prévios e, bem assim, circunstâncias contemporâneas ao facto que não permitem prognosticar a ausência de risco de cometimento de novos ilícitos, o que era essencial para a deferimento da pretensão, ao que acresce que as condenações previamente sofridas são, elas mesmas, sujeitas a inscrição no registo criminal (como foram), nos termos do art.º 7.º, n.º 1 al. b) da LIC, sendo que, por efeito do art.º 10.º, n.º 6 do mesmo diploma, “Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com exceção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13.º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou atividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido.” o que, desde logo, degrada o efeito útil do pretendido pelo requerente, que o Tribunal a quo negou e cuja decisão o recorrente não se conforma.
Assim e quanto a nós, a decisão recorrida mostra-se fundamentada e, no plano material, acertada.
A esta conclusão contrapõe o recorrente a afirmação de que existiu um juízo de prognose favorável quanto ao não cometimento futuro de crimes, contido na decisão de suspender a execução da pena de prisão, que não pode, nem deve, ser contrariado com a rejeição da não transcrição da respetiva condenação no registo, o que, a tornar-se efetivo, porá em causa a aposta readaptativa antes sufragada pelo próprio Tribunal. Ademais, tal como resulta do facto provado no ponto XX da sentença, o arguido atualmente encontra-se a trabalhar, e tem a sua retaguarda familiar na progenitora - ponto XXIII, - tendo admitido a generalidade dos factos e reconhecendo a existência de vítimas não havendo, pois, elementos de onde possa extrair-se o risco de cometimento de novos crimes.
Ora, sem por em causa o juízo valorativo que esteve na base da decisão de suspender a execução da pena de prisão, tratando-se de decisão tornada firme no ordenamento jurídico, até porque não impugnada por via de recurso e tendo transitado pacificamente em julgado, na verdade e quanto à pretendida não transcrição, a respetiva ponderação e decisão importa a formulação de juízo distinto daquele que esteve na base da medida substitutiva.
Efetivamente, os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão, elencados no estatuído no art.º 50.º do C.P. e os previstos para a não transcrição das decisões condenatórias nos certificados do registo criminal, previstos no art.º 13.º, n.º 1 da LIC, não são inteiramente coincidentes, sendo que a existência do primeiro não impõe decisão coincidente no segundo caso, nem invalida a formulação de um juízo de prognose negativo em relação à verificação do pressuposto material exigido para a não transcrição [cfr., neste sentido, por todas as Relações, acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21.09.2021, proc. 217/20.1GBCCH-A.E1, Rel. Fátima Bernardes, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.07.2021, proc. 33/19.3GAMGD.G1, Rel. Paulo Serafim, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12.06.2019, proc. 188/16.9JAAVR-D.P1, Rel. Maria Ermelinda Carneiro, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.09.2019, proc. 171/17.7PBMTA-A.L1-9, Rel. João Abrunhosa e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02.02.2022, Proc. 174/19.7T9CTB-A.C1, Rel. Paulo Guerra, disponíveis em www.dgsi.pt].
Se é certo que a formulação do juízo de prognose favorável, ínsito na decisão de suspensão da execução da pena, contém uma avaliação positiva da personalidade do agente, da existência de preditores de sucesso ou de fatores de proteção conducentes à afirmação de que a simples ameaça da pena impedirá a reincidência criminal, tal avaliação – que contém sempre um risco prudencial – tem por finalidade, distintamente do caso que nos ocupa, atingir os finalidades da punição através, nas palavras do Prof. Figueiredo Dias, “da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência»”.
Já a possibilidade de não transcrição das decisões, conforme previsão contida no art.º 13.º da LIC, embora consagrando um poder dever para o decisor, impõe um juízo prospetivo que considere, por um lado, a exigência e conveniência da organização e existência de um registo e o regime-regra da transcrição e, por outro, em conformação e retendo critérios de necessidade e proporcionalidade, evitar, na medida do possível, cumpridos os requisitos legais, aquilo a que o mesmo Ilustre Professor apelida de “anátema social que para o condenado deriva da publicidade dos seus antecedentes criminal”.
Se, num e noutro caso, a gravidade do crime foi fator relevante na determinação da pena concreta e que agora deverá ser desconsiderado, mas retendo as distintas finalidades de ambos os juízos de prognose, não temos por contraditório que se tenha concluído ser possível um processo readaptativo apartado do meio carcerário, conducente à suspensão da execução da pena mas que, para os efeitos estritos das finalidades do registo, não possa de antemão assegurar-se, atento o factualismo apurado e os fatores atinentes ao percurso e personalidade do condenado, como afastado o risco de cometimento de crimes e que os interesses particulares do condenado se devam sobrepor aos visados pela normal transcrição das decisões condenatórias, neste particular não fazendo sentido, salvo o devido respeito, a invocação do princípio in dubio pro reo quando se pretende, ultrapassada a fase de apuramento dos factos, uma avaliação, por definição incerta, de um comportamento futuro, prognosticável, mas sempre contingente.
Também a invocação da postergação do direito de liberdade de escolha de profissão ou de acesso ao emprego, constitucionalmente protegidos, nos parece infundada. Aqueles não constituem direitos absolutos, podendo ser legalmente constrangidos, desde que se mostre justificado, proporcional e adequado à preservação de outros direitos ou garantias constitucionais tratando-se, no caso, de uma decorrência legal de uma condenação, transitada em julgado, emergente da prática de facto tipificado na lei como crime.
Por todo o exposto e concluindo, a decisão recorrida não merece censura, estando devidamente fundamentada e concordante com a posição e juízo prudencial da decisora, contida na opção que o art.º 13.º, n.º 1 da LIC lhe exige, improcedendo o recurso.
*
IV.
Decisão:
Por todo o exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso interposto por AA, mantendo na íntegra a decisão recorrida.
*
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC (art.º 515.º, n.º 1, al. b) do C.P.P. e art.º 8.º, n.º 9, do R.C.P., com referência à Tabela III).
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Porto, 03 de julho de 2024
José Quaresma (Relator)
Paula Natércia Rocha (1.ª Adjunta)
Castela Rio (2.º Adjunto)