CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CRIME HABITUAL
PRESCRIÇÃO
IMPUTAÇÕES GENÉRICAS
Sumário

I – Quando o crime de violência doméstica integra a prática reiterada de atos, podemos dizer que estamos perante um crime habitual
II – Nesse caso, nos termos do artigo 119.º, n.º 2, b), do Código Penal, o prazo de prescrição começa a correr a partir da prática do último ato.
III - É entendimento uniforme da jurisprudência que as imputações genéricas sem indicação precisa do tempo, lugar e circunstancialismo em que ocorreram poderão inviabilizar um efetivo direito de defesa, devendo, por isso, ser consideradas não escritas
IV - No entanto, pelas naturais dificuldades em situar no tempo condutas passadas e recorrentes, alguma imprecisão a esse respeito poderá ser admissível (mas essa imprecisão não pode chegar ao ponto de tornar impossível qualquer defesa); exigir uma identificação precisa do dia e hora da ocorrência de factos que integrem uma prática reiterada que se prolonga no tempo pode ser uma exigência quase impossível e desse modo inviabilizar-se-á qualquer condenação pela prática deste tipo de crimes; mas há outras formas de contextualização dos factos que permitem identificá-los sem essa precisa identificação temporal (há uma identificação temporal menos precisa, uma localização espacial, uma referência a determinado episódio) e, assim, assegurar os direitos de defesa do arguido; com essa contextualização, este pode saber a que acontecimento concreto se refere a acusação e defender-se a respeito da sua eventual ocorrência.

Texto Integral

Pr. 1214/20.2PIPRT.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I –
AA veio interpor recurso da douta sentença do Juíz 7 do Juízo Local Criminal do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que o condenou, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, a), e n.º 2, a), do Código Penal, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova,ao abrigo do disposto no artigo 53.º, nºs 1 e 2, do Código Penal e 34.º-B, nº 1, da Lei nº 112/2009, de 16 de setembro, nos termos propostos pela DGRSP, que preveja a sua integração no Programa para Agressores de Violência Doméstica – PAVD, com a duração mínima de 18 meses, bem como ao afastamento da vítima, do local onde a mesma resida ou local de trabalho e a proibição de a contactar por qualquer meio; e o condenou também a pagar a esta a quantia de cinco mil euros, a título de indemnização de danos não patrimoniais, fixada ao abrigo do disposto nos artigos 82.º.-A do Código de Processo Penal e 21.º da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro;

São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:
«A) Conforme decorre do dispositivo da douta Sentença recorrida, o recorrente foi condenado:
a) na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa por igual período, pela prática em autoria material de um crime de violência doméstica, na forma consumada, previsto e punível pelo artº 152º, nº 1, alínea a) e nº 2 alínea a), do Código Penal, sujeita e sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto no artigo 53.º, n.º 1 e 2 do Código Penal e 34-B, n.º 1 da Lei n.º 112/2009, de 16/09, nos termos propostos pela DGRSP, que preveja a sua integração no Programa para Agressores de Violência Doméstica – PAVD, com a duração mínima de 18 meses, bem como ao afastamento do arguido da vítima, do local onde a mesma resida ou local de trabalho e a proibição de a contactar por qualquer meio;
b) ... a pagar à ofendida BB a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização fixada ao abrigo do disposto nos artigos 82-A do Código de Processo Penal e 21.º, da Lei 112/2009, de 16 de Setembro;
c) Não aplicar ao arguido a pena acessória de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 152.º do Código Penal.”
B) Salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que o Tribunal andou mal e condenou em pena que se afigura injusta, desproporcional e excessiva.
C) De igual forma o montante indemnizatório de € 5.000,00 (cinco mil) euros que achamos, exagerado.
D) Na verdade, atento o princípio da presunção de inocência e atenta a total ausência de prova cabal e demonstrativa dos factos imputados pela ofendida ao recorrente, O Tribunal “a quo” deveria ter decidido no sentido de absolver o arguido pela prática do crime pelo qual vinha acusado.
E) O Tribunal “a quo”, para fundamentar a decisão de condenar o recorrente considerou como credível o depoimento da ofendida, como a sentença refere: “... em contraposição às (declarações) do arguido.”, quando é certo que a ofendida é parte interessada e o seu depoimento é contraditório e parcial.
F) As declarações da ofendida, o depoimento de todas as testemunhas, de acusação e defesa, as regras da experiência comum, os factos científicos e o princípio “in dubio pro reo”, os factos melhor especificados pelos pontos 9, 10, 11, 14, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 29, 31, 32, 33, 35, 36, 37, 38, 39 e 40 da matéria de facto dada como provada na sentença, deveriam ter sido dados como NÃO PROVADOS.
G) Na verdade, toda esta matéria foi dada por provada com base única e exclusivamente no depoimento da ofendida e depoimentos indiretos das suas testemunhas.
H) As declarações prestadas pela ofendida, são contraditórias e ilógicas que chocam com as regras da experiência e normalidade.
I) Numa primeira fase, acusa o arguido de ciumento, possessivo, que a não permitia andar com as roupas que gostava, que queria saber tudo da vida dela.
J) Logo a seguir diz que era o arguido quem pretendia que a ofendida tivesse relações com outrem.
K) Não é nada normal que alguém possessivo e ciumento pretenda que a sua mulher tenha relações com outro homem, quer seja a escolher, a ver ou a estar ou não presente!
L) O arguido não manifestou qualquer desconforto, quer na expressão facial quer no seu discurso que foi sempre o mesmo. Respondeu a tudo, sem pressas e com fundamento.
M) Foi notório o juízo já feito pelo tribunal “a quo” na inquirição do arguido e suas testemunhas, às vezes até com comentários, mesmo parciais.
N) Não se percebe que sendo o depoimento da ofendida “credível”, em oposição às declarações do arguido, como se refere na fundamentação da sentença em crise, porque motivo o Tribunal “a quo”, não deu por provados os factos os factos vertidos nos pontos 1., 2., 3., 4., 5., 6., 7. e 8.
O) Só a abundante prova, dir-se-ia até, “prova plena”, com fotos de que nunca foi verdade que o recorrente impedisse a ofendida, desde os tempos de namoro de se vestir com roupas mais ou menos arrojadas – apesar da crítica do Tribunal “a quo”: “...A irrelevância da grande maioria das mesmas, como se lê na fundamentação da sentença, a fls 2, 4.º parágrafo e pág. 23, parte final: “sentindo o arguido necessidade de juntar aos autos fotografias do corpo da sua ex-mulher e mãe do seu filho de uma forma mais exposta fisicamente, nomeadamente em contexto de praia, com intenções que nos dispensamos questionar”
P) Com o devido respeito, que é muito, este comentário do Tribunal “a quo” é que era perfeitamente evitável e demonstra preconceitos que não são aceitáveis nos dias de hoje.
Q) O que tudo confirma a violação do princípio a livre convicção do julgador.
R) Não se percebe que nesta parte não dá credibilidade ao depoimento da ofendida, mas logo a seguir e a todos os restantes factos da matéria de facto, aceita o depoimento como bom, certo e inatacável.
S) Mas, porque razão deu credibilidade ao restante depoimento da ofendida, que é ilógico e contraditório? Não é a mesma pessoa? Mentiu só nuns factos? Nos outros fala verdade? Desconsiderou as declarações da ofendida relativas ao tempo de namoro e dá como certas as outras?
T) Se a ofendida mentiu nesses factos será que falou verdade naqueles factos onde acusa o recorrente de ter praticados factos que ele terminantemente nega e repugna?
U) Face à prova produzida pelas testemunhas, a ofendida não falou verdade nas suas declarações.
V) Ao contrário, nada do que o recorrente referiu sobre a vida comum e as falsidades que lhe estavam a ser imputadas foi atendido.
W) E o recorrente respondeu sempre com lógica e verdade, dando a sua visão dos factos.
X) Esta incongruência na sentença, os comentários preconceituosos as interrupções constantes durante os depoimentos do recorrente e testemunhas de defesa, levam-nos a concluir, com o devido respeito que o Tribunal “a quo” violou de forma ostensiva o princípio da livre convicção do julgador, artigo 127.º do CPP.
Y) A livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, que avalie as provas com sentido de responsabilidade e bom senso, que as valore segundo parâmetros da lógica do homem médio e das regras da experiência.
Z) O que resulta da sentença proferida, no nosso entendimento e salvo o devido respeito, que é muito, é que o Tribunal “a quo”, ouviu previamente as declarações prestadas pela ofendida para memória futura, tirou as suas notas e aceitou a versão como boa e certa, procurando durante todo o julgamento confirmar a versão da arguida não cuidando de analisar e ponderar devida e imparcialmente tudo quanto foi dito em julgamento, quer pelo arguido, quer pelas testemunhas de acusação, quer pelas testemunhas de defesa, aceitando a credibilidade da ofendida e do que esta disse a outras testemunhas – depoimentos indiretos, assim se afastando do convencimento lógico e motivado, não avaliando as provas com sentido de responsabilidade e bom senso, interrompendo amiudadas vezes os depoimentos e até, com comentários totalmente parciais, afastando-se da lógica do homem médio e das regras de experiência, antes se ficando pela ÍNTIMA CONVICÇÃO.
AA) Aliás, de alguma forma, tal consta da fundamentação da sentença, pág 16 in fine e início da pág. 17:
“...A audição atenta das mesmas (declarações da ofendida) por parte da signatária levou à conclusão de não haver necessidade de oficiosamente determinar a inquirição presencial da mesma, nem tal foi requerido por qualquer sujeito processual.
Ainda que se possa afirmar que as declarações para memória futura não permitem que o principio da imediação fique cumprido na sua plenitude, uma vez que o juiz de julgamento não vê os depoentes, o certo é que o modo como a ofendida depôs perante a Mma Juiz de Instrução Criminal, não nos deixou qualquer dúvida ou reserva sobre a autenticidade e veracidade do seu depoimento, até pelo pormenor com que descreveu cada uma das situações dadas como provadas, circunstanciando-as e explicando o que as envolveu, e mesmo declarando factos que poderão ser interpretados como lhe sendo desfavoráveis (quando partiu o prato do Noddy; quando admite que lhe disse quem se vai foder és tu; e quando atirou um copo partindo-o a atingiu o filho).
Concluindo, até perante a matéria de facto dada como provada, é manifesto que o Tribunal deu credibilidade às declarações da ofendida, em contraposição às do arguido.”
BB) É até bastante significativo – a íntima convicção - o facto de o Tribunal “a quo” estar sempre a interromper o recorrente e suas testemunhas nas suas declarações, não permitindo que o arguido e testemunhas concluam a sua resposta, antes colocando nova questão, baralhando o raciocínio ficando-se por respostas incompletas.
CC) O que demonstra um juízo já preformado da culpabilidade do recorrente, assim violando o disposto no artigo 127.º do CPC., pois o arguido não estava a dizer o que o Tribunal “a quo” pretendia ou queria ouvir e o Tribunal não estava interessado no que o recorrente respondia às questões e afirmações com que era confrontado.
DD) Todas as testemunhas da ofendida fazem, sobre os factos a que respondem, um depoimento indireto, que foi atendido, assim se violando o disposto nos artigos 129.º e 355.º, ambos do Código de Processo Penal.
EE) O recorrente forneceu explicações lógicas, com sentido, definindo muito bem o relacionamento do casal, a sua vivência e o “ficar sem chão” quando descobriu a primeira infidelidade da ofendida, que, apesar de tudo, perdoou, em nome de um bem maior: “a família e o filho menor de ambos”.
FF) A ofendida depôs com alegria e gargalhada.
GG) O recorrente, arguido, respondeu a todas as questões conseguindo reviver e contar tudo quanto se passou, como, em que local, dias, horas e o que sentiu. E o seu depoimento é de tal forma que ele próprio se comove ao recordar os episódios vividos, o ter sido vítima de infidelidade, cfr. depoimento prestado em 5 de Janeiro, 10H22 a 11:59, 1:25:40 horas.
HH) Algo que a ofendida nunca refere nas suas declarações. A ofendida nunca fala em família. A ofendida fala em “eu”.
II) A ofendida não faz um depoimento de alguém que se encontra magoado, pesaroso. Não, depõe com alegria !. Depõe com satisfação, com entusiasmo, o que descredibiliza o seu depoimento.
JJ) O tribunal “a quo” ao dar como provada a prática pelo recorrente do crime de violência doméstica p. e p. pelo art.º 152º nº 1 al. a) e nº 2 al. a), ultrapassou os limites da livre apreciação da prova, violando os art.º 127º, 129ºe 355.º do Código de Processo Penal.
KK) Não há nada de lógico no depoimento da ofendida. Há contradições no que diz e nos factos de que acusa o recorrente. As suas declarações não são consistentes nem convincentes.
LL) Muitos dos factos dados como provados se encontram prescritos, o que não foi declarado nem atendido (para além dos constantes no processo crime instaurado em 2007)– artigo 118.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, designadamente os constantes dos pontos da matéria de facto n.º 9., 10., 12. e 28..
MM) Também em relação aos factos referidos em 9., 10., 11., 12., 21., 22., 24., 25.,, 26., 27., 28., 29., que ocorreram em “... data não concretamente apurada”, constituem factos em que não se sabe o dia, hora, mês e ano em que eventualmente ocorreram.
NN) Imputações genéricas não são factos e violam os direitos de defesa do arguido violando, por isso, o princípio do contraditório e i direito a um processo equitativo, resultando daqui que não podem sustentar uma condenação penal, direitos assegurados pelo artigo 32º nº1 e nº5 da Constituição da República Portuguesa, pelos artigos 61º nº1 alínea a) e o artigo 283º, nº3 alínea b), ambos do CPP e pelo artigo 3º nº 3 do CPC.
OO) Acresce ainda que “in casu”, trata-se de violência doméstica, um crime que pela sua gravidade não pode constituir um crime “borracha” que apaga preocupações processuais e dispensa grande rigor na linguagem, investigação, instrução e prova nos autos.
PP) Entende o recorrente que o tipo de crime de violência doméstica é incompatível com uma generalização factual sob pena de futura ineficácia do tipo, para além da presente violação dos mais elementares direitos de defesa, “um intolerável achincalhamento do contraditório”.
QQ) Aliás, o resultado é que seria muito mais fácil acusar e condenar pelo crime de violência doméstica – por dispensar qualquer esforço de concretização e localização -, do que pelos crimes em que o mesmo se decompõe, menos graves do que aquele!
RR) No crime de violência doméstica, de que o recorrente vem condenado, o bem jurídico tutelado – como é comummente apontado -, seja a pessoa e a sua dignidade humana, compreendendo nesta a saúde, a integridade física e psíquica, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual e a honra, de tal forma que a violência desenvolvida pelo agente sobre a vítima redunde num abuso de poder daquele e numa situação de degradação e humilhação desta.
SS) Ora, tendo o recorrente uma vida preenchida, com o seu trabalho, de gerir 3 farmácias e seus 35 trabalhadores e lazer, pois é treinador de Futebol e Futsal, foi impossível conseguir demonstrar que, por exemplo, no dia x às horas y o arguido estava até noutro local, em encontros de trabalho, em gestão de turnos de trabalhadores e suas faltas, ou em treinos, jogos oficiais, nacionais ou internacionais ou até em estágio de preparação para jogos, noutra ou noutras cidades, por exemplo, no Algarve, em Espanha, na França, na Alemanha, na Bélgica, na Holanda, na Suíça, no Luxemburgo, com faturas do hotel respetivo, do avião ou outros meios de prova, pois estes eram locais onde, à época se deslocava frequentemente com as equipas de futebol de Futsal que orientava e treinava no A....
TT) Tal indeterminação prejudica o direito de defesa do recorrente, ficando em causa os princípios do contraditório ou do direito a uma justiça equitativa.
UU) Resulta da prova testemunhal e que, na nossa opinião, deveria determinar dar como não provados os factos referidos em 9, 10, 11, 14, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 29, 31, 32, 33, 35, 36, 37, 38, 39 e 40 da matéria de facto dada como provada.:
VV) O depoimento da mãe, CC, (depoimento prestado em 5 de Janeiro de 2024, pelas 14:49 a 15:17, nunca viu qualquer sinais de agressão.
WW) O pai, DD, Acha que o recorrente é violento porque o ouvia a resmungar por causa das sacas da roupa que sua esposa lavava e passava.
É violento porque numa festa de anos mandou calar toda a gente!
É violento porque é vaidoso.
XX) Do depoimento da testemunha EE só esteve presente no dia 19 de Agosto e abriu a porta de sua casa à ofendida, dizendo que a mesma estava com medo.
YY) A tia apresenta um testemunho indireto, nada viu, só sabe o que a sobrinha lhe contou. Não assistiu a nada.
ZZ) O filho do casal, que depôs e era a única pessoa que podia esclarecer o Tribunal por ter vivido no mesmo espaço e assistido ao relacionamento do casal, entendeu o Tribunal “a quo”:
“...mereceu as maiores reservas em face de tudo o que foi declarado pela ofendida, assumindo-se como o autor do arrombamento da porta da sala, o que não nos mereceu qualquer credibilidade. Assumiu uma clara defesa do pai e desconsideração da mãe, sem que indique razões bastantes para tal.”.
AAA) Ora, o filho depôs com naturalidade dizendo tudo quanto viu, sentiu, viveu e praticou. Mas, mais que isso, foi, na nossa opinião, isento porquanto não beneficiou nenhum dos pais. Referiu, por diversas vezes que gosta da mãe mas que esta o magoou ao não se importar com a sua opinião, tendo tomado decisões, de viver com o namorado, na mesma casa, sem previamente lhe comunicar que tinha um namorado.
BBB) Só com o depoimento destas testemunhas, entende o recorrente que foram incorretamente julgados os pontos 9, 10, 11, 14, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 29, 31, 32, 33, 35, 36, 37, 38, 39 e 40.
CCC) Da prova daqui resultante impunha-se ao Tribunal “a quo” uma decisão oposta à que resulta da douta sentença, considerando que o recorrente não cometeu um crime de violência doméstica.
DDD) Mas, acresce ainda a estes depoimentos os depoimentos do arguido e suas testemunhas de defesa, colegas de formação escolar de ambos, ofendida e arguido, bem como colegas de trabalho. que foram completamente ignorados.
EEE) O Tribunal “a quo” errou ao não valorar e não aceitar as respostas lógicas, não contraditórias do recorrente.
FFF) A testemunha FF viu também o seu depoimento ser desvalorizado e reduzido, sendo certo que do seu depoimento resulta claramente que não é compatível com a personalidade e o modo de ser do arguido os factos que lhe são imputados em 10., 12., 14., 19., 20., 21., 22., 24., 25., 28., 29., 31., 35.,36., 37., 38., 39., e 40. Esta testemunha, entidade patronal do arguido, convive com o mesmo diariamente e, necessariamente tem grande conhecimento dos problemas pessoais e que o mesmo gere as 30 e tal pessoas de três farmácias, sem qualquer problema, sendo pessoa de confiança máxima, pelo que, muito mal andou o Tribunal “a quo” ao desvalorizar este depoimento.
GGG) A testemunha GG, sócio do arguido há 10 anos, trabalhando em conjunto, conhecendo ofendida e arguido, com os quais privava, tendo até passado férias juntos, os dois casais, em Paris bem como frequentado a casa de ofendida e arguido: Também andou mal o Tribunal ao desconsiderar o depoimento da testemunha HH, já que o mesmo disse muito mais do que é referido na fundamentação de sentença na pág. 24, 4.º parágrafo. Na verdade, conviveu com o arguido e ofendida muitas vezes quer em almoços, jantares quer em treinos e jogos nas camadas jovens e depois na equipa sénior, refere que via a ofendida e arguido como casal modelo, nunca viu qualquer sinal de mandar calar a ofendida, de não a deixar falar, de recriminar a ofendida.
Pelo que o Tribunal deveria dar como não provado o facto n.º 35. A 40.º da matéria de facto dada como provada.
HHH) Não se entende o constante da fundamentação da sentença, último parágrafo da pág. 24., porquanto a testemunha foi muito clara no que disse, fazendo o Tribunal “a quo”, quanto a nós, salvo o devido respeito, indevidos comentários e advertências à testemunha II, que foi colega de trabalho da ofendida, que foi cliente da casa de massagens da ofendida até à data em que veio a saber que as massagens naquele local eram principalmente para homens. A advertência que o Tribunal “a quo” faz à testemunha em audiência de Julgamento, só demonstra a falta de isenção e a violação do princípio da livre convicção do julgador:
III) JJ esclarece o carácter do arguido, a sua vivência diária e a vivência com os filhos de ambos. Frisa também o valor da família. A sentença em crise dá como provada matéria que carateriza o recorrente como AGRESSOR. Ora, um agressor não se manifesta só em alguns momentos e só perante a ofendida. Um agressor manifesta o seu comportamento sempre e diante de quem quer que seja. Menospreza e diminui o outro permanentemente, Coisifica o outro. O depoimento da testemunha JJ, enfermeira especialista na área da psiquiatria, atual companheira do recorrente, foi desvalorizado e reduzido.
JJJ) KK depôs sobre várias coisas e esclareceu que durante mais de 20 anos, nunca ouviu nada e nunca lhe foi dito nada. Só após a infidelidade é que o AA passou a ter defeitos, críticas e agressões.
KKK) Nota-se que a testemunha dá o seu melhor para ser imparcial: “Estes processos são muito complicados. Só quem vê ou ouve é que pode afirmar.”
LLL) O relato da ofendida para esta testemunha do episódio de infidelidade, deita por terra as declarações da ofendida. Pois, a ofendida ter-se-á aberto com a testemunha e contado Contou-me que conheceu uma pessoa, que já conhecia, penso eu, das massagens, e que se relacionam.
MMM) O Tribunal “a quo” desvaloriza completamente o depoimento desta testemunha, nem sequer referindo o episódio que a ofendida contou acerca da infidelidade que nada tem a ver com a história que fez chegar aos autos. E a verdade é que faz mais sentido, é mais lógica a versão narrada pela testemunha, - que a ofendida se envolveu com uma pessoa que já conhecia das mensagens. Não lhe contou a história sem grande sentido nem nexo, de ser o arguido a pretender que a ofendida tivesse relações com outra pessoa por si escolhida, a ver ou sem ver...
NNN) Ora, como supra se referiu, os factos especificados pelos pontos 9, 10, 11, 14, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 29, 31, 32, 33, 35, 36, 37, 38, 39 e 40 da matéria de facto dada como provada na sentença, deveriam ter sido dados como NÃO PROVADOS.
OOO) O crime de violência doméstica representa uma coisificação da pessoa, a sua degradação a objeto, a sua instrumentalização em função dos fins do agente do crime.
PPP) O que se vê no depoimento da ofendida é uma narrativa que pretendeu justificar a infidelidade conjugal e o namoro que contraiu durante o casamento, na pendência do casamento, de forma a sair bem perante a família e amigos do casal, imputando ao arguido a infâmia de violento e agressor e o motivo de ir viver para o estrangeiro.
QQQ) Um agressor, na violência doméstica, tem sempre uma série de comportamentos típicos, um ignorar do outro, uma má disposição permanente, um rebaixar, uma menorização, a tal coisificação.
RRR) De toda a prova produzida em julgamento, ressalta que é manifestamente insuficiente para que se possa considerar, como se considerou e se deu como provado sem qualquer margem para dúvida, que o arguido praticou um crime de violência doméstica.
SSS) Verifica-se falta de elementos de prova direta e ainda de elementos indiciários.
TTT) Os pontos da matéria de facto provada foram incorretamente julgados.
UUU) Da prova produzia resultou provado, por amigos COMUNS, que conviveram juntos, que cresceram juntos, é que o arguido é incapaz de ter qualquer comportamento como o que aqui lhe foi imputado. Aliás, o arguido e a queixosa eram, para alguns deles, o casal modelo, uma equipa.
VVV) Entende o recorrente que foram violadas as seguintes normas:
. artigo 127.º, 129.º e 355.º do Código de Processo Penal.
. artigo 14.º, n.º 1, 26.º, 40.º 118.º, n.º 1 alínea b), 152.º, n.º 1 alínea a) e n.º 2, alínea a).
. 32º nº1 e nº5 da Constituição da República Portuguesa, pelos artigos 61º nº1 alínea a) e o artigo 283º, nº3 alínea b), ambos do CPP e pelo artigo 3º nº 3 do CPC.
Devendo a matéria de facto constante dos pontos 9.º a 40.º ser declarado não provada, por violação do princípio da livre “in dubio pro reo" convicção do julgador e .
SE ASSIM SE NÃO ENTENDER:
WWW) Na determinação concreta da medida da pena, o julgador atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (artigo 71.º do C.P), ou seja, as circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a prevenção e para a culpa.
XXX) Assim, no caso em apreço, para a determinação da medida concreta da pena a aplicar ao Recorrente, deveria o Tribunal a quo atender não somente à culpa do agente e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que, não fazendo parte dos tipos de crime, de pusessem a favor do mesmo.
YYY) Sempre entende o recorrente que, atento facto o de não possuir antecedentes criminais, o bom comportamento posterior aos factos, o encontrar-se bem inserido familiar e profissionalmente, o ser bem conceituado e socialmente reconhecido nos locais onde reside e trabalha,
ZZZ) Entendemos que a pena aplicada é exagerada e seria suficiente a pena no seu limite mínimo, de dois anos, suspensa na sua execução, por força do artigo 50.º, do Código Penal,
AAAA) Sem o regime de prova que foi determinado, a integração no Programa para agressores de Violência doméstica – PAVD.
Quanto à indemnização Cível fixada:
BBBB) Entende o recorrente face ao que supra foi dito e se tentou demonstrar que a ofendida não deverá ser indemnizada porquanto não sofreu qualquer dano ou lesão nos seus direitos.
Não obstante, se assim não for entendido,
CCCC) Sempre se dirá que o montante fixado peca por ser exagerado, atentas as indemnizações fixadas em casos semelhantes e face aos danos efetivamente sofridos pela ofendida.
O montante de € 1.100,00 euros parece mais ajustado aos juízos de equidade.»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta à motivação do recurso, pugnando pelo não provimento do mesmo.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando também pelo não provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II –
As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes:
- saber se na sentença recorrida não deveriam ter sido considerados factos aí descritos como provados e já prescritos;
- saber se nessa sentença não deveriam ter sido considerados os factos nela descritos nos pontos 9, 10, 11, 12, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 28 e 29 do elenco dos factos provados, por neles não se precisar o dia e hora em que terão ocorrido;
-saber se a prova produzida impõe, também à luz do princípio in dubio pro reo, decisão diferente da que foi tomada na sentença recorrida, devendo o arguido e recorrente ser absolvido da prática do crime de violência doméstica por que foi condenado.
caso tal não se entenda:
- saber se a pena de prisão suspensa na sua execução em que o arguido e recorrente foi condenado deverá, face aos critérios legais, ser reduzida ao mínimo legal, não sendo condicionada pelo regime de prova;
- saber se, também face aos critérios legais, deverá ser reduzido o montante da indemnização a pagar à ofendida pelo arguido e recorrente

III –
Da fundamentação da douta sentença recorrida consta o seguinte:

«(…)
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Factos provados
2. Da acusação pública:
1. O arguido e BB iniciaram uma relação de namoro no ano de 1993, quando tinham, respectivamente, cerca de dezassete e dezasseis anos de idade, e contraíram casamento a 20 de março de 1999, fixando a sua residência sucessivamente em ..., Vila Nova de Gaia, na Rua ..., nº ..., 4º direito trás, ..., Maia e por fim na Rua ..., lote ..., fracção 1, Porto;
2. O casamento foi dissolvido por divórcio decretado por decisão de 28 de agosto de 2019, transitada em 28 de agosto de 2019, proferida pela 2ª Conservatória do Registo Civil do Porto no processo de divórcio por mútuo consentimento nº 2454/2019;
3. Da união do casal nasceu a 18 de agosto de 2004 LL;
4. Durante o período de namoro, quando se exaltava, o arguido desferia murros no tablier do carro, assustando a ofendida;
5. Para demover a ofendida de prosseguir um curso universitário, o arguido anunciava à namorada: «Se fores para a faculdade, perdes-me. Mas se me escolheres, dou-te o mundo»;
6. Depois de ambos iniciarem vidas profissionais, o arguido passou a dizer à ofendida: «Eu estou aqui e tu estás aqui. Devias crescer. Devias formar-te. Olha, cala-te. Não sabes o que estás a dizer. Está, mas é calada», originando sentimento de humilhação na ofendida;
7. No decurso da época de casamento, na habitação que partilhavam, o arguido disse com frequência à ofendida: «És uma filha da puta. Cabra»;
8. Quando ainda viviam em ..., no decurso de uma discussão que mantiveram, o arguido empurrou a ofendida para o quarto e fechou a porta, alegando: «Só abro quando te acalmares»;
9. Em data não apurada, antes do nascimento do filho de ambos, o arguido desferiu uma bofetada à ofendida;
10. Em data não apurada, quando o filho de ambos tinha menos de 3 anos de idade, no decurso de uma discussão, o arguido pontapeou a ofendida nas costas na zona das omoplatas quando a mesma tinha o filho ao colo;
11. Por via disso, a ofendida ficou com visada ficou hematomas;
12. Em data não apurada, quando o filho de ambos tinha cerca de três ou quatro anos, no decurso de uma discussão, o arguido puxou pela tolha da mesa e atirou com a louça para o chão;
13. No dia 17 de novembro de 2017, no interior da residência sita no Porto, na Rua ..., lote ..., fracção 1, Porto, gerou-se uma discussão entre o arguido e a ofendida, porque esta lhe tinha comunicado que tinha mantido relações sexuais com outro homem;
14. Por via disso, o arguido pontapeou a ofendida, desferiu-lhe diversos socos e apertou-lhe o pescoço enquanto lhe dizia: «Puta. Tinha que ser eu a escolher e com calma»;
15. Por via disso, a ofendida ficou com hematomas nas pernas e nos braços;
16. Depois dessa data, o arguido e a ofendida mantiveram-se a viver juntos durante quase um ano, mas sem partilha de cama, pernoitando o arguido no sofá da sala;
17. Pouco depois, no mesmo ano, porque já tinham férias marcadas, o casal e o filho viajaram para o México;
18. Nesse país, depois de terem mantido relações sexuais em duas ocasiões distintas, o arguido disse à ofendida: «Foi só para esvaziar. Não quero estar contigo. És uma porca»;
19. Durante o ano de mera partilha de casa, o arguido iniciou uma conduta ainda mais agressiva contra a ofendida;
20. Ao longo desse período, o arguido não respeitava o desejo da ofendida de se manter isolada no quarto da mesma e por diversas vezes ia bater à porta dela e afirmava: «Eu arrombo-a».
21. Algumas vezes depois de lograr introduzir-se no quarto da ofendida ou de a surpreender na cozinha, em diversas ocasiões, cerca de três a quatro vezes por semana, o arguido apertou o pescoço àquela, enquanto lhe comunicava: «Não te posso ver à frente, sua ordinária» e pontapeava-a;
22. Pouco antes de setembro de 2018, no corredor da habitação, o arguido empurrou a cabeça da ofendida contra a parede e agarrou-a pelo pescoço;
23. Por via da conduta do arguido, a ofendida decidiu pôr termo à referida relação e abandonou o domicílio comum em setembro de 2018, o que o arguido não aceitou de bom grado, anunciando: «Não te dou um mês para voltares a bater à porta»;
24. Após a separação do arguido e da ofendida foi determinado que o menor LL, filho de ambos, ficaria confiado à guarda e cuidados dos pais em regime de guarda alternada e por isso o arguido muitas vezes utilizava como pretexto pretender ver o filho ou tratar de assuntos relacionados com o mesmo, para dessa forma poder abordar a ofendida;
25. Por não aceitar o fim da relação, desde a data da separação e durante uns tempos, pelo menos até 19 de agosto de 2020, o arguido passou a anunciar constantemente àquela: «Eu vou-te tirar o bem mais precioso que tu tens. Eu vou-te tirar o que mais amas», referindo-se ao filho de ambos;
26. Durante essa época, na execução desse propósito, o arguido efectuou também diversas chamadas telefónicas para o telemóvel da ofendida, no decurso das quais lhe dizia: «Cabra, filha da puta. Vai-te foder»;
27. Em data não apurada desse período, pelas 2h ou 3h da manhã, o arguido ligou para o telemóvel da ofendida a comunicar que não podia estar sem ela;
28. Em data não concretamente apurada, mas já após a ofendida ter saído da residência comum, o arguido deslocou-se ao local de trabalho da ofendida (Centro de Saúde ...) e exigiu falar com ela, dizendo-lhe: «Vamos conversar lá fora. Eu não saio daqui enquanto não fores comigo lá fora» e por isso aquela viu-se obrigada a sair para o exterior para ouvir o arguido;
29. Nesse momento, o arguido atirou com a aliança de casamento ao chão e comunicou: «Já não te quero como mulher. Metes-me nojo»;
30. No dia 19 de agosto de 2020, pelas 23h00, o arguido fez-se deslocar à habitação da ofendida, na Rua ..., Porto, porque o filho lhe comunicou que se tinha desentendido com a mãe;
31. Nessa altura, a ofendida trancou-se na sala de jantar e o arguido depois do filho lhe ter aberto a porta de entrada da residência, pontapeou a porta da sala de jantar que cedeu à sua força;
32. Acto contínuo, o arguido apoderou-se do telemóvel da ofendida que retirou das mãos da mesma;
33. De seguida a ofendida logrou refugiar-se em casa de uma vizinha, enquanto o arguido lhe dizia: «Estás a fazer-te de vítima é? Vais-te arrepender. Vou-te tirar o miúdo»;
34. Alguns meses depois a ofendida foi residir para Inglaterra, país onde já residia o seu actual namorado, assim evitando quaisquer tipos de contactos com o arguido;
35. Por via das agressões sofridas, insultos, ameaças, desconsiderações e perseguições sofridas a ofendida BB sofreu dores físicas, angústia, instabilidade, ansiedade e agitação;
36. O arguido sabia que a ofendida era sua namorada, mulher, e depois ex-mulher e mãe do seu filho, mas agiu com o propósito concretizado de a molestar física e psiquicamente, quer ofendendo a sua honra e consideração, quer o seu corpo e a sua saúde.
37. O arguido tinha a plena noção que as expressões que lhe dirigiu eram ofensivas da sua honra e consideração, tendo actuado com o propósito de denegrir o seu bom nome;
38. Sabia que lesionava corporalmente a vítima, desejando aquele resultado;
39. Ao actuar nos termos descritos, o arguido agiu com o propósito alcançado de causar medo à ofendida, bem sabendo que a sua conduta era idónea a levar esta a concluir que tinha em mente vir a atentar contra a sua integridade física e a motivar-lhe medo ou receio de que venham a ser concretizados tais propósitos, resultado esse que representou;
40. O arguido procedeu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal e que, por isso, incorria em responsabilidade criminal.
Da contestação:
41. O arguido é pessoa séria e honesta e é considerado no meio profissional e social que frequenta e é pessoa de bom trato social.
Do relatório social:
42. MM e a ofendida iniciaram relacionamento afetivo de namoro com cerca de 16 anos de idade e contraíram matrimónio em 1999, tendo desta relação um descendente presentemente com 19 anos de idade. O casal viveu em várias moradas na zona metropolitana do Porto, sendo a última residência ocupada pelos mesmos uma moradia arrendada, localizada na Rua ..., onde viveram cerca de 4 anos;
43. O arguido retrata uma relação afetiva globalmente positiva, salientando apenas dois períodos de maior instabilidade relacional, em 2007 e 2017, que atribuiu à alegada manutenção de relações extraconjugais por parte da ofendida, sendo que a última situação terá estado na origem da separação do casal;
44. A ofendida apresenta uma perspetiva diferente do relacionamento ao longo dos anos, avaliando que o arguido sempre exerceu uma postura de dominância/controlo e ciúme, atribuindo a rutura relacional ao desgaste decorrente das dinâmicas que avaliou como abusivas;
45. Em setembro de 2018 a ofendida saiu da casa de morada de família, vindo o casal a divorciar-se, por mútuo acordo, em agosto de 2019. No que refere às responsabilidades parentais foi definido regime de guarda partilhada com residência alternada, reportando MM que já após a separação terão ocorrido algumas situações de tensão entre este e a ofendida por motivos relacionados com o descendente;
46. Presentemente, o arguido reside com o descendente, de 19 anos em apartamento arrendado, tipologia 2, com condições de habitabilidade, localizado em zona residencial sem significativa incidência de problemáticas sociais ou criminais. As dinâmicas familiares são descritas como afetivamente gratificantes, sendo que é descrito como uma pessoa idónea e dedicada ao descendente e família de origem. Ao nível afetivo, MM mantém relacionamento afetivo de namoro há cerca de um ano, que avalia como gratificante e apoiante;
47. A ofendida encontra-se a residir em Inglaterra, com algumas deslocações a Portugal no decurso das quais convive com o descendente em comum, sendo que mantêm apenas comunicação formal relativamente ao descendente, por email;
48. MM apresenta como habilitações literárias o 12º ano, reportando o início da sua atividade laboral com cerca de 18 anos de idade como agente de viagens e posteriormente diretor de agência de viagens, área na qual exerceu atividade até 2003. Entre 2003 e 2010, exerceu atividade como diretor comercial, em empresa na área de arquitetura e design. Em 2010, encetou atividade por conta própria, com constituição de empresa na área de gestão de marketing e contabilidade (“B...”), sendo que, entretanto, constituiu mais duas empresas, uma na área de logística de produtos farmacêuticos (“C...”), em 2016, e outra, mais recente, em 2021, de vendas online de produtos de saúde (“D...”), junto das quais exerce até à data funções de sócio-gerente. Concomitantemente à atividade de sócio-gerente das suprarreferidas empresas, em 2010, estabeleceu vínculo laboral com a empresa “E..., Lda.”, junto da qual mantém atividade até ao presente, nas funções de adjunto da direção;
49. Junto da entidade patronal MM beneficia de uma imagem positiva, sendo descrito como um profissional competente e que mantém relações adequadas e positivas com todos os colaboradores;
50. Durante o matrimónio, o casal manteve uma gestão comum dos rendimentos de trabalho de ambos, sendo descrita uma situação económica estável. Presentemente o arguido, apresenta como rendimento fixo o salário auferido junto da empresa “E..., Lda.”, 2225,48Euros (com duodécimos incluídos), e o subsídio de alimentação, em cartão refeição, no valor de cerca de 136Euros, referindo ainda que a ofendida presta ao descendente 150Euros a título de prestação de alimentos. Reporta como despesas fixas mensais os encargos com a renda da habitação, 1000Euros, fornecimento de eletricidade, cerca de 59Euros, fornecimento de água, cerca de 13Euros, prestação bancária do crédito automóvel, 167,66Euros, telecomunicações, cerca de 100Euros, sendo a situação financeira pessoal avaliada como equilibrada e suficiente para as necessidades.
51. MM ocupa o seu quotidiano com a atividade profissional e vida familiar, sendo que nos tempos livres aprecia fazer montanhismo, ver futebol e viajar;
52. Da articulação com o Comando Metropolitano da PSP do Porto, em 11.12.2023, não consta qualquer registo de ocorrências; 53. Sendo este o primeiro confronto com o sistema da administração da justiça penal, segundo refere, MM vivencia o mesmo com constrangimento e revolta, identificando o impacto negativo que a sua constituição como arguido nas condições descritas nos autos teve ao nível pessoal e nos contextos em que insere, considerando que o mesmo afetou a sua imagem social, não obstante continue a beneficiar de suporte da família e amigos.
Mais se provou que:
54. Do certificado do registo criminal do arguido nada consta.
2. Factos não provados
Com relevância para a decisão da causa não se provou:
Da acusação pública:
1. Que o filho do casal nasceu a ../../2004;
2. Que após o início da relação amorosa, ainda durante o período de namoro, o arguido adoptou uma atitude agressiva para com a ofendida por via de ciúmes que nutria da mesma;
3. Que ao longo do período de relação, namoro e casamento, o arguido exigiu saber com quem a vitima se relacionava ao longo do dia e para onde se deslocava;
4. Que nesse hiato temporal, o arguido exigiu permanentemente controlar a indumentária da vítima, vedando-lhe a possibilidade de usar livremente vestidos curtos ou decotes mais profundos;
5. Que durante essa mesma época, quando a vítima tentava manifestava uma opinião divergente da dele, o arguido não o permitiu, deixando permanentemente claro que entendida que era o chefe de família e quem tinha razão era ele, criticando de forma recorrente qualquer iniciativa ou decisão da vítima, assim coibindo a mesma de se expressar livremente;
6. Que no decurso da época de namoro acima indicada, o arguido disse com frequência à vítima: «És uma inútil. Estúpida, burra, lerdinha»;
7. Que nas circunstâncias descritas no ponto 7 dos factos provados o arguido disse ainda à ofendida: «Não prestas para nada. Não vales nada. És sempre a mesma merda. Não sabes fazer nada»:
8. Que nesse hiato temporal, na habitação que partilhavam e no decurso de discussões que mantinham, o arguido empurrava a ofendida e dizia-lhe: «sai da frente».
3. Convicção do tribunal
A convicção do tribunal fundou-se no conjunto da prova produzida em julgamento, a qual se encontra integralmente documentada e valorada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal.
Uma nota introdutória para referir que a ofendida BB prestou declarações para memória futura a 11/05/2023, como está documentado nos autos a fls. 291 e ss.. A audição atenta das mesmas por parte da signatária levou à conclusão de não haver necessidade de oficiosamente determinar a inquirição presencial da mesma, nem tal foi requerido por qualquer sujeito processual.
Ainda que se possa afirmar que as declarações para memória futura não permitem que o princípio da imediação fique cumprido na sua plenitude, uma vez que o juiz de julgamento não vê os depoentes, o certo é que o modo como a ofendida depôs perante a Mma Juiz de Instrução Criminal, não nos deixou qualquer dúvida ou reserva sobre a autenticidade e veracidade do seu depoimento, até pelo pormenor com que descreveu cada uma das situações dadas como provadas, circunstanciando-as e explicando o que as envolveu, e mesmo declarando factos que poderão ser interpretados como lhe sendo desfavoráveis (quando partiu o prato do Noddy; quando admite que lhe disse quem se vai foder és tu; e quando atirou um copo partindo-o a atingiu o filho).
Concluindo, até perante a matéria de facto dada como provada, é manifesto que o Tribunal deu credibilidade às declarações da ofendida, em contraposição às do arguido.
Vejamos, pois.
Do conjunto das declarações de ambos resulta que começaram a namorar ainda na adolescência, com cerca de 16/17 anos de idade, tendo-se conhecido na escola que ambos frequentavam. A relação de namoro iniciada no ano de 1993 desenvolveu depois para o casamento que ocorreu no ano de 1999, e o agregado familiar completou-se no ano de 2004 com o nacimento do filho de ambos, LL, que ocorreu em 18 de agosto de 2004.
O relacionamento terá sofrido um revés significativo no ano de 2007, com a ofendida a apresentar uma queixa crime contra o arguido e que deu origem ao processo nº 502/07.8PAVNG, cujo desfecho já foi tratado como questão prévia nestes autos.
Após aparentes 10 anos de relacionamento sem acontecimentos dignos de nota, o casamento volta a sofrer um significativo abalo, na sequência de um relacionamento extra-conjugal que a ofendida manteve a pedido do arguido. A partir dessa data o relacionamento começou a desmoronar-se até a ofendida sair de casa e ao subsequente divórcio do casal.
O arguido nas declarações que prestou, no essencial negou a totalidade dos factos que lhe são imputados, considerando que todo o seu percurso de vida foi no sentido de evoluir profissionalmente, o que conseguiu, e assim dar as melhores condições de vida à sua família do ponto de vista patrimonial, o que também considera ter alcançado. Considera que as situações de desentendimento conjugal tinham origem em comportamentos da ofendida, e que as suas infidelidades em 2007 e em 2017 é que estiveram na origem dos desentendimentos e subsequente separação. Confrontado directamente pelo tribunal, negou que o relacionamento extraconjugal que a ofendida assumiu em 2017, tivesse origem em qualquer solicitação da sua parte, nem correspondeu a qualquer fantasia sexual, não deixando, contudo, de apresentar algum desconforto na sua expressão facial por ser confrontado com tal situação.
Relativamente à situação ocorrida no dia 19 de agosto de 2020, admite ter ido ao interior da residência da ofendida, mas foi o filho de ambos que arrombou a porta da sala e apenas ficou em poder do telemóvel da ofendida, porque a mesma lho entregou voluntariamente.
Sucede que a ofendida explicou cada uma das situações dadas como provadas nos autos.
Explicou como ainda durante o período e namoro o arguido deixava de falar consigo e dava murros no tablier do carro. Descreveu um episódio de comportamento agressivo para com o seu próprio pai, quando regressou dos paraquedistas, onde permaneceu apenas 3 meses; como começou a subalterniza-la e a diminui-la quando foi trabalhar para uma agência de viagens, afirmando o próprio arguido que que o seu patrão o transformou no seu delfim; como ainda gozou com a ofendida quando a fechou nas circunstâncias descritas no ponto 8 dos factos provados; como quando levou uma bofetada do arguido lhe disse “é a primeira e a última vez que me tocas, se não vou para casa dos maus pais”; como se recorda de ter amamentado o filho até aos 3 anos e porque o filho chorava muito e arguido “stressou” e lhe deu pontapés nas costas, na zona das omoplatas e foi para a sala, enquanto a ofendida ficou no quarto a choras. Um ou dois dias depois viu a ofendida a sair do banho com as costas marcadas e perguntou-lhe o que tinha acontecido ao que a ofendida lhe respondeu que tinha sido ele, após o que se agarrou a ela a chorar; confirmou que com frequência nas discussões era apelidada de filha da puta e cabra, e a ofendida chorava e por vezes dizia-lhe que era a mãe do seu filho; como recorda a situação descrita no ponto 12 até porque ficou tão nervosa que partiu o prato do Noddy do filho; descreveu ainda uma situação em que o filho tinha 7/8 anos e o arguido desferiu um murro na porta do quarto do filho que ficou amassada e deixou a criança assustada e insegura pois os amigos do futebol iam a sua casa e não queria que eles vissem assim a porta, tendo a ofendida colocado algo a tapar a fim de tranquilizar a criança, situação que apesar de não constar da acusação é reveladora da personalidade do arguido; a ofendida, expondo a sua intimidade explicou como o arguido tinha fantasias sexuais e lhe dizia que queria que a mesma estivesse com outro homem, ao que a ofendida afirmava não estar preparada para tal, sugerindo-lhe como alternativa irem juntos a um swing, o que o arguido não queria. Forçou uma primeira situação com um delegado de informação médica, dando-lhe indicações para marcar um encontro com ele no topo do parque do .... A ofendida afirmou “eu burra marquei. Tivemos a conversar no carro. O rapaz beijou-se e eu fui à minha vida”. Quando relatou o sucedido ao arguido ele começou a perguntar se ele tinha ficado excitado, para além de outras questões de cariz sexual que concretizou no seu depoimento (que nos dispensamos de reproduzir), mas o arguido continuava a insistir num relacionamento sexual com o um terceiro, o que a depoente não achava normal, ao mesmo tempo que afirmava “Temos de escolher alguém de confiança. Mas eu tenho de escolher e eu posso ou não estar presente”. Perante as insistências a ofendida acabou por escolher uma pessoa e depois de consumar o relacionamento sexual, contou-lhe ao telefone. Esta situação culminou que a agressão ocorrida no dia 17/11/2027 (factos 13 a 16), em que a ofendida afirmou que foi espancada, e o arguido proferia as expressões constantes do ponto 14 dos factos provados. A ofendida explicou que esta situação foi relatada à testemunha KK, que se mencionará mais adiante, que lhe disse inclusivamente para ter o seu número à mão e lhe ligasse se se visse numa situação que lhe causasse receio, pois ligaria à polícia.
Neste contexto a viagem ao México acabou por se realizar, porque já estava marcada, e nesse contexto foi desconsiderada sexualmente como resulta do ponto 18 o que o arguido nega, pois afirma que durante as férias já não se relacionaram sexualmente.
A ofendida explicou ainda o ambiente que viveu, perto de um ano, até decidir sair de casa, na esperança de que as coisas melhorassem (“Eu não sabia o que fazer, Não queria separar a família”); descreveu que tudo fazia para não estar sozinha em casa com o arguido, que sempre que podia lhe apertava o pescoço, dizia que não a podia ver à frente. Ao final da tarde ficou muitas vezes na rua, ia ao shopping, a fim de fazer horas para o arguido sair.
Descreveu a situação do ponto 22 como sendo aquela que a levou a tomar a decisão de sair de casa, começando então o arguido as expressões que constam dos factos subsequentes.
Vejamos agora o que resultou das declarações das testemunhas de acusação, retornando ao declarado pela ofendida quando tal se justifique.
A testemunha EE foi vizinha da ofendida enquanto a mesma residiu na Rua ..., já após a separação do arguido. A ofendida residia no nº 390, que corresponde à entrada para o primeiro piso, e a testemunha no 388, que corresponde à entrada no rés-do chão do mesmo imóvel. Por esta razão a testemunha e a ofendida foram vizinhas até a ofendida ir residir para Inglaterra. Recorda-se que no dia a que se reportam os factos ocorridos no dia 19 de Agosto de 2020 ouviu um estrondo no 1º andar, que percebeu depois que tinha correspondido ao arrombar da porta e passado pouco tempo surgiu a ofendida a tocar-lhe à porta e a solicitar ajuda por estar com medo do arguido que também se encontrava no local, acompanhado do filho, que ali permaneceram até a polícia chegar. Recorda que a ofendida estava nervosa, a tremer e a chorar e muito amedrontada. Relatou ainda que o filho do casal foi entregar o telemóvel à ofendida e lhe agarrou a mão e disse “mamã amo-te muito” apesar de ali ter saído na companhia do pai.
O surgimento do arguido na sua residência foi explicado pela ofendida com todo o pormenor, explicando que depois do aniversário do filho (a 18 de agosto) teve um desentendimento com o mesmo quando estavam a falar sobre a relação de namoro que a ofendida tinha entretanto iniciado, em março de 2020. No decurso dessa discussão o jovem AA, então com 16 anos de idade insultou-a (Vais para Londres para ser fodida. És uma puta) e intimidou-a (afirmando que ia contar ao pai a discussão) o que a levou a perder o controlo (na sua expressão: passei-me) e lançou um copo contra a parede, sendo o filho atingido, sem gravidade. Toda esta situação acabou por despoletar a ida do arguido a casa da ofendida, apesar desta pedir ao filho para não contar ao pai o sucedido, este afirmou que tinha de o fazer. E mesmo tendo pedido ao filho para não permitir a entrada do pai em casa esta acabou por o permitir, levando a ofendida a refugiar-se na sala e a trancar a porta à chave enquanto telefonava a duas pessoas conhecidas (um agente da Polícia Judiciária) e um familiar PSP reformado.
As testemunhas CC e DD, pais da ofendida e ex-sogros do arguido, apenas trouxeram uma ou outra referência dignas de nota. A mãe da ofendida recorda-se de há muitos anos ver a sua filha pisada, mas a mesma disse-lhe que caiu nas escadas, mas desconfiou porque o arguido era “um bocadinho bruto” e recorda um outro situação em que o neto teria 4 anos em que foi com a filha ao Instituto de medicina legal porque a filha estava pisada.
Sobre estas lesões documentadas nos autos a fls. 25 a 28 dos autos o arguido afirma que desconhece como a ofendida poderá ter ficado com as mesmas, mas não são da sua responsabilidade.
O pai da ofendida considera que o arguido era agressivo verbalmente, e que se assumia como só ele sabendo tudo; assim como retém o facto de o arguido não ter acompanhado a mulher a Beja por ocasião do falecimento de uma filha (irmã da ofendida) comportamento que vai de encontro ao relatado pela ofendida que tinha na sua falecida irmã uma confidente, que terá afirmado várias vezes que ia fazer queixa do arguido. O pai da ofendida referiu que viu a sua filha pisada por duas vezes, a primeira disse que caiu nas escadas e da segunda vez acabou por dizer que o arguido lhe tinha batido com a cabeça no frigorífico.
Ambos admitiram que conviviam frequentemente com o casal (semanalmente ao sábado e em festas/convívios) e que na sua presença, e relativamente à sua filha, não tinham quaisquer episódios a relatar.
A testemunha NN, tia materna da ofendida, não assistiu a qualquer um dos factos relatados, mas era confidente da sua sobrinha e chegou a acolhe-la em sua casa uma noite, antes de se separarem, com pisaduras no pescoço, braços e pernas que a testemunha viu. Na sua interpretação do relacionamento acha que a ofendida idolatrava o marido, e que se inferiorizava um pouco perante o mesmo, o que pode ajudar a compreender porque razão a ofendida, economicamente independente, permaneceu todos estes anos neste relacionamento, admitindo a própria que queria manter o casamento, fazendo por agradar ao arguido, mas sem sucesso, admitindo a ofendida, agora mais distanciada do factos, que o incentivo ao relacionamento extraconjugal, como fantasia sexual, fosse apenas uma forma de o arguido por fim ao casamento, colocando toda a responsabilidade na ofendida.
Por parte da defesa, o tribunal procedeu à audição do filho do casal que nos mereceu as maiores reservas em face de tudo o que foi declarado pela ofendida, assumindo-se como o autor do arrombamento da porta da sala, o que não nos mereceu qualquer credibilidade. Assumiu uma clara defesa do pai e desconsideração da mãe, sem que indique razões bastantes para tal.
Relativamente às testemunhas de defesa também nada nos permitiu questionar a versão da ofendida que nas suas declarações inclusivamente tinha já intuído e antecipado o que viria a testemunha KK, também sua confidente afirmar, uma vez que é prima do arguido.
Vejamos então a testemunha OO foi colega de ambos na escola e não convivia com ambos desde que casaram, nem sequer conhece o filho do casal. Com relevância veio referir que a ofendida já na altura era arrojada a vestir. E sobre o modo de vestir, apesar de a ofendida afirmar que era condicionada pelo arguido, também explicou que umas vezes acatava e outras não, e nas fotografias juntas aos autos aparenta uma maneira livre de se vestir, sentindo o arguido necessidade de juntar aos autos fotografias do corpo da sua ex-mulher e mãe do seu filho de um forma mais exposta fisicamente, nomeadamente em contexto de praia, com intenções que nos dispensamos questionar.
A testemunha PP, para quem o arguido trabalha depôs em favor do seu profissionalismo e características profissionais, mas apenas conviveu com o casal socialmente, não sendo visita de casa.
GG sócio do arguido chegou a conviver com o casal, talvez há mais de 10 anos e na sua presença era um casal “normal” e “feliz”. Não falava com o arguido sobre o relacionamento pessoal e apenas soube da separação depois de a mesma ter ocorrido.
HH conhece o arguido do meio desportivo, e é seu funcionário desde 2017. Via-os como um casal modelo e só soube da separação porque deixou de ver a BB, nomeadamente nos eventos desportivos.
QQ e RR, pais do arguido, como era expectável depuser em favor do comportamento do seu filho, consideram que a BB em 2016 ficou diferente (após a morte da irmã) e nada mais de relevante afirmaram.
SS, amigo do arguido, apenas privou uma vez com a ofendida no futebol que o filho praticava, e recorda-se de ouvir falar que cerca de um ano antes houve uma infidelidade da BB com um senhor do futebol.
II, foi colega de trabalho da ofendida, com quem não fala. Conhecia-os como casal e considera que era um casal normal e cuidou de vir afirmar a tribunal que lhe disseram que a BB fazia massagens de carácter sexual, depoimento que se lamenta, pois nem o arguido chegou a semelhante afirmação, ou sequer insinuação.
JJ, actual namorada do arguido veio descrevê-lo como uma pessoa afectuosa, honesta e com valores.
O casal KK e TT, eram um casal muito próximo do arguido e da ofendida, pois a primeira é prima do arguido e chegou a ser confidente da ofendida, mas a julgamento veio infirmar o que a ofendida relatou, mas foi afirmando que a BB venerava o AA (o que vai de encontro ao afirmado pela tia NN) que se a mandasse calar era na brincadeira e que os considerava o “casal maravilha”.
A situação em apreço trata-se de mais uma situação paradigmática da complexidade do relacionamento humano, particularmente do relacionamento conjugal. Se é importante tentar compreender o que leva um homem a agredir, menorizar, insultar e humilhar a sua mulher e companheira, também devemos procurar esclarecer o que leva uma mulher a não a abandonar o homem que a agride, e não raras vezes a voltar para ele.
“Muitos autores se debruçaram sobre esta questão, tendo surgido explicações assentes na psicologia feminina, primeiro a perspectiva da «mulher masoquista», que via a violência conjugal como uma anormalidade da psicologia feminina, a seguir a teoria do «desânimo aprendido», em que a «mulher batida» era uma vítima passiva e submissa porque o seu processo de socialização e as agressões que lhe eram infligidas a tornaram incapaz de reagir, depois o discurso da mulher como «sobrevivente activa», em que esta procurava ajuda, sobrevivia não apenas às agressões, mas também às suas consequências, e, finalmente, as explicações sociológicas, que consideram que umas ficam porque não conseguem distanciar-se de algumas normas sociais, culturais e religiosas sobre o casamento e a mulher, outras porque se sentem culpadas, considerando que o fracasso do casamento é um fracasso pessoal, outras porque têm medo de sofrer retaliações, outras por dificuldades económicas que seriam originadas com a separação, outras porque estão grávidas, outras pelos filhos, sendo estes centrais no processo de decisão da mulher” (Cristina Teixeira Cardoso, “A Violência doméstica e as penas acessórias” dissertação de mestrado, Universidade Católica, Porto).
No caso em apreço a ofendida admirava o arguido, apesar da sua independência económica não queria perder a família, e nomeadamente o filho, como acabou por vir a acontecer. O processo acabou por se iniciar na sequência do que aconteceu entre si e o filho. Acabando então por denunciar os factos que não correspondem na nossa opinião a qualquer efabulação, narrativa criada ou inventada que vise de qualquer forma prejudicar o arguido, pelo contrário entendemos que relatou de modo sincero, credível e objectivo o que foi a sua vivência conjugal.
O Tribunal valorou ainda a seguinte prova documental:
- Auto de denúncia de fls. 31 a 35 elaborado por ocasião dos factos ocorridos no dia 20/08/2020;
- Assento de nascimento do filho do arguido e da ofendida LL, junto a fls. 54, e do qual resulta que nasceu a ../../2004 (e não a 18 de setembro como consta da acusação pública, certamente por mero lapso);
- Reportagem fotográfica de fls. 86 a 103 onde contam diversas mensagens escritas entre o arguido e a ofendida e duas fotografias da ofendida; ~
- Fotografias das lesões sofridas pelo menor a 20/08/2020 juntas a fls. 177 vº a 181 (e que podem ser visualizadas a cores no citius);
- Declarações para memória futura prestadas pela ofendida BB a 11/05/2023 e documentadas a fls. 291 a 292;
- Assento de nascimento da ofendida junto a fls. 295 do qual consta a data do casamento e do divórcio com o arguido;
- Certificado do registo criminal do arguido junto aos autos a 07/11/2023 e do qual nada consta
- Relatório Social junto aos autos a 19/12/2023;
- Fotografias juntas aos autos a 20/12/2023;
- Relatório Psicológico junto aos autos a 29/12/2023 subscrito por psicóloga da “F...” a solicitação do arguido, relativamente ao qual, salvo o devido respeito, não foi conferido qualquer valor técnico-científico, uma vez que não foi elaborado por qualquer entidade independente.
(…)»

IV 1. -
Cumpre decidir.
Vem o arguido e recorrente alegar que na sentença recorrida não deveriam ter sido considerados factos aí descritos como provados e já prescritos.
Há que considerar, a este respeito, o seguinte.
Nos termos do artigo 119.º, n.º 2, b), do Código Penal, nos crimes habituais o prazo de prescrição começa a correr a partir da prática do último ato.
Nos termos do artigo 152.º-A, n.º 2, a), do mesmo Código, o crime de violência doméstica pode compreender, ou não, uma prática reiterada de maus tratos físicos e psíquicos.
No caso em apreço, estamos perante uma prática reiterada, não perante um ato isolado.
Assim sendo, podemos considerar que estamos perante um crime habitual para o efeito de aplicação do regime de contagem do prazo de prescrição decorrente desse artigo 119.º, n.º 2, a).
Não se coloca, por isso, a questão da prescrição suscitada pelo arguido e recorrente.
Deverá ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto.
No entanto, e no que se refere aos factos em relação aos quais se poderia suscitar a questão da prescrição, poderá também suscitar-se a questão a analisar de seguida.

IV 2. -
Vem o arguido e recorrente alegar que na sentença recorrida não deveriam ter sido considerados os factos nela descritos nos pontos 9, 10, 11, 12, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 28 e 29 do elenco dos factos provados, por neles não se precisar o dia e hora em que terão ocorrido. Alega que estaremos perante imputações genéricas que não permitem o exercício do seu direito a um processo equitativo, onde se incluem os seus direitos de defesa e o princípio do contraditório. Essa imputação genérica impede que ele pudesse eventualmente demonstrar que nas datas e horas da suposta prática dos factos em questão ele estava a trabalhar em algum local de Portugal ou do estrangeiro, como sucede habitualmente. Invoca o disposto nos artigos 32.º, n.º 1 e n.º 5, da Constituição; 61.º, n.º 1, a), e 283.º, n.º 3, b), do Código de Processo Penal e 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Vejamos.
É entendimento uniforme da jurisprudência o de que as imputações genéricas sem indicação precisa do tempo, lugar e circunstancialismo em que ocorreram poderão inviabilizar um efetivo direito de defesa, devendo, por isso, ser consideradas não escritas (ver, por exemplo, os acórdãos deste Relação de 17 de junho de 2105, proc. n.º 845/13.1GBAMT. P1, relatado por Alves Duarte, e de 30 de setembro de 2015, proc. n.º 775/13.7GDGDM.P1, relatado por Maria Luísa Arantes, ambos in www.dgsi.pt). É certo que, pelas naturais dificuldades de situar no tempo condutas passadas e recorrentes, alguma imprecisão a esse respeito poderá ser admissível (ver, por exemplo, o acórdão desta Relação de 16 de março de 2022, processo n.º 613/20.4PDVNG.P1, relatado por Nuno Pires Salpico, in www.dgsi.pt), mas essa imprecisão não pode chegar ao ponto de tornar impossível qualquer defesa.
Na verdade, exigir uma identificação precisa do dia e hora da ocorrência de factos que integrem uma prática reiterada que se prolonga no tempo pode ser uma exigência quase impossível e desse modo inviabilizar-se-á qualquer condenação pela prática deste tipo de crimes. Mas há outras formas de contextualização dos factos que permitem identificá-los sem essa precisa identificação temporal (há uma identificação temporal menos precisa, uma localização espacial, uma referência a determinado episódio) e, assim, assegurar os direitos de defesa do arguido. Com essa contextualização, este pode saber a que acontecimento concreto se refere a acusação e defender-se a respeito da sua eventual ocorrência.
No caso vertente, assiste razão ao arguido e recorrente quanto aos factos descritos nos pontos 9, 10, 11 e 12 do elenco dos factos provados constante da sentença recorrida. A contextualização destes factos é demasiado escassa para permitir o cabal exercício do direito de defesa do arguido a esse respeito. Mas já não lhe assiste razão quanto aos restantes factos a que alude. Quanto a esses, há uma contextualização que permite ao arguido saber a que acontecimento concreto se refere a acusação e defender-se a respeito da sua eventual ocorrência. Ele poderá sempre dizer que esse acontecimento, pura e simplesmente, nunca ocorreu, ou ocorreu de uma forma diferente da que vem descrita.
Pelo facto de não serem considerados os factos descritos nos pontos 9, 10, 11 e 12 do elenco dos factos provados, factos que assumem um relevo reduzido face à globalidade da atuação do arguido, não deixam os restantes factos de configurar a prática do crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, a), e n.º 2, a), do Código Penal, por que o arguido e recorrente vinha acusado e foi condenado.

IV 3. -
Vem o arguido e recorrente alegar que a prova produzida impõe, também à luz do princípio in dubio pro reo, decisão diferente da que foi tomada na sentença recorrida, devendo ele ser absolvido da prática do crime de violência doméstica por que foi condenado. Alega que a decisão da sentença recorrida assenta apenas no depoimento da ofendida, que se revela parcial ilógico, contraditório e contrário às regras da experiência e da normalidade, e nos depoimentos das testemunhas indicadas pela acusação, que são indiretos ou nada trazem de relevante quanto aos factos em apreço. No sentido da falta de credibilidade do depoimento da ofendida, invoca o facto de ela ter afirmado, por um lado, que ele era possessivo e ciumento e também ter afirmado, por outro lado, que ele a incentivou a relacionar-se sexualmente com outro homem (o que ele nega, dizendo que essa afirmação é uma forma de pretensa justificação da infidelidade da ofendida, a qual esteve na origem da rutura do casal). Também no sentido da falta de credibilidade das declarações da ofendida, alega que elas foram proferidas com alegria e entusiasmo (ao contrário das suas, que foram prestadas com grande pesar). Alega que a Mmª Juíza a quo, pelo facto de interromper continuamente as suas declarações, e as declarações das testemunhas por ele indicadas, revelou que, depois de ter ouvido o depoimento da ofendida, tinha uma ideia preformada quanto à sua culpabilidade. Alega que as suas declarações foram autênticas e credíveis. Alega que deveria ter sido considerado o depoimento do seu filho, que conhecia bem o relacionamento do casal e que revelou credibilidade. Alega que também deveriam ter sido considerados os depoimentos das testemunhas por si indicadas, que também conheciam o relacionamento do casal e revelaram isenção e credibilidade.
Vejamos.
Estamos perante a impugnação da decisão sobre a prova, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
A respeito desta impugnação da decisão sobre a prova, há que considerar o seguinte.
Como se refere nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de dezembro de 2005 e de 9 de março de 2006 (procs. nº 2951/05 e 461/06, respetivamente, ambos relatados por Simas Santos e acessíveis in www.dgsi.pt), e é jurisprudência uniforme, «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse: antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros».
A gravação das provas funciona como uma “válvula de escape” para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações-limite de erros de julgamento sobre matéria de facto (assim, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de janeiro de 2003, proc. nº 024324, relatado por. Afonso Correia, também acessível in www.dgsi.pt).
E, como se refere no acórdão da Relação do Porto de 26 de novembro de 2008 (relatado por Maria do Carmo Silva Dias e publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 139º, nº 3960, pg.s. 176 e segs.), «não podemos esquecer a percepção e convicção criada pelo julgador na 1.ª instância, decorrente da oralidade da audiência e da imediação das provas. O juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado, que não é “colhido directamente e ao vivo”, como sucede com o juízo formado pelo julgador da 1ª. Instância». A credibilidade das provas e a convicção criada pelo julgador da primeira instância «têm de assentar por vezes num enorme conjunto de situações circunstanciais, de tal maneira que essa convicção criada assenta não tanto na quantidade dos depoimentos prestados, mas muito mais em outros factores» (assim, o citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de janeiro de 2003), fornecidos pela imediação e oralidade do julgamento. Neste, «para além dos testemunhos pessoais, há reacções, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam» (assim, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de julho de 2003, proc. nº 3100/02, relatado por Leal Henriques, acessível in www.dgsi.pt).
Deste modo, o recurso da decisão em matéria de facto da primeira instância não serve para suprir ou substituir o juízo que o tribunal da primeira instância formula, apoiado na imediação, sobre a maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. O que a imediação dá, nunca poderá ser suprimido pelo tribunal da segunda instância. Este não é chamado a fazer um novo julgamento, mas a remediar erros que não têm a ver com o juízo de maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. Esses erros ocorrerão quando, por exemplo, o tribunal pura e simplesmente ignora determinado meio de prova (não apenas quando não o valoriza por falta de credibilidade), ou considera provados factos com base em depoimentos de testemunhas que nem sequer aludem aos mesmos, ou afirmam o contrário.
Quando, no artigo 412.º, n.º 3, b), do Código de Processo Penal se alude às «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida», deve distinguir-se essa situação daquelas em que as provas em causa, sem imporem decisão diversa, admitiriam decisão diversa da recorrida na base de um outro juízo sobre a sua fidedignidade.
É certo que todas estas considerações, sobre a relevância decisiva do princípio da imediação valem quanto às declarações prestadas em audiência pelo arguido e pelas testemunhas aí inquiridas, não valem quanto às declarações prestadas pela ofendida, que não as prestou perante a Mmª Juíza a quo, que as prestou para memória futura perante a Mmª Juíza de Instrução. E é certo que tais declarações assumem um relevo decisivo (mas nem por assumirem tal relevo sem serem corroboradas por outros meios de prova devem deixar de ser consideradas, pois estamos perante um crime que quase sempre ocorre sem a presença de terceiros). Mas também assume um relevo decisivo o juízo de falta de credibilidade das declarações do arguido e esse juízo depende de fatores dependentes da imediação, de que nesta sede estamos privados. No que se refere à credibilidade das declarações da ofendida, a sentença recorrida salienta algumas características que, segundo as regras da lógica e da experiência comum, permitem conferir essa credibilidade: a descrição circunstanciada e pormenorizada dos factos, a explicação do contexto em que ocorreram, a declaração de factos que lhe serão desfavoráveis. Na verdade, a audição da gravação dessas declarações permite afirmar que estas denotam serenidade e objetividade, sem qualquer tendência para o exagero.
Pelo contrário, não colhe a argumentação apresentada pelo arguido no sentido da descredibilização dessas declarações.
De modo algum pode dizer-se que essas declarações foram prestadas com alegria e entusiasmo.
É certamente insólito, contraditório e muito fora do normal o comportamento do arguido como é descrito pela ofendida: por um lado, possessivo e violento, por outro lado, capaz de a incentivar a relacionar-se sexualmente com outros homens. Mas isso não significa que tais factos não correspondam à verdade. É sabido como no âmbito da violência doméstica muitas vezes se detetam comportamentos certamente muito fora do normal, ambivalentes e até de alguma perversidade. Podemos mesmo dizer que se a ofendida pretendesse criar uma narrativa falsa, não escolheria factos tão insólitos e tão dificilmente críveis. Factos que, por outro lado, não são suscetíveis de lesar a imagem do arguido, também são suscetíveis de lesar a imagem dela própria
Não pode aceitar-se, por outro lado, a grave acusação de parcialidade que o arguido e recorrente dirige à Mmª Juíza a quo. Não são eventuais interrupções do depoimento do arguido e das testemunhas por ele indicadas que levam a concluir que, aquando da prestação desses depoimentos, essa juíza partia já com uma ideia preformada a respeito da culpabilidade dele.
Tem alguma razão o arguido quando alega que não são decisivos os depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas na acusação, por não terem conhecimento, ou não terem conhecimento direto, dos factos em apreço. Mas o mesmo deve dizer-se dos depoimentos das testemunhas por ele indicadas. Quanto ao depoimento do filho do arguido e da ofendida, que, na verdade, terá um conhecimento mais completo do relacionamento entre os seus pais, considerou a Mmª Juíza a quo que ele revelou notória parcialidade, por claramente se posicionar a favor do pai e contra a mãe e que, por isso, esse depoimento não era credível. Esse juízo de falta de credibilidade também assenta em fatores dependentes da imediação, de que nesta sede estamos privados.
A decisão da sentença recorrida quanto à prova dos factos em apreço (à exceção dos acima referidos, não suficientemente contextualizados) não é, pois, merecedora de reparo. Como já acima afirmámos, pelo facto de não serem considerados esses factos não suficientemente contextualizados (de relevo reduzido face à globalidade da atuação do arguido), não deixam os restantes factos de configurar a prática do crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, a), e n.º 2, a), do Código Penal, porque o arguido e recorrente vinha acusado e foi condenado.
Estamos perante uma decisão baseada num juízo de certeza (segundo a fórmula tradicional, para além de toda a dúvida razoável), não de mera suspeita, ou de maior ou menor probabilidade. Não se verifica, pois, qualquer violação do princípio in dubio pro reo.
Deve, pois, ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto.

IV 4. –
Vem o arguido e recorrente alegar que a pena de prisão suspensa na sua execução em que foi condenado deverá, face aos critérios legais, ser reduzida ao mínimo legal, não sendo condicionada pelo regime de prova. Invoca as circunstâncias de não ter antecedentes criminais, o seu bom comportamento posterior à prática dos factos em apreço e a sua boa inserção social e profissional.
Vejamos.
O arguido e recorrente foi condenado, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, a), e n.º 2, a), do Código Penal, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova,ao abrigo do disposto no artigo 53.º, nºs 1 e 2, do Código Penal e 34.º-B, nº 1, da Lei nº 112/2009, de 16 de setembro, nos termos propostos pela DGRSP, que preveja a sua integração no Programa para Agressores de Violência Doméstica – PAVD, com a duração mínima de 18 meses, bem como ao afastamento da vítima, do local onde a mesma resida ou local de trabalho e a proibição de a contactar por qualquer meio.
Tal crime é punível com pena de prisão de dois a cinco anos.
Na determinação da medida concreta da pena dentro dessa moldura, há que considerar as seguintes disposições do Código Penal.
De acordo com o artigo 40.º, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (n.º 1), sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).
Nos termos do n.º 1 do artigo 71.º, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, nessa determinação o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (alínea a)); a intensidade do dolo ou da negligência (alínea b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (alínea c)); as condições pessoais do agente e a sua situação económica (alínea d)); a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (alínea e)); a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Considerando, sobretudo, o grau de reiteração da conduta do arguido e a não despicienda gravidade dos danos sofridos pela ofendida, e mesmo deixando de considerar os factos não suficientemente contextualizados a que acima nos referimos (de relevo reduzido face à globalidade da atuação do arguido), não se nos afigura excessiva a pena de três anos de prisão (suspensa na sua execução) em que ele foi condenado. As circunstâncias atenuantes por ele invocadas não assumem, face a essas circunstâncias agravantes, um peso acentuado a ponto de se justificar a fixação dessa pena no mínimo legal, como ele pretende.
Quanto à sujeição da suspensão da execução da pena a regime de prova, há que reconhecer que estamos perante práticas reiteradas (não ocasionais ou isoladas) que são reveladoras de uma personalidade com alguma tendência para a prática de violência doméstica. Apesar de arguido e ofendida se terem divorciado, não pode afirmar-se que está completamente afastado o perigo de continuação da prática, pelo arguido, de atos de violência doméstica, com esta ou outra vítima. Por esse motivo, não merece reparo a sujeição da suspensão da execução da pena em que o arguido e recorrente foi condenado a regime de prova, nos termos dos artigos 53.º, nºs 1 e 2, do Código Penal e 34.º-B, nº 1, da Lei nº 112/2009, de 16 de setembro.
Deve, assim, ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto.

IV 5. –
Vem o arguido e recorrente alegar que, face aos critérios legais, deverá ser reduzido o montante da indemnização que ele deverá pagar à ofendida. Tal montante foi fixado em cinco mil euros e ele entende que deverá ser antes fixado em mil e cem euros, por esta quantia ser mais ajustada aos danos efetivamente sofridos pela ofendida e aos critérios seguidos pela jurisprudência em casos semelhantes.
Vejamos.
Nos termos do artigo 496º, nº 1, do Código Civil, na fixação da indemnização decorrente de responsabilidade civil deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito. E, de acordo com o nº 3 do mesmo artigo, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do mesmo diploma (ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso).
Afirma Carlos da Mota Pinto (in Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1976, pgs. 85 e 86).
«Estes danos não patrimoniais - tradicionalmente designados por danos morais – resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado (a integridade física, a saúde, a tranquilidade, o bem-estar físico e psíquico, a liberdade, a honra, a reputação). A sua verificação tem lugar quando são causados sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social, inibições ou complexos de ordem psicológica, vexames, etc., em consequência de uma lesão de direitos, maxime, de direitos de personalidade. Não sendo estes prejuízos avaliáveis em dinheiro, a atribuição de uma soma pecuniária correspondente legitima-se, não pela ideia de indemnização ou reconstituição, mas pela de compensação.
Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podem ser reintegrados, mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro. Não se trata, portanto, de atribuir ao lesado um “preço da dor” ou um “preço do sangue”, mas de lhe proporcionar uma satisfação, em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem refinadamente ideal.»
Não se nos afigura desajustada, face aos danos efetivamente sofridos pela ofendida (não despiciendos, mesmo deixando de considerar os relativos aos factos não suficientemente contextualizados) e aos critérios habitualmente seguidos pela jurisprudência. Há que ter em conta, a este respeito, que a condição económica e financeira do arguido se situa algo acima da média nacional.
Deve, pois, ser negado provimento ao recurso também quanto a este aspeto.

O arguido e recorrente deverá ser condenado em taxa de justiça (artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

V –
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo a douta sentença recorrida.

Condenam o arguido e recorrente em quatro (4) U.C.s de taxa de justiça

Notifique

Porto, 11 de setembro de 2024
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Paulo Costa
Maria Joana Grácio