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NOTIFICAÇÃO DE ACÓRDÃO PROFERIDO EM RECURSO
Sumário
I – Do artigo 113.º, n.º 10, do Código de Processo Penal decorre que não se exige que o acórdão proferido em recurso seja pessoalmente notificado ao arguido, bastando que o seja ao seu defensor. II – Tal interpretação não contraria o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
Texto Integral
Pr. 463/23.6GDVFR-A.P1
Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
I – AA vem interpor recurso do douto despacho do Juiz 2 do Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro que indeferiu a arguição de nulidade da falta da sua notificação pessoal do acórdão proferido por este Tribunal da Relação do Porto relativo a recurso por ele anteriormente interposto.
São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:
«1ª - O presente recurso vem interposto do despacho de fls... que concluiu “… pela não verificação de qualquer nulidade por falta de notificação pessoal ao arguido do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no dia 31 de Janeiro de 2024…”.
2ª – Está dado como assente neste despacho recorrido que o arguido AA não foi pessoalmente notificado do mencionado acórdão, que confirmou a sentença recorrida.
3ª - Estipula o artigo 113º, nº 10, 2ª parte do Código Processo Penal que “.., ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à contestação, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado, sendo que, neste caso, o prazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efetuada em último lugar.”
4ª - Por força deste preceito legal, a sentença proferida pelo Tribunal da Relação do Porto tinha que ser notificada ao arguido, o que não aconteceu.
5ª - Refere o despacho recorrido que é entendimento jurisprudencial que os acórdãos proferidos, em recurso, pelo tribunal da Relação não têm de ser notificados pessoalmente ao arguido - cfr. art.º 113.º, n.º 10, do CPP.
6ª - O Recorrente/arguido não concorda com esta posição assumida no despacho recorrido.
7ª - O nº 10 do artigo 113º do Código Processo Penal impõe que certos actos, pela sua importância em relação com as garantias do processo penal, sejam notificados não só ao defensor como também ao arguido. Como é o caso da própria notificação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que confirmou a pena de 9 meses de prisão, que privará o arguido da sua liberdade.
8ª - Assim, a não notificação pessoal ao arguido do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que confirmou, contra a expectativa do arguido, a decisão proferida em 1ª Instância – mantendo os factos, motivação e enquadramento jurídico-penal constantes da sentença da 1ª Instância – violou as garantias de defesa do próprio asseguradas pelo nº 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa e violou, também, as exigências do artigo 6º, nº 3 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
9ª - O artigo 113.º, n.º 10 do CPP, ordena a notificação da sentença ao arguido, para além da notificação ao seu defensor.
10ª - No caso dos autos, não ocorreu nenhuma notificação ao Arguido do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, não tendo este ficado com conhecimento pessoal do teor do referido Acórdão e das suas repercussões.
11ª - Não se justificando, assim, que o Arguido se considere notificado do Acórdão proferido pelo tribunal da Relação do Porto, nos termos do disposto no artigo 113º, nº 10 do C.P.P.
12ª - Ou seja, no caso concreto justifica-se claramente a aplicação, não da regra da parte inicial do n.º 10 do artigo 113.º do C.P.P., mas das ressalvas do segundo período desse mesmo n.º 10, que contemplam diversos actos, em que, a par da notificação do defensor, se exige a notificação do arguido, contando-se o prazo para a prática do acto processual subsequente a partir da notificação efectuada em último lugar.
13ª - Efectivamente, o legislador quis assegurar que o Arguido, enquanto principal interessado, tenha pleno conhecimento da sentença, dos seus termos e dos seus efeitos, sendo, assim, a notificação pessoal da sentença ao arguido uma garantia de que o mesmo teve conhecimento da sentença condenatória e que tem a liberdade de decidir que seja interposto recurso ou não da mesma, se motivos ou fundamentos para tal houverem.
14ª - Nesta conformidade, é exigida a notificação pessoal da sentença condenatória ao Arguido como salvaguarda das suas garantias constitucionais de defesa, não podendo o Arguido considerar-se regularmente notificado da sentença proferida nos presentes autos, pelo que o despacho recorrido é ilegal, por violação do preceituado no artigo 113.º, n.º 10 do C.P.P., cumprindo declarar-se o Arguido como não notificado do Acórdão condenatório e ordenar-se a sua notificação pessoal através de O.P.C.
15ª - A notificação do Acórdão ao Arguido deve ser pessoal e a sua falta configura a preterição de uma formalidade essencial, prevista no artigo 61.º, n.º 1 alínea b) do C.P.P., sendo geradora da nulidade insanável e absoluta a que se reporta o artigo 119.º, alínea c) do mesmo diploma legal.
16ª – Assim, esta omissão da notificação pessoal do Acórdão condenatório ao Arguido traduz-se na nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea c) do C.P.P., a qual desde já se argui para todos os efeitos legais e que deve ser declarada, tornando inválida a referida alegada notificação do Acórdão ao Arguido na pessoa do ilustre defensor nomeado, bem como todos os ulteriores actos processuais dela dependentes, conforme dispõe o artigo 122.º daquele diploma legal.
17ª - Devendo tal notificação ser efectuada não só ao defensor do Arguido, como também ao próprio Arguido, mais não restando do que concluir que estamos perante a nulidade insanável em apreço, a qual, podendo ser oficiosamente declarada em qualquer fase do processo penal por força do disposto no artigo 122.º do C.P.P., importa declarar nulo todo o processado a partir da data em que foi proferido tal Acórdão (31.01.2024).
18ª - Violou, assim, o tribunal a quo no despacho recorrido que proferiu por aplicação indevida e/ou omissão, entre outros, os artigos 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, 6º, nº 3 da Convenção Europeia dos direitos do Homem, 61º, nº 1, al. b), 113º, nº 9, 113º, nº 10 e 122º todos do CPP, sendo tais violações e/ou omissões geradoras de nulidades insanáveis e absolutas a que se reporta o artigo 119º, al. c) do CPP.»
O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso. Dessa resposta constam as seguintes conclusões:
«1. Incide o recurso na decisão que considerou não verificada qualquer nulidade insanável por falta de notificação pessoal ao arguido do teor do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferida a 31.01.2024 __ art.º 113º, nº 10, II parte do C.P.P., em contrário do invocado pelo arguido;
2. Do disposto no artigo 113.º, n.º 10 do CPP não resulta a obrigação de notificação de acórdão proferido pelos tribunais superiores ao arguido, como ressalva ao princípio da suficiência da notificação ao advogado.
3. As notificações das decisões proferidas em sede recursiva não se incluem nas excepções compendiadas no artigo 113º n.º 10 do Código de Processo Penal que impõem a notificação cumulativa do arguido e seu defensor, sendo suficiente a notificação deste último, como ocorreu no caso em apreço, embora contrariado pelo arguido que refere não lhe ter tido conhecimento do teor do Acórdão do TRP.
4. Sendo que inexistindo fundamento para, tal como no caso em apreço, colocar em causa a responsabilidade que deve emergir no exercício da advocacia de informar cabalmente os clientes, como é estabelecido no artigo 100.º do EOA, e, melhor se alcança da declaração do defensor do arguido à data da prolação do Acordão, não se mostra configurada qualquer nulidade como alude o recorrente;
5. In casu, o Acórdão da Relação confirmou a sentença da 1.ª instância, quanto aos factos e incriminações legais, cujas penas principal e acessória se limitou a manter, no que se costuma qualificar como uma confirmação in mellius.
6. Neste quadro, de confirmação in mellius de acórdão da 1.ª instância, nem mesmo as questões que, noutras situações, se poderiam colocar a propósito da notificação do acórdão da Relação ao arguido, se colocam, como se não pode dizer, in casu, que o arguido não sabe por que foi condenado.
7. Assim, a notificação do Acórdão da Relação que confirmou in mellius a sentença é efectuada unicamente ao mandatário constituído do arguido, não tendo de ser notificada ao arguido pessoalmente, não se configurando na decisão recorrida a violação das garantias de defesa do arguido asseguradas pelo n.º 1 do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa e as exigências do artigo 6.º, n.º 3 da CEDH.»
O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, reiterando a posição assumida nessa resposta, pugnando, pois, também pelo não provimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.
II –
A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, a de saber se deverá, ou não, ser declarada nulidade por falta de notificação do arguido do acórdão desta Relação relativo a recurso por ele anteriormente interposto.
III –
É o seguinte o teor do douto despacho recorrido:
«Requerimentos do arguido de 18 de Março de 2024 e de 2 de Abril de 2024:
Por requerimento apresentado no dia 18 de Março de 2024, veio o condenado AA, por si, suscitar a nulidade da falta de notificação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, invocando o desconhecimento do seu teor. Mais requer a declaração do perdão da pena nos termos previstos na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto.
Atenta a natureza do requerimento em apreço (muito embora se afigurasse, vistos os termos da sua redacção, que o mesmo havia sido redigido por advogado que, simplesmente, não se quis identificar), foi determinada a notificação do Defensor constituído para, em dois dias, requerer o que tivesse por conveniente.
Nessa sequência, no dia 2 de Abril de 2024, o Ilustre Defensor constituído, veio reiterar que o arguido não foi notificado do dito acórdão, pugnando pela nulidade decorrente de tal omissão, concordando com a posição assumida pelo Ministério Público quanto à não aplicação do perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto.
*
Com pertinência para a decisão a proferir importa efectuar um breve excurso pela tramitação dos presentes autos.
Assim, no dia 12 de Julho de 2023 foi nomeado Defensor do arguido o Ilustre Advogado Dr. BB (cfr. folhas 34).
Realizado o julgamento, por sentença proferida no dia 13 de Julho de 2023, foi o arguido condenado, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de nove meses de prisão e na pena acessória de dois anos de proibição de conduzir veículos motorizados (cfr. folhas 52 a 55).
De tal decisão condenatória, interpôs o arguido recurso, no dia 28 de Setembro de 2023 (cfr. folhas 56 a 66).
Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no dia 31 de Janeiro de 2024, foi negado provimento ao recurso interposto pelo arguido, confirmando-se a sentença recorrida (cfr. folhas 81 a 91).
Tal acórdão foi notificado ao Ilustre Defensor do arguido, por comunicação electrónica datada de 1 de Fevereiro de 2024, considerando-se assim esta operada no dia 5 de Fevereiro (artigo 113.º, n.º 12, do Código de Processo Penal).
O arguido não foi pessoalmente notificado do mencionado acórdão.
No dia 13 de Março de 2024, veio o arguido juntar procuração forense, constituindo seu Defensor o Ilustre Advogado CC.
*
Cumpre apreciar.
Dispõe o n.º 10 do artigo 113.º do Código de Processo Penal: «As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à contestação, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado, sendo que, neste caso, o prazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efetuada em último lugar.».
A interpretação de tal preceito legal não tem sido unânime, apesar de ser maioritária a jurisprudência que sustenta que não se referindo expressamente a lei aos acórdãos proferidos pelos tribunais de recursos, tais decisões não têm de ser notificadas pessoalmente aos condenados, bastando a notificação dos seus defensores.
Com efeito, como se conclui no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 512/2004, de 13 de Julho (consultado no sítio do Tribunal Constitucional): «(…) do disposto no artigo 113.º, n.º 9 do CPP [actual n.º 10] não resulta a obrigação de notificação de acórdão proferido pelos tribunais superiores ao arguido, como ressalva ao princípio da suficiência da notificação ao advogado”. Desta disposição legal resulta que apenas a sentença – e não também o acórdão proferido em sede de recurso – constitui um desvio àquele princípio, apontando neste sentido quer a utilização do termo “sentença” nos artigos que disciplinam a fase de julgamento (do artigo 311.º ao 380.º) por contraposição ao uso do vocábulo “acórdão” nos que dispõem sobre recursos ordinários (do artigo 399.º ao 436.º); quer a razão de ser dos casos que são ressalvados no n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, por referência à função processual dos recursos ordinários.».
O Tribunal Constitucional já se pronunciou diversas vezes no sentido de que “as garantias constitucionais de defesa do arguido não exigem que uma sentença ou acórdão sejam sempre e necessariamente a ele pessoalmente notificadas, podendo sê-lo ao seu defensor” e concluiu pela não inconstitucionalidade do artigo 113.º, n.º 10, do C.P.P. quando interpretado no sentido de que a notificação da decisão tomada pelos tribunais superiores em via de recurso poder ser feita ao defensor do arguido, não tendo, assim, de lhe ser notificada pessoalmente (ver, entre outros, os acórdãos n.ºs 59/99, 512/04, 275/06, 399/2009, 234/2010, 667/2014, todos no sítio do Tribunal Constitucional).
Conforme se expende no acórdão n.º 59/99, de 2 de Fevereiro, do Tribunal Constitucional (consultado no sítio do Tribunal Constitucional): «É sabido que o Diploma Fundamental, ao consagrar que o processo criminal tem de assegurar todas as garantias de defesa, aponta para que o mesmo deverá incluir toda uma previsão ou um feixe de direitos, meios e instrumentos de harmonia com os quais é facultada ao arguido uma eficaz defesa e uma adequada contraditoriedade relativamente à acusação. O processo criminal terá, por isso, de perspectivar-se como um due process of law, permitindo, pois, que nele haja sempre a possibilidade de o arguido se defender (cfr. Acórdão deste Tribunal nº 61/88, no Diário da República, 2ª Série, de 20 de Agosto de 1988). E essa defesa, inclusivamente, pode abarcar, quando esteja em causa uma decisão jurisdicional tomada em última instância por um tribunal superior - da qual, consequentemente, já não caiba recurso ordinário -, a colocação em crise, confrontadamente com a sua validade constitucional, da normação com base na qual foi prolatada a decisão condenatória (se, como é claro, estiverem congregados os respectivos pressupostos processuais). Sendo isto assim, são configuráveis várias hipóteses que apontam para que as garantias de defesa de um arguido só serão plenamente adquiridas se ao mesmo for dado um cabal conhecimento da decisão condenatória que a seu respeito foi tomada. Mas, entende este Tribunal, esse cabal conhecimento, atinge-se, sem violação das garantias de defesa que o processo criminal deve comportar, desde que o seu defensor - constituído ou nomeado oficiosamente -, contanto que se trate do primitivo defensor, seja notificado da decisão condenatória tomada pelo tribunal de recurso. Na verdade, os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre esse defensor, na vertente do relacionamento entre ele e o arguido, apontam no sentido de que o mesmo, que a seu cargo tomou a defesa daquele, lhe há-de, com propriedade, transmitir o resultado do julgamento levado e efeito no tribunal superior. De harmonia com tais deveres, há-de concluir-se que o arguido, por intermédio do conhecimento que lhe é dado pelo seu defensor (aquele primitivo defensor) ficará ciente dos motivos fácticos e jurídicos que o levaram a ser considerado como agente de um ilícito criminal e da reacção, a nível de imposição de pena, que lhe foi aplicada pelo Estado, ao exercitar o seu jus puniendi.».
Para além do mais, no caso concreto, na sequência do determinado por despacho datado de 18 de Março de 2024, o Ilustre Defensor nomeado, entretanto substituído, veio esclarecer que, em obediência aos deveres deontológicos a que se encontra adstrito, comunicou ao arguido o teor do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto (cfr. requerimento datado de 20 de Março de 2024).
Diga-se que, em bom rigor, nos seus requerimentos agora em análise (apresentados por si e através do Ilustre Defensor constituído) o arguido não invocou que o Ilustre Defensor à data nomeado não tivesse cumprido aquela obrigação de comunicação, apesar de sustentar que não teve conhecimento do teor da decisão proferida.
Por fim, importa ainda salientar que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto não é susceptível de recurso, de acordo com o previsto pelo artigo 432.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
*
No que à segunda questão suscitada pelo condenado respeita (ainda que não acompanhado no requerimento apresentado pelo seu Ilustre Defensor constituído), isto é, à aplicação do perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, porquanto o arguido tinha, à data da prática dos factos, 47 anos de idade, tendo sido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, o mesmo não beneficiará do perdão previsto pela Lei n.º 38- A/2023, de 2 de Agosto, de acordo com o estatuído nos artigos 2.º, n.º 1, a contrario, e 7.º, n.º 1, alínea d), ponto ii), do mesmo diploma legal.
*
Por todo o exposto, conclui-se pela não verificação de qualquer nulidade por falta de notificação pessoal do arguido do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no dia 31 de Janeiro de 2024, bem como pela inaplicabilidade do perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto.
Notifique.
D.N.»
IV -
Cumpre decidir.
Vem o arguido e recorrente alegar que se verifica nos autos a nulidade insanável a que se reporta o artigo 119,º, c), do Código de Processo Penal, por falta da sua notificação pessoal do acórdão desta Relação relativo a recurso por ele anteriormente interposto. Alega que do artigo 113.º, n.º 10, desse Código resulta que os acórdãos da Relação relativos a recursos deverão ser pessoalmente notificados ao arguido, e não apenas ao seu defensor, pois esses acórdãos incluem-se entre ao atos em relação aos quais, pela sua importância no plano das garantias processuais, o legislador quis assegurar que o arguido, enquanto principal interessado, tenha pleno conhecimento dos seus termos e efeitos para que possa decidir sobre a ulterior interposição do recurso. Alega, pois, que a falta dessa notificação pessoal viola as garantias de defesa decorrentes dos artigos 32.º, n.º 1, da Constituição e 6.º, n.º 3, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Vejamos.
Não assiste razão ao arguido e recorrente.
Da leitura do artigo 113.º, n.º 10, do Código de Processo Penal, resulta claramente que o acórdão proferido em recurso não se inclui, ao contrário de outras aí expressamente previstas, entre as peças processuais que devem ser pessoalmente notificadas ao arguido e não apenas ao seu defensor. Vem sendo essa a interpretação uniforme da jurisprudência (ver, neste sentido, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de maio de 2012, proc. n.º 61/09.9TASAT-C.S1, relatado por Arménio Sottomayor, e de 11 de dezembro de 2014, proc. n.º 1049/12.6JAPRT-C.S1, relatado por Isabel São Marcos; e o acórdão da Relação de Coimbra de 19 de dezembro de 2018 proc. n.º 250/06.8TASRT.C1, relatado por José Eduardo Martins, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Trata-se de uma opção do legislador discutível no plano da política legislativa, mas de uma opção clara (não há lugar, pois, a uma qualquer interpretação extensiva ou integração de lacuna através de analogia) com um fundamento racional (não arbitrário, pois). Na verdade, justifica-se (embora o legislador pudesse fazer outra opção) uma diferença de tratamento entre uma sentença de primeira instância que pela primeira vez decide determinada questão e um acórdão proferido em recurso que confirma, ou não, tal decisão inicial. Salienta o referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de dezembro de 2014, que essa diferença de tratamento também se evidencia numa menos relevante participação do arguido na audiência em segunda instância (audiência de realização apenas eventual e sem a presença obrigatória do arguido, como decorre dos artigos 419.º, c), a contrario, e 421.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
A jurisprudência do Tribunal Constitucional (como se reflete nos acórdãos n.ºs 59/99, 512/04, 275/06, 399/2009, 234/2010 e 667/2014, a que alude o despacho recorrido) também vem declarando de forma unânime que esse interpretação não contraria a Constituição, pois as garantias de defesa do arguido a que se reporta o artigo 32.º, n.º 1 desse Lei fundamental são satisfeitas com a notificação do acórdão ao defensor sempre que este comunicar o seu teor àquele (para que decida sobre a eventual interposição de recurso), cumprindo o dever deontológico resultante do artigo 100.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Ora, no caso em apreço, o Mmº Juiz a quo certificou-se de que esse dever havia sido cumprido, como seria de esperar.
Esse facto, e também a circunstância de o acórdão em questão não ser passível de recurso (artigo 400.º, n.º 1, e), do Código de Processo Penal), levam a pensar que não será a verdadeira salvaguarda da defesa do arguido a justificar o presente recurso, mas antes um propósito dilatório.
Deve, assim, ser negado provimento ao recurso
O arguido e recorrente deverá ser condenando em taxa de justiça (artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
V –
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo a douta sentença recorrida.
Condenam o arguido e recorrente em três (3) U.C.s de taxa de justiça.
Notifique
Porto, 11 de setembro de 2024
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Dona Botto
Maria Joana Grácio