REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
UNIÃO ESTÁVEL
Sumário

(artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil):
A escritura pública declaratória de união estável celebrada no Brasil é insuscetível de revisão e confirmação pelos tribunais portugueses nos termos dos artigos 978.º e seguintes do CPCivil.

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.
RELATÓRIO.
Neste processo de revisão de sentença estrangeira, em que são Requerentes “A” e “B”, melhor identificados nos autos, vieram os Requerentes pedir a revisão e confirmação da Escritura Pública de União de Facto Estável dos Requerentes.
Entre outros documentos, os Requerentes juntaram aos autos certidão daquela escritura, datada de 05.04.2024.
Por decisão de 02 de julho último, a petição foi liminarmente indeferida pelo aqui relator, com fundamento no estabelecido no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2022.
Inconformados, os Requerentes vieram pedir que este Tribunal «reconsidere» tal indeferimento liminar, sustentando o deferimento da revisão e confirmação pretendidas.
Os autos foram com vista ao Ministério Público.
Por despacho do aqui relator, ordenou-se a remessa dos autos a conferência.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir, sendo que não foram suscitadas, nem se afigura que existam exceções, nulidades ou questões prévias que importe conhecer, estando ora em causa dilucidar tão-só da justeza da decisão reclamada e, pois, da (im)procedência da pretensão dos Requerentes.
II.  FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Com relevância para a decisão em causa, este Tribunal da Relação de Lisboa considera provado que:
1. O Requerente “A” nasceu no dia (…) 1977 e é filho de “AA” e “AB”;
2. O Requerente “B” nasceu no dia (…)1962 e é filho de “BB” e “BA”;
3. No (…).º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, República Federativa do Brasil, perante Tabelião, em 05.04.2024 os aqui Requerentes declararam, além do mais, que:
«Segunda: Que eles declarantes, mantêm vida em comum, em união estável como se casados fossem desde o dia 15 de novembro de dois mil e catorze (15.11.2014), declarando ainda que inexiste impedimento para o casamento, em conformidade com o parágrafo 1.º do art.º 1723 da Lei 10.406/2005 (Código Civil Brasileiro).
Terceira: Valendo a presente declaração como prova de que os mesmos vivem maritalmente em união estável, para que possam gozar dos benefícios previdenciários, fazendários, sociais e trabalhistas, principalmente de companheiros, podendo inclusive serem beneficiários de planos de saúde»;
4. O Requerente “A” tem a nacionalidade portuguesa.
*
Este Tribunal da Relação de Lisboa fundou a sua convicção nos documentos juntos pelos Requerentes, designadamente (i) na certidão de nascimento do Requerente “A”, emitida pela Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa, (ii) nas certidões de nascimento do Requerente “B”, emitidas pelas autoridades brasileiras e legalizadas, assim como (iii) na certidão da escritura pública de união estável que se encontra autenticada.
III.  FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
No que aqui releva, segundo o disposto no artigo 978.º, n.º 1, do CPCivil, «(…) nenhuma decisão sobre direitos, proferidos por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada».
Nos termos do apontado preceito legal, na revisão e confirmação em causa importa, pois, além do mais, que esteja em causa uma «decisão sobre direitos privados».
Ora, seguindo aqui o entendimento do acórdão de uniformização de jurisprudência de 19.10.2022, in DR, I Série, de 24.11.2022, a escritura declaratória de união estável não constitui uma decisão sobre direitos privados, pelo que tal escritura é insuscetível de revisão e confirmação.
Com efeito, conforme consta daquele acórdão de fixação de jurisprudência do nosso Venerando Supremo Tribunal de Justiça para o qual no mais aqui se remete:
«(…)
4.1 (…)
[N]as escrituras públicas declaratórias de união estável o tabelião nada decide - simplesmente, atesta, constata ou certifica as declarações emitidas pelos interessados (…).
(…)
4.3 (…)
O art.º 1723.º do Código Civil brasileiro é claro no sentido de que a declaração dos interessados contida em escritura pública não pode nunca ser o facto constitutivo da união estável.
Exigindo, p. ex., uma convivência contínua e duradoura entre os companheiros, o art.º 1723.º determina que, em caso de divergência entre a declaração e o facto real da convivência deve dar-se prevalência ao segundo - i.e, ao facto real da convivência "com natureza familiar" (…).
(…)
5.2 (…)
A escritura pública declaratória não tem, seguramente, nenhum efeito constitutivo da união estável: "não é ela própria o ato constitutivo da união estável" (…). Excluído o efeito constitutivo, o problema põe-se, tão-só para o efeito declarativo da escritura pública - para o efeito de reconhecer um direito, ou de reconhecer um conjunto de direitos, aos interessados.
Ora a escritura pública não reconhece nenhum direito. Se a união estável existe, nos termos do art.º 1723.º do Código Civil brasileiro, os direitos dos companheiros resultam da união estável - a escritura pública não lhes dá nada, não lhes reconhece nenhum direito que a união estável não lhes desse -; se a união estável não existe, nos termos do art.º 1723.º, os direitos dos companheiros não resultam da escritura - a escritura pública não lhes dá, não lhes reconhece nenhum direito.
Em consequência, a escritura pública declaratória de união estável não contém nenhuma definição da situação jurídica dos declarantes; ainda que contivesse uma definição da situação jurídica dos declarantes, nunca conteria uma definição imodificável, em termos comparáveis aos de uma sentença declaratória de união estável transitada em julgado (…).
O critério deve aplicar-se, a pari ou a fortiori, aos actos que se pretende que sejam equiparados a sentenças - designadamente, às escrituras públicas declaratórias de união estável celebradas no Brasil (…).
(…)».
Nestes termos, o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça acordou «em uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos:
A escritura pública declaratória de união estável celebrada no Brasil não constitui uma decisão revestida de força de caso julgado que recaia sobre direitos privados; daí que não seja susceptível de revisão e confirmação pelos tribunais portugueses, nos termos dos arts. 978.º e ss. do Código de Processo Civil».
Na sua reclamação para a conferência, os Requerentes desconsideram tal acórdão uniformizador de jurisprudência, não aduzindo argumentos que o ponham em causa, sendo que os aqui subscritores não vislumbram razões para divergir do sufragado naquele acórdão. 
Nestes termos, não constituindo, pois, a escritura declaratória de união estável uma decisão sobre direitos privados, carece de fundamento a pretendida revisão e confirmação, pelo que a pretensão dos Requerentes é manifestamente improcedente e, em consequência, importa indeferir a reclamação, mantendo, pois, a decisão reclamada.
IV. DECISÃO.
Pelo exposto, indefere-se a reclamação, mantendo-se a decisão reclamada e, pois, julgando improcedente a pretendida revisão e confirmação.
Custas pelos Reclamantes – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil.

Lisboa, 26 de setembro de 2024
Paulo Fernandes da Silva
Arlindo Crua
Orlando Nascimento