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DANO BIOLÓGICO
VERTENTE PATRIMONIAL
VERTENTE NÂO PATRIMONIAL
Sumário
Sumário (elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC): I – O dano biológico configura um dano permanente, com impacto na qualidade de vida do lesado, gerador de uma maior penosidade no desempenho das tarefas gerais do dia a dia do lesado, assumindo uma vertente patrimonial que deve ser considerada mesma em caso de manutenção da atividade profissional e da remuneração anteriores ao sinistro. II – No caso de lesado que tinha 36 anos de idade à data do acidente, do qual resultou para si um défice funcional de 8 pontos, que aufere uma retribuição mensal de € 1.441,36 como bancário, e que mantém tal atividade profissional, que passou a exercer com esforços acrescidos, revela-se adequada e equitativa a fixação de indemnização pelo dano biológico, na sua vertente patrimonial, em € 30.000,00. III – Ponderando os padrões jurisprudenciais atuais e a equidade, mostra-se equilibrada a fixação da indemnização, a título de danos não patrimoniais, no valor de € 20.000,00 a lesado que, em consequência do sinistro, passou a padecer de stress pós-traumático que demanda acompanhamento psicológico e psicoterapêutico, dores fixadas no nível 3 numa escala de 7 valores.
Texto Integral
Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:
I - RELATÓRIO
1.1– O autor, A, identificado nos autos, instaurou em 25-02-2016 no Julgado de Paz de Lisboa a presente ação declarativa comum contra a ré Companhia de Seguros Allianz, SA, igualmente identificada nos autos, solicitando a sua condenação:
- no pagamento da quantia de € 14.883,70 (catorze mil, oitocentos e oitenta e três euros e setenta cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida do pagamento de procuradoria, juros legais, vencidos e vincendos;
- no pagamento da quantia a apurar em liquidação referente a danos futuros, baixas, incapacidades, cirurgias, tratamentos, assistência médica, medicamentosa, assistência de 3ª pessoa, que venham a verificar-se necessárias como consequência do acidente de viação que descreveu.
Fundamentando tal pretensão, invocou o autor ter sido interveniente em acidente de viação, ocorrido no dia 6 de abril de 2015, entre o motociclo por si conduzido e um veículo ligeiro cujos riscos de circulação estavam transferidos para a ré. Tal sinistro foi integralmente devido à conduta estradal da condutora do veículo seguro na ré que, na ocasião, não lhe cedeu passagem em desobediência à sinalização vertical (b2 STOP) existente na via onde circulava.
Em consequência direta do acidente, o autor sofreu várias lesões na sua integridade física e psíquica, para cuja indemnização demanda o pagamento da quantia peticionada.
1.2 - A ré Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA, contestou a ação, confirmando a celebração e vigência do contrato de seguro invocado, aceitando a culpa exclusiva da sua segurada na produção do acidente, e apresentando defesa por impugnação relativamente à matéria dos danos alegados pelo autor.
Concluiu pugnando pela parcial procedência da ação.
1.3 – Na sequência da realização de prova pericial, o autor apresentou requerimento de ampliação do pedido, nos termos do disposto no artigo 265º, nº 2, CPC, para o valor de € 76.883,70, após o que, em 29-11-2021 foi proferida decisão pelo Julgado de Paz de Lisboa, declarando a respetiva incompetência em razão do valor da causa e ordenando a remessa dos autos ao Juízo Central Cível de Lisboa.
1.4 – Em 24-05-2023, foi realizada audiência prévia, no decurso da qual foi elaborado despacho saneador, que afirmou a regularidade da instância e enunciou o objeto do litígio e os temas de prova.
2 – Instruída a causa, foi realizada audiência de discussão e julgamento, em 18-09-2023, após o que foi proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente, sendo o seguinte o teor do seu dispositivo:
“Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente, decido condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 34.721,89 (€ 1.921,89 + € 32.800,00), a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, devidos, sobre a quantia de € 1,921,89, desde a citação e, sobre a quantia de € 32.800,00, desde a presente data, até integral pagamento, absolvendo-a do mais peticionado”.
3 – Não se conformando com tal decisão, o autor da mesma interpôs recurso, autuado neste Tribunal da Relação de Lisboa em 21-06-2024, pugnando pela sua parcial revogação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “I. O tribunal a quo não determinou qualquer compensação na vertente patrimonial, pois optou por apenas fixar uma indemnização a título de dano biológico na vertente não patrimonial, a qual desde já, se entende ser escassa atentas as graves sequelas psicológicas que o Autor ficou a padecer II. O dano biológico é um tipo de dano que pode ser patrimonial e/ou não patrimonial, e se refere a um handicap físico-emocional que, ainda que não implique perda remuneratória, torna mais penosa a realização das tarefas quotidianas, profissionais e pessoais. III. Está expressamente reconhecido que o lesado tem o direito a ser indemnizado pelo dano biológico, entendido como uma ofensa à integridade física. IV. Se atendermos à jurisprudência maioritária do Supremo, mantém-se o velho método de encontrar um capital indemnizatório que, de rendimento, produza o que teoricamente deixou de auferir e se extinga no fim presumível de vida ativa do lesado. Se contarmos com a inflação existente, ainda que baixa, dificilmente se encontra um capital que permita a manutenção do rendimento. É preciso ter em conta que não estamos a repor patrimónios, mas a indemnizar pessoas. V. Acresce que o Recorrente ficou a padecer de stress pós traumático. Pergunta-se: como é que uma sequela destas não afeta a capacidade de ganho do Autor? É claro que afeta, e merece respaldo em termos indemnizatórios, seja na vertente patrimonial, seja na vertente não patrimonial. VI. O Autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 6 + 2 pontos (em 100). (ponto 22 dos factos provados), e de acordo com a jurisprudência aplicável a casos análogos, o montante a arbitrar é sensivelmente fixado nos 80.000,00 €. VII. É manifestamente insuficiente o montante atribuído pelo tribunal a quo (€ 34.721,89 ), para compensar uma pessoa que ficou a padecer de 8 pontos de incapacidade e com stress pós traumático, bem como se afigura completamente desfasado da realidade das decisões judiciais mais atualistas. VIII. Razão pela qual, o montante de 42.161,81 € (quarenta e dois mil cento e sessenta e um euros e oitenta e um cêntimos), deve proceder, somando ao montante já atribuído pelo Tribunal a quo, totalizando 76.883,70 €, seja por se entender que o dano biológico (in casu de 8 pontos), é sempre indemnizável independentemente de existir ou não perda salarial, ou seja porque na vertente não patrimonial o valor atribuído é manifestamente escasso, atendo o tipo de sequelas que o recorrente ficou a padecer (stress pós traumático). IX. O ponto C dos factos não provados, deveria constar na factualidade provada, porquanto o Autor tem ataques de ansiedade sempre que passa no local do acidente, tendo em conta os depoimentos das testemunhas E e F. X. O tribunal a quo, deu como provado a despesa de 120,00 € com uma consulta de avaliação do dano corporal. (ponto 15 dos factos provados). XI. Simultaneamente, o Tribunal entendeu que o pagamento da consulta de avaliação de dano corporal (€ 120,00) não se mostra como uma despesa emergente do sinistro, no sentido em que não se mostra como necessária. XII. Não podemos entender qual o pensamento que subjaz à desconsideração da despesa vinda de aludir, uma vez que a mesma só se tornou necessária em consequência dos autos. XIII. Pois, ao Autor era lícito e prudente consultar um médico por si escolhido, de modo a ter uma opinião médica que analisasse não só o seu estado de saúde, bem como o relatório médico da Ré, e a incapacidade por aquela proposta. XIV. Nestes termos, deve o pagamento da despesa (ponto 15 dos factos provados), ser responsabilidade da Ré, condenando-se a mesma no seu pagamento. XV. Pelo que, o recorrente entende ser merecedor de uma indemnização superior ao montante arbitrado pelo tribunal a quo. Nestes termos e nos melhores de Direito que os Venerandos Desembargadores mui sabiamente suprirão deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência deve a sentença proferida ser revogada e substituída por Acórdão que fixe a indemnização em valor não inferior a 76.883,70 € (setenta e seis mil oitocentos e oitenta e três euros e setenta cêntimos),devendo a alínea c) da matéria de facto não provada passar a constar na factualidade provada, e que a recorrida seja condenada em juros legais desde a citação quanto aos danos patrimoniais e desde a decisão quanto aos danos não patrimoniais, mantendo o demais decido, fazendo assim a tão costumada e melhor JUSTIÇA!”
4. A ré apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e interpôs recurso subordinado, nos termos do disposto no artigo 633º, CPC, formulando as seguintes conclusões: “1. Vem o Autor interpor recurso da sentença proferida pelo douto Tribunal a quo a 4 de outubro de 2023, que julgou parcialmente procedente a ação, condenando a Ré no pagamento ao Autor da quantia de 34.721,89€ (trinta e quatro mil setecentos e vinte e um euros e oitenta e nove cêntimos), sendo 1.921,89€ (mil novecentos e vinte e um euros e oitenta e nove cêntimos) a título de danos patrimoniais e 32.800,00€ (trinta e dois mil e oitocentos euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, devidos sobre a quantia de 1.921,89€ (mil novecentos e vinte e um euros e oitenta e nove cêntimos) desde a citação, e sobre a quantia de 32.800,00€ (trinta e dois mil e oitocentos euros) desde a data da prolação da sentença, até integral e efetivo pagamento. 2. Isto porque, considera, em suma, que o douto Tribunal de que se recorre não compensou o dano biológico na vertente patrimonial, fixou um valor indemnizatório reduzido para o dano biológico na vertente não patrimonial, desconsiderou a despesa tida pelo Autor com a consulta de avaliação do dano corporal e ainda que o Tribunal a quo considerou erroneamente como não assente o ponto c) dos factos não provados. 3. Neste sentido, peticiona que seja fixado o quantum indemnizatório global de 76.883,70€ (setenta e seis mil oitocentos e oitenta e três euros e setenta cêntimos) a título de compensação pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, e ainda que o ponto c) da matéria de facto não provada passe a constar da factualidade provada. 4. No que respeita ao dano biológico, entende o Autor que este deveria ter sido considerado autonomamente em ambas as vertentes (patrimonial e não patrimonial), uma vez que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica atribuído originou danos patrimoniais e não patrimoniais, alegando ainda que a matéria de facto dada como provada e a jurisprudência em casos análogos justifica uma compensação não inferior aos 42.161,81€ (quarenta e dois mil cento e sessenta e um euros e oitenta e um cêntimos) peticionados a título de dano patrimonial futuro. 5. Todavia, pese embora o Autor não faça qualquer referência jurisprudencial a casos semelhantes, limitando-se a equacionar um valor meramente arbitrário, importará ter em consideração que o caso dos presentes autos não consubstancia um verdadeiro caso em que as sequelas originaram um dano biológico na vertente patrimonial. 6. Conforme entendimento do Tribunal da Relação de Guimarães, o dano biológico, na sua vertente patrimonial, tem como base e fundamento a restrição às possibilidades de exercício da profissão ou de uma mudança futura, implicando a perda de oportunidades como consequência do grau de incapacidade que afeta o lesado (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19-10-2017, Proc. n.º 2236/14.8T8GMR.G1). 7. Desta forma, uma vez que o douto Tribunal a quo não considerou provado que as sequelas sofridas pelo Autor implicassem esforços acrescidos no exercício da sua atividade profissional, inexistindo qualquer repercussão patrimonial relevante, o dano biológico só pode ser compensado (como foi) enquanto dano não patrimonial, e nunca nas duas vertentes, uma vez que só poderia ser objeto de indemnização autónoma e a título de dano patrimonial se se tivesse provado que as lesões acarretavam alguma diminuição de rendimentos, uma maior dificuldade na progressão na carreira, com inerente redução salarial, ou a impossibilidade de aceder a certas profissões que, previsivelmente, poderia exercer, com perda de rendimentos futuros. 8. Por conseguinte, no que concerne à vertente não patrimonial do dano biológico, alega o Autor que o montante indemnizatório de 32.800,00€ (trinta e dois mil e oitocentos euros) é insuficiente, tendo em conta que ficou a padecer de stress pós-traumático e vive com grande sofrimento e dor psicológica, pugnando pela fixação de uma indemnização não inferior a 42.161,81€ (quarenta e dois mil cento e sessenta e um euros e oitenta e um cêntimos) 9. Acontece, porém, que o montante ora peticionado pelo Autor, atendendo à situação dos presentes autos, isto é, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 8 (oito) pontos, sem que as sequelas implicassem esforços acrescidos no exercício da sua atividade profissional, o quantum doloris foi fixado no grau 3 (três) e o dano estético no grau 1 (um), afigura-se manifestamente exagerado e arbitrário por se encontrar desenquadrado com os montantes habitualmente fixados em casos semelhantes pela jurisprudência superior. 10. Nesta senda, importa relevar que num caso análogo ao dos presentes autos, o Tribunal da Relação de Coimbra atribuiu ao lesado uma indemnização pelo dano não patrimonial no valor de 20.000,00€ (vinte mil euros) [vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22-01-2019, Proc. n.º 342/17.6T8CBR.C1]. 11. Em todo o caso, se por um lado considera a Recorrente/Recorrida que a Mma. Juiz a quo, ao socorrer-se dos fatores supra mencionados, fixou um montante indemnizatório pelo dano biológico na vertente não patrimonial (32.800,00€) que se afigura, in casu, manifestamente excessivo, por outro excessiva e arbitrária será a indemnização ora peticionada pelo Autor que, para além totalmente desenquadrada com os montantes habitualmente fixados em casos semelhantes pela jurisprudência superior, carece de fundamentação. 12. Por outro lado, alega ainda o Autor que o ponto 15 (quinze) dos factos provados não teve respaldo no montante da condenação, pugnando pela condenação da Recorrida/Recorrente no pagamento da quantia de 102,00€ (cento e dois euros) pelo ressarcimento da consulta de avaliação de dano corporal paga pelo Autor. 13. Ora, também quanto a este ponto não assiste razão ao Autor, uma vez que, conforme fundamentado pela Mma. Juiz a quo, a consulta de avaliação de dano corporal não só não consubstancia, efetivamente, uma despesa emergente do sinistro, como também não se mostra necessária, não podendo a Allianz Portugal ser responsabilizada ad infinitum 14. Por último, impugna ainda o Autor a decisão proferida sobre a matéria de facto, alegando que o douto Tribunal a quo nunca poderia ter dado como não provado que o Autor sempre que passa pelo local do acidente tem ataques de ansiedade, defendendo que dos depoimentos de E e de F é possível constatar que o Autor tem ataques de ansiedade sempre que se desloca de carro e, se tem ansiedade a andar de carro, é claro que sempre que passa no local do acidente tem ataques de ansiedade. 15. Todavia, não pode a Recorrente/Recorrida subscrever tal entendimento, porquanto, não só é notório que tais testemunhas não possuem qualquer conhecimento técnico ou científico que permitam diagnosticar ao Autor qualquer patologia clínica, in casu, ataques de ansiedade, como também dos depoimentos das três testemunhas que, efetivamente, possuem formação e vasta experiência na área da saúde (B, C e D) não é possível retirar a conclusão de que o Autor tivesse sido diagnosticado com perturbações de ansiedade, muito menos que este tivesse ataques de ansiedade sempre que se desloca de carro. 16. Face à ausência de qualquer suporte probatório que permita concluir que o Autor sempre que passa no local do acidente tem ataques de ansiedade, considera a Recorrente ser de manter a douta sentença do Tribunal a quo quanto a este aspeto, considerando o ponto c) da matéria de facto não provada como, efetivamente, não assente. 17. No que ao recurso subordinado diz respeito, a Recorrente/Recorrida, salvo o devido respeito, não se conforma com montante indemnizatório de 32.800,00€ (trinta e dois mil e oitocentos euros) fixado para o ressarcimento do dano biológico na vertente não patrimonial, porquanto, se por um lado é certo que o dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como pode ser compensado a título de danos não patrimoniais, por outro importa não olvidar que a compensação do dano não patrimonial não pode ultrapassar os limites do razoável, nem colocar o lesado numa posição de enriquecimento injustificado 18. Pelo que, considera a Recorrente/Recorrida que o douto Tribunal a quo, no caso sub judice, se pautou por critérios maximalistas, em detrimento dos princípios da equidade e proporcionalidade, fixando uma indemnização pelo ressarcimento do dano biológico na vertente não patrimonial que peca por excessiva. 19. Não sendo possível determinar o valor exato do dano ora em causa, o julgador deve socorrer-se de juízos de equidade para a fixação do quantum indemnizatório mais ajustado ao caso, nos termos do artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil, mostrando-se como relevantes para tal fixação, nomeadamente, a idade do lesado à data do sinistro, o grau do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, as repercussões que a sequela acarreta na capacidade profissional do lesado, entre outros. 20. Assim sendo, para a fixação deste montante compensatório em harmonia com o critério da equidade, o Tribunal deve atender às circunstâncias do caso em concreto, designadamente que o Autor à data do acidente tinha 37 (trinta e sete) anos, que lhe foi atribuído um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 8 (oito) pontos, o quantum doloris foi fixado no grau 3 (três) e o dano estético no grau 1 (um), que as sequelas não implicam esforços acrescidos no exercício da sua atividade profissional, que o Autor auferia aproximadamente a quantia de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros) mensais, entre outros, sem descurar os padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência, 21. Destarte, importa ter em consideração, porque relevante, que em dois casos semelhantes ao dos presentes autos, o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal da Relação de Coimbra entenderam ser de atribuir ao lesado uma indemnização no valor de 20.000,00€ (vinte mil euros) pelo ressarcimento do dano não patrimonial (vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-10-2016, Proc. n.º 1043/12.7TBPTL.G1.S1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22-01-2019, Proc. n.º 342/17.6T8CBR.C1 22. Em face do que precede, o Tribunal a quo não fez a correta subsunção da matéria de facto provada ao direito tendo, no que diz respeito ao quantum indemnizatório, incorrendo na errónea aplicação dos artigos 494.º, 496.º, 562.º, e 566.º, todos do Código Civil, entendendo a Recorrente que deverá ser fixado um montante não superior a 20.000,00€ (vinte mil euros) para compensação dos danos não patrimoniais, por entender ser o valor mais justo e equitativo face ao caso sub judice. Termos em que deve ser negado provimento ao recurso do Autor, com todas as devidas e legais consequências legais e deve ser dado provimento ao presente recurso subordinado, revogando-se a douta sentença recorrida, nos termos preconizados”.
5. O autor não apresentou contra-alegações ao recurso subordinado interposto pela ré.
6. Foram admitidos ambos os recursos interpostos, como apelação, com subida imediata e nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
7. Remetidos os autos a este tribunal, inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir.
II – QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC.
Consequentemente, nos presentes autos, inexistindo questões de conhecimento oficioso a apreciar, as questões a decidir, são as seguintes:
- Impugnação da matéria de facto (pretendendo a recorrente que transite para os factos provados a matéria enunciada como não provada sob a alínea C da sentença recorrida); - Consideração do dano biológico, na sua vertente patrimonial, para efeitos de fixação de indemnização em valor não inferior a € 42.161,81;
- Redução da indemnização atribuída a título do dano não patrimonial para o valor global de € 20.000,00;
- Atribuição da indemnização de € 120,00, relativa a consulta de avaliação do dano corporal a que o autor se submeteu.
III – FUNDAMENTAÇÃO A – Impugnação da matéria de facto
Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto” estabelece o nº 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil: “1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Já do nº 2 daquela norma resulta que: “2- A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
Por outro lado, a reapreciação da matéria de facto pelo tribunal de recurso implica que o recorrente, nas alegações em que impugna a decisão relativa à matéria de facto, cumpra os ónus que o legislador estabeleceu a seu cargo, enunciados no artigo 640º CPC, com a seguinte redação: “1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2-No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
Incumbe, pois, ao recorrente, no essencial, identificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (640º, nº 1, alínea a), CPC), os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa (640º, nº 1, alínea b), CPC) e qual a decisão que deve ser proferida quanto aos factos impugnados (640º, nº 1, alínea c), CPC).
Compulsadas as respetivas alegações, verifica-se que na motivação do recurso o autor indicou o ponto da matéria de facto que considera incorretamente julgado (o facto não provado enunciado na alínea C da sentença recorrida), bem como os meios de prova que impunham solução diversa (depoimentos das testemunhas E e F), considerando que a matéria em questão deve transitar para os factos provados. Nada obsta, pois, que se proceda à sua apreciação, dado o recorrente ter cumprido os ónus supra enunciados.
A propósito da alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação, julgamos ser de reafirmar o referido no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017[1], sumariado nos seguintes termos: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efetuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados (..).” A recorrente impugnou a matéria constante da alínea C dos factos não provados à qual foi conferida a seguinte redação: “c) Sempre que passa no local do acidente [o autor] tem ataques de ansiedade”;
Pretende o recorrente que tal factualidade seja considerada apurada tendo por base os depoimentos de E e F.
Na motivação da decisão, a tal propósito, consignou-se:
“Quanto à matéria de facto não provada, o Tribunal assim a considerou porquanto não foi feita prova suficiente”.
Interessa, pois, determinar se foi produzida prova que evidencie que o autor sempre que passa no local do acidente sofre de ataques de ansiedade.
Para o efeito, procedeu-se à audição integral do depoimento da testemunha E, que vive em união de facto com o autor há cerca de 20 anos. Referiu a depoente que, já após o acidente, o casal, juntamente com os filhos, mudou de casa, vindo a instalar-se precisamente na “(…) rua onde o A teve o acidente o que se revelou um grande problema (...) foi um acaso, gostámos da casa, os meus cunhados moram no 5 º andar (…) há um cruzamento nessa rua que nós fazemos várias vezes por dia porque íamos levar os miúdos à escola (…) esse cruzamento quando o A teve o acidente não tinha semáforos agora já tem (…) testemunhei efetivamente muitos ataques de stress, eu não digo pânico porque nem sei distinguir em termos técnicos (…) sobretudo aquele cruzamento era aflitivo porque ele entrava completamente em, podia ir levar miúdos à escola e agarrava-os a ver se vinha algum carro (…) tivemos alguns conflitos por causa disso porque normalmente era eu que ia a conduzir nessa altura ele deixou praticamente de conduzir (…) penso que o A acabou por conseguir não dizer nada (…) continha-se não me ofendia na minha condução (…). Continua a referir viste o carro? Vem ali um carro” – minutos 12.15 a 14.30.
Já do depoimento da testemunha F, irmão do autor, quando inquirido acerca das sequelas psicológicas que para ele resultaram do acidente, referiu que “ (…) conduzir com o meu irmão ao lado não é agradável (…), irrita-se fica nervoso (…) há um nervosismo, tem medo (…) entra em pânico (…) dantes diria que era uma pessoa normal, dentro de um carro ao volante ou ao lado, hoje diria que não é (…)” – minutos 5.30 a 7.15.
Ora, o depoimento da companheira do autor evidencia que, após o acidente em causa nos autos e até o cruzamento em causa ter sido dotado de semáforos, o autor manifestava alguma apreensão quando ali transitava, normalmente como acompanhante (dado que quase deixou de conduzir). No entanto, a depoente não concretizou quais os efeitos que o trânsito naquele local gerava no autor, aludindo que a situação lhe causava “stress”, reconhecendo não possuir condições técnicas para identificar tais efeitos. Já o irmão do autor, embora referindo que este passou a revelar-se intranquilo, ora como condutor, ora como mero acompanhante, não depôs sobre quais os efeitos concretos produzidos pelo trânsito no local do acidente.
Se em tese geral não se duvida duvide que a presença física em local onde ocorreu um acidente (que em regra será sempre um evento traumático para o sinistrado que dele guarda memória), possa gerar desconforto e apreensão, o certo é que a afirmação de que tal situação é geradora de ataques de ansiedade, sempre demandaria um juízo científico, que no caso dos autos, não se mostra efetuado. Efetivamente, do facto de ser negativo para o sinistrado “regressar” ao local do sinistro (o que no caso do autor deve ocorrer diariamente, dado que ali passou a residir), não pode retirar-se, de forma automática, que gere ataques de ansiedade, cujos sintomas e causas demandariam um juízo pericial que, in casu, não ocorreu, como se alcança da leitura integral do relatório pericial. Por fim, o facto de o autor ter ficado a padecer de stress pós-traumático também não permite afirmar, de forma objetiva e segura, que tal patologia se manifeste por ataques de ansiedade quando passa no local do acidente.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 662º, nº 1, CPC: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Tal significa que a decisão da matéria de facto apenas deve ser alterada se o Tribunal da Relação, depois de analisada a prova produzida, conclua, com segurança, pela existência de um erro de apreciação relativamente à factualidade objeto da impugnação – neste sentido, Acórdão da Relação do Porto de 21-06-2021[2].
Porém, não tendo ficado demonstrada a existência de qualquer erro na apreciação da prova pelo tribunal recorrido, forçosa é a conclusão de que o autor soçobrou na sua demonstração, cujo ónus lhe incumbia, nos termos do disposto no artigo 342º, nº 1, CC. Improcede, pois, a impugnação deduzida, mantendo-se como factualidade não apurada a enunciada na alínea C da decisão recorrida.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
São os seguintes os FACTOS PROVADOS a considerar:
1. No dia 06 de abril de 2015, na Rua (…), junto ao Hospital dos Lusíadas, em Lisboa, ocorreu o embate entre o motociclo com a matrícula 83- …-…, conduzido pelo Autor, e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 61- ……, conduzido por G.a.
2. O motociclo circulava na Rua (…), no sentido norte-sul, e o ligeiro circulava na Avenida (…), que cruz com a Rua (…), para seguir na Rua (…).
3. Antes do cruzamento com a Rua J (…), atento o sentido de marcha do ligeiro, existe sinalização vertical “STOP”.
4. Após efetuar mais de metade do cruzamento a seguir na Rua (…), o Autor é surpreendido pelo ligeiro, que não lhe cedeu a passagem.
5. Dando-se o embate entre a frente do ligeiro e a lateral esquerda do motociclo, tendo o Autor sido projetado para o asfalto.
6. O Autor foi assistido pelo INEM e transportado para o Hospital de Santa Maria, onde deu entrada no Serviço de Urgência, com escoriações, entorse cervical e traumatismo de ambos os tornozelos, ombro direito, coluna lombar e joelho esquerdo.
7. Fez exames, foi medicado e teve alta.
8. A condutora do veículo ligeiro de matrícula 61-…-… tinha, à data, transferido para a Ré a responsabilidade civil decorrente da circulação do mesmo, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº …17/0.
9. A Ré indemnizou o Autor pelos objetos danificados e pela “perda total” do motociclo em 27 de abril de 2015.
10. Dois dias depois, o Autor começou a sentir dores ao nível do ombro direito e tíbio társicas e marcou consulta de medicina interna e ortopedia no Centro Clínico SAMS.
11. Continuou a ser acompanhado por queixas álgicas ao nível do ombro direito e tíbio társicas.
12. Fez ecografia, que revelou “calcificação da coifa com marcada impotência pós-traumática”.
13. Avaliado pelos serviços clínicos da Ré, o Autor iniciou tratamento de medicina física de reabilitação.
14. Com consultas, medicamentos e tratamentos de fisioterapia nos SAMS, o Autor despendeu € 214,84.
15. O Autor pagou por uma consulta de avaliação de dano corporal € 120,00.
16. O Autor pagou € 7,65 com uma deslocação de táxi, no dia 8 de maio de 2015.
17. O Autor utilizava diariamente o motociclo para se fazer transportar do domicílio para o seu local de trabalho e vice-versa e em lazer, aos fins-de-semana.
18. O Autor é trabalhador dependente doH, S.A., com a categoria profissional de operador de informática.
19. Aufere uma retribuição mensal base de € 1.318,96, acrescida de diuturnidades no valor de € 122,40, subsídio de refeição no valor de € 4,76/dia, subsídio infantil no valor de € 25,07 e complemento de assistência a filho no valor de € 7,07.
20. Durante o período de 8 dias esteve com incapacidade total para o trabalho e não auferiu subsídio da Segurança Social.
21. No mês de maio de 2015, oH, S.A. descontou da sua remuneração o valor de € 384,40, por 8 dias de baixa.
22. Em consequência do acidente, o Autor ficou a sofrer de “perturbação de stress pós-traumático” e, ao nível do ombro direito “apresenta dor nos extremos das amplitudes de abdução e flexão anterior”, tendo-lhe sido atribuído um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 6 + 2 pontos (em 100).
23. Foi fixado ao Autor um grau de 3 em 7 no que respeita ao quantum doloris.
24. Foi fixado ao Autor um grau 1 em 7, no que respeita ao dano estético.
25. Fez tratamentos de fisiatria até julho de 2015.
26. O Autor continua a necessitar de acompanhamento psicológico e psicoterapêutico.
27. O Autor nasceu em 09/10/1977.
*
E são os seguintes os FACTOS NÃO PROVADOS:
a) entre abril e dezembro de 2015, o Autor deslocou-se em viatura particular, pelo menos, 35 vezes ao SAMS de Lisboa, percorrendo 20 Km de cada vez;
b) as sequelas implicam esforços acrescidos no exercício da sua atividade profissional;
c) sempre que passa no local do acidente tem ataques de ansiedade
*
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Compulsada a petição inicial e o requerimento de ampliação do pedido apresentado pelo autor, verificam-se que foram os seguintes os pedidos formulados:
- Montante líquido de € 214,84, relativo a despesas médicas suportadas pelo autor, designadamente consultas, medicamentos e tratamentos de recuperação (artigo 33º da petição inicial);
- Montante líquido de € 120,00, relativo a consulta de avaliação do dano corporal (artigo 34º da petição inicial);
- Montante líquido de € 7,65, relativo a deslocação de táxi (artigo 35º da petição inicial);
- Montante líquido de € 259,00 relativo a despesas por deslocações em veículo particular (artigo 36º da petição inicial);
- Montante líquido de € 315,00 relativo à privação de veículo (artigo 46º da petição inicial);
- Indemnização relativa à incapacidade parcial permanente de que o autor ficou afetado no valor de € 8.000,00 (artigo 56º da petição inicial), pedido este que ampliou para € 70.000,00 na sequência da elaboração do relatório pericial (artigo 11º do requerimento de ampliação do pedido);
- Indemnização de € 1.000,00 relativa a despesas decorrentes de tratamentos de psicologia, fisioterapia e medicação que o autor necessitará nos próximos 20 anos (artigo 57º da petição inicial);
- Indemnização de € 4.500,00, a título de danos não patrimoniais (artigo 80º da petição inicial);
O pedido líquido do autor, relativo a danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do sinistro para o autor, cifra-se, pois, no total de € 76.416,49.
A sentença recorrida atribuiu ao autor os seguintes valores/parcelas indemnizatórios:
- € 384,40 (período de 8 dias pelo qual não auferiu salário);
- € 315,00 (privação de uso da viatura);
- € 7,65 (transporte em serviço de táxi);
- € 214,84 (despesas em consultas e tratamento);
- € 1.000,00 (despesas médicas e medicamentosas futuras);
- € 32.800,00 (dano biológico na vertente não patrimonial e estético).
O autor reagiu a tal decisão, considerando que lhe deve ser arbitrado um montante indemnizatório a título do dano biológico, na vertente patrimonial, decorrente do acidente que, na sua perspetiva, não deve ser fixado em montante inferior a € 42.161,81 por si peticionado. Por outro lado, pugnou ainda pela condenação da ré no pagamento do montante indemnizatório de € 120,00, correspondente ao montante por si suportado em consulta de avaliação do dano corporal.
Já a ré, no recurso subordinado que interpôs, pugnou pela redução do montante indemnizatório fixado a título de dano biológico na sua vertente não patrimonial para € 20.000,00.
2. O direito indemnizatório que o autor invoca nos presentes autos fundamenta-se no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos culposos, prevista nos artigos 483º e ss do Código Civil.
Sendo complexa a causa de pedir nas ações que visam efetivar a responsabilidade civil por factos ilícitos, os seus pressupostos mostram-se consagrados no artigo 483º, nº 1, do CC, sendo constituídos por um facto, ilícito, subjetivamente imputável ao lesante (culpa), pelo dano, impondo-se ainda a afirmação de um nexo de causalidade entre o facto e o dano. Só a reunião destes elementos poderá, pois, constituir o lesante na obrigação de indemnizar o lesado.
Resultam dos factos assentes todos os elencados pressupostos para efetivação do direito indemnizatório invocado pelo autor tendo por base o regime da responsabilidade civil por factos ilícitos, que não foi impugnado pela ré, que, aliás, declarou aceitar a responsabilidade civil da sua segurada pela produção dos danos sofridos pelo autor.
A controvérsia radica, pois, no concreto montante do direito de crédito à indemnização a atribuir ao autor. Indemnização essa que será suportada pela ré, por funcionamento do contrato de seguro que havia celebrado com a responsável civil pelo acidente, estando assim a responsabilidade civil para si transferida – cfr. artigos 4º, 6º, 11º nº1, alínea a), 32º e 67º da Lei do seguro Obrigatório (Dl 291/2007, de 21 de agosto).
3. Haverá, assim, que determinar, nos termos expostos, quais os danos indemnizáveis, tendo presente a disciplina do artigo 566º CC, segundo a qual sempre que a reconstituição natural não seja possível (o que sucede in casu), o dano deve ser fixado em dinheiro, ponderando a diferença que existe entre a situação real do lesado e a que existiria se não tivesse ocorrido a lesão.
Este expediente indemnizatório apresenta como medida a diferença entre a situação real em que se encontra o património do lesado e a situação hipotética atual em que o mesmo se encontraria caso tal evento lesivo não tivesse ocorrido (teoria da diferença, consagrada legalmente no artigo 566º, nº 2, CC). E tal aferição deve reportar-se ao momento mais recente que puder ser atendido pelo tribunal.
4. Iniciando a análise dos pedidos do autor, (controvertidos em sede de recurso) pela vertente patrimonial, salienta-se que os mesmos se caraterizam pela sua suscetibilidade de avaliação pecuniária. E como tal devem considerar-se quer os prejuízos causados nos direitos ou bens do lesado à data da lesão - danos emergentes -, quer os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão - lucros cessantes, em consonância com o disposto no artigo 564º, nº1 CC.
A obrigação de indemnização que impende sobre o lesado tem como fim essencial, nos termos do artigo 562º, nº1 CC, a reconstituição da situação que existiria se o dano não se tivesse verificado.
Assim, no recurso interposto, o autor reagiu ao facto de não lhe ter sido atribuído qualquer montante pelo dano biológico para si decorrente do evento danoso, na sua vertente patrimonial.
Compulsada a sentença recorrida, verifica-se que, efetivamente, o dano biológico sofrido pelo autor apenas foi considerado na sua vertente não patrimonial.
Porém, tem vindo a considerar-se que a compensação a atribuir pelo dano biológico, quando interfere com a capacidade de ganho do lesado, não tem que ter uma relação direta com a sua atividade profissional, antes se configurando como um dano permanente e interferindo em todos os aspetos da vida do lesado e na sua qualidade de vida, podendo relevar por via dos danos patrimoniais ou não patrimoniais – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-02-2024[3]
A propósito do dano biológico, refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-10-2023[4]: “Com um enquadramento ou com outro, que seja classificado como dano patrimonial, que seja visto como dano não patrimonial, o dano biológico é em si ressarcível, como dano autónomo, mesmo quando não sejam verificadas consequências em termos de perda de capacidade aquisitiva”.
Consequentemente, ainda que não se tenha apurado que o défice funcional do autor se repercuta numa perda de capacidade de ganho, ou de ganho efetivo, pelo impacto que gera na sua condição física, exigindo-lhe um maior esforço nas suas atividades em geral, incluindo a profissional, constitui dano biológico com cariz patrimonial. Está, pois, em causa uma diminuição funcional e somática, com repercussão pessoal, dada a maior penosidade inerente ao desempenho das tarefas a que a autor se dedicava, o que, ainda que não gere uma imediata repercussão na remuneração, lhe determina limitações decorrentes da lesão “(…) in se e per se considerada da integridade física e da saúde, distinta tanto da perda económica àquela seguida (…)” – cfr. Ac STJ de 16/1/2024[5], AC STJ de 4/6/2015[6], Ac RC de 19/5/2015[7].
Recorrendo às palavras de Maria Graça Trigo, “o que importa, em nome do princípio da reparação integral dos danos, é assegurar que, diversamente do que sucedia no passado, se indemnizem as vítimas não apenas pela perda de capacidade laboral específica para a profissão exercida à data do evento lesivo, mas também pela perda de capacidade laboral geral que as afetará ao longo do resto da vida”. No mesmo sentido, defende-se no Acórdão do S.T.J. de 29-10-2019[8] que a “vertente patrimonial do dano biológico (…) tem a virtualidade de ressarcir não só (i) as perdas de rendimentos profissionais correspondentes à impossibilidade de exercício laboral e/ou económico-empresarial e as frustrações de proveitos existentes à data da lesão (ponderadas até um certo momento de vida ativa), mas também (ii) a privação de futuras oportunidades profissionais e o esforço acrescido de reconversão (enquanto determinado pela incapacidade resultante da lesão) para o exercício profissional (…) – num caso e noutro, danos patrimoniais futuros previsíveis, na variante de “lucros cessantes” (arts. 562º, 564º, 1 e 2, CCiv.)”.
Nesta hipótese, afigura-se beneficiar de fundamento o recurso do autor, justificando-se a fixação de uma indemnização pelo dano biológico que o evento lesivo lhe causou, na vertente patrimonial. Indemnização esta que deve ser fixada com recurso à equidade, nos termos do disposto no artigo 566º, nº 3, CC, sendo, de facto, esta a vertente fundamental para a atribuição da parcela indemnizatória ora em análise - cfr. Ac STJ de 10/4/2024[9].
Afigura-se, efetivamente, que na definição ou cálculo do quantum indemnizatório, o tribunal deve recorrer a juízos de equidade, nos termos do artigo 566º, nº 3, do Código Civil, podendo ponderar o disposto na Portaria nº 377/2008, de 26 de maio (alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25 de junho), mas sem qualquer força vinculativa, até porque esta é de aplicação extrajudicial. Neste sentido, observe-se o decidido no Acórdão do S.T.J. de 04-06-2015[10], segundo o qual “o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil. Os critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, (…) destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele”. Ainda neste sentido, cfr. o Acórdão do S.T.J. de 28-03-2023[11].
No mesmo sentido se pronunciou o mesmo Tribunal em Acórdão de 18-10-2018[12], aí se considerando que as tabelas supra-mencionadas apenas relevam no plano extra-judicial, podendo constituir critério orientado ou referencial para os tribunais, mas nunca vinculativo, aí se referindo: “No que ao dano biológico concerne, na medida em que o critério último, obrigatório e decisivo, é a equidade, tem, inclusive, a jurisprudência fixado, quase sem exceção, valores indemnizatórios excedentes aos que resultam da simples e automática aplicação desses referentes da dita Portaria”.
5. Defendeu o autor que lhe deveria ser atribuído o montante indemnizatório de € 42.161,81, a título de dano biológico na vertente patrimonial.
Tratando-se de dano decorrente da perda de capacidade de ganho, cremos que estamos perante um pedido de indemnização de danos patrimoniais futuros. Estes apenas serão devidos se forem previsíveis, isto é, o dano patrimonial futuro encontra-se limitado pela regra da previsibilidade.
O dano futuro traduz-se no prejuízo que o lesado ainda não sofreu no momento temporal que é considerado, ou seja, existindo já um ofendido, essa lesão ainda não se verifica.
Os danos futuros podem ser previsíveis ou imprevisíveis: o dano futuro é previsível quando se pode prognosticar ou prever a sua ocorrência; ao invés, quando o homem medianamente prudente e avisado não o prognostica, o dano será imprevisível, desconsiderando-se o juízo do timorato, como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 22-11-2022[13].
O dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente, o que significa que o eventual lesado apenas terá direito à indemnização após a ocorrência do dano.
O dano futuro previsível pode ser determinável ou indeterminável: será determinável quando puder ser fixado com precisão no seu montante. E será indeterminável quando não for possível a sua quantificação antes da sua verificação. Esta distinção respeita apenas à extensão do prejuízo e à sua expressão monetária, não se confundindo com a (im)previsibilidade.
Determinável ou indeterminável, o dano futuro previsível é sempre indemnizável: na decisão, deve fixar-se a indemnização do dano futuro previsível determinável e, se esse dano for indeterminável (na sua extensão), deverá remeter-se para momento ulterior a liquidação da indemnização (artigos 564º, nº 2, CC, e 609º, nº 2, CPC).
A este propósito, consideram-se os seguintes factos provados:
- O Autor é trabalhador dependente doH, S.A., com a categoria profissional de operador de informática:
- Aufere uma retribuição mensal base de € 1.318,96, acrescida de diuturnidades no valor de € 122,40, subsídio de refeição no valor de € 4,76/dia, subsídio infantil no valor de € 25,07 e complemento de assistência a filho no valor de € 7,07;
- Em consequência do acidente, o Autor ficou a sofrer de “perturbação de stress pós-traumático” e, ao nível do ombro direito “apresenta dor nos extremos das amplitudes de abdução e flexão anterior”, tendo-lhe sido atribuído um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 6 + 2 pontos (em 100);
- O Autor nasceu em 09/10/1977.
Da conjugação de todos estes dados factuais, cremos ser de afirmar a previsibilidade do dano futuro, na modalidade de maior penosidade com que o autor passará a executar as tarefas da sua vida diária, incluindo a profissional.
Estamos, pois, perante um dano futuro previsível, embora indeterminável em momento anterior à sua (futura e previsível) ocorrência. Daí que se revele forçoso lançar mão de juízos de equidade, como aliás efetuado na sentença recorrida – artigo 566º, nº 3, CC.
Deste modo, para determinar o quantum indemnizatório com recurso à equidade, serão considerados os seguintes fatores:
- Atualmente, a idade legal de reforma é de 66 anos e quatro meses, por aplicação da Portaria nº 292/2022, de 9 de dezembro;
- Revela-se, por isso, previsível que o autor, que atualmente tem 46 anos de idade, pretenda trabalhar até essa idade (e tenha do o fazer para se sustentar), durante 20 anos de vida ativa;
- Trabalhando, o autor auferiria pelo menos o valor da sua retribuição mensal de € 1.318,96, acrescida de diuturnidades no valor de € 122,40 (que integram a sua retribuição) – total de € 1.441,36.
Para além disso, não se deverá esquecer que o montante a fixar (sendo certo que se solicitou a entrega de um capital, e não de uma renda) constitui um adiantamento de determinadas quantias que só seriam recebidas pelo lesado em data posterior (ao longo de vários anos), pelo que a redução relacionada com tal benefício de antecipação de capital, visando evitar “(…) o seu enriquecimento indevido, só se justifica em termos moderados e apenas se a materialidade concreta que foi provada nos autos a justificar indubitavelmente” (neste sentido, cfr. os Acórdão do STJ de 06-03-2024[14], e do S.T.J. de 10-04-2024[15]). In casu, de forma a erradicar-se tal benefício (que seria ilegítimo), julgamos adequado reduzir o valor a obter em 10%, considerando a duração da antecipação do capital, e a possibilidade de o lesado rentabilizar o capital que agora receberá no enquadramento económico atual. Redução essa que não será superior dada a incapacidade do autor em progredir profissionalmente, em consequência dos danos sofridos no acidente.
Assim, conjugando todos os referidos fatores, realiza-se o seguinte cálculo:
- € (1318,96+€ 122,40) x 14 - € 20.179,04;
- € 20.179,04 x 8 % - € 1.614,32 (valor anual);
€ 1.614,32 x 20 anos – € 32.286,40;
€ 32.286,40 x 90% - € 29.057,76.
Feita uma análise a decisões jurisprudenciais proferidas em situações similares verifica-se que:
- No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-2020, proferido no processo 11/17.3T8MAC.G1.S1, a uma lesada de 62 anos de idade, com um défice funcional de 9,71 foi atribuída uma indemnização de € 32.000,00, a título de dano biológico na vertente patrimonial;
- No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-06-2020, proferido no processo 313/12.9TBMAI.P1.S1, a um lesado de 49 anos de idade, com um défice funcional de 12 pontos foi atribuída uma indemnização de € 32.000,00, a título de dano biológico na vertente patrimonial;
- No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2016, proferido no processo 37/13.0TBMTR.P1.S1, a um lesado de 43 anos de idade, com um défice funcional de 11 pontos foi atribuída uma indemnização de € 22.000,00, a título de dano biológico na vertente patrimonial;
- No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-10-2019, proferido no processo 3717/16.4T8STB.E1.S1, a um lesado de 35 anos de idade, com um défice funcional de 11 pontos foi atribuída uma indemnização de € 40.000,00, a título de dano biológico na vertente patrimonial;
- No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-05-2021, proferido no processo 1169/16.8T9AVR.P2.S1, a lesado de 49 anos de idade, com um défice funcional de 10 pontos foi atribuída uma indemnização de € 38.000,00, a título de dano biológico na vertente patrimonial;
Em face do exposto, ponderando as coordenadas do caso concreto, considera-se equitativa a atribuição ao autor de uma indemnização de € 30.000,00, a título de dano biológico, na sua vertente patrimonial.
Por conseguinte, o pedido do autor relativo à perda de capacidade de ganho (incapacidade permanente parcial ou dano biológico na vertente patrimonial) revela-se parcialmente procedente, devendo ser-lhe atribuída a mencionada quantia.
6. No que se reporta ao pedido de condenação dos € 120,00 relativos ao valor da consulta de avaliação do dano corporal a que o autor se submeteu, verifica-se que o facto em questão resultou apurado (enunciado sob o nº 15 dos factos provados).
Porém, na sentença recorrida considerou-se que:
“Refira-se, contudo, que o pagamento da consulta de avaliação de dano corporal (€ 120,00) não se mostra como uma despesa emergente do sinistro, no sentido em que não se mostra como necessária”.
Ora, divergindo do aí decidido, afigura-se que a submissão do autor a consulta de avaliação de dano corporal constitui um ato preparatório da ação indemnizatória a interpor, conferindo-lhe sustentação, quer a nível dos danos a alegar, quer dos montantes a peticionar. Efetivamente, nessa fase em que ainda não se mostrava elaborado relatório pericial, a avaliação do dano solicitada pelo autor não deixa de constituir um primeiro elemento que permite configurar e delimitar a disputa judicial. Por esse motivo, não se afigura que possa afirmar-se a sua desnecessidade e, consequentemente, considerar que não constitui despesa emergente do sinistro. Na realidade, se o acidente não tivesse ocorrido, ou se tivesse existido consenso em fase pré-judicial, o autor não teria suportado a referida despesa, que não deixa de constituir um prejuízo no seu património decorrente do evento lesivo.
Nesse aspeto, impõe-se a revogação da decisão recorrida, por forma a englobar nos danos patrimoniais o peticionado montante de € 120,00 relativo ao valor da consulta da avaliação do dano corporal a que o autor se submeteu.
7. Passando agora à análise do valor atribuído a título de indemnização por danos não patrimoniais, dado que a ré, no recurso subordinado que interpôs, o considerou excessivo, haverá que atender à disciplina contida no artigo 496º, nº 1, CC, segundo o qual: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. (…) 3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; (…)”.
Ora, analisandos os danos não patrimoniais sofridos pelo autor, descritos na factualidade provada e analisados na sentença recorrida, julgamos que assumem gravidade suficiente para merecerem tutela jurídica.
De facto, e evidenciando tal gravidade, apurou-se que o autor sofreu sequelas físicas e mentais e intelectuais, que o acompanharão pelo resto da sua vida, designadamente:
- O Autor ficou a sofrer de “perturbação de stress pós-traumático” e, ao nível do ombro direito “apresenta dor nos extremos das amplitudes de abdução e flexão anterior”, tendo-lhe sido atribuído um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 6 + 2 pontos (em 100);
- Apresenta dor ao nível do ombro, tendo-lhe sido fixada um quantum doloris de grau 3 numa escala de 7 valores;
- Foi-lhe fixada em grau 1 numa escala de 7, o dano estético;
- Continua a necessitar de acompanhamento psicológico e psicoterapêutico.
Tudo ponderado, seguindo os fatores acima indicados (novamente a equidade - cfr. artigos 496º, n.º 3, 1ª parte, e 494º, CC), e os padrões da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores (cfr., entre outros, os Acórdão do STJ de 6-12-2022[16] e de 04-07-2023[17]), julgamos razoável e equitativo atribuir o montante global de € 20.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor.
Revela-se, pois, procedente o recurso da ré quanto à redução da quantia indemnizatória fixada a título de danos não patrimoniais para o valor de € 20.000,00.
8. Aos montantes indemnizatórios fixados acrescerá o montante devido pelos juros moratórios, face ao pedido do autor nesse sentido.
Nos termos do artigo 805º, nº3, 2ª parte, CC, nos casos de responsabilidade baseada em facto ilícito (ou no risco), o devedor constitui-se em mora desde a citação, posto que ainda não esteja constituído em mora até esse momento. Assim sendo, visto não deixar de radicar em facto ilícito o pedido indemnizatório apresentado, natural é a constatação de que, in casu, são devidos juros de mora, à taxa de 4% ao ano, aplicável por força da Portaria n.º 263/99, de 8/4.
Porém, não deverá esquecer-se que parte da indemnização supra fixada se reporta a danos não patrimoniais, bem como a danos patrimoniais computados equitativamente (logo, por cálculo atualizado), o que sucede relativamente ao montante de € 30.000,00 atribuído a título de dano biológico na vertente patrimonial, de € 20.000,00 relativamente ao dano biológico na vertente não patrimonial e € 1.000,00 atribuído para compensação de despesas médicas e medicamentosas futuras. Assim, quanto a tais parcelas indemnizatórias, os juros serão contabilizados desde a presente decisão, com base em cálculo atualizado, e não desde a citação – cfr artigos citados e Ac. STJ nº 4/2002, de 5/6 que fixou jurisprudência obrigatória – DR I-A, de 27/6/2002.
Já relativamente aos danos patrimoniais de valor certo, no valor global de € 1.041,89 (valores indemnizatórios parcelares de € 384,40, € 315,00, € 7,65, € 214,84 e € 120,00) os juros serão calculados desde a citação. No demais mantém-se a decisão recorrida
As custas serão suportadas por autor e ré na proporção do decaimento – cfr. artigo 527º, CPC.
* III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 2ª secção cível:
Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo autor e procedente o recurso subordinado interposto pela ré e, em consequência, alterando parcialmente o decidido, condena-se a ré no pagamento ao autor do montante global de € 52.041,89 (cinquenta e dois mil, quarenta e um euros e oitenta e nove cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos à taxa legal, sobre a quantia de € 1.041,89 desde a citação, e sobre a quantia de € 51.000,00,00 desde a presente data, até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.
Custas por autor e ré, na proporção do decaimento – cfr. artigo 527º, CPC.
Lisboa, 26 de setembro de 2024
Rute Sobral
Higina Castelo
Susana Gonçalves
_______________________________________________________ [1] disponível em www.dgsi.pt [2] proferido no processo nº 2479/18.5T8VLG.P1, disponível em www.dgsi.pt [3] Proferido no processo nº 2012/19.1T8PNF.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt [4] Proferido no processo nº 1969/19.7T8PTM.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt [5] Proferido no processo 3527/18.4T8PBNF.P2.S1, disponível em www.dgsi.pt [6] Proferido no processo nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt. [7] Proferido no processo nº 87/09.0BCBR, C1, disponível em www.dgsi.pt. [8] Proferido no processo nº 683/11.6TBPDL.L1.S2 [9] Proferido no processo nº 987/21.0T8GRD.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt. [10] Proferido no processo nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt. [11] Proferido no processo nº 3410/20.3T8VNG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt. [12] Proferido no processo nº 3643/13.9TBSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt [13] Proferido no processo nº 10905/19.0T8SNT.L1-7, disponível em www.dgsi.pt. [14] Proferido no processo nº 13390/18.0T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt. [15] Proferido no processo nº 551/19.3T8AVPR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt. [16] Proferido no processo nº 2517/16.6T8AVR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt. [17] Proferido no processo nº 342/19.1T8PVZ.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.