ARTICULADO SUPERVENIENTE
DESPACHO LIMINAR
Sumário

(artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil):
Os articulados supervenientes estão sujeitos a despacho liminar do juiz, o qual pode ser: (i) de admissibilidade do articulado, e subsequente notificação da parte contrária para exercer o contraditório, ou (ii) de rejeição daquela peça processual, (a.) em razão dos factos nela alegados serem impertinentes ao desfecho da causa ou (b.) em virtude da apresentação de tal articulado se mostrar extemporânea por causa imputável a quem apresenta o mesmo que, assim, no contexto, podia e devia ter apresentado anteriormente tal articulado.

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.
RELATÓRIO.
A A., DICRATUR – IMOBILIÁRIA, LDA., intentou processo comum de declaração contra os RR., A e Herança de B, C e D, E, F, G, H, I, J, L, K e M.
A A. alegou, em síntese, que, na qualidade de promitente compradora, em 22.03.2020 celebrou com N, O e P, estes na qualidade de promitentes vendedores, um contrato promessa de compra e venda, relativamente a dois lotes de terreno e terreno anexo, sitos em …, pelo preço de 9.000.00$00, correspondente a €44.891,81, valor que a A. entregou aos promitentes vendedores.
Referiu também que os RR. sucederam aos promitentes vendedores, em razão do óbito destes, e que o contrato prometido não foi, entretanto, cumprido por culpa exclusiva dos RR., razão pela qual pretende que seja judicialmente declarado resolvido o contrato promessa em causa, com demais efeitos legais.
Nestes termos, a A. concluiu pedindo que os RR. sejam condenados a:
«a) Reconhecerem as respectivas qualidades de herdeiros e de legatários, respectivamente, dos falecidos promitentes vendedores;
b) A verem ser, pela presente acção, declarado resolvido com os fundamentos supra alegados o referido contrato promessa, e a, consequentemente, restituírem à Autora, na medida das suas responsabilidades sucessórias nos termos gerais de direito, o valor de 44.891,81€ (valor que a Autora pagou pelos prédios prometidos vender e comprar) acrescido do valor de €75.311,39€, (a título de indemnização a título de lucros cessantes, derivada do incumprimento definitivo daquele contrato, imputável aos promitentes vendedores) num total de 120.203,20€, valores estes sobre os quais incidem juros à taxa legal desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.
d) Subsidiariamente, caso se decida não assistir à Autora o direito a ser ressarcida pela violação do seu interesse contratual positivo, – o que só por hipótese meramente académica se admite – sempre à Autora assistirá, subsidiariamente, o direito de ver ser declarada a inexecução do contrato promessa em apreço, decorrente do respectivo incumprimento definitivo imputável, a título de culpa presumida nos termos do art.º 799.º do CC, aos promitentes-vendedores, pelo que, pelo menos sempre lhe assistirá o direito à reposição, pelos RR., do montante de 44.891,81€ que pagou no acto da outorga do contrato promessa, acrescido de juros que desde a data do contrato promessa perfazem o montante de €37.336,46, (à taxa legal de 7% desde 2000-03-22 até 2003-04-30 e de 4% desde 2003-05-01 até 2018-09-01) no montante total de €82.228,27, acrescido de juros vincendos até efectivo e completo pagamento».
O R. I apresentou contestação, arguindo a sua ilegitimidade e a dos RR. H, J, L, K e M.
Em 12.12.2018 os RR. A, C, E, F, e G contestaram e reconvieram.
A A. replicou, sendo que, entretanto, desistiu da instância quanto à R. M, tendo tal desistência sido homologada pelo Tribunal.
Por decisão de 26.11.2019 foi entendido que os autos aguardassem «o trânsito da decisão proferida no processo n.º 53/16.0T8GRD, uma vez que a referida causa constituiu causa prejudicial desta» (negrito da autoria dos aqui subscritores).
Em 30.10.2019 a A. foi juntou aos autos cópia da sentença proferida naquele processo n.º 53/16.0T8GRD, datada de 21.10.2019, disso dando conhecimento aos demais mandatários dos RR.
Em 28.01.2020 o Juízo Central Cível e Criminal da Guarda fez juntar aos autos cópia daquela sentença, com nota de trânsito de 11.12.2019, sendo que consta da mesma sentença, além do mais, que:
(i) A respetiva ação foi intentada por «Q e R (…) contra “S”, por si e na qualidade de herdeira e cabeça de casal da herança indivisa aberta por óbito de Joaquim Couto de Almeida Tavares»;
(ii)  A foi admitida como «oponente interveniente» e que «ocupou na causa a ação de Ré»;
(iii) Foi dado como provado que:
«27. Em vida de» de N e O, «estes prometeram vender o dito lote 15, conjuntamente com o contíguo lote 14, à firma DICRATUR, Ld.ª, nos termos do contrato promessa junto a fls. 367 e 368 e depois a fls. 619 e 620, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido»;
(iv) Da respetiva «motivação» consta que:
«A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica e conjugada das declarações e depoimento de parte, bem como da prova documental, pericial e testemunhal produzida nos autos, tendo em consideração as regras de experiência comum e os juízos de normalidade, coadjuvado pela inspeção judicial realizada ao local em causa, sempre prestimosa numa perceção concreta da realidade sub judice.
(…) Concretizando, foi desde logo decisiva para a decisão da matéria de facto a análise dos documentos e perícia juntos aos autos, em especial:
(…) - a cópia do contrato promessa de compra e venda datado de 22.03.2000, celebrado pelo primeiro contraente “Dicratur – Imobiliária, Lda.” e segundo e terceiros contraentes, respetivamente N e O casado com P (no ato representados pelo segundo contraente), no qual se consignou, entre o mais, que “os segundos e terceiros outorgantes, são donos e legítimos possuidor dos lotes de terrenos nºs. .. e .. e terreno anexo a estes, constantes do Alvará de Loteamento n.º .., datado de …, emitido pela Câmara Municipal de …, lotes que foram desanexados do prédio rústico inscrito na Matriz sob o n.º …, da Freguesia de …, Concelho de … e não inscrito na Conservatória do Registo Predial”, prometendo vender à primeira outorgante “os referidos lotes e anexo, livre de qualquer ónus ou encargo, nas condições do presente contrato, pelo preço de esc. 9.000.000$00”, aí consignando ainda que “o segundo e terceiro outorgantes, fazem desde já a entrega do referido imóvel à primeira outorgante, exercendo esta todos os seus direitos de dona e legítima possuidora sobre o referido imóvel…”; sendo que o mesmo apenas se mostra assinado por N, cfr. fls. 367 e 368, sendo de sublinhar que este documento é novamente junto a fls. 619 e 620, desta feita assinado por todos os intervenientes, com a assinatura reconhecida de N, sendo acompanhado da procuração datada de 2.08.1999, de O que constituiu o referido N como seu procurador para a assinatura daquele contrato, a fls. 621 (autenticada a 3.08.1999 como se alcança do verso daquele documento);
(…)
Como acabamos de referir, o relatório pericial relevou, em particular, quando conjugado com a demais prova documental e as declarações e os depoimentos produzidos pelas testemunhas.
Vejamos então a prova produzida em audiência (…).
Assim, foi ainda considerado o depoimento de T, nascido a ..-..-1956; casado; construtor civil; residente em … (onde viveu sempre à exceção do serviço militar), o qual aos costumes disse conhecer Autores e Opoente, esclarecendo ser gerente da Dicratur, a qual tem uma ação contra a Opoente e que teve uma relação profissional com o marido desta, tendo celebrado um contrato promessa com o N e o O.
Precisando que a relação que teve com o marido da D.ª A se deveu a uns arranjos na casa das obras (que terminaram pouco antes de 2000), mais adiante referiu que o contrato promessa em que participou resultou precisamente de uma forma de pagamento desses serviços assim proposta pelo arquiteto N, o qual não tinha dinheiro para lhes pagar as obras que fizeram (tendo depois explicitado o sucedido com um cheque de €9.000,00 e concluído que utilizaram os prédios como dação em pagamento, mas que depois ficaram sem os ditos prédios aqui em causa).
No que aos temas da prova diretamente respeita disse que como gerente da Dicratur celebrou um contrato promessa com o O e com o N (embora depois tenha especificado que apenas o arquiteto N assinou tal documento) que visava a aquisição dos lotes 14 e 15 e logradouro referidos nos autos, derivado da sobredita dívida, o que não se veio a concretizar, pelo que tem uma ação judicial contra a Opoente, entre outros, por perda de interesse no negócio do contrato prometido.
(…) Assegurando nada ter alguma vez tratado ou conversado nesta matéria com a anterior testemunha (e assim contrariando frontalmente o depoimento daquela), mas apenas com o pai, reiterou que foi o arquiteto N quem, no fim das obras que lhe fizeram, lhes disse que não tinha hipótese de lhes pagar e propôs então o negócio dos lotes, que a Dicratur não sabia já estarem vendidos.
Ainda quanto à intervenção pontual da anterior testemunha, referiu que o G não intervinha nos negócios, só falavam de outras coisas, até porque ele não se metia nas obras, sendo que apenas começou a falar mais com ele quando colocaram em causa a propriedade dos prédios, ao que o mesmo apenas respondia que aquilo era do pai e do tio.
(…) Instado mais adiante sobre a situação destes terrenos referiu que no contrato promessa os dois lotes estarão na matriz 1843 sendo que tentaram na Conservatória fazer os registos mas não conseguiram, desconhecendo a passagem para o artigo 802º da matriz, salientando que o grande busílis da questão resultou de quando o arquiteto faz o loteamento, não o ter registado, aduzindo que o arquiteto é que lhe falou em loteamento.
A testemunha referiu ainda que pouco depois de ter celebrado o referido contrato promessa o Autor lhe diz pessoalmente, num café, que tinha de ter cuidado porque aquele espaço era dele, tendo igualmente lhe falado nas águas e no prédio, o que o levou a falar com o arquiteto, o qual insistiu que os terrenos eram dele, sendo que mais tarde o filho veio dizer a mesma coisa.
(…)
Com particular relevância para o caso vertente, a testemunha afirmou que apesar de no contrato promessa se dizer que ficaram com a posse dos imóveis, nunca a exerceram, assim como nunca registaram os prédios.
Ora, são os próprios promitentes compradores, a quem o marido da Opoente declarou prometer vender os terrenos em causa e lhes conferir a sua posse naquela data, quem assegura que nunca o fizeram, exceção feita à tapagem da mina, que dizem ali ter sido feita pelo Autor (mas que está cabalmente demonstrado que ali já existia há décadas).
Tal situação, declarada no contrato promessa, não deixa de ser algo contraditória com as ações que a Opoente reclama ter realizado no articulado que juntou a esta ação pré-existente (cfr. desde logo o vertido no artigo 18º da oposição).
Por último, menor razão de ciência revelou U, nascido a ..-..-1950; casado; serralheiro civil; residente na Rua …, …; que aos costumes disse que o Autor é seu médico de família, esclarecendo que é sócio gerente da Dicratur e que deixou de ter interesse no prédio em causa nos autos.
Também esta testemunha, ressalvando, todavia, que a sua área de intervenção na empresa não são as obras, explicou que estes prédios foram dados como pagamento de trabalhos que fizeram para o arquiteto N, sendo a anterior testemunha, que trata dos negócios, quem o poderia esclarecer melhor pois não tem um conhecimento exato dessa matéria.
Com efeito, a testemunha refere não saber o que foi feito para além de um contrato promessa de compra de um lote ao referido arquiteto, lote esse que nem sabe onde fica…
Em síntese, a testemunha só assegurou saber que fizeram obra e no mais apenas sabe o que o sócio lhe disse sobre este contrato, sendo que aquilo esteve muito tempo parado e nunca fizeram escritura porque faltariam documentos.
(…) Compreendendo-se a posição dos herdeiros de N e O e a existência de uma ação intentada pela Dicratur visando o seu ressarcimento em virtude do incumprimento do contrato promessa referido em 27., certo é que da análise dos meios probatórios mobilizados nos autos resulta a nosso ver demonstrada a factualidade acima dada como provada e não o trazido aos autos pela Opente.
(…)»
As partes representadas por Advogado foram notificadas daquela sentença e do respetivo trânsito por notificação expedida pelo Tribunal em 30.01.2020.
Por despacho de 16.07.2020, notificado às partes patrocinadas por Advogado por notificação expedida pelo Tribunal em 17.07.2020, foi dispensada a audiência prévia, julgados os RR. parte legítima, admitida a reconvenção, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Em razão do óbito da R. A procedeu-se à respetiva habitação (Apenso A), o mesmo tendo ocorrido na sequência do óbito do R. K e do R. D.   
Em 23.09.2022 foi designada audiência final para 03.02 seguinte.
As partes representadas por Advogado foram notificadas de tal por notificação expedida pelo Tribunal em 23.09.2022.
Em 02.02.2023 os RR. C e D vieram apresentar articulado superveniente.
Alegaram, em suma, que em 27.01.2023 tomaram conhecimento das declarações prestadas pelos gerentes da A. no referido processo n.º 53/16.0T8GDR e delas concluíram que o contrato promessa em causa foi «simulado», tendo, assim, a A. dolosamente alterado e omitido factos relevantes à boa decisão da causa, termos em que concluíram pedindo que fosse admitido o articulado superveniente, se procedesse à alteração dos temas da prova e a A. fosse condenada como litigante de má-fé.      
Em 20.03.2024 o Juízo Central Cível de Cascais proferiu decisão do seguinte teor:
«Ao abrigo do disposto no art.º 588.º, n.ºs 1, 3, al. c), e 4, do CPC, atenta a matéria alegada como conhecida supervenientemente corresponder a factos susceptíveis de serem impeditivos ou modificativos da pretensão formulada, admito liminarmente o articulado superveniente apresentado pelos réus C e D em 02-02-2023.
Notifique, sendo a parte contrária para responder, no prazo de 10 dias, nos termos do art.º 588.º, n.º 4, segunda parte, do CPC».
Inconformada com aquela decisão, dela recorreu a A., tendo apresentado as seguintes conclusões:
«A) O presente recurso vem interposto do douto Despacho datado de 20-03-2024 (Refª. 149894967) que admitiu liminarmente o articulado superveniente oferecido aos autos pelos réus/recorridos C e D, Despacho esse com o qual a aqui recorrente, salvo o devido respeito, não se conforma pelas razões que se passam a alegar.
B) A Autora, aqui recorrente, juntou aos autos, em 30-10-2019 a douta sentença proferida no Processo Comum n.º 53/16.0T8GRD, Juízo Central Cível e Criminal - Juiz 4, Ref.ª 15700313, tendo essa junção sido notificada aos Ilustres Mandatários dos Réus conforme consta do formulário do requerimento citius através do qual tal requerimento foi submetido ao Tribunal.
C) Em 28-01-2020 foi junto aos autos o ofício do Tribunal Judicial da Guarda com a Informação de que “(…) na Ação de Processo Comum, 53/16.0T8GRD foi proferida sentença, tendo a mesma transitado em julgado em 12-12-2019, enviando-se cópia da mesma” Ref.ª 16252054.
D) Em 09-03-2020 foi proferido douto Despacho no qual foi doutamente determinada a notificação das partes para que: “(…)- informem se concordam com a dispensa de realização de audiência prévia; - dão por reproduzidos os argumentos que já expenderam nos articulados existentes nos autos no que toca às questões “supra” referidas; - ou têm algo mais a acrescentar sobre os assuntos em causa, podendo fazê-lo, por escrito, no pressuposto que dispensam a audiência prévia. Notifique. Ref.ª 124260514. (…)”, mas os Réus subscritores do articulado superveniente nada disseram, designadamente quanto à douta sentença já junta aos autos.
E) Em 19-06-2020 foi proferido Douto Despacho de Dispensa de Audiência prévia e Despacho Saneador, Ref 125488929 e em 17-07-2020 foi enviada notificação do despacho saneador ao Ilustre mandatário dos Réus C e D, Senhor Dr. V, (Ref.ª citius 126042460)
F) Em 23-09-2022 foi feita a notificação da data de julgamento ao Ilustre mandatário dos Réus C e D, Senhor Dr. V, Ref.ª citius 139688496.
G) Em 02-02-2023 foi junto aos autos requerimento com articulado superveniente dos Réus C e D, (Ref.ª citius 44602128).
H) No art.º 4.º do articulado superveniente a que ora se responde é alegado que:
“4. Os mandatários dos aqui Réus, ao preparem o processo para a audiência de julgamento de dia 03.02.2023, verificaram que na sentença junta aos presentes autos de 07.10.2019 no âmbito do processo, que com o n.º 53/16.0T8GRD, correu seus termos no Juízo Cível e Criminal da Guarda – J3, em que esse tribunal entendeu:
“Assim, foi ainda considerado o depoimento de T, (…) o qual aos costumes disse conhecer Autores e Opoente, esclarecendo ser gerente da Dicratur, a qual tem uma ação contra a Opoente e que teve uma relação profissional com o marido desta, tendo celebrado um contrato promessa com o N e o O. Precisando que a relação que teve com o marido da D.ª A se deveu a uns arranjos na casa das obras (que terminaram pouco antes de 2000), mais adiante referiu que o contrato promessa em que participou resultou precisamente de uma forma de pagamento desses serviços assim proposta pelo arquiteto N, o qual não tinha dinheiro para lhes pagar as obras que fizeram (tendo depois explicitado o sucedido com um cheque de €9.000,00 e concluído que utilizaram os prédios como dação em pagamento, mas que depois ficaram sem os ditos prédios aqui em causa).”
I) No articulado superveniente é referido:
“8. Ao ler a citada sentença estranharam os Réus o que parecia ser uma confissão do sócio gerente da aqui Autora de que não haveria nenhuma promessa de compra e venda, não havia sido pago qualquer preço, mas haveria uma eventual dação em pagamento.
9. Com isto, os Réus encetaram diligências por forma a conseguir ouvir as gravações da audiência de julgamento, tendo pedido a colaboração do mandatário dos co-Réus por questões geográficas, para que agilizasse o pedido das gravações junto do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, Juízo Central Cível e Criminal da Guarda – Juiz 3.
10. Foi assim que o co-Réu G, que reside em …, se disponibilizou a proceder ao levantamento das gravações. – cfr. requerimento junto como Doc. 2 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
11. Termos em que os aqui Réus apenas tiveram conhecimento do conteúdo das declarações prestadas pelos gerentes da Autora, através da gravação das mesmas, no dia 27.01.2023 – cfr. Doc. 3 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.”
J) Os Réus, requerentes no articulado superveniente, conheceram a sentença proferida naquela ação desde que a mesma foi junta aos presentes autos 30-10-2019 e, por isso, desde essa data, tiveram conhecimento da mesma e respetivo teor, pelo que se os Réus, requerentes no articulado superveniente, só tiveram conhecimento do conteúdo das declarações prestadas pelos gerentes da Autora, através da gravação das mesmas, no dia 27.01.2023 – sibi imputat -.
K) O que é perfeitamente inadmissível é que, depois, de a sentença ter sido junta aos autos em 30-10-2019, venham os Réus dizer que só no dia 27.01.2023 tiveram conhecimento do conteúdo das declarações prestadas pelos gerentes da Autora, através da gravação das mesmas.
L) Ou seja, os Réus requerentes no articulado superveniente pretendem convencer o Tribunal e as demais partes que só passados 3 anos e 3 meses da sentença ter sido junta aos autos é que tiveram conhecimento das gravações dos depoimentos referidos naquela sentença.
M) A verdade é que se os Réus só conheceram essas gravações em 27.01.2023 foi porque não as quiseram obter antes, para o que dispuseram de 3 anos e três meses (30-10-2019 a 27-01-2023).
N) Mais: à data em que a sentença em causa foi junta aos autos era mandatário, nos presentes autos, da Ré C, o Senhor Dr. W, sendo certo que este Distinto Causídico teve intervenção, enquanto mandatário, na Ação de Processo Comum, 53/16.0T8GRD, como resulta das gravações juntas, pelo que, junta a sentença daquela ação aos presentes autos, não podiam os Réus ter deixado de conhecer o conteúdo das gravações dos gerentes da aqui Autora.
O) Acresce que, em 09-03-2020, foi notificado à, em 27-01-2020, substabelecida, Ilustre Mandatária dos Réus, requerentes do articulado superveniente, o douto despacho de 09- 03-2020, no qual as partes foram notificadas para que: “- informem se concordam com a dispensa de realização de audiência prévia; - dão por reproduzidos os argumentos que já expenderam nos articulados existentes nos autos no que toca às questões “supra” referidas; - ou têm algo mais a acrescentar sobre os assuntos em causa, podendo fazê-lo, por escrito, no pressuposto que dispensam a audiência prévia.”
P) Nesta data já a douta sentença da Ação de Processo Comum, 53/16.0T8GRD estava junta aos autos desde 30-10-2019 e os Réus nada disseram sobre a mesma.
Q) Posteriormente, no dia 13-03-2020 foi junto aos autos Substabelecimento, sem reserva, da Senhora Dr.ª Y, para Senhor Dr. V, dos poderes que lhe foram conferidos por C.
R) Com data de 23-09-2022 o lustre Mandatário dos Réus, requerentes do articulado superveniente, Senhor Dr. V foi notificado da designação da data para julgamento (03.02.2023), Ref.ª citius 139688496.
S) Não obstante, o articulado superveniente só foi trazido aos autos mais de 4 meses depois da designação de data para julgamento e na véspera desta data, ou seja, em 02-02-2023.
T) Perante o que se deixa alegado, tem de concluir-se que deve ser rejeitado o articulado superveniente, dado que fica, inequivocamente, demonstrado que o mesmo nem é superveniente e, ainda que o fosse, não cumpre com o prazo, para ser oferecido, previsto no n.º 3 al. b) do art.º 588.º do CPCivil, pelo que é extemporâneo e deve ser rejeitado.
U) Consequentemente, deve ser revogado o douto Despacho recorrido que admitiu liminarmente o articulado superveniente, devendo ser substituído por outro que não admita e rejeite o articulado superveniente por a oferta do mesmo ser extemporânea, violando o disposto no art.º 588.º n.º 2 al. b) do CPCivil.
V) O douto despacho recorrido viola o disposto no art.º 588.º n.º 2 al. b) do CPCivil.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso.
Assim se fará Justiça».
A R. C, aqui Recorrida, contra-alegou, referindo que o recurso deve ser rejeitado, por as conclusões repetirem a motivação do recurso, sustentando ainda a manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pelo A./Recorrente, não havendo questões de conhecimento oficioso a dilucidar, nos presentes autos está em causa tão-só apreciar e decidir da admissibilidade liminar do intitulado articulado superveniente em razão da sua (in)tempestividade.
Embora a Recorrida tenha sustentado a rejeição do recurso, por as respetivas conclusões repetirem a motivação do mesmo, e tal corresponda no essencial ao que decorre daquela peça processual, entende-se tal situação como um caso de prolixidade das conclusões, integrante das denominadas conclusões «complexas», conforme artigo 639.º, n.º 3, do CPCivil, a justificar, pois, convite de aperfeiçoamento, o qual, contudo, no caso se afigura de dispensar, atenta a manifesta simplicidade do objeto do recurso e o dever de gestão processual que importa salvaguardar, designadamente nas suas vertentes de adoção de «mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável» e o princípio da limitação dos atos, conforme artigos 6.º, n.º 1, e 130.º do CPCivil.   
Assim.
III.
A factualidade a considerar na presente decisão é a que consta do relatório supra que a aqui se dá por integralmente reproduzida.
IV.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Em causa está a admissibilidade liminar de articulado superveniente.
Os termos em que são admitidos os articulados supervenientes estão consignados no artigo 588.º do CPCivil.
De acordo com os n.ºs 1 e 3 daquele preceito legal, o articulado superveniente pode ser apresentado «até ao encerramento da discussão», podendo sê-lo na audiência final caso não tenha havido audiência prévia e a factualidade em causa tenha ocorrido «nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final» ou a parte só então tenha conhecimento de tal factualidade, superveniência objetiva e superveniente, respetivamente.    
Por outro lado, segundo o disposto artigo 588.º, n.º 4, do CPCivil, no que ora releva, «[o] juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias (…)».
Ou seja, nos termos do indicado normativo, os articulados supervenientes estão sujeitos a despacho liminar do juiz, o qual pode ser: (i) de admissibilidade do articulado, e subsequente notificação da parte contrária para exercer o contraditório, ou (ii) de rejeição daquela peça processual, (a.) em razão dos factos nela alegados serem impertinentes ao desfecho da causa ou (b.) em virtude da apresentação de tal articulado se mostrar extemporânea por causa imputável a quem apresenta o mesmo que, assim, no contexto, podia e devia ter apresentado anteriormente tal articulado .
A relevância da superveniência subjetiva em sede de admissibilidade do articulado superveniente depende do facto do conhecimento superveniente não ser imputável àquele que apresenta tal articulado.
Como referem Castro Mendes e Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, volume II, edição de 2022, página 78, «o articulado é apresentado fora de prazo se a parte desconhecia, com culpa própria, o facto; quer dizer: a culpa da parte refere-se ao não conhecimento atempado do facto, não à apresentação tardia do articulado».
Na situação vertente.
A Recorrente alega que o articulado superveniente devia ter sido liminarmente rejeitado por extemporaneidade, questão exclusiva do presente recurso
Ora, conforme decorre do relatório deste acórdão, in casu não houve lugar a audiência prévia e o articulado superveniente foi apresentado em data que o respetivo apresentante sabia do dia designada para julgamento há mais de 10 dias, respeitando tal articulado a factualidade ocorrida anos antes, de todo o modo em data posterior à apresentação da contestação/reconvenção.
A factualidade constante do articulado superveniente de 02.02.2023, anterior à data inicialmente designada para julgamento, 03.03.2023, só foi alegadamente conhecida pelos RR. em 27.01.2023, quando os mesmos procederam à audição do julgamento realizado no indicado processo n.º 53/16.0T8GRD, inexistindo razões para isso desatender, sendo que o conhecimento só então da factualidade em causa no articulado superveniente não resulta de culpa dos RR.
Embora eles soubessem já há mais de três anos da sentença proferida no referido processo n.º 53/16.0T8GDR e nesta se aludisse ao contrato processo em causa e ao depoimento das testemunhas T e de U, gerentes da A., ora Recorrente, conforme relatório deste acórdão, o certo é que a factualidade constante do articulado superveniente, designadamente a alegada simulação do contrato promessa em causa nos termos aí constantes e a alegada má-fé da A., aqui Recorrente, não decorre por si só da sentença proferida no referido processo n.º 53/16.0T8GRD, sendo suscetível de equacionar-se tão-só a partir da audição do julgamento ocorrido naquele processo, a qual não era exigível que fosse realizada sem mais a partir daquela sentença.
A alegada circunstância do Ilustre Mandatário da R. C ter tido intervenção no referido processo n.º 53/16.0T8GRD e, pois, saber do que aí terá ocorrido, é absolutamente irrelevante in casu quer por aquela R. não ter sido parte naqueles autos, quer por aquele Ilustre Causídico não ser parte nos autos principais a que se refere o presente Apenso, cumprindo não confundir representante e representado.
Neste contexto, conclui-se que a apresentação do articulado superveniente sub judice refere-se a factualidade cujo desconhecimento pelos RR. C e D em data alegadamente anterior a 27.01.2023 não decorre de culpa daqueles, pelo que o articulado superveniente apresentado revela-se tempestivo, devendo ser liminarmente admitido, conforme decisão recorrida
Em suma, improcede o recurso da A./Recorrente.
*
Quanto às custas do recurso.
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, «[a] decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu improcede o recurso, pelo que sendo a A./Recorrente parte vencida no recurso, as custas deste serão integralmente suportados por aquela.
V.
DECISÃO.  
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso da R., pelo que mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
As custas do recurso serão suportadas pela A./Recorrente.

Lisboa, 26 de setembro de 2024
Paulo Fernandes da Silva
Orlando Nascimento
Susana Mesquita