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DECLARAÇÃO
INTERPRETAÇÃO
TEORIA DE IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
Sumário
1- Sempre que a declaração de vontade tenha sido reduzida a escrito, o caminho interpretativo da mesma começa pelo apuramento de uma vontade comum do declarante e do declaratário e pela verificação de que essa vontade comum tem correspondência com o carácter literal da declaração reduzida a escrito. 2- Caso se apure a falta dessa correspondência, o sentido da declaração deve ser reconduzido à vontade comum divergente que haja ficado apurada, mas tão só na medida de uma divergência que se apresente suficientemente objectivada. 3- Na falta de objectivação dessa vontade comum divergente, deve seguir-se a teoria da impressão do destinatário que emerge do art.º 236º do Código Civil, devendo a declaração de vontade reduzida a escrito ser interpretada com o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e que encontre um mínimo de correspondência com o texto da mesma, ainda que imperfeitamente expresso. (Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
I.P. (A.) apresentou procedimento especial de despejo contra J.G. (R.), pedindo a emissão de título para desocupação do locado com fundamento na cessação do contrato de arrendamento celebrado com o R. e invocando que o mesmo foi celebrado pelo prazo de duração inicial de cinco anos, renovável por iguais e sucessivos períodos, que se iniciou em 1/4/2013, e que cessou em 31/3/2023, por oposição à renovação.
Notificado o R., apresentou oposição onde invoca, em síntese, a extemporaneidade da oposição à renovação, a ineficácia da comunicação da oposição, e que o locado é a sua casa de morada de família.
Tendo os autos sido distribuídos como acção especial de despejo, a convite do tribunal a A. requereu a intervenção principal provocada de M.W., a qual foi admitida, e assim ficando suprida a preterição de litisconsórcio necessário activo decorrente da circunstância de o mesmo figurar no contrato de arrendamento com a qualidade de senhorio, a par da A.
Citado o interveniente principal, nada disse nem constituiu mandatário.
Após ter sido facultada às partes a discussão do mérito da causa foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Face ao exposto, julgo improcedente o presente procedimento especial de despejo e, consequentemente, absolvo o requerido do pedido”.
A A. recorre desta sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
a) Procedendo a senhoria à comunicação ao inquilino da sua vontade extinguir o contrato de arrendamento e respondendo este, corrigindo a data em que a oposição produz efeitos, flui claramente da resposta ter o inquilino, de forma inequívoca, percebido a intenção real de o contrato de arrendamento não ser renovado no termo do prazo;
b) E se, recuperada, por remissão, a intenção antes manifestada, o inquilino reconhece que a antecedência legal (ainda que por excesso) imposta para a comunicação foi verificada, preenchida se mostra a previsão do art.º 1097, nº 1, em caso, al. b) do Cod. Civil, sendo a oposição à renovação tempestiva;
c) Da mesma forma que deve assim ser entendida, atento, desde logo, o disposto no art.º 236º, nº 1, do Cod. Civil, a comunicação feita pela recorrente ao recorrido que, em resposta, diz que apenas aceita a oposição para uma data futura;
d) Só aquele que tem disponibilidade titulada sobre a posse do imóvel pode, legitimamente, locar o mesmo a terceiros (art.º 1022º do Cod. Civil), não sendo exigível de alguém que não tem tal legitimidade a sua intervenção para os fins do art.º 11º do NRAU;
e) A sentença recorrida, salvo melhor opinião, viola os comandos legais assinalados nas presentes conclusões de recurso.
O R. apresentou alegação de resposta, aí suscitando a questão prévia da extemporaneidade do recurso e mais pugnando pela improcedência do mesmo.
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Relativamente à questão prévia da extemporaneidade do recurso, é certo que a A. interpôs o mesmo em 22/5/2024, terceiro dia útil após o termo do prazo de quinze dias (17/5/2024) de que dispunha para tanto.
Mas estando demonstrado que a A. efectuou o pagamento da multa a que respeita o art.º 139º, nºs 5 e 6, do Código de Processo Civil, tem-se o recurso por validamente apresentado, não operando o efeito preclusivo da ultrapassagem do prazo em questão.
E, nessa medida, deixa de se poder afirmar a extemporaneidade do recurso, nos termos pretendidos pelo R.
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No mais, e sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, prendem-se com:
· A eficácia da comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento;
· A pluralidade de senhorios.
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Na sentença recorrida considerou-se provada a seguinte factualidade (corrigem‑se as referências processuais e os erros manifestos de escrita):
1. Por escrito datado de 30.04.2013, denominado “Contrato de Arrendamento”, a A. e o interveniente principal, na qualidade de primeiros outorgantes, senhorios, e o R., na qualidade de segundo outorgante, inquilino, acordaram que “o primeiro outorgante dá arrendamento ao segundo outorgante, que por sua vez, tomam de arrendamento” a fracção autónoma designada pela letra B (…).
2. Consta do referido documento “Cláusula Primeira: O prazo de arrendamento é de 5 anos e tem o seu início em 1 de Abril de 2013, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos iguais, e nas mesmas condições, enquanto, por qualquer das partes, não for denunciado com antecipação legal”.
3. Em 29.12.2020, a A. enviou ao R. um documento do qual consta “Assunto: Denúncia do contrato de arrendamento. Exmo. Senhor, J.G., Venho por este meio comunicar-lhe, respeitando a antecedência prevista na lei de 240 dias, que pretendo denunciar o contrato de arrendamento firmado no dia 01 de Abril de 2013, com efeitos a partir de 30 de Agosto de 2021 (...).”
4. Por documento datado de 24.01.2021, o R. comunicou à A. o seguinte “Exma. Senhora, Dona I.P. Venho por este meio informá-la que tenciono cumprir o contrato que está em vigor até 2023 (...)”
5. Por escrito datado de 09.01.2023, a A. enviou ao R. outro documento do qual consta “Assunto: Denúncia do contrato de arrendamento. Exmo. Senhor, J.G., Venho por este meio comunicar-lhe, conforme carta enviada a 25 de Dezembro 2020 informando legalmente a denúncia do contrato de arrendamento firmado no dia 01 de Abril de 2013, com efeitos a partir de 31 de Março de 2023, conforme resposta sua a 24 de Janeiro de 2021. (...)”
6. Em documento datado de 16.01.2023, endereçado pelo R. à A., consta “Exma. Senhora, I.P. Venho por este meio responder à sua carta que me foi enviada no dia 9 de Janeiro de 2023, cujo assunto era: “Denúncia do contrato de arrendamento”. Embora tenha respeitado o período de aviso prévio, que são 240 dias, o motivo da denúncia do nosso contrato não é justificativo ao fundamento legal admissível para que esta denúncia produza efeitos.”
7. Por escrito datado de 24.01.2023, endereçado pela A. ao R., consta “Assunto: Denúncia do contrato de arrendamento Exmo. Senhor, J.G, Venho por este meio responder-lhe sobre as informações por si enviadas na sua carta datada de 16 de Janeiro 2023:
· A Dezembro de 2020 foi enviada legalmente uma denúncia do contrato celebrado a 13 de Abril de 2013, uma carta da qual vossa Exas respondeu a 24 de Janeiro de 2021 pretender cumprir o contrato até o seu termino em 2023 uma das suas opções devido a situação pandémica. Não havendo acordo e uma vez reagirmo-nos pela lei devido a situação pandémica fui obrigada a aceitar e aguardar o termino do contrato já denunciado.(...)
· Conforme falado pessoalmente com a sua esposa aquando da avaliação feita pelo banco Montepio Geral em Setembro de 2021 V. exas. não pretendiam adquiri o imóvel (...).
· Como sou honesta e de boa – fé quis informar aos Senhores a razão da venda do imóvel (...).
8.O R. não desocupou a fracção autónoma identificada em 1. no dia 31.03.2023.
9.O R. é divorciado e reside no locado com a sua companheira e uma filha.
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Quanto à questão da comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento, na sentença recorrida ficou assim sustentada a ineficácia da comunicação efectuada pela A. em 29/12/2020:
“Considerando que o contrato de arrendamento objecto dos presentes autos foi celebrado pelo prazo de 5 anos, renovável por iguais períodos, tem por se concluir que a comunicação ao Réu teria de ser feita com a antecedência mínima de 120 dias. Ora, uma vez que o contrato de arrendamento se iniciou em 01.04.2013, vigorando por um prazo de 5 anos, renovando em 01.04.2018 por igual período até 31.03.2023, a oposição à renovação deveria ter sido efectuada em momento anterior a 31.12.2022. Atendendo aos factos provados, verifica-se que a Autora enviou uma carta ao Réu em 29.12.2020, comunicando que “respeitando a antecedência prevista na lei de 240 dias, que pretendo denunciar o contrato de arrendamento firmado no dia 01 de Abril de 2013, com efeitos a partir de 30 de Agosto de 2021”. Pretende a Autora, que tal comunicação seja considerada válida para o termo do período de renovação que vigorou entre 01.04.2018 e 31.03.2023. Dispõe o n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil que “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.” Atendendo ao teor da sua comunicação, resulta que a Autora não foi inequívoca no sentido da oposição à renovação. Com efeito, ao referir que pretendia “denunciar” o contrato de arrendamento com efeitos a partir de Agosto de 2021, a Autora não se referiu ao termo do prazo da renovação em curso, não fazendo corresponder os seus efeitos nem ao ano nem ao mês da renovação do contrato, mas sim a uma data ad-hoc, pretendendo assim fazer cessar o contrato no decurso da sua vigência. Destarte, forçoso se torna concluir não ser exigível que o Réu concluísse pela manifestação de vontade da Autora no sentido de que não pretendia renovar o contrato de arrendamento. Muito menos o fez o Réu ao informar a Autora, através da carta datada de 24.01.2021, que tencionava “cumprir o contrato que está em vigor até 2023”. Com efeito, não é possível inferir desta declaração do Réu que este pretendia opor-se à renovação do contrato, tanto mais que, contrariamente ao que sucede com o Senhorio, o arrendatário pode sempre fazer cessação o contrato, nos termos do n.º 6 do artigo 1098.º do Código Civil. Assim, atendendo a que, apenas em 30.01.2023, a Autora enviou nova comunicação ao Réu pretendendo fazer cessar o contrato de arrendamento “com efeitos a partir de 31 de Março de 2023”, verifica-se que a mesma não cumpriu o prazo mínimo legal de 120 dias estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 1097.º do Código Civil. Face ao exposto considera-se intempestiva a oposição à renovação comunicada pela Requerente para a data de 31.03.2023, devendo assim improceder o pedido da Autora”.
Contrapõe a A. que da sua comunicação de 29/12/2020 resulta clara a intenção da mesma de extinguir o contrato de arrendamento no seu termo, sendo que o R. assumiu ser essa a intenção da A. quando, em resposta a tal comunicação, a informou que “tenciono cumprir o contrato que está em vigor até 2023”, assim “corrigindo” a intenção da A. (porque a mesma indicou como data do termo 30/8/2021), o que significa, à face do disposto no art.º 236º, nº 1, do Código Civil, que a declaração da A. de ver cessados os efeitos do contrato foi “claramente entendida” pelo R., pois caso contrario não teria “feito a rectificação do momento” em que a cessação do contrato ocorria.
Não sofre controvérsia que o senhorio que pretenda opor-se à renovação automática do contrato de arrendamento com prazo certo de cinco anos deve comunicar tal oposição ao arrendatário com a antecedência mínima de 120 dias relativamente ao termo do prazo em vigor.
E também não sofre controvérsia que tal comunicação deve ser efectuada nos termos do nº 1 do art.º 9º do NRAU, ou seja, por comunicação escrita assinada pelo declarante e remetida por carta registada com aviso de recepção.
No caso concreto está demonstrado que a A. enviou ao R. uma comunicação escrita, pela qual lhe declarou “denunciar o contrato de arrendamento firmado no dia 01 de Abril de 2013, com efeitos a partir de 30 de Agosto de 2021”, e no respeito da “antecedência prevista na lei de 240 dias”.
Mais do que o teor literal da referida declaração escrita da A., a interpretação da mesma não dispensa o recurso ao disposto nos art.º 236º a 238º do Código Civil, desde logo o recurso à teoria da impressão do destinatário que emerge do art.º 236º. É que, como explicam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, volume I, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra, 1987, pág. 223), o “objectivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir”, mas sem esquecer “a condenação das doutrinas objectivistas puras e a confirmação da velha regra segundo a qual falsa demonstratio non nocet”, e assim permitindo que a vontade comum das partes prevaleça sobre uma declaração ambígua ou com sentido (objectivo) “inequivocamente contrário ao sentido que as partes lhe atribuíram” (pág. 224).
Ou seja, a declaração de vontade reduzida a escrito só deve ser interpretada segundo o critério da impressão do destinatário quando não seja possível alcançar a intenção comum do declarante e do declaratário, ainda que divergente do sentido literal das palavras contidas na declaração (isso mesmo resulta claramente do nº 2 do art.º 238º do Código Civil).
Todavia, o princípio da segurança jurídica demanda que essa divergência entre o significado literal das palavras (que na expressão do art.º 238º do Código Civil corresponde ao “texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”) e a intenção comum das partes (que na expressão do mesmo art.º 238º corresponde à “vontade real das partes”) consiga resultar suficientemente objectivada, desde logo não bastando que apenas uma das partes afirme que a sua vontade real não é aquela que a forma escrita explicita, mas uma outra que não tem qualquer ponto de contacto com a sua conduta, a natureza e finalidade da troca de declarações negociais, ou mesmo o significado habitualmente dado às expressões usadas, no contexto negocial em que se inserem declarante e declaratário.
Assim, e sempre que as declarações negociais tenham sido reduzidas a escrito, o caminho interpretativo das mesmas começa pelo apuramento de uma vontade comum e pela verificação de que essa vontade comum tem correspondência com o carácter literal das declarações reduzidas a escrito. Por fim, caso se apure a falta dessa correspondência, o sentido das declarações negociais deve ser reconduzido à vontade comum divergente que haja ficado apurada, mas tão só na medida de uma divergência que se apresente suficientemente objectivada.
Regressando à declaração escrita da A., e começando pela invocação da figura da denúncia, importa recordar que tradicionalmente esta assenta na existência de uma declaração unilateral receptícia, dirigida à outra parte, destinada a colocar fim a um contrato sem prazo de duração. Pelo contrário, nos contratos com prazo certo de duração é o decurso desse prazo que determina a caducidade do mesmo, de forma automática e sem necessidade de qualquer declaração de vontade nesse sentido.
Todavia, se está prevista (legal ou contratualmente) a renovação automática do prazo, pode o contrato prolongar-se por tempo indeterminado, sendo então necessária uma declaração de vontade de qualquer uma das partes para que tal renovação não se verifique, extinguindo-se a relação contratual no termo do prazo (ou da sua renovação).
É o que sucede no caso dos arrendamentos urbanos habitacionais com prazo certo, sujeitos a renovação automática (salvo estipulação em contrário), como resulta do art.º 1096º do Código Civil.
E por isso é que se estabelece a favor de cada um dos contratantes (senhorio e arrendatário) o direito à cessação do contrato por oposição à renovação automática, a exercer nos termos dos art.º 1097º e 1098º do Código Civil.
Isso mesmo explica Pinto Furtado (Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 2019, pág. 398), ao referir que “a denúncia, na acepção actual da nossa lei, já não aguarda, pois, pelo termo de duração contratual para aferir da data da cessação da sua eficácia, como é próprio, agora, da assim chamada oposição à renovação; é um direito que, em certos casos, assiste ao seu autor, de voluntariamente pôr termo à relação contratual, umas vezes em qualquer altura da sua vigência e outras apenas depois de algum tempo decorrido sobre o início desta, mas sempre mediante um pré‑aviso”. E mais explica que “nos próprios contratos de arrendamento urbano com prazo certo, o arrendatário – e só ele – tem a possibilidade de denunciá-lo após decorrido um terço do prazo inicial do contrato ou da sua renovação, mediante aviso prévio de 120 dias, se o prazo do contrato for superior a um ano, ou de 60 dias se a duração for inferior (…)”, como resulta do nº 3 do art.º 1098º do Código Civil.
Assim, logo se alcança que a referência à denúncia do contrato com efeitos a 30/8/2021 nada tem a ver com a oposição à renovação do mesmo para o seu termo, a ocorrer em 31/3/2023.
Ou seja, ainda que a utilização da expressão “denunciar” pela A., desacompanhada de qualquer outra expressão, pudesse conduzir o R. a percepcionar a vontade da A. de colocar unilateralmente termo ao contrato, por ser esse o significado histórico da expressão em questão, no domínio do arrendamento urbano, de modo algum pode a mesma expressão fazer significar a qualquer destinatário medianamente diligente, quando colocado na posição do R., que estava perante a vontade da A. de não ver renovado o contrato no seu termo (em 31/3/2023), exactamente porque a expressão “denunciar” é reportada a uma data (30/8/2021) que não tem qualquer relação com a data do termo do contrato, única relativamente à qual tal “denúncia” podia ser unilateralmente declarada pela A., e assim tornando tal declaração de vontade ambígua para esse fim.
Dito de forma mais simples, qualquer pessoa colocada na posição do R. destinatário da comunicação da A. declarante saberia que o termo do contrato de arrendamento só ocorria em 31/3/2023, pelo que a referência a uma “denúncia” do mesmo com efeitos a 30/8/2021 era uma referência destituída de sentido, significando que o contrato se manteria para além de 30/8/2021, porque a A. não podia unilateralmente fazer cessar o mesmo nessa data.
E é neste contexto interpretativo que deve ser entendida a resposta do R. de 24/1/2021, no sentido de tencionar “cumprir o contrato que está em vigor até 2023”.
É que não há quaisquer pontos de contacto entre as duas declarações escritas que permitam concluir que a intenção comum das partes era a de que, não obstante a A. referir a denúncia do contrato com efeitos a 30/8/2021, o R. entendia e aceitava que a vontade da A. era a de se opor à renovação do mesmo em 31/3/2023, desde logo porque o R. não refere tal data concreta e apenas faz referência à sua vontade de continuar a ser arrendatário e, nessa medida, dar cumprimento às obrigações que emergem do contrato de arrendamento em vigor.
Dito de forma mais simples, a natureza e finalidade das declarações escritas de 29/12/2020 (da A.) e de 24/1/2021 (do R.) não é apta à objectivação de uma intenção comum da A. e do R. em dar por terminada a relação contratual com efeitos a 31/3/2023.
Por outro lado, ainda, apenas na declaração de 9/1/2023 a A. declara expressamente ao R. a “denúncia” do contrato de arrendamento com efeitos a 31/3/2023, isto é para o seu termo.
Mas, como é evidente, tal declaração, ainda que pudesse ser entendida como apta a impedir a renovação do contrato nessa data, carecia de ter sido entregue ao R. até 120 dias antes de 31/3/2023, o que não sucedeu.
O que equivale a dizer que a A. não declarou ao R., com a antecedência mínima de 120 dias a que respeita a al. b) do nº 1 do art.º 1097º do Código Civil, a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento em 31/3/2023, assim se tendo o mesmo renovado por período (de cinco anos) igual ao seu prazo inicial de duração.
E, nessa medida, improcedem as conclusões do recurso da A., quando a esta questão da eficácia das comunicações por si efectuadas, para efeitos de se ter o contrato de arrendamento por cessado, não havendo que fazer qualquer censura à sentença recorrida que julgou improcedente o pedido de despejo e absolveu o R. do pedido.
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Por outro lado, e relativamente à questão da pluralidade de senhorios, o conhecimento da mesma mostra-se prejudicado, face ao anteriormente afirmado quanto à inexistência de declaração apta a fazer cessar o contrato de arrendamento.
É que a questão da pluralidade de senhorios só se apresentaria com utilidade para o fim visado pela A. (a procedência da acção com o despejo do R., por ter cessado o arrendamento) na medida em que fosse necessário apurar se a declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento carecia de ser efectuada por todos aqueles que no contrato figuram como senhorios (a A. e o interveniente principal), e apesar de o interveniente principal poder não ter legitimidade para aí figurar nessa qualidade.
Mas tendo ficado afirmada a inexistência de qualquer declaração da A. apta a esse fim, é manifesto que, ainda que se afirmasse a desnecessidade de declaração de oposição à renovação do interveniente principal, por não ser parte na relação contratual, tal não alteraria o sentido decisório do recurso.
Nessa medida não carece este tribunal de recurso de conhecer da segunda das questões suscitadas pela A. nas conclusões do recurso.
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DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.
26 de Setembro de 2024
António Moreira
Arlindo Crua
Pedro Martins