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ARRENDAMENTO
FORÇA MAIOR
Sumário
I - O princípio contido no n.1 do artigo 790 do Código Civil deveria ser suficiente para aferir das situações de extinção da obrigação (em geral), sem necessidade de recurso aos (obsoletos) conceitos de força maior e de caso fortuito. II - O legislador, porém, entendeu fazer expressa referência a tais conceitos, designadamente nos artigos 64 n.2, alínea a) e 72 n.2, do Regime do Arrendamento Urbano. III - Porém, em ambos estes normativos legais, o alcance do conceito de força maior deve compreender as hipóteses tradicionalmente apresentadas como ilustrações do mesmo conceito, mas modeladas como uma impossibilidade de ocupação do prédio, que seja objectiva, e não imputável ao arrendatário (no caso do artigo 64 n.2 alínea a) ou ao senhorio (no caso do artigo 72º n.2), e não como mera situação em que apenas seria compreensível, aceitável ou perfeitamente explicável a falta de residência permanente, a não habitação ou não ocupação, conforme o caso. IV - Não dando - como não dá - a lei a noção de caso de força maior que justifique a não ocupação do prédio (que estivera arrendado e foi despejado) no prazo previsto naquele artigo 72 n.2 do Regime do Arrendamento Urbano - nem, sequer, deixando de figurar tal expressão em matéria de não cumprimento das obrigações (artigos 790. e seguintes, do Código Civil) - é razoável que nos socorramos do citado artigo 790 do Código Civil para aferir do alcance ou âmbito deste conceito.
Texto Integral
ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
1 . RELATÓRIO
Na .. Vara Cível do ..........., B.............. e esposa C............, residentes na Rua ............., nº .., ...... - ........... – .......... intentaram acção declarativa com processo sumário, contra D............ e marido E.............., residentes na Avenida ..............l, nº .., ..... – ..............
Alegam, em síntese, que:
No âmbito da acção apensa com referência à denúncia de contrato de arrendamento para habitação de descendente de 1º grau, os ora AA. foram condenados a entregar o locado contra a indemnização legal, o que se verificou em 01-12-97, sendo que até à data da entrada da petição inicial o filho dos RR. F................ não ocupou o locado nem nele estabeleceu a sua morada de família.
Concluem pela procedência da acção, pedindo que os RR. sejam condenados a pagar-lhes a quantia de Esc. 145.008$00, correspondente a 2 anos de renda bem como à reocupação do arrendado pelos AA..
Contestara os réus, alegando, em suma:
- Que o prédio referido se encontrava em estado de degradação, o que obrigou os RR. a proceder a obras de reparação do mesmo, sendo que em 16-12-97, o R. marido solicitou por escrito orçamentos a duas empresas de construção civil, sendo as obras adjudicadas à G............., em 20-01-98, e iniciadas em 02-02-98.
- Que, além disso, foram adquiridos diversos materiais de construção bem como portas e outros equipamentos bem como foram comprados novos móveis e outros equipamentos de cozinha, verificando-se que a conclusão das obras ocorreu em 13-11-98, passando a partir desta data o filho dos RR. e respectiva família a ocupar a referida fracção, nela pernoitando, fazendo as refeições e recebendo as pessoas.
Concluem no sentido de a acção ser julgada improcedente por não provada, com as legais consequências.
Houver resposta dos AA.
Foi proferido despacho saneador - tabelar - (fls. 50) e, nessa sequência, a sentença que consta de fls. 50-53, que motivou recurso interposto pelos RR., que deu lugar ao Acórdão da Relação do Porto constante de fls. 74-77, que revogou a decisão em causa, ordenando o prosseguimento dos autos.
Foi elaborada a relação da matéria assente, bem assim a base instrutória da causa (fls. 94-95), que não sofreram qualquer reclamação.
Realizou-se a audiência de julgamento, tendo sido decidida a matéria de facto controvertida pela forma exarada no despacho de fls. 181-182.
A final, foi proferida sentença, onde se julgou a acção improcedente, com a absolvição dos RR. D............ e marido E............ do pedido contra eles formulado nos presentes autos.
Inconformados com esta decisão, os autores interpõem recurso de apelação, que foi admitido, tendo apresentado as pertinentes alegações que terminam com as seguintes
“CONCLUSÕES:
1ª- Os autores, por força da decisão judicial em apenso foram despejados do locado, para nele ir viver o filho dos RR.
2ª- Alegando que nem os RR nem o filho foram viver para o locado, nos termos do artigo 72º, nº2 do RAU, os AA. interpuseram a presente acção para recuperarem o locado.
3ª- Foi julgada a acção procedente no Saneador, mas dela recorreram os RR., tendo este Alto Tribunal ordenado que os mesmos prosseguissem para julgamento
4ª- Posta a apreciação do julgador a matéria de facto alegada, vem proferida a sentença, de que se interpôs o presente recurso.
5ª- E com base nos factos 1º a 8º da matéria de facto dada como provada, constitui caso de força maior.
6ª- Estamos em absoluto desacordo:
O conceito de força maior vem estabelecido na Portaria 1318/95 de 7/11:
“Considera-se caso de força maior todo o evento imprevisível e insuperável cujos efeitos se produzem independentemente da vontade do operador, designadamente as situações de catástrofe natural, actos de guerra, declarada ou não, de subversão, alteração da ordem pública, bloqueio económico e incêndio”.
7ª- SENHORES DESEMBARGADORES:
Está bem de ver que a matéria de facto dada como provada, não integra qualquer caso de força.
8ª- SEM PRESCINDIR:
Há também insuficiência da matéria de facto dada como provada, para se concluir de direito, como se fez e há também contradições e obscuridades entre a própria matéria de facto, e o conteúdo de vários documentos juntos aos autos.
9ª- O filho dos RR nunca deixou de residir em ............., e não tinham de ser os RR a tratar dos orçamentos e obras que o prédio eventualmente necessitasse.
10ª- Se o prédio tinha condições da habitabilidade para os AA, não se compreende nem se justifica que, no dia seguinte seja dado em estado de degradação
11ª- Os RR e o filho, se tanta necessidade tinham do locado, tinham" é que para ele ir residir de imediato e irem fazendo as obras.
12ª- Neste contexto fáctico, contraditório, e obscuro, nada mais resta do que se ordenar a anulação do julgamento
13ª- Porém, a questão principal, é que não integra, a matéria de facto dada como provada, qualquer conceito de força maior.
14º- Foram violados os artigos 72, nº2 do RAU, Portaria 1318/95 de 7/11 e artigo 712, nº 4 do C.P.C.
15ª- Nestes termos, deve o recurso proceder e a acção ser julgada procedente ou, subsidiariamente, deverá a decisão ser proferida, para ser reapreciada à luz dos documentos juntos, e dos critérios da experiência comum”.
Os réus contra-alegaram, sustentando a confirmação da sentença recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTAÇÃO:
2. 1. OS FACTOS PROVADOS:
1. Por sentença proferida nos autos a que estes estão apensos, confirmada pelo Acórdão do Tribunal da Relação proferido a 08-04-97, foi declarado denunciado o contrato de arrendamento celebrado a 01-05-1975, entre os aqui RR. e os aqui AA., relativamente ao primeiro andar esquerdo, sito na Rua .............., nº .., da freguesia de ............., do concelho da ....... - ........, para o dia 30 de Abril de 1996, devendo decorrer três meses sobre a decisão definitiva até que se efective o despejo com a consequente entrega do locado aos AA., aqui RR., livre de pessoas e bens, consignando-se que pela desocupação do prédio é devida aos RR., aqui AA. indemnização correspondente a dois anos de renda à data do despejo (al. A));
2. Os AA. entregaram aos RR. as chaves do arrendado em 01-12-97 (al. B));
3. A renda mensal, à data do despejo, era de Esc. 6.042$00 (al. C));
4. O filho dos senhorios (aqui RR.) não foi habitar o prédio dentro dos 60 dias após a desocupação (al. D)).
5. A presente acção deu entrada neste Tribunal em 16 de Setembro de 1998.
6. O prédio referido em A) encontrava-se em estado de degradação (resposta ao facto sob o nº 1º);
7. O que obrigou os RR. a proceder a obras de reparação do mesmo (resposta ao facto sob o nº 2º);
8. Em 16-12-97, o R. marido solicitou por escrito orçamentos a duas empresas de construção civil (resposta ao facto sob o nº 3º);
9. Orçamentos que recebeu em 7 e 12 de Janeiro de 1998 (resposta ao facto sob o nº 4º);
10. As obras foram adjudicadas à G............ em 20-01-98 e tiveram início em 02-02-98 (resposta ao facto sob o nº 5º);
11. Foram adquiridos diversos materiais de construção bem como portas e outros equipamentos (resposta ao facto sob o nº 6º);
12. Bem como foram comprados novos móveis e outros equipamentos de cozinha (resposta ao facto sob o nº 7º);
13. A conclusão das obras ocorreu em 13-11-98 (resposta ao facto sob o nº 8º)
2 . 2. OS FACTOS E O DIREITO:
Tendo presente que:
--O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
--Nos recursos se apreciam questões e não razões;
--Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
a QUESTÃO a resolver consiste, essencialmente, em aferir se a matéria de facto apurada permite aos autores/arrendatários a reocupação do prédio que tomaram de arrendamento aos réus e de que foram despejados, ao abrigo do disposto no nº 2 do artº 72º do RAU, por se não verificar a aí prevista situação de “força maior”.
Quis juris?
- Relativamente à matéria de facto, cremos que a apurada no tribunal a quo se tem de considerar pacífica.
Efectivamente, a decisão sobre a matéria de facto não foi impugnada—aliás, sempre tinha que ser rejeitada uma eventual pretensa impugnação, uma vez que não vem dado cumprimento do estatuído no artº 690º-A, do CPC, em especial à imposição emanada da al. b) do nº 1 deste normativo legal.
Tendo-se fixado, assim, a matéria de facto, através da regra da livre apreciação das provas consagrada no artº 655º nº 1 do CPCivil, em princípio, essa matéria de facto é inalterável.
Como resulta dos autos, a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento não foi gravada.
Assim sendo, a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artº 712º do Cód. Proc. Civil:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravações dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690-A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Estas constituem as excepções à regra básica da imodificabilidade da decisão de facto proferida na 1º instância.
No caso em apreço, dada a ausência de gravação da prova, é manifesto que do processo não constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto, desde logo o teor dos depoimentos das testemunhas. E, como tal, torna-se claro que a dita alteração não pode ocorrer ao abrigo daquela al. a).
Igualmente não é aplicável a previsão da alínea c) do nº 1 do artº 712º, do CPCivil, pois que não foi apresentado documento novo superveniente.
Por outro lado, parece manifesto que os elementos fornecidos pelo processo não impõem decisão sobre a matéria de facto diversa da considerada em 1ª Instância, por força a se poder destruir esta decisão de facto por quaisquer outras provas (mencionada al. b) do nº 1 do artº 712º do CPCivil).
Não o impõem porque não existem tais elementos no processo, o que ocorre em especial quando há documentos com força probatória para alterar a resposta ou respostas do tribunal.
De facto, a alínea b) do nº 1 do artº 712º do Código de Processo Civil consente a modificabilidade da decisão de facto "Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas".
Este fundamento está, como se sabe, relacionado com o valor legal da prova, "exigindo-se que o valor dos elementos coligidos no processo não pudesse ser afastado pela prova produzida em julgamento. Ao abrigo desta alínea b) a alteração das respostas só é admissível quando haja no processo um meio de prova plena, resultante de documento, confissão ou acordo das partes, e esse meio de prova plena diga respeito a determinado facto sobre o qual o Tribunal também se pronunciou em sentido divergente".
De qualquer forma, não ocorre aqui essa situação, na medida em que não foi postergada a força probatória de qualquer documento que não pudesse ser afastada pela prova testemunhal.
Como ensinou o Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 472, “se estiver junto aos autos documento que faça prova plena ou cabal de determinado facto e o juiz, na sentença, tiver admitido facto oposto, com base na decisão do tribunal colectivo, incumbe à Relação fazer prevalecer a força probatória do documento”.
Verificados, portanto, os documentos juntos aos autos temos que os elementos por si fornecidos não impõem decisão diversa sobre a matéria de facto considerada em 1ª Instância, na medida em que, face à motivação exarada aquando da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal “a quo” teve o cuidado de realçar a convicção que determinou a resposta dada, conjugados que foram os depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência, o que, confrontado com os elementos vertidos nos autos, não torna a realidade, por estes manifestada, insusceptível de ser destruída (citada al. b) do nº 1 do artº 712º do CPCivil).
Ficamos, assim, com o gozo por parte do Tribunal de liberdade de julgamento, apreciando livremente as provas e respondendo a cada facto segundo a sua prudente convicção- cfr. artº 655º do CPC, e arts. 396º, quanto à prova testemunhal; 389º quanto à prova pericial, e artº 391º, quanto à prova por inspecção ao local; estes últimos preceitos são do Código Civil.
Mesmo não havendo condições para, nos termos da al. a) do artº 712º CPC, ser reapreciada a matéria de facto “pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta” (artº 712º, nº4 do CPC).
Ora, lendo a relação de factos dados como provados pelo tribunal a quo, não verificamos a existência daquela deficiência, contradição ou obscuridade nas respostas aos quesitos.
Não vemos, por outro lado, a falta de elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo conforme aquele a que chegou o tribunal a quo. Não alvejamos que o tribunal recorrido tenha deixado de apurar matéria de facto que lhe cabia apurar dentro da causa petendi.
Fixada está, portanto, a matéria de facto—sendo com base nela que se irá fazer a respectiva subsunção jurídica.
- QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO:
Vejamos, então, da questão (de direito) que constitui o cerne desta apelação: aferir se a matéria de facto apurada permite aos autores/arrendatários a reocupação do prédio que tomaram de arrendamento aos réus e de que foram despejados, ao abrigo do disposto no nº 2 do artº 72º do RAU, por se não verificar a aí prevista situação de “força maior”.
Antes de mais, anote-se que não vamos aqui divagar sobre o direito de denúncia do contrato de arrendamento de prédio para habitação do senhorio ou de seu descendente—não se percebendo, aliás, a razão porque é que o Mmº Juiz a quo se estendeu tanto (fls. 188 a 190) sobre tal matéria, designadamente sobre os requisitos da denúncia para habitação, em especial sobre o (especial) requisito da necessidade da habitação (se resulta, ou não, da verificação –cumulativa—dos demais), uma vez que se trata de matéria que de todo extravasava do âmbito da causa de pedir desta demanda. Constituía, sim, matéria atinente à causa de pedir da acção a que estes autos são apenso, mas que nada importa para a decisão da questão, ou questões, que os autores nesta demanda pretendiam ver apreciadas e resolvidas.
Passando à frente.
Esta demanda foi instaurada com vista a efectivação do nº 2 do artº 72º do RAU (Dec.-Lei nº 321-B/90, de 15.10), pretendendo os autores (inquilinos despejados) —réus na acção a que esta está apensa e em que foi decretada a resolução do contrato de arrendamento do prédio pertença dos aí autores, por necessidade do mesmo para habitação do seu filho -- a condenação dos réus (senhorios) na indemnização e reocupação do arrendado, em conformidade com aquele normativo legal.
Alegam os autores, na petição inicial, que foram condenados a entregar o locado contra a indemnização legal, o que se verificou em 01-12-97, sendo que até à data da entrada da petição inicial (16.09.98) o filho dos RR., F............., não ocupou o locado nem nele estabeleceu a sua morada de família.
Assim sendo, reclamam os autores a condenação dos RR. a pagar-lhes a quantia de Esc. 145.008$00, correspondente a 2 anos de renda bem como à reocupação do arrendado pelos AA., com sustento no citado nº 2 do artº 72º do RAU—reocupação esta que tinha, como foi, que ser pedida em acção autónoma, a correr por apenso à acção de despejo (cfr. Acs. Rel. de Lisboa de 4.7.91, Col. Jur., XVI, 4, 163 e de 12.7.1990, Col. Jur., XV, 4, 128; no sentido, porém, de que o pedido deve ser processado como incidente ver o Ac. da Relação de Lisboa de 14.2.1991, Col. Jur., XVI, I, 155), já que outro meio não vem previsto na lei e pode haver necessidade de longa indagação
Qui juris?
O citado artº72º, do R.A.U. preceitua:
“1- É devida ao arrendatário, pela desocupação do prédio para habitação do senhorio, uma indemnização correspondente a dois anos e meio de renda à data do despejo.
2- Se o senhorio, desocupado o prédio, não o for habitar dentro de 60 dias, ou o tiver devoluto durante mais de um ano sem motivo de força maior, ou não permanecer nele durante três anos, e bem assim se ele não tiver feito, dentro desse prazo, a obra justificativa da denúncia, o arrendatário despedido tem direito, além da indemnização fixada no número anterior, à importância correspondente a dois anos de renda e pode reocupar o prédio, salvo, em qualquer dos prazos mencionados, a ocorrência de morte ou deslocação forçada do senhorio não prevista à data do despejo”.
Como se escreveu no Ac. desta Relação de 30.04.2001, proferido nestes mesmos autos (cfr. fls. 77), “com este regime pretendeu o legislador melhor acautelar a posição do arrendatário, pondo-o a coberto de infundadas razões avançadas pelo senhorio como fundamento da denúncia e que foram judicialmente consideradas como suficientes e bem fundamentadas para a decisão que lhe concedeu o despejo do prédio - "a indemnização e a reocupação do prédio pelo inquilino actuam como sanção à fraude do senhorio que, obtida a desocupação para habitação, não vai habitar o prédio dentro de sessenta dias" (Ac. do S.T.J. de 27.07.1982; BMJ; 219.º; pág. 306).
Todos os casos enumerados neste normativo valem de modo autónomo, individualmente se considerando cada uma destas circunstâncias e apresentando um campo de aplicação e incidência próprios designando, em termos mais genéricos, a ocupação imediata do prédio - que terá de ser concretizada no prazo de 60 dias; a falta de habitação do locado - que poderá ter lugar enquanto ocorrer uma situação motivada por caso de força maior; e a falta de permanência nele durante os três anos posteriores à denúncia - que imporá sempre a reabitação do arrendado.
O que aquele preceito impõe, como regra, é que o senhorio tem o prazo de 60 dias para ir habitar o prédio. Mas também permite que, se ocorrer motivo de força maior, o senhorio tenha o arrendado devoluto se/e durante o tempo em que esse evento justificar a não reocupação do prédio, nomeadamente se esteve impedido de entrar no prédio durante o período de 60 dias que se seguiram à denúncia do contrato - ou o tiver devoluto durante mais de um ano sem motivo de força maior, diz a lei. É que, se ocorrer uma situação assim congeminada, aquela condenação, tão só dirigida à fraude do senhorio, já não tem qualquer cabimento no caso de se demonstrar que não há essa tal intenção enganadora”.
No entanto, não podemos deixar de anotar a, pelo menos aparente, imperfeição da redacção do normativo em acabado de referir: por um lado, obriga o senhorio a habitar o prédio no prazo de 60 dias; por outro, permite-lhe que o mantenha devoluto pelo prazo de um ano; por fim, parece permitir o prazo de três anos para a realização da obra. È a interpretação que parece resultar da letra do preceito.
Daqui que possamos acrescentar que parece que o citado normativo também permite que o senhorio possa demorar três anos para a realização de grandes obras de reparação ou de reconstrução, quando a casa não esteja em condições de servir para as necessidades de habitação própria e da família-- assim parece, de facto—sendo certo que esta hipótese se não põe no caso presente, até atendendo ao tempo que demorou a realização das obras.
Cremos, porem, que a interpretação que do aludido nº 2 do artº 72º do RAU deve ser feita, para o que interessa ao caso sub judice, é a que supra se defendeu (no Ac. de 30.04.2001- fls. 77 destes autos). Isto é, impõe-se, desde logo, a obrigatoriedade do senhorio (in casu, o seu filho) ir habitar o prédio dentro dos 60 dias após a entrega do mesmo, podendo, no entanto, tal não acontecer, desde que haja motivo de força maior.
“A lei impõe, por conseguinte, em princípio, que, no lapso de 60 sessenta dias, o locador o habite, para aí transferindo, em rigor, o centro da sua economia doméstica, numa palavra, afectando o prédio à sua residência permanente, no mosaico factual em que o conceito se desdobra.
Não basta ocupar simbolicamente o prédio, tão pouco abrir episódica ou regularmente as portadas e revelar meros indícios de vida, como é o caso de ali permanecerem vasos com plantas, no que o vulgo retém como suporte de sinais de existência.
Importa uma ocupação efectiva, um abrupto, radical corte com o anterior centro da economia doméstica do locador ou do agregado familiar em que se incorpora, de molde a justificar instantaneamente o direito cujo exercício faz preterir o direito do locatário que satisfizera até então o complexo de deveres a que se vinculara”. (Mário Frota, Arrendamento Urbano Comentado e Anotado, 1987—em anotação ao artº 1099º do CC--, pág. 411).
Da mesma forma, decidiu-se no Ac. da Relação de Lisboa de 1.3.1968, in Jur. Das Relações, ano 14º, pág. 213) que, tendo o senhorio obtido o despejo e continuado a viver, com o seu agregado familiar, noutra localidade, embora utilize a casa despejada durante algum tempo, em cada ano, para benefício dos filhos, tem aplicação o disposto no nº 2 do artº 1099º do Código Civil”.
É óbvia a razão ou bondade deste entendimento.
Do supra exposto, e defendido, logo se vê que a não ocupação pelo senhorio do prédio nos sessenta dias após a entrega das chaves, não é, sem mais, motivo para a reocupação do prédio pelo inquilino. Pois pode acontecer que tal ocupação dentro desses 60 dias não ocorra sem que ao inquilino assista o direito de vir logo exigir a reocupação: é o caso, como vimos, de o senhorio ter sido impedido de ocupar o prédio, por motivo de “força maior”.
Assim, não cremos que assista razão a Carlos Alegre, in Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 1991, quando, a fls. 141 (em anotação ao artº 72º do RAU), diz que, sendo sucessivas as três “obrigações” emergentes do nº 2 deste normativo, impõe-se sempre ao senhorio a obrigatoriedade de ir habitar o prédio dentro dos aludidos 60 dias, só funcionando a “força maior”-- justificativa para se ter a casa devoluta por mais de um ano-- desde que o início desse novo prazo se inicie depois de verificada aquela ocupação dentro do prazo de 60 dias.
Parece ser o que, de facto, lemos da posição desse autor.
Na verdade, ali se escreveu:
“Estas três obrigações são sucessivas: a primeira que se há-de verificar é o senhorio ir habitar o prédio dentro de dois meses; feito isso, o senhorio não pode, depois deixar a casa e tê-la devoluta durante mais de um ano (ano que se conta a partir do momento em que a deixou devoluta), a menos que, para isso, exista motivo de força maior; ou não permanecer nela durante três anos, haja ou não motivo de força maior”. Não concordamos, portanto. É que havendo motivo de força maior, pode não haver, sequer, lugar àquela ocupação dentro dos “60 dias”—como resulta já de tudo o já supra explicado e que nos dispensamos de repetir.
Saliente-se que Isidro Matos, in Arrendamento e Aluguer, pág. 252, é de opinião que o prazo de 3 anos para o senhorio efectuar as obras de construção—justificativas da denúncia (de que fala o citado artº 72º, nº2 do RAU), o que não foi o caso sub judice, pois a denúncia foi, não para realização de obras, mas por necessidade da habitação do filho do senhorio--, se deve aplicar à hipótese daquele necessitar de realizar no prédio grandes obras de reparação ou de reconstrução, quando a casa não esteja em condições de servir para as necessidades de habitação própria e da família (contra esta posição de Isidro Matos, o Ac. da Rel. de Lisboa de 14.03.1969, na Jurisprudência das Relações, ano 15º, pág. 397). Situação que, aliás, nunca se verificava in casu, atento não se estar em face de “grandes obras”.
Cumpre ver, então, se no caso sub judice se verificou a aludida hipótese de “força maior” que justificasse a não ocupação do prédio pelo filho do réu/senhorio no aludido prazo de 60 dias após ter sido devolvido (em 01.12.1997) aos senhorios na sequência do decretado despejo—nem, tão pouco, até à instauração desta acção (em 16.09.98).
Dizemos “pelo filho do réu/senhorio” e não simplesmente pelo senhorio, já que, como ensina Menezes Cordeiro e F. Castro Fraga, in Novo Regime do Arrendamento Urbano, Anotado, 1990, Almedina, pág. 117, «2. Uma vez que o senhorio pode ter denunciado o contrato, não para a sua habitação própria, mas para habitação de descendente em primeiro grau, há que interpretar este preceito com as necessárias. Adaptações.
2. Assim, os prazos de 60 dias, um ano e três anos referidos no nº 2, referir-se-ão ao senhorio ou ao seu descendente, conforme o caso; e o mesmo se diga em relação à “ocorrência de morte de morte ou deslocação forçada”»
Vamos, então, ao caso sub judice.
De relevante para a apreciação do mérito da questão que ora nos ocupa, temos assente a seguinte factualidade:
O contrato de arrendamento em questão (celebrado entre os ora autores, como inquilinos e os aqui réus, como senhorios) foi celebrado a 01-05-1975.
Os AA. (como consequência do despejo decretado judicialmente) entregaram aos RR. as chaves do arrendado em 01-12-97.
O filho dos senhorios (aqui RR.) não foi habitar o prédio dentro dos 60 dias após a desocupação.
A presente acção deu entrada neste Tribunal em 16 de Setembro de 1998.
O prédio em questão encontrava-se em estado de degradação—aquando da entrega aos aqui réus (senhorios).
O que obrigou os RR. a proceder a obras de reparação do mesmo (resposta ao facto sob o nº 2º).
Em 16-12-97, o R. marido solicitou por escrito orçamentos a duas empresas de construção civil, tendo as obras se iniciado em 02-02-98;
Para tal, foram adquiridos “diversos materiais de construção” bem como portas e outros equipamentos, bem assim foram comprados novos móveis e outros equipamentos de cozinha.
Tendo-se concluído as obras em 13-11-98.
Da factualidade referida supra resulta, portanto, desde logo, que o filho dos réus (senhorios), não obstante a obtenção da sentença de despejo para habitação do arrendado, não o foi habitar no prazo de 60 dias após lhes terem sido entregues as chaves do prédio.
Mais não houvesse, vingaria a pretensão dos autores.
Mas há!
Efectivamente, os réus, porém, trazem à colação o estatuído no nº 2 do artº 72º do RAU, invocando a “força maior” como causa justificativa da sua actuação, excluidora da pretensão dos autores.
Certo que os réus são parcos na fundamentação, de facto e de direito (esta em especial), da sua posição. Deveriam alegar de forma bem mais completa factos demonstrativos do preenchimento daquela figura jurídica-- não se ficando com alegações meramente conclusivas, como é a expressão “estado de degradação do prédio” (artº 1º da contestação)--, e buscar e melhor indicar na lei os preceitos que definem ou enquadram essa mesma figura (há quem diga obsoleta..., que é a força maior), designadamente o artº 790º, nº 1, do CC, como à frente melhor se verá.
Certo é, porém, que “La cour sait le droit”.
Tal como é certo que nos termos do disposto no nº 2 do artº 266º do CPC o juiz pode, em qualquer altura do processo ouvir os mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de direito que se afigurem pertinentes.
No entanto, esta prática—embora corrente em diversos países estrangeiros e generalizada há muito no Tribunal de Justiça das Comunidades—está praticamente arredada da praxis judiciária portuguesa...
Como quer que seja, trazem os réus à colação o citado artº 72º, nº2, bem assim alguns factos—que, no essencial, acabaram por se provar--, sustentando que os mesmos preenchem a previsão legal daquela figura da força maior.
Tal como supra ficou acentuado, os casos enumerados no nº 2 do artº 72º do RAU, que inviabilizam a pretensão de indemnização e reocupação aí referidas, valem de modo autónomo. Assim, devendo ser individualmente considerada cada uma dessas circunstâncias, com um campo de aplicação e incidência próprios, teremos, portanto, que averiguar se a matéria provada permite concluir que a falta de habitação do locado por banda do filho dos réus (senhorio), após o despejo, e durante o período em que se verificou, teve como causa uma situação de força maior—é que, como vimos, a aludida falta de habitação do locado podia ter lugar enquanto ocorresse tal situação.
- DO CONCEITO DE “FORÇA MAIOR” (VERSUS “CASO FORTUITO”) E DA SUA (NÃO) VERIFICAÇÃO NO CASO SUB JUDICE.
Postas assim as coisas, fatalmente se impõe a explicitação—no âmbito daquele normativo (artº 72º, nº2, do RAU)-- do conceito de “força maior.
Vejamos.
O caso de força maior era uma figura já conhecida do direito romano, onde se contrapunha directamente ao caso fortuito. ULPIANO distinguia-os pela irresistibilidade que caracterizava o primeiro, ante a imprevisibilidade em que segundo se resolvia. Deste modo, o casus maior designava omnem vim cui resisti non potest, enquanto o casus fortuitus se definia como aquele quanto ao qual nullum humanum consilium proevidere potest.
Segundo Manuel de Andrade, no conceito de caso fortuito sobressai a ideia de imprevisibilidade, pois o facto seria evitável se fosse previsto e no conceito de força maior sobressai a ideia de inevitabilidade (Teoria Geral das Obrigações, 2ª ed., Coimbra, 1963, págs. 421-422).
Também Cabral de Moncada se refere à imprevisibilidade e inevitabilidade como notas fulcrais de tais conceitos (Lições de Direito Civil, Parte Geral, 2ª ed., Coimbra, 1955, vol. II, págs. 473-474, nota 2).
Anote-se, desde já, que, se é certo que o conceito de força maior não tem sido muito tratado a respeito do citado nº 2 do artº 72º do RAU—correspondente ao nº 2 do revogado artº 1099º do CC--, certo é, também, que o mesmo conceito tem sido, embora com pouca abundância, tratado a respeito do preceituado na al. i) e no nº2 do artº 64º do RAU—correspondente ao mesmo número e alínea do revogado artº 1093º do CC--, que respeita à manutenção do prédio desabitado por mais de um ano.
É, efectivamente, à volta daquele preceito que o conceito de “força maior” tem sido tratado no âmbito da relação locatícia (cfr., v.g., Bol. M.J. 323-352; Rev. Leg. e Jur. Ano 119º-251; Ac. Rel. de Évora de 4.11.1982, in Col. Jur. VII, 261; Ac. Rel. do Porto de 3.2.81, Col. Jur. VI, 1, 146), sendo os ensinamentos aí vertidos de especial utilidade para o caso que ora nos ocupa.
Mas onde a noção de força maior tem sido especialmente estudada é em matéria de acidentes de viação (com também mui válidos ensinamentos para o caso que nos ocupa).
Assim, Dario Martins de Almeida debruçando-se em pormenor sobre o instituto em causa e depois de classificar diversas fórmulas ensaiadas nesta matéria segundo um critério subjectivista (força maior equivale a fenómeno ou facto invencível e insuperável e caso fortuito a facto ou acontecimento não absolutamente insuperável) e segundo um critério objectivista (força maior equivale a acontecimento estranho ou externo a coisa e caso fortuito equivale a acontecimento interno à coisa) ensaiou a seguinte definição:
“o caso de força maior é todo o acontecimento (facto da natureza ou do homem) imprevisível e inelutável - mas estranho ao veículo- que faz deste mero objecto instrumental do acidente. Imprevisível como facto possível no próprio momento circunstancial, para as pessoas normalmente dotadas; inelutável, mesmo usando das cautelas normais exigíveis - "não influenciável” na palavra de Heck; e estranho ao funcionamento do veículo, quando, de um modo claramente preponderante, se destaca dos perigos próprios da viatura apesar de os por também porventura em movimento" (Manual de Acidentes de Viação, 2ª ed., Coimbra, 1980, pág. 162). Constituiriam, assim, casos de força maior os actos de guerra ou subversão, epidemias, radiações atómicas, fogo, raio, ciclones, tomados, erupção vulcânica, terremoto, a explosão de gás, a tempestade, a inundação brusca, o golpe de vento brusco e violento, o choque de uma ave no pára-brisas, a passagem brusca do animal selvagem na faixa de rodagem. Pelo contrário, na figura do caso fortuito este entraria logo na veste de coisa possível de evitar desde que fosse previsível.
Assim, o rebentamento de um pneu, a fractura da barra de direcção ou da manga do eixo, a derrapagem em estrada húmida ou coberta de gelo ou areia, a projecção de areia, a projecção de pedras ou gravilha como rolar dos pneus (quando imprevista), a síncope, a congestão cerebral ou outra doença semelhante constituiriam caso fortuito (op. cit., págs. 162-163).
Um pouco na linha do que fora já em tempos sustentado por Carneiro Pacheco - segundo o qual "... as expressões “causa fortuita” e “força maior” não correspondem a categorias jurídicas diversas. A velha distinção entre caso fortuito e força maior, a um tempo subtil, incerta e inútil, desde há muito em decadência, pode dizer-se abandonada hoje" (Bol. da Fac. de Dir. de Coimbra, I, pág. 26 apud Revista dos Tribunais, ano 81º, pág. 253, nota 3) - modernamente a distinção entre estes dois conceitos perdeu uma certa importância, havendo até quem os considere equivalentes (cfr. Oliveira Matos, Código da Estrada Anotado, Coimbra, 1991, pág. 522, dando notícia de que a jurisprudência francesa emprega os dois termos indistintamente)
Sem nos atermos nas estritas malhas dos acidentes de viação, diremos ainda o seguinte.
O Código de Seabra integrava o caso de força maior entre as três causas justificativas do incumprimento contratual, que eram: o facto do outro contraente, a força maior e o caso fortuito (cfr. artº 705º).
Esse vetusto Código não continha definição de caso fortuito, nem de força maior, reconduzindo as duas figuras às apontadas noções trazidas de ULPIANO, que os autores reproduziam e aprofundavam (ver Inocêncio Galvão Telles, Manual de Direito das Obrigações, 1975, I, 197-201).
Havia uma quase mistura entre os dois conceitos, girando, então, normalmente à volta de três classes de factos: os cataclismos desencadeados pelas forças da natureza (tempestades, terramotos, inundações...), o acto de autoridade (factum principis) e o acto de terceiro (no qual se inclui a guerra).
Todos estes factos, porém, independentemente da sua origem e natureza, traduziam-se numa situação relevante-- a impossibilidade de cumprimento por causa não imputável ao devedor.
É, de facto, a este conceito que o Código Civil de 1966, no seu artº 790º, nº1, recorre em detrimento daquelas antigas categorias da força maior e do caso fortuito.
Ora, o princípio contido naquele nº 1 do artº 790º do CC deveria ser suficiente para aferir das situações de extinção da obrigação (em geral), sem necessidade de recurso aos (obsoletos) conceitos de força maior e de caso fortuito.
No entanto, o legislador entendeu fazer expressa referência a tais conceitos, designadamente no artº 72º, nº2 do RAU—que ora nos ocupa--, tal como o fez, v.g., no artº 64º, nº2, al. a) do mesmo diploma legal.
Cremos, porém, que, quer num, quer no outro dos normativos acabados de citar, o alcance de conceito de força maior deve compreender as hipóteses tradicionalmente apresentadas como ilustrações do mesmo conceito, mas modeladas como uma impossibilidade de ocupação do prédio—no caso, de ocupação no prazo que o supra citado normativo prevê—, que seja objectiva, e não imputável ao arrendatário (no caso do artº 64º, nº2, al. a) ou ao senhorio (no caso, que ora nos ocupa, do artº 72º, nº2).
Assim sendo, não dando—como não dá—a lei a noção de caso de força maior—in casu, que justifique a não ocupação do prédio que estivera arrendado no prazo previsto naquele artº 72º, nº2, do RAU--, nem, sequer, deixando de figurar tal expressão em matéria de não cumprimento das obrigações (arts. 790º e segs., do CC)--, é razoável que nos socorramos do citado artº 790º do CC para aferir do alcance ou âmbito deste conceito.
A respeito deste artº 790º do CC, o Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2ª ed., vol. II, nº 264, escreveu:
«A disposição do artigo 790º, nº 1, corresponde ao artigo 705º, nº1 do Código de 1867. Este recorria, porém, a uma enumeração de conteúdo positivo, para discriminar os casos em que o devedor ficava exonerado de responsabilidade: esses casos eram os de o obrigado ter sido impedido de cumprir por facto do credor, por força maior ou por caso fortuito.
O novo Código usa, pelo contrário, uma fórmula de recorte negativo (não ser a causa de impossibilidade da prestação imputável ao devedor), semelhante à dos Códigos italiano, alemão, suíço e grego.
É mais ampla do que a do Código anterior, pois abrange o caso de a impossibilidade ser imputável a terceiro ou à própria lei, que a outra não abarcava no seu texto, além de tocar directamente as duas notas fundamentais(impossibilidade da prestação, por um lado; e não imputabilidade da causa ao devedor, por outro) justificativas da exoneração da responsabilidade do obrigado»-- sublinhado nosso.
Cremos, portanto, que o conceito de caso de força maior deve estar em correlação com a norma do nº 1 do citado artigo 790º. E assim sendo, parece poder concluir-se que, para se verificar a justificação (legal) para que o filho dos réus (senhorios) não tenha ocupado o prédio no prazo de 60 dias previsto no citado nº 2 do artº 72º do RAU—nem posteriormente (pelo menos até à propositura da acção), basta que, por facto que lhe não seja imputável, se tenha tornado impossível para ele tal ocupação.
Escreveu-se no Ac. do STJ de 28.07.1981, publicado no Bol. M. J., nº 309º, pág. 336, que na definição ou descrição do caso de força maior «há a considerar um elemento objectivo, acontecimento humano ou natural previsível ou previsto, e um elemento subjectivo, a inevitabilidade por parte do devedor» Na doutrina, ver Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, vol. I, pág. 311).
Um tanto diferentemente da posição supra, que sustentamos— e que se socorre do artº 790º, nº1, do CC para aferir dos casos em que há “força maior”--, temos o ensinamento—sempre mui douto, aliás—do Prof. Antunes Varela.
Assim, em anotação na Rev. de Leg. e Jur., ano 119º, pág. 275, num caso de acção de despejo por falta de residência permanente, o Ilustre Civilista parece afastar a aplicação do artº 790º para justificar a actuação do arrendatário que teve de passar a fazer a sua vida doméstica noutra casa que não a tomada de arrendamento por virtude de ruína de parte do prédio— caso em que o STJ julgou configurada a força maior, mas, no entanto, na perspectiva da impossibilidade do artº 790º-1 CC.
Efectivamente, o Ilustre Civilista, embora concordando com a conclusão jurisprudencial aí vertida, afastou a aplicação do citado artº 790º-1 CC, sustentando que, ao afastar o direito de resolução com base em força maior ou em doença, “a lei quer efectivamente abranger os casos em que a não habitação ou a falta de residência permanente se torna compreensível, aceitável, perfeitamente explicável”, em consequência dos factos verificados.
Assim sendo, parece concluir-se que para o Ilustre Professor a causa da saída do locatário não estava propriamente em o andar ter deixado de satisfazer às necessidades do réu ou em se ter tornado impossível ao arrendatário gozar o andar arrendado para o fim a que se destinava, mas “em ele, compreensivelmente, justificadamente, razoavelmente, o não querer habitar em consequência do facto de força maior registado”.
Na mesma linha de orientação do Professor Antunes Varela, acabada de referir, temos Januário Gomes, Arrendamento para habitação, 1994, p. 234.
Não cremos que a questão deva ser vista tão só na perspectiva da razoabilidade da exigência, ou não, de habitação ao arrendatário (estando em causa o despejo com base na falta de residência permanente) ou ao senhorio (no caso de ocupação do prédio despejado, como no caso sub judice).
É que, parece resultar da lei um obstáculo intransponível: a exclusão do direito de resolução (artº 64º, nº2, a) do RAU), ou do de ocupação do prédio despejado (artº 72º, nº2 do mesmo RAU), não se pode, de forma alguma, reconduzir a ser desrazoável que o arrendatário ou o senhorio (este, no caso sub judice) habite o prédio, mas a ser essa habitação impossível (precisamente por causa da situação de força maior). A não ser assim, converter-se-ia a força maior—que é uma força superior e insuperável-- numa simples razão atendível, justificável, compreensível! O que é de todo inaceitável, até porque o legislador português já há muito que cortou as asas ao arbítrio judicial, ostensivamente impedindo uma “prudente” mediação do julgador na concretização, v.g., dos casos de resolução pelo senhorio -- Pires de Lima falava no “direito certo”—(ver, v.g., J. Baptista Machado, Resolução do Contrato de Arrendamento Comercial/Colectânea, IX, 2, 28).
Já o Professor Marcelo Caetano , Manual de Direito Administrativo, II, 9ª ed., 1306, escrevia que força maior é o facto imprevisível e não querido pelo agente que o impossibilita absolutamente de agir segundo as resoluções de vontade própria, quer paralizando-a, quer transformando o indivíduo em cego instrumento de forças externas irresistíveis.
Voltemos ao caso sub judice.
Feito este (já longo) bosquejo doutrinal e jurisprudencial, vejamos, então, se a factualidade apurada configura de facto uma força maior impeditiva da ocupação do prédio por banda do filho dos réus/senhorios.
Apodícticamente que não configura.
Como vimos, o que caracteriza a força maior é a ideia de inevitabilidade (Manuel de Andrade, Cabral de Moncada); é um acontecimento (facto da natureza ou do homem) imprevisível e inelutável (Dario Martins de Almeida—que cita como exemplos “os actos de guerra ou subversão, epidemias, radiações atómicas, fogo, raio, ciclones, tomados, erupção vulcânica, terremoto, a explosão de gás, a tempestade, a inundação brusca...”).
Tudo isto, como vimos, também, acaba por se traduzir—quer à luz do vetusto Código de Seabra, quer do actualmente vigente CC (artº 790º, nº1)-- numa situação de impossibilidade (objectiva) de cumprimento por causa não imputável ao devedor (senhorios)-- in casu, seria o estado de “degradação” do prédio e subsequentes (consequentes) obras nele efectuadas que teria de traduzir essa impossibilidade de ocupação do prédio por parte dos réus/senhorios (nunca se esquecendo que a força maior é sempre uma força superior e insuperável).
Ora, regressando à matéria de facto provada com relevo neste domínio, o que se provou foi istoe só isto:
O filho dos senhorios—para cuja habitação se destinava o prédio—não foi habitar o prédio dentro dos 60 dias após a desocupação.
O prédio (aquando da desocupação pelos autores/inquilinos) “encontrava-se em estado de degradação”.
O que obrigou os RR. a “proceder a obras de reparação” do mesmo, que se concluíram em 13.11.98.
Em tais obras “foram adquiridos diversos materiais de construção bem como portas e outros equipamentos”
“Bem como foram comprados novos móveis e outros equipamentos de cozinha” Nada mais vem dado como provado-- aliás, também não foi alegado!
Ora, face a esta matéria de facto apurada, não se nos afiguram quaisquer dúvidas em afirmar que nem no mais brando dos entendimentos sufragados na doutrina sobre o conceito de “força maior” – que parece ser o supra apontado do Ilustre Prof. Antunes Varela--, se pode ver a situação sub judice como o preenchendo.
É certo que se provou que o prédio estava degradado.
Mas o que os réus não alegaram ou explicaram, sequer, na sua contestação-- nem esclareceram em momento ulterior— foi em que consistia essa “degradação”: o que estava de tal modo degradado que os impossibilitava de ocupar o prédio (anote-se que o mesmo se presumia habitável, pois serviu de habitação aos autores/inquilinos até entrega das chaves aos senhorios); quais as paredes, tectos, saneamento, etc., etc., que estavam “degradados”, em que medida e se tal “degradação” era de tal monta que tornava o prédio de todo incapaz de ser usado para os fins a que se destinava (a habitação); etc., etc....
Afirmar-se que o prédio estava em “estado de degradação” é claramente conclusivo-- pelo que o quesito 1º (fls. 94 verso) não deveria, sequer, ser levado à base instrutória. Parece, de facto, não haver dúvidas de que a expressão “degradação” é de todo vaga, imprecisa e conclusiva, carecendo de ser traduzida em factos concretos que a explicitem.
Ora, além dessa expressão --“degradação”--, deu-se como provado, tão só e apenas que se fizeram “obras” no prédio. Mas que obras? Não foram levadas à matéria assente nem à base instrutória --e não o podiam ter sido porque ...nem sequer foram alegadas!...
Dizer-se que se adquiriram “diversos materiais de construção” não é nada, salvo o devido respeito, pois se desconhece o que foi, efectivamente, adquirido, em que medida e para quê.
O que de concreto se sabe é tão só, afinal, que foram compradas “portas e outros equipamentos”, bem como “novos móveis e outros equipamentos de cozinha”.
Mas—valha-me Deus!—isso tem a ver com a comodidade e com a qualidade das instalações e seu recheio (mobiliário). Nunca com uma situação de degradação do edifício em termos de o tornar, por qualquer forma, inabitável—muito menos (como exige o conceito de “força maior”) em estado de (completa) impossibilidade de ser ocupado após a entrega das chaves!
Para que se pudesse falar em força maior tínhamos de estar em face de um facto de terceiro (v.g. força da natureza) irresistível e, portanto, invencível pelos meios normais e adequados de reacção, não compatível com uma reacção inepta ou frouxa.
Mesmo que se entendesse que o prédio se encontrava em estado de total e absoluta degradação—o que não ocorreu, acentue-se--, ainda assim era preciso mostrar que tal se deveu a uma situação ou acção de terceiro invencível pelos meios normais de reacção.
Ora, estando tão só em causa obras de restauração (ou conservação) do prédio, por forma a torná-lo “mais habitável”, ou a dotá-lo de maiores comodidades, é claro que estamos em face de situação perfeitamente controlável pelo homem (in casu, quer pelos senhorios, quer pelos inquilinos) – isto sem necessidade de trazer à colação a questão de saber a quem cabia a realização das obras de reparação, pois, para o efeito (da questão da força maior), de nada releva...
Diga-se, aliás, que a necessidade de obras só em casos muito especiais poderá ser vista como caso de força maior dilatória, quer da resolução do contrato de arrendamento, quer justificativa da não ocupação atempada do prédio que foi despejado com fundamento na necessidade de habitação do senhorio.
Por outro lado, refira-se que a impossibilidade subjectiva só releva quanto à prestação de facto infungível. A não realização das obras de reparação ou manutenção do prédio por dificuldades económicas do arrendatário ou do senhorio ou da sua insolvência constituirá, ou uma simples dificultas proestandi ou uma impossibilidade meramente subjectiva, insusceptíveis de integrar força maior.
Ora, como dissemos, a facti species legal forma um conceito objectivamente delimitado como uma impossibilidade, não uma simples dificultas proestandis, e não ainda uma causa de justificação ou de não exigibilidade, analisada pela simples óptica da razoabilidade do não uso do prédio ou—in casu—da não ocupação após a entrega do mesmo ao senhorio. O conceito de força maior tem, como dissemos supra, de ser entendido em correlação com a norma do artº 790º, nº1 do C.C. (cfr., ainda, neste sentido, o Ac. STJ de 6.1.1983, Bol. M.J. 323, 352.
Mário Frota, in ob. e loc. citados, refere como casos de força maior “designadamente a morte do locador, a sua deslocação forçada da localidade em que o prédio se acha implantado, não prevista à data do despejo, seja em cumprimento de missão profissional, civil ou militar, por tempo determinado ou indeterminado”—tudo situações que, igualmente se não verificam no caso sub judice.
Compreendemos a situação dos réus/senhorios, na media em que querem entregar ao filho que vai casar uma habitação renovada, em óptimo estado, com óptimas comodidades, dotada de “novos móveis e outros equipamentos de cozinha”, bem assim com novas “portas e outros equipamentos”.
Compreende-se tudo isto, na medida em que, porventura, será a primeira casa que o candidato ao casamento irá ter e onde pretende construir (ou reconstruir) nova vida.
Tudo isto é sadio e compreensível.
No entanto, legem habemus!
E a lei que temos é clara: para vingar a posição dos réus—de não reocupação do prédio dentro dos 60 dias de que reza a lei, por virtude das obras que neles efectuaram--, impõe-se a verificação de uma situação de força maior. E a força maior que está na base da não ocupação no prazo dos 60 dias referido no artº 72º, nº2 do RAU—tal como a que está na base da não habitação ou da falta de residência permanente referidas na al. i) e nº 2º, al. a), do mesmo RAU e que exclui a resolução do contrato de arrendamento— tem necessariamente de ser uma impossibilidade objectiva não imputável ao arrendatário ou ao senhorio (no nosso caso), e não uma situação em que apenas seria compreensível, aceitável ou perfeitamente explicável a não ocupação, a não habitação ou a falta de residência permanente, conforme o caso.
Percutindo o Professor Marcelo Caetano (ob. e loc. cits.): para haver força maior teríamos de estar em face de um facto ou situação imprevisível e não querida pelos réus que os “impossibilitassem absolutamente de agir segundo as resoluções de vontade própria, quer paralisando-a”, quer transformando-os em “cego instrumento de forças externas irresistíveis.”
É este o entendimento de equilíbrio que resulta, quer da lei, quer da posição que vem sendo sufragada pela doutrina e jurisprudência, segundo pensamos, mais avalizada—assim se fazendo uma construção e aplicação do conceito de força maior em obediência à lei e numa linha de justo equilíbrio dos interesses contratantes.
No caso sub judice, portanto, claramente se não verifica uma factualidade que, nem de perto, nem de longe, nos permita afirmar estar preenchido o aludido conceito legal da “força maior”.
De forma alguma parece poder aceitar-se a pretensão dos réus/senhorios apenas na perspectiva de ser compreensível, aceitável , explicável, razoável a sua posição (leia-se o motivo ou razão da não ocupação da habitação no prazo aludido na lei). Impõe-se, como vimos, a verificação de uma situação de impossibilidade objectiva dessa ocupação por banda dos réus/senhorios, traduzida numa impossibilidade de, no estado em que o prédio se encontrava à data da entrega pelos autores/inquilinos, concretizarem tal ocupação, sendo impossível aos réus gozar o prédio arrendado para o fim a que se destinava-- o que aconteceria, v.g., se por virtude de uma derrocada provocada por um cataclismo, desabasse o telhado ou parte do prédio sem a qual era impossível a sua utilização para o fim a que se destinava.
Sobre o facto de a entrada de chuva pelo telhado dum estabelecimento comercial, que o torna impróprio, constituir, em si, força maior justificativa do seu encerramento pelo inquilino, ver o Ac. da Rel. do Porto de 3.2.81, Col. Jur. VI, 1, 146.
Sobre a ameaça de ruína ou de desabamento de um quarto de banho constituir caso de força maior para a existência e permanência no arrendado, ver o Ac. da mesma Relação, de 24.7.86, Col. Jur., XI, 4, 223.
Repare-se que mesmo que se estivesse em face de uma situação em que o tecto do prédio ameaçasse ruína, pondo em perigo a integridade física do(s) (candidatos a) moradores, ainda assim tem a jurisprudência sustentado que se não está em face de caso de força maior, mas tão só perante uma situação de não cumprimento do contrato (cfr. Ac. Rel. do Porto de 16.01.1992, Col. Jur., XVII, 1, 226—ver, ainda, a anotação de Pais de Sousa [relator do douto acórdão], nas suas Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano, 1994, 3ª ed., pág. 186, nota 46).
Igual entendimento foi, aliás, sufragado pela Relação do Porto no Ac. de 22.1.92, Col. Jur., XVII, 1, 126 respeitante à situação de ameaça de ruína ou de desabamento do quarto de banho.
O Ac. da mesma Relação, de 11.4.94, Col. Jur., XIX, 2, 209, já entendeu que a falta de realização de obras, pelo senhorio, não pode ser considerada como excepção de contrato não cumprido, por não ter, como correspectivo, o direito dos arrendatários em abandonar o locado, enquanto aquele as não fizer, mas os procedimentos previstos nos arts. 14º a 16º do RAU. Ver, ainda, o Ac. da Rel. de Coimbra de 22.10.1991, Col. Jur. XVI, 4, 118.
Por aqui se vê, portanto, o justo pendor da jurisprudência que reluta em considerar como caso de força maior a degradação por vetustez— o arrendamento do prédio dos autos ocorreu em 1975—não cuidada pelo senhorio.
Numa posição um tanto mais “branda”, Abílio Neto, in Leis do Inquilinato, Notas e Comentários, 6ª ed., 1988, a pág. 226 (em anotação ao artº 1099º do CC), defende que o senhorio pode deixar de habitar e ocupar o prédio nos 60 dias imediatos ao recebimento das chaves, com fundamento na necessidade de realização de obras no arrendado, se o estado do prédio, ao tempo da entrega, tornar indispensáveis as obras para uma ocupação em termos aceitáveis de dignidade e conforto”-- situação que, mesmo assim, não ficou provada in casu, atenta a matéria de facto provada (e alegada—vaga e mui imprecisa).
Saliente-se, a finalizar, que não interessa aqui discutir se as obras de que o prédio carecia eram, ou não, da responsabilidade do senhorio, pois para o efeito do conceito em questão (força maior), tal afigura-se-nos de todo irrelevante.
Efectivamente, não importa saber aqui sobre o conflito de interesses entre o gozo de rendas de império por parte dos arrendatários (os réus tão só pagavam uma renda de cerca de seis mil escudos !), e as despesas de conservação, avolumadas pelo envelhecimento (natural) do prédio— devendo, porém, dizer-se que tal antinomia de interesses sempre deve ser resolvida de forma equilibrada.
Certamente que as obras efectuadas pelos apelados irão ter a adequada repercussão na renda a pagar pelos apelantes, em conformidade com a lei vigente (cfr., v.g., arts. 31º e 38º do RAU). Mas isso é matéria que extravasa do âmbito desta apelação.
Do explanado se conclui, portanto, que, não verificado ou preenchido (em factos— aliás, repete-se, não suficientemente alegados) o conceito de “força maior”—única situação que justificaria a não ocupação do prédio por banda dos réus/senhorios dentro dos 60 dias posteriores à sua entrega pelos autores/inquilinos--, necessariamente que merece vencimento a posição sustentada pelos Autores/apelantes nas suas doutas alegações de recurso—claudicando, por consequência, a posição dos Réus/apelados.
E assim sendo, impõe-se a procedência da apelação, com a consequente revogação da sentença recorrida.
É o que se passa a decidir.
3. DECISÃO:
Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação dos Autores B............ e mulher C............ e, por consequência, em revogar a sentença recorrida, condenando-se os réus D............ e marido E............ a pagar aos autores a quantia de 145.008$00 (dois anos de renda), bem assim a ver reocupado o arrendado por banda daqueles (autores).
Custas, em ambas as instâncias, pelos Réus /apelados.
Porto, 26 de Fevereiro de 2004
Fernando Baptista Oliveira
Manuel Dias Ramos Pereira Ramalho
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha