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ARGUIÇÃO DE NULIDADES
NULIDADE PROCESSUAL
PRAZO
Sumário
As nulidades “secundárias” não podem ser arguidas mais de 10 dias após o dia em que, depois de cometida a alegada nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:
A execução hipotecária que está na origem deste recurso foi intentada em 17/02/2003, há mais de 21 anos.
O executado devedor F foi citado por carta registada com a/r assinado pelo próprio entre 05/07 e 11/07/2003.
Foi lavrado termo de penhora do imóvel hipotecado em 09/07/2012, do que o executado foi notificado por carta de 12/07/2012.
A 27/11/2018 foi aceite, em auto de abertura de propostas, a apresentada pela actual exequente B-SA, para a compra do imóvel.
A 18/06/2019 foi emitido o título de transmissão do imóvel.
Desde 10/09/2019 está-se a tentar proceder à entrega do imóvel ao adquirente.
O executado foi sendo notificado do que importava. Nunca constituiu advogado, nem deduziu qualquer oposição.
A 04/10/2019, o executado constituiu advogado que a 04/11/2019 apresentou procuração para junção aos autos.
A 09/12/2019, o executado fez um requerimento:
(i) o primitivo exequente M nunca lhe comunicou a cessão do crédito exequendo à B, entidade que foi habilitada no seu lugar, pelo que essa cessão está ferida de nulidade insuprível; (ii) o imóvel é destinado exclusivamente à habitação própria permanente do executado e do seu agregado familiar, pelo que não poderia ser vendido, em conformidade com o disposto no art.º 244/2 do Código de Procedimento e Processo Tributário; (iii) apesar do valor da execução, o executado não foi notificado para constituir advogado, o que importa a nulidade do processado a contar da citação; (iv) a execução mostra-se extinta, pelo que deverá ser revogada a ordem de despejo; e (v) assisti-lhe o direito à prorrogação do prazo de entrega das chaves por mais 6 meses visto que não tem outro local onde residir.
A 11/02/2019, o requerimento foi indeferido, dizendo-se, quanto a:
(i), a [actual exequente] foi habilitada no lugar do exequente por sentença proferida em 11/06/2013, que se mostra há muito transitada em julgado. Nos autos desse apenso foi cumprido o contraditório, não tendo o executado deduzido qualquer oposição no momento processual oportuno. Acresce que a eventual falta de notificação da cessão ao executado antes de ser intentado o incidente de habilitação, nunca impediria a plena eficácia da cessão, tornando-se a cessão eficaz perante o requerido logo que este tomou dela conhecimento, se não antes, pelo menos com a sua notificação para contestar o pedido de habilitação (cf. neste sentido, o acórdão do STJ, de 03/06/2004, proc. 04B815, para onde se remete para mais esclarecimentos). Não ocorre, pois, a alegada nulidade; (ii), a impossibilidade de venda prevista no art.º 244/2 do CPPT apenas respeita ao processo de execução fiscal, nada impedindo a sua venda em processo de execução pendente em tribunal; (iii), basta analisar o acto de citação do executado, concretizado em Julho de 2007, na sua própria pessoa, para se concluir que tal não é verdade; (iv), nenhuma ordem de despejo foi emitida, resultando a diligência de entrega da actividade do agente de execução. De qualquer das formas, sendo a entrega uma consequência necessária da venda judicial efectuada, não pode obstar a essa entrega o facto da execução ter sido declarada extinta. O exequente adquiriu a propriedade do imóvel em venda judicial e tem o direito a que o mesmo lhe seja entrega, se necessário com o auxílio do tribunal para o efeito; (v), desconhece-se qual o fundamento legal, que também não é alegado. Na entrega, deverá o agente de execução respeitar o disposto no art.º 861/6 do CPC, sendo caso disso, daqui não resultando um qualquer prazo certo para efectuar a entrega.
O executado foi notificado do despacho por carta de 18/02/2020.
A 30/11/2020, o executado, dizendo-se notificado do agendamento da desocupação para 03/12/2020, requereu, “ao abrigo do disposto nos artigos 6.º-A/6-b da Lei 16/2020, de 29/05, […] a suspensão imediata, no decurso do regime excepcional e transitório, dos actos a realizar no presente processo executivo de concretização da realização das diligências de entrega judicial da casa de morada de família.”
A 02/12/2020 a diligência foi dada sem efeito.
Por carta de 05/07/2023, o executado foi notificado que “uma vez que a Lei n.º 31/2023 de 04/07 revogou a Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, […], deverá proceder à entrega do imóvel ao adquirente, no prazo de 10 dias, após a entrada em vigor da Lei supramencionada (04/08/2023).”
A 14/09/2023, a exequente/adquirente veio “informar o tribunal que o executado, apesar das interpelações efectuadas pela credora/adquirente do imóvel, bem como das diversas notificações enviadas pelo tribunal, não procedeu à entrega voluntária do imóvel. Há mais de 4 anos que o executado ocupa ilegitimamente o imóvel. É, portanto, muito urgente, que o tribunal emita os respectivos mandatos para entrega do imóvel à adquirente, a aqui requerente.”
A 19/09/2023 foi proferido o seguinte despacho:
A Lei 1-A/2020, de 19/03, e os demais diplomas que ainda se encontravam vigentes, onde se previam normas transitórias decorrentes da situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 foram revogados pela Lei 31/2023, de 04/07, com efeitos reportados a 4 de Agosto no que respeita à norma do art.º 6.º-E, n.º 7, da Lei 1-A/2020, de 19/03, na redacção introduzida pela Lei 13-B/2021, de 05/04.
Autoriza-se por isso a entrega ao adquirente do bem imóvel que lhe foi adjudicado, com auxílio, se necessário, da força pública, e subsequente notificação dos executados e eventuais detentores para que respeitem e reconheçam o seu direito (art.º 828 do Código de Processo Civil).
Previamente à entrega, deverá, contudo, respeitar-se o disposto no art.º 861/6 do CPC.
Mais deverá notificar-se os executados da data designada para a realização da diligência, com antecedência não inferior a 10 dias, para que estes, caso assim o pretendam, entreguem voluntariamente o imóvel ou requeiram o que tenham por conveniente.
Notifique.
D.N.
A 20/09/2023 foi emitido mandado para entrega e notificação e carta para notificação do advogado do executado.
A 22/11/2023, o executado, dizendo ter sido notificado de que iria ser efectuado o arrombamento da porta, fez um requerimento a pedir a suspensão da efectivação da entrega e a interpor recurso para o tribunal constitucional.
A 23/11/2023, a secção de processos, invocando o recurso, suspendeu a entrega do imóvel.
Por despacho de 23/02/2024 não foi admitido o recurso para o TC.
O executado foi notificado deste despacho.
A 18/04/2024, a unidade de serviço externo informou que foi agendada a realização da diligência da entrega para 20/05/2024, pedindo que sejam feitas as comunicações previstas no art.º 861/6 do CPC, o que é feito pela secção de processos por 4 ofícios de 19/04/2024.
A 16/05/2024, o executado, dizendo ter tomado conhecimento do agendamento do despejo para 20/05/2024, vem “arguir, com efeito suspensivo automático, a nulidade da penhora e da venda e consequentemente a revogação da ordem de despejo” porque se verificaria a excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, da preterição de sujeição do devedor ao PERSI. Por despacho de 17/05/2024 foi indeferido o requerido pelo executado, dizendo-se o seguinte:
Cumpre apreciar e decidir, o que se fará sem audição da parte contrária, por se considerar tal audição manifestamente desnecessária (art.º 3/3).
Desde logo cumpre dizer que, nos termos do art.º 734/1 do CPC, “O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.”
No caso, o imóvel penhorado já foi vendido em 27/11/2018 e o título de transmissão emitido em 18/06/2019, pelo que é manifesto que já ocorreu o “primeiro acto de transmissão dos bens penhorados”, não sendo por lícito ao juiz conhecer já oficiosamente das questões que poderiam ter determinado o indeferimento liminar do requerimento executivo.
Não obstante, sempre se dirá que a presente execução deu entrada em juízo em 20/02/2003.
O DL 227/2012, de 25/10, onde se estabeleceu um conjunto de princípios e de regras a observar pelas instituições de crédito destinadas a promover a prevenção do incumprimento, designado por Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e a regularização das situações já em incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos, chamado de Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), apenas entrou em vigor em 01/01/2013, em conformidade com o disposto no seu art.º 40.º
Só a partir desta data é que passou a ser obrigatório para as instituições de crédito mutuantes incluírem no PERSI os seus clientes bancários que se encontrassem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, ainda que essa mora fosse anterior à data da entrada em vigor do diploma.
A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito, constituindo uma verdadeira falta de condição objectiva de procedibilidade que, na busca do lugar paralelo, é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das excepções dilatórias.
Ora, se o diploma em que o executado funda a sua pretensão só veio a entrar em vigor quase dez anos depois da execução já se encontrar pendente em juízo, como pode defender-se que o exequente deveria ter integrado o executado no PERSI antes de contra si ter intentado a execução!?
É manifesta a falta de fundamento do alegado, que roça a litigância de má fé.
Termos em que, face ao exposto, se indefere o requerido pelo executado.
Custas do procedimento anómalo pelo executado [devedor], fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (art.º 7/4, do Regulamento das Custas Processuais, e tabela II que do mesmo faz parte integrante), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique. A 19/05/2024, o executado interpôs recurso deste despacho, para que seja revogado e declarada a absolvição do executado da instância e consequente nulidade da adjudicação e subsequente transmissão, terminando as suas alegações defendendo que se verifica a referida excepção dilatória inominada de falta de integração no PERSI, que impediria a instauração de acções judiciais, impedimento que, agora, também faz decorrer do art.º 7-B/1 do DL 349/98 e da Directiva Comunitária 2014/17/EU e, ainda, que era suposto que o tribunal ordenasse a notificação do exequente para se pronunciar sobre a arguição de nulidade da penhora e da venda e pedido de extinção da execução.
* A exequente/adquirente do imóvel não contra-alegou.
* Questão que importa conhecer: se se verifica a nulidade arguida pelo executado e se, por isso, o juiz devia ter deferido o requerido pelo executado.
* Os factos que importam à decisão desta questão são as ocorrências processuais narradas no relatório que antecede.
* Apreciação:
O recurso tem por objecto uma decisão que indeferiu a arguição de uma nulidade.
A nulidade invocada foi o facto de o juiz não ter conhecido oficiosamente a existência de uma excepção dilatória inominada.
Um juiz só pode conhecer, oficiosamente, de uma excepção dilatória, numa execução, até ao momento previsto no art.º 734/1 do CPC, isto é, até à prática do primeiro acto de transmissão dos bens penhorados.
A 18/06/2019 foi emitido o título de transmissão do imóvel, pelo que, a haver a omissão do conhecimento oficioso de uma excepção dilatória, essa omissão, causadora de eventual nulidade, não ocorreu depois disso.
O art.º 199/1 do CPC, dispõe sobre a regra geral sobre o prazo da arguição de nulidades, que não sejam as “principais”, isto é, as do art.º 198 do CPC, como é o caso.
Assim sendo, no caso, “o prazo para a arguição [da nulidade “secundária”] conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo.”
Ora, o executado, depois de 18/06/2019 já praticou inúmeros actos no processo e isso já representado por advogado, como por exemplo em 09/12/2019 quando deduziu uma série de pretensões, entre elas a arguição de uma nulidade por o imóvel ter sido vendido quando não o podia ter sido.
Assim sendo, a arguição da nulidade é extemporânea – com ultrapassagem do prazo em muito mais de 4 anos -, pelo que o juiz nunca poderia ter deferido o requerido pelo executado.
O que é suficiente para o indeferimento da arguição da nulidade e, por isso, para a confirmação do decidido no despacho recorrido, embora por fundamento diverso do invocado no despacho recorrido.
*
De qualquer modo, diga-se, ainda, o seguinte:
Nas conclusões do recurso, o que o executado pretende é que o juiz devia ter conhecido oficiosamente da excepção dilatória da preterição da integração no PERSI.
O meio normal de oposição à execução é a dedução de embargos. Tratando-se de questão de conhecimento oficioso e que “não carece de alegação de factos novos nem de prova” (Lebre de Freitas, A acção executiva, 8.ª edição, Gestlegal, 2024, páginas 221 a 224, especialmente 222 e 223), ela pode ser suscitada por simples requerimento (art.º 734/1 do CPC). Mas o uso da faculdade implícita no art.º 734 do CPC tem por limite, como decorre da própria norma, a prática do primeiro acto de transmissão dos bens penhorados. Como este já ocorreu há muito mais de 4 anos, a questão já não podia ser suscitada.
O que também seria suficiente para a improcedência do recurso.
*
Quanto ao mais: o executado não tem legitimidade para se estar a queixar da falta de audição da parte contrária (art.º 197 do CPC) - aliás devidamente justificada pelo Sr. juiz -, já que a prática de um acto que vá provocar o atraso do processo não é um interesse, legítimo, do executado.
*
Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Sem custas porque o executado tem apoio judiciário para a dispensa delas.
Lisboa, 26/09/2024
Pedro Martins
Fernando Alberto Caetano Besteiro
Higina Castelo