FUNDAMENTOS
CASO JULGADO FORMAL
ANULAÇÃO DA VENDA
Sumário

I – Os fundamentos da decisão fazem caso julgado formal (artigos 91/2 e 620 do CPC), isto é, limitado ao processo.
II – Anunciada a venda de uma fracção dizendo-se que ela está ocupada, esta ocupação pode estar a ser feita com base numa variedade de títulos, entre eles o de arrendamento, pelo que, não se verifica o vício previsto na 1.ª parte do art.º º 838/1 do CPC para a anulação da venda, se, depois, se apura que se trata de uma ocupação a título de arrendamento.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados

A 17/10/2020 a L-S. à rl [e não SARL como indicado pela exequente – parenteses rectos deste TRL, aqui como de seguida], requereu uma execução hipotecária. Foram indicados à penhora a nua propriedade e o usufruto, hipotecados [com registo em 15/12/1998], da fracção autónoma denominada pela letra C, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, descrito sob o número […] da freguesia de […] [o número predial correcto é: […]] e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo […], sito na Rua B […] [o número correcto  é […]], […]. São indicados como “associados ao bem” [sic] P [da certidão predial/informação em vigor de 12/10/2020 resulta que este é o usufrutuário] e F [a exequente esqueceu-se de indicar os apelidos entre parênteses rectos – eles constam da certidão predial e do contrato de empréstimo garantido, tal como não indicou que a executada era casada - na certidão predial, esta executada é a nua-proprietária; na certidão, quanto à composição consta: […]; não consta nenhum artigo matricial, mas na caderneta predial urbana junta a 17/11/2020 confirma-se parcialmente o número indicado pela exequente: […]].
Foi lavrado auto de penhora da nua propriedade e do usufruto a 04/11/2020. O artigo matricial indicado é o […] […] [mas este artigo é do prédio todo]. Do auto não consta a indicação de qualquer depositário e a executada nua-proprietária (F) e o usufrutuário (P) não foram indicados como residentes na fracção, mas em moradas distintas. Como observações do auto de penhora consta: os ónus e encargos do bem penhorado são os descritos na certidão predial em anexo, à data de 16/11/2020. Nessa certidão constam, em vigor, as hipotecas a favor do exequente, e uma penhora do usufruto, com data de 2019, a favor da Fazenda Nacional [mais tarde cancelada conforme veio a demonstrar a exequente]; não consta registo de qualquer arrendamento ou qualquer outro ónus.
O AE diz ter tentado a citação pessoal do usufrutuário e segundo informação do Sr. AC, residente no 1º Dto e administrador do edifício, o executado já ali não reside há cerca de 4 anos. Depois de consultadas as bases de dados, nas quais a morada era a mesma, o AE efectuou a citação edital do usufrutuário e, depois, procedeu [sem intervenção do juiz, apesar do que consta do art.º  236 do CPC] à citação dele na pessoa do MP (não há indicação de ter perguntado à filha, co-executada, como resulta da identificação completa constante dos autos, apesar de não explicitada pela exequente, qual o paradeiro do pai; também não se mostra ter-se procurado informação policial deste paradeiro, a pedido do juiz, cuja intervenção não se procurou).
A 14/12/2021, no âmbito das diligências para venda o agente de execução C requereu ao tribunal, “para que seja possível entrar no imóvel penhorado e tirar as fotografias necessárias para se realizar a venda por leilão electrónico, modalidade preferencial de venda, o deferimento do pedido de auxilio da força pública para arrombamento e mudança de fechadura do imóvel, o que faz nos termos e efeitos do art.º  757º nº 2 do CPC. Para tanto informam-se os autos que: O signatário não consegue aceder ao interior do imóvel, e na deslocação que fez ao imóvel não foi possível perceber se o mesmo está ocupado ou devoluto. O executado proprietário do imóvel foi citado numa morada diferente da morada do imóvel penhorado. Sem despacho judicial as forças policiais não procedem/ comparecem ao arrombamento do imóvel, tanto mais que não se consegue, com a certeza que se impõe, dizer que o imóvel não está ocupado. Autorização que foi concedida por despacho de 14/12/2021.”
A 27/07/2022 / 04/08/2022, V, dando-se como residente na fracção em causa veio dizer o seguinte:
Tenho 78 anos, estado civil divorciada; Fui informada verbalmente pelo Dr. C por um agente de execução que a casa onde resido há 7 anos irá em Setembro para leilão, devido a uma alegada dívida do senhorio; Há 7 anos que pago por transferência bancária a renda ao senhorio e o contrato de luz e água estão em meu nome; Requeri protecção jurídica da Segurança social no dia 21/07 (comprovativo em anexo). Sou pensionista por velhice e recebo complemento solidário para idosos, pelo que não tenho recursos económicos para procurar uma alternativa habitacional. Face ao exposto, temo ficar desalojada, pelo que peço a análise do processo considerando as minhas circunstâncias.
Este requerimento foi notificado à exequente e ao AE.
A 31/08/2022, a exequente, dizendo-se notificado quanto ao requerimento datado de 27/07/2022, vem, pronunciar-se nos seguintes termos:
1\ Veio um terceiro ao processo juntar aos autos requerimento dando conta de um alegado arrendamento existente sobre o bem imóvel penhorado, e garantia da dívida peticionada nestes autos.
2\ Porém, não junta qualquer documento comprovativo do alegado arrendamento (contrato de arrendamento ou recibos de renda).
3\ Acresce que, o alegado arrendamento foi constituído há 7 anos, o que significa que a existir um contrato de arrendamento, este foi realizado pelos executados após a constituição da hipoteca a favor do exequente, quando apenas o poderia fazer após autorização do Banco para oneração do imóvel.
4\ Razão pela qual não poderá o exequente, que cuidou de devidamente registar a sua hipoteca, conferindo-lhe a devida publicidade registal, ficar sujeito à existência de um alegado contrato que diminui sobremaneira a sua garantia e que não foi por si autorizado.
5\ Sendo esta já uma questão debatida largamente na doutrina e na jurisprudência, diremos que, nos casos como o dos autos, em que o contrato de arrendamento é posterior ao registo da hipoteca, defendemos o entendimento que na expressão direitos reais mencionada no art.º  824º nº 2 do Código Civil se inclui, por analogia, o contrato de arrendamento,
6\ Determinando-se, portanto, a caducidade do mesmo com a venda judicial.
7\ Mais, não é demostrada nos autos a comunicação às Finanças do arrendamento, o que gera, uma vez mais, a sua invalidade.
8\ Carece também o requerimento de prova quanto ao pagamento das rendas.
9\ Por último, sempre se dirá, que a comprovar-se a existência do alegado contrato de arrendamento, terá a arrendatária opção de compra do imóvel, nos termos da lei, sendo-lhe conferida a faculdade de exercer o direito de preferência.
A 05/09/2022, a secção de processos deu conhecimento deste requerimento ao AE.
A 11/10/2022, foi proferido o seguinte despacho pelo Sr. juiz:
Notifique a apresentante do requerimento de 04/08/2022, na pessoa do patrono entretanto nomeado, para juntar documento comprovativo do alegado arrendamento, com vista a ser-lhe reconhecido o direito de preferência na compra do imóvel penhorado.
A 14/10/2022, a residente veio em resposta ao despacho supra referenciado informar que não dispõe de um contrato de arrendamento formal, ou seja, escrito, tendo o mesmo sido acordado verbalmente por imposição do senhorio.
A 20/10/2022, a secção de processos notificou este requerimento ao AE.
A 26/10/2022, o Sr. juiz proferiu o seguinte despacho:
Nada a ordenar.
A 28/10/2022, a exequente diz, em requerimento dirigido ao AE, que, em face do despacho proferido na data de 26/10/2022, requer os seus bons ofícios no sentido de promover pela venda judicial do bem imóvel.
A 20/02/2023, o AE notifica os executados, o exequente e o patrono da residente [este “na qualidade de mandatário da locatária”], entre o mais, de que “está a decorrer o leilão electrónico n.º […], que pode ser consultado através do link [..], para a venda do bem imóvel penhorado nos presentes autos.” Os executados são ainda notificados de que “na qualidade de fiel depositário, nos termos e para os efeitos do artigo 818º do CPC, de que está obrigado a mostrar o bem imóvel penhorado nos autos a quem pretenda examiná-lo. […].”
A 24/04/2023, consta uma certidão de encerramento de leilão, com aceitação da proposta da AD - Investimentos Imobiliários, Lda, representada por J. 
Nessa mesma data o AE envia uma carta para o patrono nomeado à residente notificando-o, na sua qualidade “de patrono da arrendatária/preferente”, que na sequência do leilão electrónico para promoção da venda do imóvel penhorado nos autos houve uma proposta de compra vencedora no valor de 100.436,09€. Deste modo, deverá V. Exa dizer expressamente, no prazo de 10 dias, se pretende exercer o seu direito de preferência na aquisição do bem. Caso não exerça o direito acima referido, deverá proceder à entrega do imóvel livre de pessoas e bens, no prazo de 10 dias, sob pena de recurso aos meios judiciais para o efeito.
A 03/04/2023, a residente (pela mão do seu patrono), dando-se como arrendatária/preferente nos autos em epígrafe, vem, na sequência da notificação pelo AE, requerer o seguinte:
1\ A arrendatária/preferente, ora requerente, é uma senhora de 79 anos e vive sozinha; 2\ Padece de problemas de saúde, tendo sido submetida a cirurgia cardíaca; 3\ Necessita de acompanhamento médico e frequenta com regularidade consultas e realiza exames no Hospital […]; 4\ Em termos de rendimentos, apenas aufere a pensão de velhice no valor de 240€ e o complemento solidário para idosos no montante de 127€; 5\ Não dispõe de recursos ou poupanças que lhe permitam exercer o direito de preferência à aquisição do imóvel. 6\ Salienta-se que apesar dos constrangimentos financeiros, a requerente sempre pagou atempadamente a renda do imóvel em apreço. 7\ Contudo, depara-se, nesta idade e com os referidos problemas de saúde, com uma situação deveras aflitiva de iminência de despejo e receia não encontrar em tempo útil uma nova habitação adequada às suas necessidades mediante renda acessível. 8\ Ademais, não existem vagas para habitação social na sua área de residência. 9\ Pelo exposto, verifica-se que existem razões sociais imperiosas e questões de saúde a ter em consideração antes do despejo. Nestes termos, requer o diferimento da desocupação do locado por um prazo não inferior a 5 meses.
A 04/04/2023, a secção de processos notificou este requerimento ao AE.
A 13/04/2023, foi proferido o seguinte despacho, sobre o requerimento da residente:
[…] Conforme resulta das disposições conjugadas dos artigos 861/6 e 863/3/5 do CPC, o incidente aí previsto é dividido em duas fases: uma fase de suspensão liminar pelo agente de execução e uma fase de apreciação para confirmação pelo juiz da causa, a ser requerida pelo executado ou terceiro detentor da coisa, no prazo de dez dias contados da correspondente “advertência” do agente de execução […] Ora, no caso, o AE ainda só remeteu notificação à detentora do imóvel para que lhe entregasse o mesmo, mas não efectuou ainda qualquer diligência concreta visando a sua entrega. Só após a realização dessa diligência, e depois da suspensão da execução pelo AE, na sequência da exibição de atestado médico do qual resulte que a diligência põe em risco de vida a pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda, com menção fundamentada do prazo durante o qual se deve suspender a execução, é que é então possível ao juiz de execução confirmar essa suspensão, em conformidade com o previsto no art.º  863/4. O incidente de diferimento de desocupação inicia-se pois com um acto de oposição à apreensão acompanhada de prova escrita e deduzida antes da conclusão das diligências de apreensão que, no caso, ainda não teve lugar. Termos em que, por prematuro, se indefere o requerido, devendo o AE providenciar pela entrega efectiva da fracção, em conformidade com o disposto no art.º 861 do CPC. Notifique.
A 16/04/2023, a residente veio requerer a junção aos autos de procuração forense a favor dos seus mandatários.
A 05/05/2023, o AE entregou os resultados da venda da fracção à exequente.
A 27/06/2023, a adquirente do imóvel veio solicitar a entrega do imóvel e respectivas chaves em virtude de se encontrarem pessoas no interior do imóvel e o AE informar que não ocorreu de forma voluntária a entrega do imóvel.
A 30/08/2023, a residente veio dizer que “tendo tomado conhecimento da aquisição do imóvel por si arrendado pela AD” expõe o seguinte:
1\ A locatária tomou conhecimento que o imóvel onde reside tinha sido publicitado para venda no portal e-leilões e que havia recebido uma proposta vinculativa para aquisição; 2\ A informação prestada, à data, referia como entidade adquirente a empresa X, empresa de mediação imobiliária, a qual tem a mesma sede da sociedade adquirente e, crê-se, sócios; 3\ Na posse dessa informação a locatária diligenciou através do seu Mandatário uma reunião no locado com um dos sócios da citada empresa, Sr. J, pessoa do conhecimento pessoal do signatário; 4\ Reunião à qual o Sr. J anuiu, e que teve lugar no locado, tendo aproveitado para, alegadamente, tomar conhecimento da existência de uma arrendatária e, ainda, do estado do imóvel, que até à data desconhecia; 5\ Mais referiu que, a aquisição do imóvel visava a sua alienação e não o arrendamento; 6\ Em momento algum foi referido nome da empresa adquirente, nomeadamente, que esta era a AD. 7\ A locatária apenas com o requerimento apresentado nos autos, tomou conhecimento do nome da empresa adquirente, uma vez que esta nunca a interpelou para dar conhecimento da situação ou para o pagamento da renda; 8\ Na posse desses elementos a locatária dirigiu à AD, uma carta registada com aviso de recepção a solicitar o IBAN para pagamento da renda mensal assim como dar conhecimento, formal, de que a casa se encontrava arrendada, cf. doc. 1; 9\ Pese embora interpelada, a AD, não se dignou responder à carta dirigida pela locatária; 10\ Ao invés, dirigiu aos autos o requerimento que deu entrada a 27/06/2023; 11\ Na falta de resposta, não restou à locatária o depósito das rendas junto da CGD, cf. doc. 2 a 6, em nome da AD, o que agora se informa o tribunal. 12\ A locatária tem, como sempre teve, as rendas em dia. Junta 2 documentos.
A 04/10/2023 foi proferido o seguinte despacho:
Mostrando-se assente nos autos que o imóvel vendido na execução já se encontrava arrendado desde data anterior à penhora, não pode considerar-se que o arrendamento tenha caducado com a venda.
Consequentemente, indefiro o pedido formulado pela adquirente do imóvel para a sua entrega coerciva.
Notifique.
Este despacho foi notificado ao AE, à exequente, à residente e à adquirente do imóvel, por carta elaborada pela secção de processos a 09/10/2023.
Por carta de 10/10/2023, a gerência da adquirente do imóvel veio dizer que:
Assunto: Esclarecimento sobre ofício de 31/08/2023 […]
AD, adquirente do bem identificado no leilão L01070492023, conforme anunciado no portal e-leilões, vem por este meio, expor:
1\ O ponto 2 do requerimento, está incorrecto, pois a sede social da AD não é a da indicada empresa de mediação imobiliária. 2\ A referida sociedade X é referida como entidade adquirente, mas, ambas as informações, versam factos errados; 3\ Sobre o ponto 3 do requerimento, o Sr. J deslocou-se ao locado em representação da sociedade adquirente do imóvel com o objectivo de tomar posse do imóvel adquirido; 4\ O ponto 4 do requerimento, não corresponde à realidade, pois não há nenhum documento, com indicação que o imóvel adquirido pela AD, se encontrava, alegadamente, arrendado; 5\ O destino a dar ao imóvel compete unicamente, à maioria do capital social da sociedade, e o mesmo ainda não está definido; 6\ A AD adquiriu o imóvel ocupado pela residente, mas não adquiriu o mesmo arrendado; cf. doc. 1; 7\ O envio de uma carta registada para a AD, em nada vincula a mesma, a um suposto contrato de arrendamento, existente à data da aquisição do bem; 8\ Na carta enviada à AD os cinco pagamentos de renda foram efectuados no dia 01/08/2023, na CGD, sem qualquer tipo de referência ao mês a que reportam e por algum motivo só foram realizados na referida data; 9\ O referido contrato de arrendamento nunca foi exibido, bem como, nunca foi exibido o registo do mesmo no serviço de finanças e o respectivo imposto de selo; 10\ A sociedade adquirente do imóvel, ocupado pela residente, a mesma não procedeu à entrega voluntária do imóvel, o que levou a sociedade a requisitar a entrega do imóvel; 11\ A AD adquiriu o imóvel em Abril de 2023, e passados seis meses, continua sem poder utilizar o investimento que fez; 12\ O alegado arrendamento do bem imóvel deveria ter sido tratado com o AE e não com a AD, pois esta adquiriu um imóvel ocupado, como aconteceu, e é referido em muitos anúncios no portal e-leilões; 13\ A AD não têm nenhum litígio ou conflito com a residente, mas a sociedade reitera a vontade e necessidade de tomar posse do imóvel. 14\ Face aos dados expostos, solicitamos mais uma vez, a entrega imediata do imóvel à AD.
Anexo: 1 (um) documento
O documento junto pela adquirente é o anúncio da E-Leilões da qual consta a seguinte observação, entre o mais: […] O imóvel encontra-se ocupado pela Sr.ª V […].
A 13/10/2023, a secção de processos notificou esta carta ao AE, à exequente e à residente.
A 26/10/2023, a residente “[…] tendo sido notificada do requerimento apresentado pela AD, vem, exercer o contraditório, o que faz nos seguintes termos:
1\ A propósito do referido em 6.ª pela adquirente, diga-se que a mesma recorre ao teor do anúncio do leilão electrónico, para alegadamente, vir dizer que desconhecia que o imóvel estaria arrendado; 2\ Tal não se aceita, por não corresponder à verdade, uma vez que foram realizadas inúmeras visitas ao imóvel e nestas a D. V sempre se apresentou como arrendatária. 3\ Note-se que a sociedade adquirente não é leiga em matéria imobiliária, até porque esse é o seu objecto social, e os seus sócios detentores de uma imobiliária a, já mencionada, X, partilhando o mesmo espaço, no Centro Comercial Y. 4\ Bem sabe a sociedade adquirente que quando um imóvel é publicitado para venda com a indicação de estar ocupado, tal pressupõe, um título válido para a referida ocupação, podendo ser usufruto, arrendamento, locação, comodato, etc., não é crível o alegado pela sociedade. 5\ Acresce que na publicidade ao imóvel se refere a possibilidade de visita ao imóvel através de marcação para o efeito, tendo ocorrido inúmeras visitas, e se a adquirente o não fez assume os termos do negócio. 6\ A adquirente, até em função do preço da adjudicação, bem sabia, que o imóvel se encontrava onerado. 7\ Além do mais, não desconhecia, nem pode invocar desconhecer, que foi dado à arrendatária o direito de exercer preferência na aquisição, facto que protelou, inclusive, a adjudicação e pagamento do preço. 8\ Não se alcança o alegado pela adquirente no seu artigo 12.ª, quando refere que “o arrendamento devia ser tratado com o AE e não com a sociedade adquirente”. 9\ Sem prejuízo, reitera-se que o arrendamento foi reconhecido pelo AE, pelo tribunal nos termos do despacho proferido e era do conhecimento de todos os potenciais adquirentes do imóvel, pelo menos, daqueles que a este se deslocaram. 10\ Caso a sociedade adquirente entenda que existiu alguma omissão no que respeita ao arrendamento do imóvel adquirido, sempre poderá lançar mão dos meios judiciais, designadamente, anulando o negócio. 11\ Certo é que o direito de arrendamento da requerente não pode ser posto em causa pelo alegado desconhecimento da sociedade adquirente. Nestes termos e mais de Direito deverá improceder o peticionado pela sociedade adquirente.
Esta resposta foi notificada pela secção de processos ao AE. A residente tinha-a notificado à exequente.
A 17/11/2023 foi proferido o seguinte despacho:
Estatui o art.º 613/1 do CPC, que “Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”, aplicando-se tal princípio aos próprios despachos por força do n.º 3 do mesmo dispositivo legal.
Consequentemente, e em face do já decidido no despacho de 04/10/2023, nada existe a ordenar quanto ao requerido pela adquirente do imóvel em 12/10/2023.
Por carta de 20/11/2023, a secção de processos notificou o despacho à exequente, à residente e à adquirente da fracção.
A 06/12/2023, AD, sobre o “assunto: Resposta à notificação de 09/10/2023, do documento:1467L5862 [reporta-se ao despacho de 04/10/2023] vem expor o seguinte:
1\ A AD nunca foi informada, em nenhuma fase, de que o imóvel se encontrava arrendado. 2\ O anúncio do imóvel no portal e-leilões indica, e passamos a transcrever o anúncio: "O imóvel encontra-se ocupado pela Sr.ª V" Cf. doc. 1; 3\ Neste anúncio, há uma clara indicação, que relatada, que o imóvel não está devoluto de pessoas ou bens. Há referência que o imóvel se encontra ocupado por pessoas, e que, alegadamente, existe um título de comodado/empréstimo. Cf. doc.2 [está a referir-se, aqui como de seguida, a anúncios de vendas de outros imóveis - TRL]; 4\ Em outro anúncio, no mesmo portal, há referência que o imóvel está a ser habitado pelo executado, com referência a ónus/limitações do bem imóvel. Cf. doc. 3; 5\ Em outro anúncio, no mesmo portal, há referência de que o imóvel está arrendado e ocupado pelos arrendatários, com referência a ónus e limitações. Cf. doc.4; 6\ No mesmo portal, mas em outro anúncio, há referência de que o imóvel está arrendado, mas não foi permitido tirar fotos do interior do bem imóvel, pelo agente de execução. Cf. doc. 5; 7\ Em outro anúncio, no mesmo portal, há referência de que o imóvel tem um contrato de arrendamento, e de que o ónus não se extingue com a venda judicial, mas consta toda a informação do arrendamento. Cf. doc. 6; 8\ A AD adquire um imóvel com semelhanças ao doc. 2, pois é referido que está ocupado por pessoas, mas não há nenhuma informação, como nos outros exemplos atrás referidos: Doc.3 (habitado pelo executado). Doc.4 (está arrendado e ocupado pelos arrendatários). Doc. 5 (está arrendado e ocupado pelos arrendatários, mas não foi permitido tirar fotos do interior). Doc. 6 (o imóvel tem um contrato de arrendamento, que não se extinguem com a venda judicial, mas consta toda a informação do arrendamento e respectivo prazo). 9\ É demasiado estranho, que nunca tenha sido apresentado um contrato de arrendamento com as respectivas condições do mesmo, e só depois da aquisição do imóvel pela AD é que existe esse ónus. 10\ É estranho, que as entidades que efectuaram as penhoras sobre o imóvel, não tenham reclamado a receita proveniente do rendimento do imóvel. 11\ É demasiado estranho, que nunca tenha sido apresentado um contrato de comodato ou empréstimo, e que só depois da aquisição do imóvel pela AD é que surja um ónus ou limitação do bem imóvel. 12\ É demasiado estranho de que o AE, tenha ido ao imóvel tirar fotografias do mesmo e que não tenha informado o motivo da visita à Sr.ª V, ou à proprietária F e marido, bem como, ao usufrutuário, o Sr. P e nenhum dos mesmos, tenha comunicado a existência de um contrato de arrendamento. 13\ Todas estas situações são demasiadamente estranhas e invulgares, e o referido ónus prejudica muito a AD. 14\ São demasiados factos para se acreditar que a AD está a ser levada para este logro, pois até à data foi apresentado um ónus/limitação, mas nunca foram apresentadas as condições do mesmo, de forma clara e inequívoca, e como tal, não o podemos aceitar. Esta situação é um [perfil clamoroso –? parcialmente ilegível, TRL] de ofensa da justiça material que afecta a boa-fé e a lealdade negocial. 15\ A AD fez o pagamento do imóvel, respectivos impostos e registo, em Abril de 2023, mas até à presente data não pode tomar posse do bem que adquiriu, o que se traduz num enorme prejuízo para uma pequena sociedade. 16\ O imóvel não se encontrava arrendado à data da venda, mas sim, ocupado, como indica o anúncio. 17\ A AD não aceita que surja qualquer tipo de ónus, posteriores à compra do bem imóvel, e como tal, não aceita o negócio com limitações que não foram comunicadas à data da transacção. 18\ Face a esta situação, solicitamos imediatamente, que o negócio seja anulado pelo não cumprimento dos dados do anúncio e dos pressupostos de boa-fé e lealdade no negócio. 19\ Solicitamos a anulação do negócio, a restituição, em dobro, do valor da proposta de aquisição do imóvel (valor de aquisição: 100.436,09€) e a restituição em singelo das despesas do imposto de selo da aquisição (803.49€) e registo predial (250€). Anexo [com os documentos indicados].
Por carta de 07/12/2023, a secção de processos notificou esta requerimento ao AE, à exequente e à residente.
A 22/12/2023, a exequente, notificada do requerimento atravessado nos autos pela adquirente AD vem expor e requerer o seguinte:
Questão prévia:
Tratando-se o requerimento de arguição de nulidade um incidente processual, deverá o mesmo ser objecto de pagamento da respectiva taxa de justiça, o que não se verificou, pelo que na omissão de tal pagamento, deverá o requerimento ser desentranhado.
No mais, e atento o conteúdo do citado requerimento, nos termos no disposto no artigo 40.º do CPC a adquirente deverá fazer-se representar em juízo por advogado.
Caso assim não se entenda,
1\ Vem a Adquirente arguir a nulidade da venda com o fundamento que nunca foi informada da ocupação do imóvel, porém com tal não pode a Exequente concordar, senão vejamos, 2\ Conforme a adquirente bem admite, o imóvel adquirido foi publicitado na plataforma E-Leilões, constando do anúncio “O imóvel encontra-se ocupado pela Sra. V” e ainda “O imóvel é vendido no estado que se encontra pelo que os interessados devem proceder à verificação prévia do estado do bem. A falta desta por parte do proponente não determina nos termos legais a anulação da venda.” 3\ Tal informação foi publicamente disponibilizada na referida plataforma, com base na apreciação que foi efectuada nos autos quanto à situação da Sra. V. 4\ Passando a recordar que, 5\ A ocupante deu conhecimento da sua situação nos autos através de requerimento datado de 04/08/2022, após o que, 6\ A exequente através de requerimento datado de 31/08/2022 exerceu o seu direito ao contraditório, ressalvando não ter sido junto qualquer documento que pudesse comprovar o alegado arrendamento (contrato de arrendamento ou recibos de renda), ou demonstração de comunicação junto das Finanças quanto ao alegado arrendamento. 7\ Nessa sequência, na data de 11/10/2022 foi proferido despacho ordenando que a Executada juntasse documentos comprovativos do alegado arrendamento. 8\ Porém, na data de 11/10/2022 a residente veio informar estes autos que não dispunha de qualquer documento que pudesse documentar o alegado arrendamento. 9\ Em face de tal requerimento, foi proferido despacho na data de 26/10/2022 com o seguinte conteúdo “Nada a ordenar.” 10\ Ora, foi com base neste histórico processual que a exequente e demais partes legitimamente e na ausência de qualquer prova produzida, formaram a convicção do não reconhecimento do arrendamento, promovendo pelas respectivas diligências de venda. 11\ Veja-se que não tendo sido produzida qualquer prova documental, apenas podemos concluir não ter sido ilidida a presunção decorrente do artigo 1069 do Código Civil. 12\ Prosseguindo os autos para a venda judicial estando o imóvel devidamente publicitado quanto à sua situação de ocupação, vieram os adquirentes apresentar a sua proposta, tendo depositado o respectivo preço e sido emitido o respectivo título de transmissão. 13\ Sendo desprovido de sentido o requerimento apresentado nos autos pela residente, limitando-se a juntar um comprovativo de pagamento com data de 02/08/2023 – bem depois da venda judicial ter ocorrido. 14\ Não poderemos deixar de considerar que tal requerimento não é inocente e apenas visa o reconhecimento de uma situação que nunca lograram provar através de prova documental. 15\ Considerando por isso a exequente que o despacho datado de 04/10/2023 apresenta-se em contradição com o histórico processual aqui reportado. 16\ Não podendo as partes, que confiaram que os seus direitos estariam consolidados, ver a presente venda judicial anulada. 17\ Mas mais, 18\ Conforme já acima referido, o anúncio de venda do imóvel foi explícito ao que se refere ao estado de ocupação do mesmo. 19\ A Adquirente estava elucidada do estado de ocupação do imóvel que pretendia adquirir. 20\ Não devendo ser admita a pretensa arguição de nulidade que agora pretende ver reconhecida, devendo caso assim o entenda, fazer uso de meio judicial próprio para o efeito. 21\ Por tudo quanto exposto, requer-se que se indefira o pedido de arguição de nulidade formulado e que se digne a rectificar o despacho proferido na data de 04/10/2023 atenta a ausência de prova produzida nos autos.
A exequente notificou o requerimento à residente. A secção de processos deu conhecimento do mesmo, por 2 vezes, ao AE a 27/12/2023 e depois a 11/01/2024 deu conhecimento do mesmo à AD.
A 07/02/2024, foi proferido o seguinte despacho:
A arguição da nulidade da venda levanta questões de direito, pelo que é obrigatória a constituição de advogado.
Assim, em face do requerido pela adquirente do imóvel em 06/12/2023, determino se notifique a mesma para, em 15 dias, constituir advogado, sob pena de ficar sem efeito aquele requerimento.
Mais deverá ainda ser notificada para pagar a taxa de justiça devida pelo incidente de arguição de nulidade suscitado.
Notifique.
D.N.
Por carta de 07/02/2024, a secção de processos notificou esta requerimento ao AE (por 2 vezes), à exequente, à residente e à AD.
A 08/02/2024, pela mão de uma advogada constituída e depois de pagar taxa de justiça, a AD vem pedir que, “caso não se entenda admitir a entrega da fracção à adquirente, devoluta de bens e pessoas, sem qualquer ónus de arrendamento, requer-se a anulação da venda ao abrigo do art.º  838 do CPC” com desenvolvimento do requerimento de 06/12/2023.
DA EXISTENCIA DE UM CONTRATO DE ARRENDAMENTO
1\ A AD adquiriu em venda judicial nos presentes autos a fracção sita na Rua B.
2\ Após a venda, a ocupante referiu aos autos que reside na fracção à 7 anos juntando 5 comprovativos de pagamento de uma alegada venda. Ora, 3\ Pelo menos desde 2012, mais concretamente com a lei 31/2012 de14/08, qualquer contrato de arrendamento deve ser celebrado por escrito,
4\ E fazendo uma retrospecção mais alargada, já desde 2006 que, sendo o contrato com duração superior a 6 meses, esse formalismo deveria ser respeitado.
5\ Pelo que, atendendo à referida informação da duração do contrato, com toda a certeza, à data do início da ocupação, a redução a escrito do contrato era obrigatória. Porém, 6\ Dispõe o art.º 1069/2 que “Na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respectiva renda por um período de seis meses.” Ora, vejamos os factos:
7\ Em 14/12/2021 o AE requereu o auxílio da força pública para ter acesso à fracção – doc.1
8\ Em 27/07/2022 os autos têm conhecimento da existência de uma ocupante, a D V, que reside na fracção há 7 anos e que alegadamente paga renda. – doc.2.
9\ Veio a exequente responder dizendo não reconhecer a existência de qualquer arrendamento, porquanto, para além de não ser apresentado qualquer contrato nesse sentido, tendo sido constituído há 7 anos, tê-lo-á sido após a constituição da hipoteca, logo caducaria com a venda. – doc.3
10\ Em 11/10/2022, foi preferido um despacho no sentido de ser notificada a ocupante para juntar comprovativo do arrendamento. – doc.4 – tendo esta respondido que 11\ “que não dispõe de um contrato de arrendamento formal, ou seja, escrito, tendo o mesmo sido acordado verbalmente por imposição do senhorio” – doc.5
12\ Perante a referida resposta o Tribunal não se posicionou em sentido algum, tendo simplesmente despachado “nada a ordenar” – doc.6
13\ Pelo que ficaram os autos sem qualquer prova da existência de algum contrato…. Acresce ainda que 14\ Veio a ocupante V, consciente que não tinha qualquer contrato que legitimasse a sua ocupação, requerer o diferimento da desocupação por um prazo de 5 meses, - doc.7
15\ Ora, tal pretensão demonstra o reconhecimento da inexistência de qualquer contrato, caso contrário, estando devidamente representada, não o teria feito.
16\ Face à ausência de qualquer prova do arrendamento, o próprio AE, após a venda, notificou a ocupante para exercer o seu direito de preferência ou entregar o imóvel no prazo de 10 dias.
17\ Na verdade, nada nos autos existe que possa fazer concluir a existência de um verdadeiro arrendamento, 18\ mas sim uma mera ocupação autorizada pelo então proprietário
19\ Que, veria a sua caducidade por força da venda em virtude de ter sido constituída depois do registo de hipoteca, sem autorização do credor hipotecário.
20\ Mesmo no seu requerimento de 30/08/2023, a inquilina não invocou a não oposição do senhorio, o motivo pela inexistência de contrato escrito, a ausência de culpa sua na inexistência do contrato, nem juntou comprovativo de rendas superiores a 6 meses.
21\ Pelo que continuam os autos sem qualquer prova de que existe um arrendamento.
22\ Continuando apenas a saber-se, para todos os legais efeitos, que a pessoa em questão simplesmente ocupa a fracção.
23\ Não tem, pois, o tribunal elementos que possam concluir, como concluiu, que existe um arrendamento em vigor na fracção, confundindo ocupação com arrendamento. Logo, e em conclusão,
24\ não existindo um contrato escrito,
25\ não demonstrando a ocupante que a falta de redução a escrito do contrato de arrendamento não lhe é imputável,
26\ não demonstrando a utilização do locado sem oposição do senhorio,  
27\ nem o pagamento mensal da respectiva renda por um período de seis meses (anterior à venda),  
28\ e tendo, inclusivamente, antes da venda, solicitado prazo para a desocupação como manifestação da consciência da inexistência do direito ao arrendamento,
29\ não podem os autos considerar a existência de um arrendamento, sendo o mesmo nulo ao abrigo do art.º 220 do CC.
30\ Termos em que, não se provando qualquer arrendamento, deverá ser admitida a entrega efectiva e coerciva da fracção, o que se reitera. Caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se admite
DA ANULAÇÃO DA VENDA
31\ Por requerimento de 05/12/2023 a adquirente veio requerer a anulação da venda.
32\ Efectivamente fê-lo sem o pagamento da taxa de justiça e sem mandatário o que determinará a extinção da instância em relação ao incidente.
33. Pelo que, vem a adquirente suprir essas irregularidades, juntando taxa de justiça e procuração,
34\ Aproveitando para, em sede de aditamento e aperfeiçoamento, dizer o seguinte:
35\ Dispõe o art.º  838 que “Se, depois da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir, na execução, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, sem prejuízo do disposto no artigo 906.º do Código Civil.”
36\ Ora, constava do anúncio de venda apenas e somente que “o imóvel encontra-se ocupado pela Sr.ª V.”
37\ Não é referido em parte alguma do anúncio que a ocupação reveste a natureza jurídica de arrendamento,
38\ pelo que, infere-se que a ocupação não passa de um uso provisório, sem título que o legitime, pelo que por mera tolerância do proprietário ou mesmo ilícita.
39\ Conforme admite o exequente, terá, antes da venda, em 2022 (e como tal com total desconhecimento da adjudicatária que só intervém no processo no acto da venda) sido suscitada a questão e nenhuma das partes detinha qualquer contrato de arrendamento para juntar aos autos, nem, à data, foi junto qualquer documento comprovativo da existência de um arrendamento…
40\ E atendendo ao supra alegado na primeira parte do presente requerimento, nada foi trazido para os presentes autos que pudesse fazer concluir da existência de um arrendamento,
41\ Aliás, refira-se novamente, se de um verdadeiro arrendamento se tratasse, a ocupante não teria requerido o deferimento da desocupação nem o AE teria notificado, após a venda, para preferir ou entregar o locado,
42\ Quer isto dizer que, quer a exequente, quer o AE, quer mesmo a ocupante, agiam como se de uma mera ocupação de tratasse.
43\ Pelo que, na realidade, não poderia o anúncio indicar nada mais do que isso - uma ocupação – pois os autos desconheciam a que título revestia essa ocupação e nada indiciaria que seria um arrendamento.
44\ Ora, em face do supra exposto a propósito da existência, ou não, de um contrato de arrendamento, não é óbvio que a mera alusão à ocupação possa levar a aferir-se que de um arrendamento se tratasse.
45\ Pelo que, também não poderia a adquirente ou qualquer outro interessado, concluir, pela leitura do anúncio de venda, que essa ocupação fosse um ónus de natureza jurídica completamente diferente.
46\ Ora, o ónus de mera “ocupação” e o de “arrendamento” são distintos, com regimes e implicações diferentes.
47\ Um imóvel ocupado sem contrato de arrendamento, suscita um interesse e tem um valor diferente de um imóvel arrendado, sendo uma condição essencial para qualquer interessado formar a sua decisão, pois,
48\ Uma ocupação cessa a qualquer momento, um arrendamento não…
49\ A alusão à ocupação cria na ideia de qualquer interessado a noção da precariedade da ocupação e a possibilidade de fácil e legitima desocupação coerciva imediata, por sua vez,
50\ O arrendamento já transmite a ideia de uma rigidez jurídica que garante direitos do ocupante, como é o regime ao arrendamento urbano.
51\ O facto de o ónus existente ser diferente daquele que de facto existe, por si só, é determinador do erro sobre o objecto vendido,
52\ E não se diga, como refere o exequente de forma descontextualizada que, não pode ser determinada a anulação da venda, porquanto, o que o anúncio refere é que essa alegada impossibilidade de requerer a anulação refere-se ao estado de conservação do imóvel e não a qualquer outra circunstância.
53\ Assim, o ónus de arrendamento existente não foi tomado em consideração no anúncio de venda, sendo um elemento essencial numa transmissão, o que determinou o erro por falta de conformidade entre a coisa anunciada e a real (existência de um ónus diferente do que foi anunciado).
A adquirente notificou este requerimento à exequente e à residente. A secção de processos notificou-o ao AE.
A 16/02/2024, a residente tendo sido notificada do requerimento apresentado pela AD vem exercer o contraditório nos seguintes termos:
1\ No que respeita ao alegado quanto à existência do contrato de arrendamento, diga-se que já foi proferida sentença, transitada em julgado, nos presentes autos, a qual reconheceu a existência de um contrato de arrendamento, anterior à penhora, “Mostrando-se assente nos autos que o imóvel vendido na execução já se encontrava arrendado desde data anterior à penhora, não pode considerar-se que o arrendamento tenha caducado com a venda.”
2\ Ao contrário do que alega a adquirente, o próprio AE reconhece a existência de contrato de arrendamento, ao notificar a arrendatária para exercer o direito de preferência, pelo que também por aqui não merece qualquer dúvida a existência do referido contrato de arrendamento.
3\ De todo o modo, e para melhor esclarecimento da adquirente, vem a arrendatária juntar aos autos os comprovativos de pagamento da renda, que efectuou ao longo dos anos de arrendamento, anterior a qualquer penhora existente sobre o imóvel, cf. documentos que se juntam para os devidos efeitos legais.
4\ Pelo que, o contrato de arrendamento não é nulo.
5\ O artigo 1069/2 do CC, aditado pela Lei 13/2019, de 12/02, passou a permitir a prova da existência de um contrato de arrendamento verbal, aplicando-se aos arrendamentos existentes à data da entrada em vigor desta Lei.
6\ A arrendatária arrendou o imóvel em Abril de 2015, pelo que tem aplicação no disposto no referido artigo.
7\ Certo é que a arrendatária sempre ocupou o imóvel, sem qualquer oposição do senhorio, antes pelo contrário, tendo pago, não só as rendas devidas, como também as quotas de condomínio, que sempre seriam devidas pelo senhorio, inclusive, quotas em atraso à data da celebração do contrato.
8\ Pelo que, dúvidas não restam que existe um contrato de arrendamento desde Abril de 2015, não sendo o mesmo nulo, conforme peticionada a adquirente, até extemporaneamente, uma vez que quanto a esta matéria já o tribunal se pronunciou, e bem, tendo proferido sentença transitada em julgado.
Nestes termos e mais de Direito deverá improceder o peticionado pela sociedade adquirente no que respeita à nulidade invocada.
Juntou cerca de 90 talões de máquina ATM com transferências feitas a favor do usufrutuário desde Abril de 2015; uma de valor inicial mais elevado múltiplo de 50€ (ou seja, 500€ em 08/04/2015); depois valores mensais que vão subindo gradualmente: 50€, 100€, 125€, 200€, 225€; e 78 talões de pagamentos de condomínio de um prédio na R B a partir de Maio de 2016 (a fracção hipotecada fica na Rua B) quase todos os talões são legíveis.
A residente notificou este requerimento à exequente e à adquirente. A secção de processos notificou-o ao AE.
A 08/03/2024 foi proferido o seguinte despacho:
Através de requerimento dirigido aos autos em 06/12/2023, veio a adquirente do imóvel, AD, pedir a anulação da venda.
Por não se encontrar representada por advogado e não ter pago a taxa de justiça devida, foi notificada para proceder àquele pagamento e constituir advogado, sob pena de ficar sem efeito o requerido.
Nessa sequência, veio apresentar novo requerimento, desta feita já subscrito por mandatária, e com pagamento da taxa de justiça devida, considerando-se, assim, ratificado o acto anteriormente praticado.
A exequente não respondeu ao novo requerimento, mas apresentou resposta ao anterior que, por estar em causa uma ratificação de acto anteriormente praticado, pode também ser aproveitada.
Verifica-se, contudo, que a exequente não pagou a taxa de justiça devida pela resposta que apresentou.
Determino por isso que, antes de mais, se notifique a exequente para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida, sob pena de se considerar a resposta apresentada em 22/12/2023 como não escrita.
Notifique.
D.N.
A secção de processos notificou este despacho à exequente, à residente, à adquirente, ao MP (em representação do executado usufrutuário citado editalmente) e ao AE.
A 19/03/2024, a exequente apresentou prova de ter pago a taxa de justiça em causa.
A 23/04/2024, foi proferido o seguinte despacho:
Por requerimento dirigido aos autos em 06/12/2023, veio a AD, adquirente da fracção autónoma penhorada nos autos […], requerer a anulação da venda […], para tanto invocando, em síntese, que nunca foi informada que o imóvel em venda se encontrava arrendado, apenas constando do anúncio de venda que “O imóvel encontra-se ocupado pela Sra. V”, constituindo tal um ónus ou limitação do imóvel que não pode aceitar.
Respondeu a exequente pronunciando-se pelo indeferimento do requerido por constar do anúncio de venda que “O imóvel encontra-se ocupado pela Sra. V” e que “O imóvel é vendido no estado que se encontra pelo que os interessados devem proceder à verificação prévia do estado do bem. A falta desta por parte do proponente não determina nos termos legais a anulação da venda”, mais alegando que o despacho datado de 04/10/2023 apresenta-se em contradição com o histórico processual.
Notificada para constituir mandatário, sob pena de ficar sem efeito o requerimento através do qual formulou o pedido de anulação da venda, veio a adquirente do imóvel fazê-lo, juntando, contudo, novo requerimento através do qual alegou inexistir nos autos qualquer prova de que a residente seja arrendatária do imóvel e que, a existir o arrendamento, o mesmo é nulo, pelo que deve ordenar-se a entrega do imóvel à adquirente, devoluto de bens e pessoas, sem qualquer ónus de arrendamento, mas que caso assim não se entenda, reitera o pedido de anulação da venda.
Respondeu a residente pugnando pela improcedência do requerido, alegando que o tribunal já se pronunciou, por despacho que se mostra transitado em julgado, pela existência do arrendamento, que não é nulo.
Cumpre apreciar e decidir.
Por despacho proferido nos autos em 04/10/2023, que se mostra transitado em julgado, foi já decidido que o imóvel vendido na execução já se encontrava arrendado desde data anterior à penhora, não podendo por isso considerar-se que o arrendamento tenha caducado com a venda. O poder jurisdicional do tribunal mostra-se por isso extinto quanto à apreciação dessa matéria, que está definitivamente assente.
A única questão a apreciar e decidir respeita por isso ao pedido de anulação da venda.
Sobre a anulação da venda dispõe o art.º  838/1 do CPC o seguinte: “Se, depois da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir, na execução, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, sem prejuízo do disposto no artigo 906 do Código Civil.”
No caso, apenas constava do anúncio de venda que o imóvel se encontrava ocupado pela residente, sem se fazer referência à existência de qualquer arrendamento.
Ora, a existência de um arrendamento sobre o imóvel, cuja existência a adquirente desconhecia, integra, na perspectiva do Tribunal, ónus ou limitação que excede manifestamente os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, integrando por isso a previsão do transcrito art.º  838/1 do CPC, reconduzindo-se a um erro acerca das qualidades do objecto da venda ou, mais concretamente, quanto à sua real situação jurídica.
A menção constante do anúncio de que “O imóvel é vendido no estado que se encontra pelo que os interessados devem proceder à verificação prévia do estado do bem” reportava-se, evidentemente, ao seu estado de conservação, que a adquirente deveria verificar, e não à natureza jurídica da ocupação realizada sobre o imóvel, que deveria ser averiguada pelo AE e constar do anúncio para que o adquirente estivesse ciente de quaisquer ónus ou limitações existentes sobre o imóvel em venda.
É por isso evidente que existe motivo para determinar a anulação da venda, como pretende a adquirente.
Termos em que, face ao exposto, determino a anulação da venda da fracção […], efectuada à requerente AD, com a consequente devolução do preço pago, que deverá ser restituído aos autos pela exequente, ordenando-se o cancelamento do registo de aquisição a favor da adquirente.
Convida-se a adquirente a comprovar a realização das despesas cuja devolução reclama.
Sem custas.
Notifique.
Por carta elaborada a 26/04/2024, a secção de processos notificou este despacho ao AE, à exequente, à residente, à adquirente e ao MP (em representação do executado usufrutuário citado editalmente).
A 20/05/2024, a exequente interpôs recurso de tal despacho – para que seja revogado, nomeadamente na parte em que considera comprovada a existência de um contrato de arrendamento e a existência de erro por parte do adquirente, [e substituído por outro que] determin[e] a manutenção da venda judicial realizada - terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A\ O objecto do presente recurso consiste em saber se esteve bem o tribunal a quo, ao determinar a existência de um fundamento para anular a venda judicial, com base na falta de conhecimento do adquirente de um alegado contrato de arrendamento, que nunca foi objecto de qualquer indício de prova e por esse motivo não podia ser publicitado aquando a respectiva venda judicial, mas é dado como provado como estando a vigorar desde data anterior à penhora registada.
B\ A decisão objecto de recurso fundamentou-se em três pontos fulcrais, a saber: i\ Que o imóvel vendido na execução se encontrava arrendado desde data anterior à penhora, não podendo por isso considerar-se que o arrendamento tenha caducado com a venda, matéria que deu por assente. ii\ Por apenas constar no anúncio de venda que o imóvel se encontrava ocupado, sem fazer referência específica à existência de qualquer arrendamento. iii\ A existência de um arrendamento sobre o imóvel, que o adquirente desconhecia, integra, na perspectiva do tribunal, ónus ou limitação que excede manifestamente os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, integrando por isso a previsão do art.º 838/1 do CPC, reconduzindo-se a um erro acerca das qualidades do objecto da venda ou, mais concretamente, quanto à sua real situação jurídica.
C\ Compulsados os autos, não se verifica em momento algum comprovada a existência do referido contrato de arrendamento ou tão pouco a data em que o mesmo hipoteticamente entrou em vigor, pois nunca foi promovida absolutamente qualquer prova relativamente ao mesmo, sendo incompreensível a decisão do tribunal a quo ao considerar a referida matéria como decidida e dada como assente.
D\ E foi nesse pressuposto que também tramitou o processo o Sr. AE, que assim promoveu a venda do bem imóvel, tendo inserido o mesmo em leilão electrónico, o qual foi publicitado apenas com a menção da ocupação, uma vez que nenhum contrato de arrendamento tinha sido devidamente comprovado e porque se desconhecia (e desconhece até hoje), efectivamente, eventuais termos/condições do mesmo.
E\ Apenas quando a respectiva adquirente veio requerer a entrega efectiva do bem imóvel, em momento processual posterior à concretização da venda judicial, veio o tribunal a quo, para surpresa da exequente, considerar que a matéria referente ao contrato de arrendamento já se encontrava assente: “Mostrando-se assente nos autos que o imóvel vendido na execução já se encontrava arrendado desde data anterior à penhora, não pode considerar-se que o arrendamento tenha caducado com a venda. Consequentemente, indefiro o pedido formulado pela adquirente do imóvel para a sua entrega coerciva.”
F\ Resulta do supra exposto, que o tribunal a quo, sem a apresentação de qualquer prova, incompreensivelmente, deu por provado um contrato de arrendamento, apenas com base nos simples requerimentos da alegada arrendatária a informar a sua existência, tendo ainda considerado que o mesmo estaria vigente em data anterior ao registo de penhora sobre o imóvel objecto de venda.
G\ Não consegue a exequente descortinar como foi possível ao tribunal a quo formar tamanha convicção, sem qualquer base probatória para o efeito, tendo determinado a existência de um contrato de arrendamento e não uma mera ocupação autorizada pelo então proprietário, ou até um comodato.
H\ O tribunal tomou uma decisão surpresa com base numa prova completamente inexistente, que por não existir, não pôde ser objecto de qualquer análise crítica ou contraditório.
I\ Ainda que um contrato de arrendamento não tenha sido reduzido a escrito, outros elementos probatórios relevam, que podiam muito bem ter sido objecto de apresentação: documentos comprovativos do pagamento das despesas de água, luz, condomínio, ou alguma prova testemunhal.
J\ Sucede que, nada disso foi apresentado, e tão pouco se preocupou o tribunal a quo a verificar e a requerer a sua junção.
K\ Não tendo sido produzida qualquer prova documental, apenas podemos concluir não ter sido ilidida a presunção decorrente do artigo 1069 do CC.
L\ Considera assim a exequente que esteve mal o tribunal a quo, ao decidir pela verificação de um contrato de arrendamento sem a apresentação de qualquer prova e a dar por assente essa matéria, utilizando-a como fundamento principal para a anulação da referida venda.
M\ Salienta-se, que aquando a venda judicial, nomeadamente a sua publicitação junto da plataforma e-leilões, foi num momento processual em que todas as partes processuais estavam convictas da não existência do referido contrato de arrendamento (sem conceder), atendendo que tal não tinha sido comprovado junto dos autos, pelo que nada havia para publicitar quanto a essa questão.
N\ Mais, por mera cautela sempre se dirá, que ainda que quisesse o AE publicitar alguma informação, não poderia fazê-lo com qualquer segurança, uma vez que até hoje se desconhece os termos do alegado contrato de arrendamento verbal.
O\ Ainda que não se entenda que o tribunal a quo esteve mal por ter dado como provado e considerada matéria assente o referido contrato de arrendamento (sem conceder), facto é que a informação constante no respectivo anúncio de venda, junto da plataforma e-leilões, continha a informação de que o bem imóvel estava ocupado, uma vez que se podia ler expressamente que “O imóvel encontra-se ocupado pela Sr.ª V” e ainda “O imóvel é vendido no estado que se encontra pelo que os interessados devem proceder à verificação prévia do estado do bem. A falta desta por parte do proponente não determina nos termos legais a anulação da venda.”
P\ Não sabe a exequente se o bem imóvel foi objecto de visita pela adquirente, contudo pela ocupante foi referido que sempre informou que o imóvel lhe estaria arrendado a todos aqueles que o visitaram.
Q\ Considera, por isso, a exequente que a publicitação do bem em leilão electrónico continha elementos suficientes para que os potenciais interessados formassem uma exacta e correcta ideia sobre o mesmo, quer nos seus aspectos quantitativos e qualitativos.
R\ Mais, nem no artigo 890 do CPC nem de qualquer outra disposição legal resulta a obrigatoriedade de menção expressa de um alegado contrato de arrendamento, tendo sido feita a menção que o imóvel estava ocupado.
S\ Não crê a exequente, por isso, a existência de fundamento para ser considerado que o proponente estivesse em erro relativamente à situação do bem imóvel.
T\ Termos em que o presente recurso deve merecer provimento, e o despacho recorrido não deve, por isso, manter-se, revogando-se o seu teor e dando-se por demonstrada a não existência comprovada do contrato de arrendamento, tão pouco o seu início em data anterior à do registo de penhora, e caso assim não se entenda (sem conceder), que a venda judicial do bem imóvel publicitou devidamente o seu estado de ocupação, e consequentemente ser determinada a manutenção da venda judicial já realizada.
A exequente notificou a apresentação do recurso à residente e à adquirente e tinha avisado o AE de que ia recorrer.
Não foram apresentadas contra-alegações.
A secção de processos notificou o despacho de admissão do recurso ao MP (em representação do usufrutuário), à exequente, à executada nua-proprietária, à residente, à adquirente e ao AE.
*
Questões que importa decidir: se a venda não devia ter sido anulada.
*
Os factos que importam à decisão desta questão decorrem das ocorrências processuais narradas no relatório deste acórdão.
*
Apreciação:
Ao contrário do que a exequente diz, o despacho recorrido, de 24/04/2024, está certo ao estender, aos fundamentos do despacho de 04/10/2023, o valor de caso julgado (designadamente porque nem a exequente nem a adquirente interpuseram recurso de tal despacho), embora se tenha de fazer a restrição de que se trata de um caso julgado formal, isto é, que só vale neste processo (artigos 91/2 e 620 do CPC; assim, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 1º, 4.ª edição, Almedina, 2021, páginas 204 a 207, anotações 3 e 4 ao art.º  91 do CPC).
Assim está decidido, bem ou mal não interessa, e não pode ser discutido de novo neste processo e recurso, como a exequente extensamente pretende fazer, que o imóvel vendido na execução já se encontrava arrendado desde data anterior à penhora, e não pode considerar-se que o arrendamento tenha caducado com a venda [fundamentos]. Nem pode ser discutida a decisão desse despacho de 04/10/2023: o indeferimento do pedido formulado pela adquirente do imóvel para a sua entrega coerciva.
Estes fundamentos e decisão impõem-se e é com eles que se tem de trabalhar.
*
O art.º 838/1 do CPC, sob a epígrafe anulação da venda e indemnização do comprador, dispõe: “Se, depois da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir, na execução, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, sem prejuízo do disposto no artigo 906.º do Código Civil.”
Trata-se, assim, de decidir a anulação de uma venda tendo em conta o que o comprador sabia em confronto com a situação material e jurídica da coisa vendida tal como ela existia realmente.
O anúncio da venda do imóvel, no caso dos autos, fala de uma situação de ocupação de um imóvel, sem mais nada. A ocupação de um imóvel pode ocorrer com base numa enorme variedade de títulos: usufruto, arrendamento, comodato, tradição da posse, entrega de favor, etc. Assim sendo, a ocupação estava anunciada e incluía a possibilidade de ser uma ocupação a título de arrendamento, pelo que não se pode dizer que havia um ónus ou limitação que não foi tomado em consideração. O imóvel estava realmente ocupado por uma pessoa com base num título de arrendamento, segundo está decidido com trânsito em julgado formal. É imputável ao próprio adquirente o facto de ele ter aceitado fazer uma compra de um bem com um ónus anunciado de forma tão genérica.
Assim sendo, não se verificam os fundamentos da anulação decretada.
*
Quanto ao outro fundamento transitado também em julgado – isto é, que o arrendamento não caducou com a venda – ele já não tem nada a ver com a venda. A anulação da venda não se poderia basear numa situação jurídica criada muito depois dela (a venda ocorreu em Fev2023, o despacho é de Out2023). Isto é, não se pode anular uma venda, tendo a anulação por pressuposto a existência de um ónus ou limitação que não foi anunciado, dizendo-se que existe uma limitação, se essa limitação só nasceu muito depois disso e não teve nada a ver com a venda.
*
Entretanto, é certo que a venda de um imóvel no âmbito de um processo judicial não devia ser feita deste modo: o bem devia ter sido penhorado e a venda anunciada de forma específica: um imóvel ocupado a título de arrendamento. Mas este tribunal não está a julgar a correcção do acto da venda em termos abstractos, mas sim a verificação dos vícios específicos que permitem anular a venda num processo de execução, vícios que são apenas os previstos no art.º 838/1 do CPC. Ora, no caso, o comprador comprou um bem com um ónus anunciado de forma tão genérica que não se pode dizer que não corresponde ao ónus existente de facto. Pelo que, repete-se, não se pode falar de um ónus não considerado no anúncio da venda.
*
Por fim,
O despacho recorrido de 23/04/2024 tinha por objecto a pretensão da adquirente da fracção deduzida a 06/12/2023 (de anulação da venda), complementada a 08/02/2024. A questão posta inicialmente (a 06/12/2023) era só a anulação da venda, porque a questão da entrega já tinha sido decidida, como aliás já foi visto acima. No requerimento de 08/02/2024, a adquirente tem como pretensão principal a da entrega da fracção.
O despacho recorrido só decidiu a questão subsidiária colocada pelo requerimento de 08/02/2024 - que era a única questão do requerimento inicial de 06/12/2023 -, por entender que a outra já estava decidida.
A adquirente foi notificada da decisão e foi notificada do recurso e não recorreu nem autónoma nem subordinadamente. Assim, a pretensão da entrega da coisa não é objecto deste recurso.
*
Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se o despacho recorrido e substituindo-o por outro que julga improcedente a pretensão da adquirente de anulação da venda judicial, deste modo se mantendo a venda.
Custas do recurso, na vertente de custas de parte, pela adquirente por ser a prejudicada com a decisão.

Lisboa, 26/09/2024
Pedro Martins
Paulo Fernandes da Silva
Ana Cristina Clemente