O art.º 3.º al. a), do Regulamento (CE) n.º 469/2009, de 6.05.2009, relativo ao certificado complementar de protecção (CCP) para os medicamentos, deve interpretar-se no sentido de que um produto composto por vários princípios activos de efeito combinado é protegido por uma patente de base em vigor - e que beneficia de uma presunção de validade - quando a combinação dos princípios activos que o compõem esteja expressamente mencionada nas reivindicações da patente de base invocada em apoio do pedido de concessão do CCP ou, ainda que o não esteja, seja implícita mas necessariamente visada nas reivindicações da patente de base, na perspectiva do especialista na matéria e com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da patente de base.
MERCK SHARP & DOHME, CORP,
MERCK SHARP & DOHME, LIMITED e
MERCK SHARP & DOHME, LDA, intentaram uma acção declarativa de condenação contra:
STADA ARZNEIMITTEL A.G. e a CICLUM FARMA, UNIPESSOAL, LDA pedindo a sua condenação a:
a. Abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos que são objeto dos pedidos de AIM melhor identificados no artigo 150.º da petição inicial, enquanto a EP 1 412 357 e/ou o CCP 278 se encontrarem em vigor;
b. A abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos que são objeto dos pedidos de AIM melhor identificados no artigo 151.º da petição inicial, enquanto a EP 1 412 357 e/ou o CCP 278 e/ou o CCP 339 se encontrarem em vigor;
c. A abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer quaisquer medicamentos que compreendam sitagliptina como substância ativa, como única substância ativa ou em associação com outras substâncias ativas, enquanto a EP 1 412 357 e/ou o CCP 278 se encontrarem em vigor; e
d. A abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer quaisquer medicamentos que compreendam a associação de substâncias ativas Sitagliptina e Metformina, enquanto a EP 1 412 357 e/ou o CCP 278 e/ou o CCP 339 se encontrarem em vigor.
As Rés Stada Arzneimittel A.G. e Ciclum Farma Unipessoal Lda deduziram contestação pugnando pelo indeferimento dos pedidos contidos nas alíneas c) e d) da petição inicial na parte em que se referem a quaisquer AIMs requeridas pela Ré no futuro (e não as AIMs identificadas na Lei n.º 62/2011) e deduzindo pedido reconvencional de declaração de nulidade do CCP nº 339, com a consequente absolvição do pedido.
Foi proferido saneador-sentença que julgou verificada a excepção dilatória de caducidade da acção, absolvendo-se as Rés da instância.
As AA. interpuseram recurso da sentença pedindo a sua revogação e o prosseguimento dos autos.
As RR, por seu turno, interpuseram recurso da decisão pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que admita o pedido reconvencional e determine o prosseguimento dos autos.
Por despacho de 21.09.2021 foi decidido admitir o recurso interposto pelas AA e não admitir o recurso interpostos pelas RR, por falta de interesse em recorrer.
Deduzida reclamação do despacho de não recebimento do recurso, veio a mesma a ser julgada procedente.
Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Maio de 2022, foi decidido:
i. Julgar procedente o recurso interposto pelas AA., declarar a nulidade da sentença recorrida, por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º1, al. d) do CPC;
ii. Julgar improcedentes as nulidades imputadas pelas RR. à sentença e prejudicado o conhecimento dos restantes vícios alegados nos recursos por estas interpostos;
iii. Determinar o prosseguimento dos autos.
O processo voltou assim, à 1.ª Instância.
Realizou-se a audiência prévia, na qual foi proferido despacho declarando a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto aos pedidos compreendidos nas als. a) e c) e quanto aos pedidos compreendidos nas als. b) e d) na parte em que se refere à patente EP357 e ao CCP 278.
Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou os pedidos principais improcedentes e, por consequência, absolveu as Rés dos pedidos, e, julgando procedente o pedido reconvencional, declarou a nulidade do Certificado Complementar de Protecção nº 339.
Inconformadas com a sentença, as Autoras interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.
A Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa, reconheceu que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que o produto que serviu de base à concessão do CCP 339 não se encontrava protegido pela patente base, pelo que não se verificavam os requisitos cumulativamente previstos no art.º 3.º do Regulamento CCP.
Por isso, o TRL julgou o recurso procedente, revogando a sentença recorrida pela qual foi declarada a nulidade do Certificado Complementar de Protecção n.º 339.
Mais decidiu que “O CCP 339 já não está em vigor, tendo caducado os direitos de propriedade industrial dele decorrentes para as Recorrentes, pelo que se mostra inútil apreciar os pedidos por estas formulados (…), nas als. b) e d) e apenas no que respeita ao CCP339 enquanto ele estivesse em vigor”.
Inconformadas, as Rés vieram interpor recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:
A. O presente recurso tem por objeto o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no dia 05.02.202, que, julgando o Certificado Complementar de Proteção n.º 339 (“CCP339”) válido, revogou a sentença proferida pelo Tribunal da Propriedade Intelectual - que, em sentido diametralmente oposto, declarara a nulidade do CCP339 - conduzindo, em consequência, à absolvição das ora Recorridas do pedido reconvencional deduzido contra as mesmas pelas Recorrentes.
B. No seu recurso de apelação, as Recorridas impugnaram a sentença quanto à matéria de facto dada como provada, face à prova produzida, nomeadamente prova testemunhal e prova documental e as Recorrentes dedicaram uma parte substancial das suas contra-alegações de recurso à referida impugnação da matéria de facto.
C. O acórdão recorrido não se pronunciou sobre a referida impugnação sobre a matéria de facto.
D. Com base no artigo 615º, n.º 1 al. d) do CPC a sentença deve considerar-se nula sempre que o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
E. A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do Tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa.
F. A omissão da reapreciação da prova gravada inquina a sentença com a sanção da nulidade, nos termos do artigo 615º, n.º 1 al. d) do CPC, a qual aqui se deixa arguida para todos os efeitos legais, e invocando-se a violação do artigo 205.º da C.R.P.
G. As questões essenciais colocadas à apreciação deste Douto Tribunal são as seguintes: i) Pode um Tribunal da Relação omitir a apreciação da prova produzida nos autos, quando a reapreciação da matéria de facto está associada, em sede de recurso, à reapreciação da prova produzida? ii) Pode o Tribunal eliminar factos dados como provados quando os mesmos refletem os temas da prova fixados nos autos e que não foram objeto de reclamação das Partes? iii) O artigo 3º, al. a) do Regulamento CCP, não exige que a reivindicação identifique especificadamente o produto a proteger? iv) O artigo 3.º, al. a) do Regulamento não exige que a invenção descrita na patente divulgue essa invenção, na perspetiva de um especialista na matéria? v) O artigo 3º, al. c) do Regulamento CCP não exige, para a concessão de um CCP, que a invenção na patente base possa ser identificada pelo perito de acordo com a descrição e desenhos da patente, à luz da jurisprudência do TJUE atual? vi) O artigo 3.º, al. d) do Regulamento CCP fica automaticamente preenchido quando a alínea c) estiver preenchida, não constituindo um requisito em separado.
H. Nos presentes autos estão preenchidos os requisitos para admissibilidade da revista ordinária, tal como se prevê nos artigos 629º e 671º do CPC, nomeadamente no que concerne ao valor da ação (superior ao valor da alçada) e sucumbência (decisão desfavorável quanto às Recorrentes em valor superior a metade da alçada do tribunal).
I. Subsidiariamente, mesmo que não se admitisse o recurso de revista ordinário, o que por mero dever de patrocínio se concebe, sempre deverá ser admitido o presente recurso enquanto recurso de revista excecional, ao abrigo do disposto nos artigos627.º, n.º 2, 672.º, n.º 1, alínea a), todos do CPC.
J. As questões colocadas têm indubitável complexidade e o número muito alto de litígios envolvendo titulares de direitos de propriedade industrial e requerentes de pedidos de AIM (ou, como abaixo se verá, titulares de AIM) implica que a apreciação destas questões jurídicas tem uma relevância que ultrapassa largamente os presentes autos, tendo um impacto previsível em vários outros litígios pendentes, atualmente e no futuro, nos tribunais portugueses.
K. Encontrarem-se pendentes dois reenvios prejudiciais em que parte das questões acima referenciadas serão apreciadas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.
L. Um dos reenvios prejudiciais presentemente pendentes e sob análise do Tribunal de Justiça da União Europeia respeita, precisamente, a um CCP para a combinação sitagliptina/metformina com base na patente europeia EP’357.
M. Em particular, estão presentemente pendentes os processos de reenvio prejudicial C-119/22 e C-149/22 no qual o Tribunal de Justiça da União Europeia irá apreciar, entre outros, o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça Português no processo n.º 281/17.0YHLSB.L1.S1.
N. Os processos de reenvio prejudicial acima referenciados constituem uma questão prejudicial relevante para os presentes autos, na medida em que as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia constituem fonte de direito imediata, permitindo a uniformidade e a harmonização na aplicação do direito da União no território dos Estados-Membros, pelo que requer-se que seja ordenada a suspensão da instância até que sejam proferidas decisões nos processos acima referenciados, por constituírem questão prejudicial aos presentes autos.
O. O acórdão recorrido eliminou factos dados como provados, nomeadamente os factos contidos nos pontos 102.º, 103.º e 104.º do probatório.
P. As Recorrentes não pretendem que este Douto Tribunal reaprecie a prova produzida nos autos.
Q. As Recorrentes pretendem, ao invés, que este Douto Tribunal aprecie a seguinte questão de direito: Pode o Tribunal eliminar factos dados como provados quando os mesmos refletem os temas da prova fixados nos autos e que não foram objeto de reclamação das Partes?
R. Nenhuma das partes apresentou reclamação dos temas da prova fixados em audiência prévia realizada no dia 10 de novembro de 2022.
S. Os factos eliminados no acórdão recorrido estão diretamente relacionados com os temas da prova 1) e 2) definidos pelo Tribunal da Propriedade Intelectual e, bem assim, com a causa de pedir deduzida pelas Recorrentes em sede de pedido reconvencional.
T. Ao eliminar os factos contidos nos pontos 102.º a 104.º, o Tribunal a quo reduziu, de forma exponencial, a instrução nos termos definidos, e transitados em julgado, pelo Tribunal da Propriedade Intelectual.
U. O Tribunal da Relação, salvo o devido respeito, não aplicou corretamente o disposto no artigo 410.º do CPC, na medida em que desconsiderou a instrução nos termos definidos pelo Tribunal de Primeira Instância.
V. Nos termos da jurisprudência do TJUE aplicável aos presentes autos, caberia às Partes produzir a prova necessária para demonstrar aquilo que seria percecionado pelo especialista na matéria, mas ao eliminar os factos contidos nos pontos 102.º a 104.º, o Tribunal a quo simplesmente eliminou a possibilidade do exercício de um direito condigno à produção de prova, por parte das Recorrentes, de modo a demonstrarem os factos subjacentes à sua causa de pedir.
W. O Tribunal a quo interpretou incorretamente o artigo 410.º do CPC, que deverá ser interpretado no sentido de que não podem ser eliminados factos subjacentes a temas da prova definidos pelo Tribunal de Primeira Instância, e que não foram objeto de reclamação por parte das Partes.
X. A interpretação da lei deverá partir do princípio dos pressupostos do direito de propriedade industrial, em particular no que concerne ao facto de que estes direitos, incluindo os certificados complementares de proteção, têm como propósito compensar o titular daquele direito por uma invenção.
Y. O direito exclusivo resultante (da concessão) de um certificado complementar de proteção é um desvio às regras da concorrência, com o desígnio e/ ou a justificação (únicos) de incentivar a inovação, de acordo com o interesse público.
Z. O certificado complementar de proteção e o seu monopólio dependem de uma compensação por parte do titular da patente - a divulgação completa da invenção.
AA. Esta troca de um monopólio por uma contribuição técnica é muitas vezes referida como a "contrapartida" do sistema: a divulgação de informações é "o preço que o inventor paga em troca do seu monopólio".
BB. O CCP 339 rege-se pelas regras previstas no Regulamento CCP.
CC. A Jurisprudência do TJUE é clara na afirmação de que existem pressupostos que são transversais a todos os requisitos para a concessão de um CCP, e que são os seguintes: i) A apreciação da invençãocontida na patente deve ser feita “aos olhos” do especialista na matéria; ii) Documentos posteriores à data da prioridade da patente não podem ser considerados para efeitos dos requisitos de concessão de um CCP.
DD. Da matéria de facto dada como provada jamais se poderia concluir que a reivindicação 30 da EP’357 comporta uma referência expressa a uma combinação de sitagliptina/metformina.
EE. Com efeito, apenas foi dado como provado que a reivindicação 30 inclui a sitagliptina, mas não que esta está especificamente identificada na reivindicação.
FF. A interpretação do que significa estar “protegido por uma patente de base em vigor” no sentido da alínea a) do artigo 3.º do Regulamento CCP foi objeto de algumas decisões do TJUE, nomeadamente o Acórdão Medevavs. Comptroller General of Patents, Designs and Trade Marks (C-322/10), de 24.11.2011; Acórdão Eli Lilly vs. Human Genome Sciences (C-493/12), de 12.12.2013; Acórdão Teva vs. Gilead (C‑121/17), de 25.07.2018, proferido pela Grande Secção do TJUE; Acórdão Royalty Pharma Collection (C-650/17) de 30.04.2020, proferida pela Quarta Seção do Tribunal de Justiça.
GG. O que resulta claro das decisões do TJUE é que este último considera que não se poderá ter uma proteção adicional fruto de um CCP que não compreende características técnicas ou características que resolvam o problema técnico objetivo.
HH. A invenção protegida pela patente deverá referir “especificamente um efeito combinado” das duas substâncias ativas, que deverá emergir da descrição da patente base em questão.
II. O mesmo decorre da jurisprudência nacional, nomeadamente do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo n.º 174/21.7YHLSB.L1.S1.
JJ. O CCP339 é nulo por não cumprir o requisito previsto no artigo 3.º, al. a) do Regulamento CCP. Consequentemente, deverá julgar-se o recurso procedente e o CCP339 revogado em conformidade.
KK. O Tribunal a quo interpretou incorretamente o artigo 3.º, al. a) do Regulamento CCP, que deverá ser interpretado no sentido de que o produto deverá estar identificado especificadamente na reivindicação.
LL. O acórdão recorrido afirma ainda que o objeto do CCP339 é diferente do objeto do CCP278, mas tal não corresponde à verdade.
MM. Uma interpretação equidistante do artigo 3.º al. c) do Regulamento CCP juntamente com a matéria de facto dada como provada impõe que se conclua que o objeto do produto protegido pelo CCP278 é o mesmo do CCP339.
NN. A interpretação do que é “ter sido já objeto de um certificado” na aceção da al. c) do artigo 3.º do Regulamento CCP também foi objeto de aturada análise pelo Tribunal da Justiça da União Europeia (“TJUE”), nomeadamente no Acórdão Actavis vs. Sanofi (C-443/12), de 12.12.2013; Acórdão Actavis vs Boehringer (C-577/13), de 12.03.2015.
OO.A jurisprudência do TJUE nos casos C-443/12 e C-577/13 deixa claro que não é possível obter um segundo CCP para uma combinação de substâncias ativas, mesmo que essa combinação esteja especificada nas reivindicações da patente base, se já tiver sido concedido anteriormente um CCP para a substância ativa que constitui o "objeto da invenção" da patente base.
PP. O CCP339 não preenche os requisitos do artigo 3.º, alínea c) do Regulamento CCP, nomeadamente face à supra referida jurisprudência do TJEU.
QQ. As Recorridas já beneficiaram de um certificado complementar de proteção para o produto que constitui, na realidade, o objeto da invenção da patente base EP’357 isto é, o CCP278 relativo ao produto sitagliptina.
RR. Aplicando a jurisprudência do TJUE acima citada, o CCP339 não preenche igualmente o requisito do artigo 3º, al. c) do Regulamento CCP.
SS. Dispõe o artigo 3.º do Regulamento CCP que: O certificado é concedido se no Estado-Membro onde for apresentado o pedido previsto no artigo 7.o e à data de tal pedido.
TT. A escolha da data da apresentação do pedido está em conformidade com as pretensões do Regulamento CCP, que são a harmonização das regras aplicáveis aos CCPs no espaço europeu.
UU. No Considerando 7) do Regulamento CCP, o legislador comunitário foi claro ao afirmar que: “É conveniente prever uma solução uniforme a nível comunitário.”
VV. E no Regulamento n.º 2019/933 que introduz alterações ao Regulamento CCP, o legislador também foi claro ao esclarecer no Considerando 27 daquele Regulamento que: “Habitualmente, um requerente de um certificado apresenta um pedido aproximadamente na mesma data em cada um dos Estados-Membros em que o requer. No entanto, devido a diferenças nos procedimentos nacionais de apreciação dos pedidos, a data de concessão do certificado pode variar significativamente de um Estado-Membro para outro, criando assim disparidades no que se refere à situação jurídica do requerente nos Estados-Membros em que o pedido de certificado foi apresentado. Por conseguinte, prever a exceção com base na data de apresentação do pedido de certificado favorecerá a uniformidade e limitará o risco de disparidades.”
WW. O que importa para a apreciação do artigo 3.º, al. c) do Regulamento CCP é a data do pedido do CCP e não a data da sua concessão. E não estando preenchido o requisito do artigo 3.º, al. c) do Regulamento CCP, o CCP339 deverá ser declarado nulo em conformidade.
XX. O Tribunal a quo interpretou incorretamente o artigo 3.º, al. c) do Regulamento CCP, que deverá ser interpretado no sentido de que o que importa para definir o segundo CCP é a data do pedido, e não a data da concessão.
YY. De acordo com a matéria de facto dada como provada nos pontos 84, 85, 105 a 111 e 113 resulta que ambos os medicamentos se referem a um tratamento associado de sitagliptina com metformina, pelo que o medicamento Janumet® não foi a primeira AIM para o produto, i.e., a combinação das substâncias sitagliptina e metformina, na medida em que já estava abrangido pela AIM para o medicamento Januvia®.
ZZ. A AIM do medicamento Januvia foi a primeira AIM para o produto do CCP339, pelo que este (também) não preenche o requisito previsto na alínea d) do artigo 3.º do Regulamento CCP.
AAA. Mesmo que se considere que a reivindicação 30 prevê especificadamente uma associação de sitagliptina/metformina (o que se faz por mero dever de patrocínio), sempre se dirá que nada naquela reivindicação indica que a associação de compostos é fixa ou livre.
BBB. O Tribunal a quo interpretou incorrectamente o artigo 3.º, al. d) do Regulamento CCP, que deverá ser interpretado no sentido de que o que importa é o produto nos termos descritos na reivindicação, não o medicamento objeto da AIM.
CCC.O CCP339 é nulo por não preencher os requisitos das alíneas a), c) e d) do artigo 3.º do Regulamento CCP, pelo que deverá o acórdão recorrido ser revogado e substituído por decisão que declare o CCP339 nulo por violação das alíneas a), c) e d) do artigo 3.º do Regulamento CCP.
Termos em que, deve o recurso interposto pelas Recorrentes ser julgado totalmente procedente e, em consequência:
a. O acórdão recorrido deverá ser declarado nulo e ordenada a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para reapreciação da prova gravada;
b. Deverá ser ordenada a suspensão da instância até serem decididos os reenvios prejudiciais pendentes no Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as matérias de direito em apreço nos presentes autos
c. O acórdão recorrido deverá ser revogado e ordenada a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para inclusão dos factos dados como provados nos pontos 102.º a 104.º ou apreciados os temas da prova em consonância com a prova produzida nos autos;
d. O acórdão recorrido deverá ser revogado e declarada a nulidade do CCP339 com fundamento na violação do artigo3.º, al. a), c) ou d) do Regulamento CCP.
As Recorridas/Autoras apresentaram contra alegações nas quais se pronunciaram contra o pedido de suspensão da instância, pois que a pendência dos processos de reenvio prejudicial C-119/22 e C-149/22 não constituem “questão prejudicial” relativamente aos presentes autos.
Mais defenderam ser inadmissível o recurso na parte relativa à decisão sobre os factos n.º 102, 103 e 104 dados como provados, devendo ser imediatamente rejeitado.
Por fim, defenderam a improcedência total do recurso, devendo manter-se o acórdão recorrido.
II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Vieram das instâncias como provados os seguintes factos:
1. As Autoras “MERCK SHARP & DOHME, CORP”, “MERCK SHARP & DOHME, LIMITED”, e “MERCK SHARP & DOHME, LDA têm como atividades a investigação, a indústria e/ou o comércio de produtos farmacêuticos, integrando o chamado Grupo MSD.
2. Em 1999, a MSD iniciou a investigação na área da diabetes.
3. A Diabetes Mellitus é uma doença crónica causada por fatores hereditários e/ou deficiência na produção de insulina no pâncreas, ou ainda pela ineficácia da insulina produzida.
4. Esta deficiência resulta num aumento da concentração de glucose no sangue, provocando danos, por exemplo, nos vasos sanguíneos e nos nervos.
5. As duas principais formas de diabetes são a Diabetes Mellitus tipo 1 e a tipo 2.
6. Na diabetes tipo 1, mais comum em pessoas jovens, o organismo deixa de produzir, de forma súbita, a única hormona capaz de baixar a glicemia: a insulina.
7. As pessoas com diabetes tipo 1 têm de ser tratadas com insulina e precisam de injeções desta hormona para viver.
8. A diabetes tipo 2 surge habitualmente em pessoas com mais idade estando na sua origem uma incapacidade do organismo para produzir em quantidade suficiente a insulina aliada a uma resistência do organismo a esta mesma hormona.
9. A diabetes tipo 2 é muito mais frequente do que a diabetes tipo 1 (cerca de 90-95% dos casos de diabetes em todo o mundo), sendo que dados recentes mostram que cerca de 150 (cento e cinquenta) milhões de pessoas, em todo o mundo, sofrem de Diabetes Mellitus.
10. Este aumento deverá ocorrer sobretudo nos países em desenvolvimento e será devido ao crescimento populacional, ao envelhecimento, às dietas não saudáveis, à obesidade e ao sedentarismo.
11. Em Portugal, cerca de 13% da população tem diabetes.
12. Sitagliptina é o nome genérico usado em Farmácia (DCI - Denominação Comum Internacional) do composto cujo nome químico é:
(2R)-4-oxo-4-[3-(trifluorometil)-5,6-di-hidro[1,2,4]triazolo[4,3-a]pirazin-7(8H)-il]-1-(2,4,5-trifluorofenil)butan-2-amina
Ou
(3R)-3-Amino-1-[5,6-di-hidro-3-(trifluorometil)-1,2,4-triazolo[4,3-a]pirazin-7(8H)-il]-4-(2,4,5-trifluorofenil)-1-butanona (nome CAS10), também conhecido por 7-[(3R)-3-amino-1-oxo-4-(2,4,5-trifluorofenil)butil]-5,6,7,8-tetra-hidro-3-(trifluorometil)-1,2,4-triazolo[4,3-a]pirazina, de fórmula:
13. O nome químico e a estrutura da Sitagliptina podem verificar-se por via das publicações e bases de dados científicas internacionais de referência neste âmbito, como é o caso da enciclopédia clássica “The Merck Index”, cujo excerto se encontra junto aos autos como Doc. n.º 1 e cujo teor se dá por reproduzido.
14. As primeiras referências que aparecem em "The Merck Index", referentes à Sitagliptina, são o pedido de patente internacional com o número de publicação WO 03004498 (publicado em 2003) e a patente norte-americana correspondente US 6699871 (concedida em 2004), ambos da Merck & Co, Inc.
15. Esta família de patentes diz respeito a uma família de compostos à qual pertence a Sitagliptina.
16. A Sitagliptina é normalmente utilizada sob a forma de Fosfato Mono-hidratado como substância ativa em medicamentos.
17. A Sitagliptina encontra-se indicada no tratamento de doentes adultos com Diabetes Mellitus tipo 2, para melhorar o controlo dos níveis de glucose (açúcar) no sangue, quer em monoterapia, quer em terapêutica oral dupla em associação com a metformina, quer ainda em terapêutica oral tripla em associação com, por exemplo, metformina e uma sulfonilureia. Está também indicado como terapêutica adjuvante à insulina, com ou sem metformina, quando a dieta e o exercício, associados a uma dose estável de insulina, não proporcionam um adequado controlo dos níveis de glucose no sangue.
18. A diabetes de tipo 2 é uma doença na qual o pâncreas não produz insulina suficiente para controlar os níveis de glucose no sangue ou em que o organismo não é capaz de utilizar a insulina de forma eficaz.
19. A substância Sitagliptina é um inibidor da dipeptidil peptidase-4, que atua bloqueando a degradação das hormonas “incretinas” no organismo.
20. Estas hormonas são libertadas após as refeições e estimulam a produção de insulina pelo pâncreas.
21. Ao aumentar os níveis de hormonas incretinas no sangue, a Sitagliptina estimula a produção de mais insulina pelo pâncreas quando os níveis de glucose no sangue são elevados. A sitagliptina não atua quando os níveis de glucose no sangue são baixos.
22. A sitagliptina também reduz igualmente a quantidade de glucose produzida pelo fígado, através do aumento dos níveis de insulina e da redução dos níveis da hormona glucagon.
23. Antes de a substância ativa Sitagliptina ser divulgada, já se sabia que os inibidores da DPP-IV poderiam ser úteis no tratamento da diabetes, em particular, da diabetes tipo 2.
24. No entanto, os novos compostos inibidores da enzima DPP-IV divulgados na EP 1 412 357, em particular para o tratamento ou prevenção da diabetes tipo 2, incluindo a Sitagliptina, não eram ainda conhecidos.
25. A metformina pertence a uma classe de medicamentos denominados biguanidas e é um agente antidiabético que permite o controlo do açúcar no sangue por via da inibição da produção de glucose pelo fígado e da redução da sua absorção no intestino.
*** PATENTE EUROPEIA 1 412 357 ***
26. A Primeira Autora é titular da EP 1 412 357, com a epígrafe "BETA-AMINO-TETRA- HIDROIMIDAZO (1,2-A) PIRAZINAS E BETA-AMINOTETRA-HIDROTRIAZOLO (4,3-A) PIRAZINAS COMO INIBIDORES DA DIPEPTIDIL-PEPTIDASE PARA O TRATAMENTO OU PREVENÇÃO DE DIABETES", sendo as demais Autoras licenciadas da MSD CORP. ((facto assente por acordo – cf. art. 55.º da contestação)
27. A EP 1 412 357 foi pedida ao Instituto Europeu de Patentes em 05.07.2002, tendo sido publicada a menção da sua concessão no Boletim da Patente Europeia n.º 2006/12. ((facto assente por acordo – cf. art. 56.º e 57.º da contestação)
28. A EP 1 412 357 reivindica a prioridade da patente norte-americana US 303474 P, de 06.07.2001. ((facto assente por acordo – cf. art. 56.º da contestação)
29. Em Portugal, foi apresentada no INPI a tradução em português do fascículo da Patente em 17.05.2006, conforme publicação no Boletim da Propriedade Industrial n.º 7/2006, assegurando-se assim a produção de efeitos da mesma em Portugal.
30. A EP 1 412 357 vigorou até 5 de julho de 2022. ((facto assente por acordo – cf. art. 58.º da contestação.
31. As reivindicações da EP 1 412 357 são as que constam do documento junto como Doc. n.º 2 que aqui se dá por integralmente reproduzido. ((facto assente por acordo – cf. art. 59.º da contestação)
32. A reivindicação 1 abrange uma família de compostos, à qual pertence a Sitagliptina, e que apresenta a fórmula geral (I):
e os seus sais farmaceuticamente aceitáveis e os seus diastereómeros individuais. ((facto assente por acordo – cf. art. 63.º da contestação)
33. Os diferentes substituintes representados na fórmula geral (I) representada no artigo anterior têm os significados referidos nesta reivindicação 1. ((facto assente por acordo – cf. art. 63.º da contestação)
34. Esta fórmula corresponde à Sitagliptina e seus sais farmaceuticamente aceitáveis quando:
a. Ar representa 2,4,5-trifluorofenilo, ou seja, Ar é fenilo e está substituído com 3 R3, sendo R3 um halogéneo (1);
b. b) X é N (1); e
c. c) R1 representa CF3, ou seja, R1 é um alquilo C1 substituído com 3 halogéneos (3).
35. A reivindicação 1 abrange, assim, uma família de compostos, a que pertence a Sitagliptina, ou seja:
36. A reivindicação 2 compreende uma subfamília de compostos de fórmula Ia, que é semelhante à fórmula I, mas especifica qual a configuração estereoquímica dos compostos:
37. A reivindicação 3 reivindica uma subfamília de compostos de fórmula Ib, que é semelhante à fórmula I, mas especifica qual a configuração dos compostos, em que X representa N:
38. A reivindicação 4 inclui compostos de fórmula Ic, que é semelhante à fórmula I, mas especifica a configuração dos compostos, na qual X não representa N:
39. A reivindicação 5 é uma reivindicação dependente de qualquer uma das reivindicações 1 a 4 e revela uma realização preferencial do substituinte Ar.
40. A reivindicação 6 é uma reivindicação dependente da reivindicação 5 e revela uma realização ainda mais preferencial do substituinte Ar.
41. A reivindicação 7 é uma reivindicação dependente de qualquer uma das reivindicações 1 a 6 e revela uma realização preferencial do substituinte R1.
42. A reivindicação 8 é uma reivindicação dependente da reivindicação 7 e revela uma realização ainda mais preferencial do substituinte R1.
43. A reivindicação 9 é uma reivindicação dependente da reivindicação 8 e revela uma realização ainda mais preferencial do substituinte R1.
44. A reivindicação 10 é uma reivindicação dependente da reivindicação 9 e revela uma realização ainda mais preferencial do substituinte R1.
45. A reivindicação 11 é uma reivindicação dependente de qualquer uma das reivindicações 1 a 10 e revela uma realização preferencial do substituinte R2.
46. A reivindicação 12 é uma reivindicação dependente da reivindicação 11 e revela uma realização preferencial do substituinte R2.
47. A reivindicação 13 é uma reivindicação dependente da reivindicação 12 e revela uma realização preferencial do substituinte R2.
48. A reivindicação 14 é uma reivindicação dependente de qualquer uma das reivindicações 1 a 13 e revela uma realização preferencial do substituinte R3.
49. A reivindicação 15 reivindica uma série de compostos, bem como os seus sais farmaceuticamente aceitáveis, devidamente representados pelas suas fórmulas.
50. A Sitagliptina é o segundo composto da página 8 das reivindicações.
51. A reivindicação 16 reivindica uma composição farmacêutica que compreende um veículo inerte e um composto de qualquer das reivindicações 1 a 15 ou um seu sal farmaceuticamente aceitável.
52. A reivindicação 17 reivindica um composto de qualquer uma das reivindicações 1 até 15 ou um seu sal farmaceuticamente aceitável para ser utilizado na inibição da atividade da enzima dipeptidil-peptidase-IV.
53. A reivindicação 18 reivindica um composto de qualquer uma das reivindicações 1 até 15 ou um seu sal farmaceuticamente aceitável no fabrico de um medicamento para tratar, controlar ou prevenir uma série de doenças, nomeadamente, a diabetes e a diabetes mellitus não insulinodependente (tipo 2).
54. A reivindicação 19 reivindica a utilização de um composto de qualquer uma das reivindicações 1 até 15, ou um seu sal farmaceuticamente aceitável, no fabrico de um medicamento para tratar, controlar ou prevenir uma série de estados, nomeadamente a hiperglicemia (1), ou outros distúrbios nos quais a resistência à insulina é uma componente.
55. A reivindicação 20 reivindica a associação de um composto de qualquer uma das reivindicações 1 até 15, ou um seu sal farmaceuticamente aceitável, e um ou mais de outros compostos selecionados dos grupos aí devidamente listados (de (a) a (n)).
56. A reivindicação 20 compreende, inter alia, a associação da Sitagliptina, ou de um seu sal farmaceuticamente aceitável, com um ou mais dos compostos listados nessa reivindicação.
57. Em concreto, esta reivindicação compreende a associação da Sitagliptina, ou de um seu sal farmaceuticamente aceitável, e sensibilizadores para a insulina do grupo constituído por biguanidas (em (b) (ii)).
58. A reivindicação 21 reivindica a associação de um composto de qualquer uma das reivindicações 1 até 15 ou um seu sal farmaceuticamente aceitável, e um inibidor de HMG-CoA-redutase.
59. A reivindicação 22 é uma reivindicação dependente da reivindicação 21 e especifica que o inibidor de HMG-CoA-redutase é uma estatina.
60. A reivindicação 23 especifica que a estatina é selecionada a partir de um grupo aí devidamente identificado.
61. A reivindicação 24 reivindica uma composição farmacêutica para o tratamento, prevenção e controlo da aterosclerose que compreende (1) um composto de qualquer das reivindicações 1 a 15 ou um seu sal farmaceuticamente aceitável, (2) um inibidor de HMG-CoA-redutase e (3) um veículo farmaceuticamente aceitável.
62. A reivindicação 25 reivindica uma composição farmacêutica que compreende: 1.º um composto de qualquer das reivindicações 1 a 15, ou um seu sal farmaceuticamente aceitável (onde se inclui a Sitagliptina); e 2.º um ou mais de outros compostos selecionados dos grupos aí devidamente listados (de (a) a (n)); e 3.º um veículo farmaceuticamente aceitável.
63. A reivindicação 26 especifica melhor uma série de compostos, e os seus sais farmaceuticamente aceitáveis, devidamente representados pelas suas fórmulas.
64. A Sitagliptina é o quarto composto da página 18 das reivindicações.
65. A reivindicação 27 refere-se especificamente a um composto que não é a Sitagliptina nem um seu sal farmaceuticamente aceitável.
66. A reivindicação 28 é uma reivindicação dependente da reivindicação 26 e refere-se especificamente à Sitagliptina, bem como aos seus sais farmaceuticamente aceitáveis, representada da seguinte forma:
67. A reivindicação 29 refere-se especificamente a um composto que não é a Sitagliptina nem um seu sal farmaceuticamente aceitável.
68. A reivindicação 30 diz respeito a uma composição farmacêutica compreendendo um composto de qualquer das reivindicações 1 a 15, ou um seu sal farmaceuticamente aceitável, com metformina e um veículo farmaceuticamente aceitável.
69. As reivindicações 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 28 e 30 englobam a sitagliptina. (redacção conferida pelo TRL)
*** CCP 278 ***
70. A Primeira Autora é igualmente titular, sendo as demais Autoras suas licenciadas, do Certificado Complementar de Proteção n.º 278.
71. A Certidão do CCP 278 refere que o produto abrangido é “SITAGLIPTINA”.
72. O CCP 278 indica a EP 1 412 357 como a “patente base”.
73. Do CCP 278 também consta que a primeira autorização de introdução no mercado europeu de um medicamento contendo a Sitagliptina como substância ativa ocorreu em 21.03.2007.
74. Tal como foi certificado pelo INPI, o CCP 278, cuja patente base é a EP 1 412 357, produziria efeitos a partir do dia 6 de julho de 2022, mas, nos termos do artigo 13.º, n.º 1 Regulamento (CE) 469/2009, o mesmo tem uma duração inferior à da sua Patente Base (a sua vigência terminaria em 23.03.2022), pelo que não chegará a vigorar.
*** CCP 339 ***
75. A Primeira Autora é ainda titular, sendo as demais Autoras suas licenciadas, do Certificado Complementar de Proteção n.º 339. (facto assente por acordo – cf. art. 101.º da contestação)
76. A certidão do CCP refere que o produto abrangido é a sitaglitina/(cloridrato de) Metformina.
77. O CCP 339 indica a EP 1 412 357 como a “patente base”.
78. Como também consta do CCP 339, a primeira autorização de introdução no mercado europeu de um medicamento compreendendo a associação de substâncias ativas Sitagliptina e Metformina ocorreu em 08.04.2008, na Suíça, a qual faz parte do Espaço Económico Europeu.
79. Tal como foi certificado pelo INPI, o CCP 339, cuja patente base é a EP 1 412 357, produzirá efeitos a partir do dia 6 de julho de 2022 e a sua vigência terminará em 8 de abril de 2023.
80. Em Portugal, a MSD obteve Autorizações de Introdução no Mercado para medicamentos contendo Sitagliptina como única substância ativa e sitagliptina em associação com Metformina.
81. No mercado português, os medicamentos de referência que contêm Sitagliptina como única substância ativa, encontram-se efetivamente disponíveis na forma farmacêutica de comprimido revestido por película, nas dosagens de 25mg, de 50 mg e de 100 mg, e são comercializados sob as marcas comerciais Januvia® e Xelevia® (cf. Docs. n.ºs 5 e 6, que se juntam e dão por integralmente reproduzidos).
82. Encontram-se igualmente disponíveis no mercado português medicamentos que compreendem como substâncias ativas Sitagliptina em associação com Metformina, os quais são comercializados na forma farmacêutica de comprimido revestido por película, nas dosagens 1000 mg + 50 mg e 850 mg + 50 mg, sob as marcas comerciais Janumet®, Efficib® e Velmetia® (cf. Docs. n.os 7, 8 e 9).
83. A MSD LDA, filial do Grupo MSD, é a sociedade que, em Portugal, comercializa todos os medicamentos de referência contendo Sitagliptina como substância ativa, em monoterapia ou em associação com Metformina, e que se referiram nos artigos anteriores, entre os quais se encontra o medicamento de referência Januvia® (Sitagliptina) e o medicamento Janumet® (Sitagliptina + Metformina) (cf. cit. Docs. n.º 5 a 9) – cf. Docs. n.ºs 10 e 11, que consistem na Informação, respetivamente, do medicamento de referência Januvia® e do medicamento de referência Janumet®, constantes de cada um dos respetivos Relatórios Públicos Europeus de Avaliação.
84. Do Resumo do EPAR (Relatório Público Europeu de Avaliação) destinado ao público do Januvia® resulta que este medicamento se encontra indicado para o tratamento de doentes com diabetes de tipo 2 (cf. cit. Doc. n.º 12, páginas 1 e 2) para melhorar o controlo dos níveis de glucose (açúcar) no sangue. É utilizado em associação com dieta e exercício das seguintes formas:
• em monoterapia (medicamento único), em doentes não controlados de forma adequada com dieta e exercício físico e para os quais a administração de metformina (um medicamento antidiabético) não é apropriada;
• em associação com metformina ou um agonista do PPAR-gama (um tipo de medicamento antidiabético) como a tiazolidinediona, em doentes não controlados de forma adequada com metformina ou o agonista do PPAR-gama em monoterapia;
• em associação com uma sulfonilureia (outro tipo de medicamento antidiabético) em doentes não controlados de forma adequada com uma sulfonilureia em monoterapia e para os quais a administração de metformina é inapropriada;
• em associação com metformina e uma sulfonilureia ou um agonista do PPAR-gama quando uma terapêutica dupla com estes fármacos não proporciona o controlo adequado;
• em associação com insulina, associada ou não à metformina, em doentes não controlados de forma adequada com uma dose estável de insulina.”
85. Do Resumo do EPAR destinado ao público do Janumet® resulta que este medicamento se encontra indicado para o tratamento de (cf. cit. Doc. n.º 13, página 1) “(…) e doentes com diabetes de tipo 2, para melhorar o controlo dos níveis de glucose (açúcar) no sangue. É utilizado em associação com dieta e exercício físico das seguintes formas:
• em doentes não controlados de forma satisfatória com metformina (um medicamento antidiabético) em monoterapia (isoladamente);
• em doentes que já tomam uma associação de sitagliptina e metformina, em comprimidos separados;
• em associação com uma sulfonilureia, um agonista do PPAR-gama (como uma tiazolidinediona) ou com insulina (outros tipos de medicamentos antidiabéticos) em doentes não controlados de forma satisfatória com cada um destes medicamentos e metformina.”
86. De acordo com as listas publicitadas no dia 19 e 20 de novembro de 2019, na página eletrónica oficial do INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos da Saúde I.P., as Rés requereram as AIMs a seguir identificadas nos termos em que constam da mesma lista:
87. De acordo com as listas publicitadas nos dias 19 e 20 de novembro de 2019, na página eletrónica oficial do INFARMED, a Primeira Ré requereu as AIMs a seguir identificadas para medicamentos compreendendo a substância ativa sitagliptina em associação com a substância ativa metformina nos termos em que constam da mesma lista (Docs. n.ºs 17 e 18, que se dão por integralmente reproduzidos):
88. De acordo com as certidões emitidas pelo Infarmed nos dias 26 de novembro e 6 de dezembro de 2019, a Segunda Ré foi indicada como futura titular proposta das AIMs melhor identificadas supra, as quais foram requeridas pela Primeira Ré.
89. As Rés nunca obtiveram autorização para explorar, por qualquer meio, as invenções protegidas pela Patente e pelos CCPs supra mencionados.
90. Enquanto titular das AIMs em causa, a Ré Ciclum iniciou os procedimentos administrativos atinentes à comercialização do seu medicamento genérico, nomeadamente em matéria de preços, tendo sido atribuído o preço de venda ao público de € 16,09 para o blister de 56 unidades para a dosagem 850 mg + 50 mg e o preço de venda ao público de € 15,20 para o blister de 56 unidades para a dosagem 1000 mg + 50 mg – e de comparticipação pelo Sistema Nacional de Saúde, no caso, de 90%.
91. Uma vez concluídos os procedimentos administrativos acima referidos, a Ré Ciclum notificou o INFARMED do início da comercialização dos seus medicamentos genéricos, constando os mesmos da base de dados oficial do INFARMED como “comercializados” em ambas as dosagens.
92. A Ré Ciclum lançou efetivamente os seus medicamentos genéricos contendo sitagliptina + metformina no mercado, encontrando-se os mesmos a ser comercializados no território português desde, pelo menos, 20 de outubro.
93. Os compostos da invenção são apresentados na EP1412357 através de uma fórmula de Markush (Fórmula I).
94. Uma fórmula Markush é uma representação de uma estrutura química utilizada para indicar o grupo de compostos químicos relacionados, em que são descritos vários grupos de variáveis independentes.
95. As reivindicações 1 a 15 referem-se à fórmula Markush que se reporta a milhares de compostos diferentes.
96. Um desses compostos descritos pela fórmula I acima identificada é a substância sitagliptina, que é igualmente referida na reivindicação 15, sétima estrutura.
97. (Eliminado pelo TRL)
98. A metformina já estava disponível várias décadas antes da data de prioridade da EP’357.
99. A metformina é um composto que pertence à classe das biguanidas e não é representada pela Fórmula I da EP1412357.
100. A metformina já era habitualmente utilizada no tratamento da diabetes de tipo 2 quando a EP’357 foi pedida.
101. (Eliminado pelo TRL)
102. (Eliminado pelo TRL)
103. (Eliminado pelo TRL)
104. (Retirado pelo do TRL)
105. A primeira AIM para o Januvia® na UE foi concedida em 21/03/2007.
106. A primeira AIM para o Janumet® na EU foi concedida em 08.04.2008.
107. De acordo com a secção “4.1 Indicações terapêuticas” do RCM do medicamento Januvia® é descrito que tal medicamento é autorizado “Em doentes adultos com diabetes mellitus tipo 2, Januvia está indicado para melhorar o controlo da glicemia […] Em terapêutica oral dupla em associação com: • metformina quando a dieta e o exercício, associados a metformina em monoterapia, não proporcionam um adequado controlo da glicemia.”.
108. De acordo com a seção 4.1. do RCM para o medicamento Janumet® este está indicado “como adjuvante da dieta e do exercício para melhorar o controlo da glicemia nos doentes em que a dose máxima tolerada de metformina em monoterapia não proporciona um controlo adequado ou nos doentes que estão já a ser tratados com a associação de sitagliptina e metformina”.
109. Acresce ainda que, os dois medicamentos Januvia® e Janumet® estão ainda autorizados para triplas combinações utilizando a associação de sitagliptina e metformina com outras substâncias ativas.
110. No resumo das características do medicamento, os dois medicamentos Januvia® e Janumet® referem estudos idênticos para descrever a combinação de substâncias ativas, tal como resulta da comparação entre a secção 5.1., tabela 2 do Januvia® e secção 5.1. e tabela 2 do Janumet®.
111. De acordo com a secção 5.1. do RCM para o Januvia®, a combinação de sitagliptina e metformina tem o efeito aditivo que seria expectável quando se utilizam duas substâncias ativas, com modos de atuação distintos para o mesmo propósito terapêutico.
112. Não existe qualquer alegação, prova ou plausibilidade do alegado efeito vantajoso da combinação fixa em oposição à associação dos compostos.
113. De acordo com a secção 4.2. do RCM para o Janumet®: “Caso não esteja disponível uma dosagem adequada de Janumet, devem utilizar-se os componentes individuais em separado em vez da combinação de dose fixa.”
114. Previamente à introdução do medicamento Janumet, as AA promoveram a realização de um estudo de bioequivalência.
115. O referido estudo demonstrou que Janumet (sitagliptina/cloridrato de metformina) comprimidos com associação é bioequivalente à coadministração de fosfato de sitagliptina e cloridrato de metformina em comprimidos individuais.
Factos aditados pelo Tribunal da Relação:
116. O pedido do CCP 278 foi apresentado no dia 17.08.2007 e foi concedido em 23.04.2012
117.O pedido de CCP 339 foi apresentado em 29.08.2008 e foi concedido em 05.02.2009.
Foi dado como não provado, o seguinte:
1-A associação sitagliptina-metformina mostrou um efeito sinergético e que consiste no facto de a eficácia da associação ser superior à soma dos valores associados da sitagliptina e da metformina quando administradas individualmente.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Corridos os vistos, cumpre decidir, tendo presente que são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o objeto do recurso, estando vedado ao tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, com excepção daquelas que são de conhecimento oficioso (cfr. art.º 635º nº 4, 639º nº 1, 608º nº 2, ex vi art.º 679º, todos do CPC).
Assim, as questões a abordar são as seguintes:
1 - QUESTÃO PRÉVIA:
Admissibilidade da revista
2 - Suspensão da instância devido a pendência de causa prejudicial
3 - Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia
4 - Saber se o Tribunal pode eliminar factos dados como provados quando os mesmos refletem temas da prova fixados nos autos que não foram objecto de reclamação das partes
5 - Nulidade do CCP
1 - Quanto à questão da admissibilidade da revista, no que toca às questões de direito suscitadas, designadamente quanto à alegada incorrecta interpretação da lei relativamente aos requisitos da concessão do CCP 339, nenhuma dúvida se suscita. As Recorridas aceitam a admissibilidade do recurso e, na verdade o mesmo é admissível nos termos do disposto no artigo 671.º n.º 1 do CPC.
Porém suscitam a inadmissibilidade do recurso na parte em que o mesmo versa sobre a eliminação dos factos 102.º, 103.º e 104.º, levada a efeito pelo Tribunal da Relação.
Com efeito, as Recorridas entendem que essa decisão é irrecorrível, não podendo, pois, o recurso ser admitido nessa parte.
Cumpre apreciar:
Nas suas alegações de recurso, as Recorrentes vêm sustentar que o Tribunal recorrido faz uma incorrecta interpretação da lei quanto aos temas da prova ao eliminar os factos dados como provados nos pontos 102.º, 103.º e 104.º do respectivo elenco probatório.
As Recorrentes esclarecem que não pretendem que este Supremo reaprecie a prova produzida, o que as Recorrentes pretendem é que este Tribunal aprecie a seguinte questão de direito:
Pode o Tribunal eliminar factos dados como provados quando os mesmos refletem os temas da prova fixados nos autos e que não foram objeto de reclamação das Partes?
Defendem as Reclamantes que foi esta a circunstância que ocorreu nos presentes autos.
“Com efeito, no dia 10 de novembro de 2022, teve lugar a audiência prévia, no âmbito da qual o tribunal ordenou a extinção da instância quanto aos pedidos referentes à EP’357 e CCP278, em resultado da caducidade (entretanto ocorrida) dos títulos de propriedade industrial que consubstanciavam as respetivas causas de pedir, e fixou os temas da prova nos seguintes termos:
1.Ensinamentos proporcionados pela patente EP1412357
2. Objeto ou objetos da invenção.
3. Apurar se a metforminae a sua utilização no tratamento da diabetes já era conhecida à data da prioridade da patente EP357.
4. Factos relativos à inclusão da associação dos princípios ativos sitagliptina e Metformina na patente base.
5. Factos sobre se à data do pedido da apresentação do CCP 339, o produto incluído neste já tinha sido objeto de um certificado.
6. Factos sobre se a AIM obtida para o produto objeto do CCP 339 foi a primeira AIM no mercado como medicamento para esse produto.
Nenhuma das partes deduziu reclamação quanto aos temas da prova.
Aqueles temas da prova estão sustentados na causa de pedir deduzida pelas Recorrentes em sede de pedido reconvencional.
Acontece que, no acórdão recorrido, o Tribunal a quo decidiu eliminar factos dados como provados.
Ora, ao eliminar os factos contidos nos pontos 102.º a 104.º, o Tribunal a quo reduziu, de forma exponencial, a instrução nos termos definidos, e transitados em julgado, pelo Tribunal da Propriedade Intelectual.
Aliás, resulta manifesto que, ao eliminar aqueles factos, o próprio Tribunal a quo coartou, a si próprio, a possibilidade de dar resposta aos temas da prova definidos pelo Tribunal da Primeira Instância.
Significa isto que:
Ao ordenar a eliminação de factos essenciais à apreciação dos temas da prova, e ao não tomar posição sobre esses mesmos temas da prova, o Tribunal da Relação, salvo o devido respeito, não aplicou corretamente o disposto no artigo 410.º do CPC, na medida em que desconsiderou a instrução nos termos definidos pelo Tribunal de Primeira Instância.”
Nos termos do disposto no art.º 662.º 4 e 674.º n.º3 o recurso de revista incide apenas sobre questões de direito e não sobre a decisão de facto.
Assim, nos termos deste último preceito: “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”
Ora , analisada a pretensão das Recorrentes, embora estas o neguem, a verdade é que a mesma se concretiza numa verdadeira sindicância da decisão sobre a matéria de facto, pretendendo que os factos que foram eliminados na Relação sejam de novo introduzidos no elenco dos factos provados. E tanto assim é que requerem que seja “ordenada a remessa dos autos para o Tribunal da Relação proferir nova decisão de mérito tendo em consideração a factualidade que havia sido dada como provada e que foi, incorretamente, eliminada no acórdão recorrido.”
Porém, não foi invocado qualquer fundamento que nos termos do art.º 674.º n.º3 permite ao Supremo apreciar o erro na apreciação das provas ou na fixação dos factos materiais da causa.
E essa sindicância da decisão de facto é apresentada, artificialmente, sob a forma de uma questão de direito que verdadeiramente não o é. Vejamos:
As Recorrentes colocam a seguinte questão:
“Pode o Tribunal eliminar factos dados como provados quando os mesmos refletem os temas da prova fixados nos autos e que não foram objeto de reclamação das Partes?”
Na verdade, tal como as Recorridas bem referem na sua resposta, esta “questão” encerra uma confusão entre “factos provados” e “temas da prova”.
Em princípio, todos os factos provados se relacionam com os temas da prova, caso contrário, não estariam dados como provados, pois não seriam pertinentes para a apreciação da causa. Porém, uma coisa é a definição das matérias sobre as quais há-de incidir a prova e outra é o resultado das diligências probatórias que, analisadas pelo Tribunal, poderão conduzir à decisão de considerar os factos “provados” ou “não provados”. A circunstância de as partes não lograrem provar os factos sobre os quais têm o ónus da prova, tal não tem qualquer reflexo, nem esvazia a causa de pedir, ao contrário do que consta da argumentação das Recorrentes.
Pelas razões expostas, não se admite o recurso relativamente à questão da exclusão dos factos provados.
2.Suspensão da instância devido a pendência de causa prejudicial
As Recorrentes formulam pedido de suspensão da instância face à pendência, no Tribunal de Justiça da União Europeia, dos processos de reenvio prejudicial C-119/22 e C-149/22 que, no seu entender, constituem “questão prejudicial” em relação aos presentes autos.
Com efeito, alegam, um dos reenvios prejudiciais presentemente pendentes respeita, precisamente, a um CCP para a combinação sitagliptina/metformina com base na patente europeia EP’357. Nesses processos será apreciado, entre outros, o acórdão proferidopelo SupremoTribunal de Justiça Português no processo n.º 281/17.0YHLSB.L1.S1.
Concluem as Recorrentes que os processos de reenvio prejudicial acima referenciados constituem uma questão prejudicial relevante para os presentes autos, na medida em que as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia constituem fonte de direito imediata, permitindo a uniformidade e a harmonização na aplicação do direito da União no território dos Estados-Membros, pelo que requerem que seja ordenada a suspensão da instância até que sejam proferidas decisões nos processos acima referenciados.
As Recorridas opõem-se à requerida suspensão, argumentando que à luz dos critérios legais, jurisprudenciais e doutrinários “parece evidente que as Recorrentes não lograram demonstrar em que medida é que a pendência dos reenvios prejudiciais perante o TJUE constituiria pressuposto da decisão a proferir nos presentes autos, ou em que medida definiriam ou limitariam o seu objeto, ou de que forma seriam suscetíveis de destruir os fundamentos em que o Acórdão Recorrido se baseou. E, prosseguem, não o fizeram porque, em bom rigor, não há relação de prejudicialidade ou dependência entre a decisão a proferir nos presentes autos por este Alto Tribunal e a decisão a proferir pelo TJUE no âmbito dos referidos reenvios prejudiciais. Com efeito, as Recorrentes limitam-se a afirmar que a decisão a ser proferida pelo TJUE nos reenvios prejudiciais pendentes permite“a uniformidade e a harmonização na aplicação do direito da União no território dos Estados-Membros”. O que é – natural e evidentemente – insuficiente para que se considere que em causa está uma “questãoprejudicial” para os presentes autos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo271.º, n.º 1, alínea a), do CPC.
Cumpre apreciar:
Com efeito, estabelece o art.º 272.º n.º 1 do CPC que “O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
Este preceito prevê, pois, duas situações distintas susceptíveis de fundamentar a suspensão da instância: uma, a existência de causa prejudicial; a outra, a existência de outro motivo justificado.
“Existe uma relação de dependência ou prejudicialidade quando a decisão de uma causa depende do julgamento de outra, ou seja, quando a ação dependente tenha por objeto a apreciação de uma concreta questão cuja solução final seja suscetível de ser afetada na consistência jurídica ou prático-económica pela decisão a tomar na outra (prejudicial), quando a decisão da ação dependente possa ser decisivamente influenciada pela decisão a proferir na causa prejudicial.”1
Como já ensinava o Prof. José Alberto dos Reis2 ,“Uma causa é prejudicial a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda".
“A verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é a reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim, pode considerar-se como prejudicial, em relação a outra em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal".3
Face à supra definida noção do que seja uma causa prejudicial, será que existe uma relação de prejudicialidade ou dependência entre a decisão a proferir nos presentes autos e a decisão a proferir pelo TJUE no âmbito dos referidos reenvios prejudiciais?
Conforme estabelece o art.º 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia para o Tribunal de Justiça da União «O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial
a) Sobre a interpretação dos Tratados;
b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.
Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível.»
Assim, o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos Tratados e sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
Do mencionado art.º 267.º do TFUE, resulta que o reenvio prejudicial apenas tem em vista levar ao TJUE qualquer questão relativa à interpretação do Direito da União Europeia.
O reenvio prejudicial é um instrumento jurídico criado pelos Tratados da EU, com vista à aplicação uniforme do direito comunitário, pelos tribunais nacionais, e decorre do princípio da aplicabilidade directa e da primazia das normas comunitárias. Para que ocorra e seja necessária a intervenção do TJUE através do mecanismo do reenvio, essencial é que se trate de aplicar o direito comunitário ao caso em apreço , pois visa-se uma interpretação e aplicação uniforme deste e não do direito nacional, pois se estiver em causa a interpretação e aplicação do direito nacional não há lugar á intervenção do TJUE.4
Assim, só deve haver reenvio « quando um tribunal nacional tem fundadas dúvidas sobre a interpretação a dar a uma norma comunitária ou sobre a validade de um acto jurídico das instituições …”, ou de outro modo , o TJUE pronuncia-se “a pedido da jurisdição nacional de um estado membro que deve aplicar uma regra de direito comunitário ou que deve constatar as consequências jurídicas de um acto levado a cabo por uma instituição»5.
Ora, do funcionamento e objectivos do instrumento jurídico em análise – reenvio prejudicial – impõe-se retirar a conclusão de que não existe qualquer relação de prejudicialidade entre a decisão a proferir nestes autos e a decisão a proferir pelo TJUE no âmbito dos referidos reenvios prejudiciais. No âmbito destes processos o que vai ser apreciada é a interpretação que o TJUE vai elaborar relativamente a uma norma de direito comunitário e não decidir qualquer questão susceptível de destruir o fundamento ou a razão de ser da presente acção, caso em que seria uma causa prejudicial.
É certo que nos presentes autos a questão apreciada diz respeito à invocada violação do artigo 3.º, alíneas a), c) e d), do Regulamento (CE) n.º 469/2009 e do artigo 69.º da Convenção sobre a Patente Europeia e o respectivo artigo 1.º do Protocolo Interpretativo, normas de direito comunitário. Está igualmente em apreço a interpretação a dar àquelas normas.Pelo que, em tese, poderiam surgir dúvidas interpretativas sobre tais normas que suscitassem a necessidade de, neste próprio processo, se recorrer ao instrumento jurídico do reenvio prejudicial, ou vislumbrar-se utilidade em aguardar a decisão que viesse a ser proferida sobre essas hipotéticas dúvidas.
Sucede que, no caso em apreço, do teor do acórdão recorrido, verificamos que o mesmo se encontra fundamentado em abundante jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia que já se pronunciou sobre as questões suscitadas nestes autos. Não há assim, risco de contradição com a jurisprudência do TJUE.
De qualquer modo, o eventual risco de contradição de julgados constitui uma realidade diferente da relação de prejudicialidade e só esta fundamenta a suspensão da instância.
Entretanto, em 15-07-2024, as Recorrentes apresentaram um requerimento no qual vêm juntar aos autos a Opinião do Advogado-Geral junto do Tribunal de Justiça da União Europeia, apresentada em 6 de junho de 2024, nos processos de reenvio prejudicial C-119/22 e C-149/22, na qual , alegam, é perfilhada uma interpretação do art.º 3.º, alínea a) do Regulamento CCP que irá induzir, necessariamente, à invalidade do CCP339. Apresentam esta “opinião do Advogado-Geral do TJUE”, em reforço do pedido de suspensão da instância.
As Recorridas pronunciaram-se no sentido de o documento em apreço não relevar para a requerida suspensão da instância reiterando a falta de fundamento legal para a mesma.
Com efeito e tal como bem referem as Recorridas, o TJUE é totalmente livre de se afastar da opinião veiculada pelo Advogado Geral, que corresponde a um trâmite processual que precede a decisão (cfr. art.º 252.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia6 e artigo 82.º do Estatuto do TJUE7).
Por conseguinte, o documento em apreço que integra as conclusões do advogado-geral, apresentadas em 06-06-2024 nos supra referidos processos de reenvio prejudicial, a correrem termos no TJUE, não constitui fundamento para a requerida suspensão da instância.
Em face do que fica exposto, improcede a pretensão dos Recorrentes no sentido da suspensão da instância, dada a inexistência de causa prejudicial e inexistência de qualquer fundamento legal para tanto.
3 - Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia
As Recorrentes vêm invocar a nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, com base no disposto no art.º 615.º n.º 1 d), pois no seu entender, “o acórdão recorrido não se pronunciou sobre a referida impugnação sobre a matéria de facto”.
Acrescenta que “ao longo da sua fundamentação, o Tribunal recorrido em momento algum refere uma reapreciação da prova gravada, em particular dos depoimentos das testemunhas e do próprio representante legal das Recorridas.
Para melhor ilustrar a apreciação que faremos da invocada nulidade, transcrevemos apenas uma parte do acórdão recorrido em que é analisada a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
“(…) As Recorrentes pretendem que sejam aditados vários factos à matéria de facto provada, que analisaremos por partes:
- deve dar-se como provado que “A EP 357 diz respeito ao tratamento da diabetes e à disponibilização de uma nova família de compostos de inibidores da DPP-4, bem como composições farmacêuticas contendo estes inibidores para o tratamento da diabetes e contendo estes inibidores em associações com outros compostos” – o que alegam resultar da análise da certidão da EP 357 junta à Petição Inicial como documento n.º 2 e ainda do depoimento da testemunha Peter Flatt na audiência de 9 de fevereiro de 2023 (cf. minutos 01:11:29 a 01:13:19) e do depoimento da testemunha Maria João Marcelo Curto na audiência de 16 de fevereiro de 2023 (cf. minutos 00:08:44 a 00:08:59).
De acordo com o resumo da patente (doc. 2, facto provado 31), esta é dirigida para compostos que são inibidores da DP-IV (ou DPP-IV, de acordo com a descrição) e que são úteis no tratamento ou prevenção de doenças nas quais está envolvida a enzima dipeptidil-feptidase-IV, tal como a diabetes e particularmente a diabetes tipo 2. É também dirigida para composições farmacêuticas compreendendo estes compostos e para a utilização destes compostos e composições na prevenção e tratamento de tais doenças nas quais está envolvida a enzima dipeptidil-feptidase-IV. Por seu turno, a descrição (doc. 2, facto provado 31) contém referências a associações dos compostos da invenção com outros compostos/agentes/fármacos/ingredientes activos.
Pelo que não há que acrescentar à matéria de facto provada o facto sugerido pelas Recorrentes.
- “Aquando do desenvolvimento destes novos compostos inibidores da enzima DPP-IV, entre os quais se encontra a Sitagliptina, os inventores desenvolveram paralelamente a associação destes a outros compostos, tais como a metformina” – facto que alegam resultar assente por acordo das partes.
Trata-se de um facto sem relevância para a decisão da causa, pelo que não deve ser acrescentado à matéria de facto.
- “A Sitagliptina e a Sitagliptina em associação com a Metformina são invenções do corpo de investigação da MSD, que investiu na sua investigação e no seu desenvolvimento, sendo que tais invenções se encontram reivindicadas na EP 357 – facto que alegam também resultar assente por acordo das partes, nos termos do disposto no artigo 574.º do CPC e, em qualquer caso, da análise da certidão da EP 357 junta à petição inicial como documento n.º 2 e que decorre, nomeadamente, dos pontos 32, 35, 55, 57, 62 e 68 da matéria de facto provada e, ainda, do depoimento da testemunha Peter Flatt na audiência de 9 de fevereiro de 2023 (cf. minutos 01:11:29 a 01:13:19) e do depoimento da testemunha Maria João Marcelo Curto na audiência de 16 de fevereiro de 2023 (cf. minutos 00:08:44 a 00:08:59).
O facto sugerido pelas Recorrentes é conclusivo, contém uma expressão (“invenções do corpo de investigação da MSD”) cujo sentido não é suficientemente preciso, e quanto ao facto de se encontrarem ou não reivindicadas na EP’357, tal terá que resultar da análise da respectiva certidão (doc. 2, facto provado 31).
Pelo que também não há que acrescentar à matéria de facto provada este facto sugerido pelas Recorrentes.
- “Apesar da utilização da metformina no tratamento da diabete tipo 2 já ser conhecida à data da prioridade da EP 357, não era considerada como tratamento de primeira linha contra a diabetes, sendo usada com alguma precaução” - o que alegam resultar do depoimento da testemunha Peter Flatt na audiência de 9 de fevereiro de 2023 (cf. minutos 00:15:18 a 00:16:56 e 00:36:51 a 00:42:05).
Da matéria de facto provada (pontos 98 e 100, não impugnados) resulta que a metformina já estava disponível várias décadas antes da data da prioridade da EP’357, e que, quando esta patente foi pedida, a metformina já era habitualmente utilizada no tratamento da diabetes de tipo 2.
Não ser considerada como “tratamento de primeira linha” ou ser “usada com alguma precaução”, não se afiguram considerações rigorosas nem, sobretudo, com relevância para uma decisão sobre o mérito da causa.
Pelo que não deve ser aditado à matéria de facto.
- “À data da prioridade, não era prática habitual a utilização de produtos combinados no tratamento da diabetes tipo II” – o que alegam resultar do depoimento da testemunha Peter Flatt na audiência de 9 de fevereiro de 2023 (cf. minutos 00:42:43 a 00:47:19).
Não estando em causa a validade da EP’357, que se presume, e sim a do CCP 339 que tem aquela como patente de base, tal facto não assume relevância para a decisão sobre o mérito da causa.
Pelo que não deve ser aditado à matéria de facto.
-“À data da prioridade, acreditava-se que a metformina também podia ter um efeito inibidor sobre a DPP-IV” – o que alegam decorrer do documento intitulado “Effect of Metformin on Glucagon-Like Peptide 1 (GLP-1) and Leptin Levels in Obese Nondiabetic Subjcets” da autoria de Edoardo Mannucci et al., datado de março de 2001 que foi junto aos autos por requerimento datado de 22.12.2022 e do depoimento da testemunha Peter Flatt na audiência de 9 de fevereiro de 2023 (cf. minutos 00:17:05 a 00:34:09 e 00:48:13 a 00:49:02).
- “À data da prioridade, o perito na especialidade não teria incentivo para combinar os novos inibidores da DPP-IV (nomeadamente a sitagliptina) com a metformina – o que resulta do depoimento da testemunha Peter Flatt na audiência de 9 de fevereiro de 2023 (cf. minutos 00:49:17 a 00:50:33).
Nenhum destes factos tem relevância para a decisão sobre o mérito da causa, tendo em conta que o que está em causa é a nulidade do CCP339 arguida pelas Rés, que não questionaram a validade da patente base EP’357 (e que é de presumir) Saber se à data da prioridade da EP’357 se acreditava que a metformina também podia ter um efeito inibidor sobre a DPP-IV (e a invenção protegida pela EP’357 dirige-se a compostos inibidores da DPP-IV), ou se, à data da prioridade dessa patente, o perito na especialidade não teria incentivo para combinar os novos inibidores da DPP-IV com a metformina, é matéria relativa à invenção protegida pela patente e à sua actividade inventiva.
Pelo que não deve ser aditado à matéria de facto.
- “O pedido do CCP 278 foi apresentado no dia 17.08.2007 e foi concedido em 23.04.2012.” e
- “O pedido de CCP 339 foi apresentado em 29.08.2008 e foi concedido em 05.02.2009.” – que alegam resultar das certidões emitidas pelo INPI juntas à petição inicial como documentos n.ºs 3 e 4, tendo os factos sido objecto do depoimento das testemunhas João Jorge (cf. minutos 00:25:44 a 00:26:09 da transcrição do seu depoimento na sessão de 23 de janeiro de 2023) e Raquel Antunes (cf. minutos 00:02:58 a 02:04:46 da transcrição do seu depoimento na sessão de 16 de fevereiro de 2023).
Estes factos devem ser acrescentados à matéria de facto provada, atenta a sua relevância face ao disposto no art. 3.º do Regulamento (CE) n.º 469/2009 relativo ao certificado complementar de protecção para os medicamentos, e o teor das certidões juntas aos autos.
Assim, julgando nesta parte procedente a impugnação das Recorrentes, acrescentam-se à matéria de facto provada os seguintes factos:
. O pedido do CCP 278 foi apresentado no dia 17.08.2007 e foi concedido em 23.04.2012.
. O pedido de CCP 339 foi apresentado em 29.08.2008 e foi concedido em 05.02.2009.
As Recorrentes prosseguem a sua impugnação da matéria de facto fixada na sentença, pedindo que sejam considerados não escritos os factos que constam da motivação da matéria de facto a páginas 25 e 26 primeiro parágrafo da sentença, relativos ao processo de exame da EP’357, alegando que não constam do elenco de factos provados. Subsidiariamente pedem que tais factos sejam considerados não provados.
Da motivação da decisão sobre a matéria de facto não constam factos e sim exposição dos motivos que levaram o Tribunal a considerar provados determinados factos. No caso, a páginas 25/26 da sentença consta a motivação para julgar provados os factos descritos em 102.º a 104.º do elenco de factos provados, que já eliminamos.
Pelo que se julga improcedente a impugnação das Recorrentes, nesta parte.
Apenas o excerto transcrito, ilustra bem que o Tribunal recorrido conheceu da questão suscitada que era a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, sendo evidente que o fez de forma bastante detalhada, pronunciando-se sobre todos os factos cuja inclusão, alteração ou eliminação as Autoras peticionaram no recurso de apelação interposto. E podemos verificá-lo em pormenor ao longo das páginas 44 a 53 do acórdão, nas quais a Relação fundamenta as razões pelas quais considerou dever alterar a redacção dos factos, ou retirar outros do elenco dos factos provados, ou aditar outros.
Não existe assim, qualquer questão sobre a qual o Tribunal não se tenha pronunciado o que afasta a existência da invocada nulidade prevista no art.º 615.º n.º 1 d).
O facto de o Tribunal não se ter referido aos depoimentos das testemunhas não releva, pois na reapreciação da matéria de facto o Tribunal não estava vinculado a fazê-lo, por diversas razões que resultam da fundamentação constante do acórdão. Por exemplo, se determinada matéria é considerada conclusiva ou sem relevo para a decisão da causa, embora ela resulte do depoimento das testemunhas, o Tribunal ao decidir pela não inclusão desses factos na matéria provada, torna desnecessária/inútil a referência a esses depoimentos.
Improcede, pois, a invocada nulidade.
4 - Saber se o Tribunal pode eliminar factos dados como provados quando os mesmos refletem temas da prova fixados nos auto de que não foram objecto de reclamação das partes
Esta questão já foi apreciada a propósito da questão prévia da admissibilidade do recurso, pelo que se remete para o que supra ficou explanado.
5 - Validade do CCP 339
E por fim, chegamos à questão que constitui o cerne deste deste recurso que se desenvolve em torno da validade ou não do CCP 339, de que dependerá a procedência ou não da pretensão das Autoras, sendo certo que a 1.ª instância declarou a nulidade do CCP 339 por alegada falta de verificação dos requisitos previstos no artigo 3.º, alíneas a), c) e d) do Regulamento (CE) n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Maio de 2009, relativo ao certificado complementar de protecção para os medicamentos (doravante Regulamento CCP), sob a epígrafe “condições de obtenção de um certificado”.
Ao invés, o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que o produto para o qual foi concedido o CCP 339 se encontra protegido pela EP’357, em vigor à data da concessão do CCP, mostrando-se preenchido o requisito previsto na al. a) do art. 3.º do Regulamento CCP, pelo que , em consequência revogou a decisão da 1.ª instância que tinha absolvido as Rés.
Por isso, são agora as Rés, ora Recorrentes, que discordando da apreciação feita pelo Tribunal da Relação, concluindo que o CCP339 é nulo por não cumprir os requisitos previstos no artigo 3.º, do Regulamento CCP, suscitam as seguintes questões:
“(i)O artigo 3º, al. a) do Regulamento CCP, não exige que a reivindicação identifique especificadamente o produto a proteger? (ii) O artigo 3.º, al. a) do Regulamento não exige que a invenção descrita na patente divulgue essa invenção, na perspetiva de um especialista na matéria? (iii) O artigo 3º, al. c) do Regulamento CCP não exige, para a concessão de um CCP, que a invenção na patente base possa ser identificada pelo perito de acordo com a descrição e desenhos da patente, à luz da jurisprudência do TJUE atual? (iv) O artigo 3.º, al. d) do Regulamento CCP fica automaticamente preenchido quando a alínea c) estiver preenchida, não constituindo um requisito em separado.
As Recorrentes concluem que o Tribunal a quo interpretou incorretamente o artigo 3.º, al. a) do Regulamento CCP.
Quid juris?
Situando-nos no âmbito da interpretação do referido Regulamento comunitário importa compreender a realidade ao qual o mesmo se aplica. E assim, como sublinha a propósito este Supremo Tribunal de Justiça8, “resulta dos considerandos preliminares do dito regulamento que com o mesmo se procura criar uma regime que proteja e incentive, na Comunidade e na Europa, a investigação farmacêutica, que é longa e onerosa, pondo termo a uma protecção insuficiente que a vem penalizando, atenuando-se os riscos de deslocalização dos centros de investigação situados nos Estados-Membros para países que oferecem uma melhor protecção, para tanto se criando uma solução uniforme a nível comunitário, evitando-se uma evolução divergente das legislações nacionais que origine novas disparidades susceptíveis de criar entraves à livre circulação dos medicamentos na Comunidade e de, consequentemente, afectar directamente o funcionamento do mercado interno.
Prevê-se, para tanto, um certificado complementar de protecção (CCP) [que fora introduzido na ordem jurídica da União pelo Regulamento (CEE) n.º 1768/92, do Conselho, de 18.6.1992], para os medicamentos relativamente aos quais tenha sido dada autorização de introdução no mercado (AIM) e estritamente limitada ao produto abrangido por esta como medicamento, e que possa ser obtido a pedido do titular de uma patente nacional ou europeia nos mesmos termos em cada Estado-Membro, sendo que a duração da protecção conferida pelo certificado deverá ser determinada de forma a permitir uma protecção efectiva suficiente, devendo o titular de uma patente poder beneficiar no total de um período máximo de quinze anos de exclusividade a partir da primeira autorização de introdução no mercado da Comunidade do medicamento em causa.
Contudo, todos os interesses em causa num sector tão complexo e sensível como o farmacêutico, incluindo os relativos à saúde pública, deverão ser tomados em consideração, pelo que, para se atingir tal efeito, o certificado não poderá ser concedido por um período superior a cinco anos.
O Certificado Complementar de Protecção (CCP) visa, pois, prolongar a duração da proteção da patente para os princípios ativos utilizados em medicamentos até um período máximo de cinco anos, desde que esse produto esteja protegido pela referida patente de base e devidamente identificado na AIM (cf. artigo 4º do Regulamento (CE) n.º 469 de 6 de Maio de 2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo ao CCP para os medicamentos), sendo que, uma vez concedido, confere os mesmos direitos que os atribuídos pela patente de base, estando sujeito às mesmas limitações e obrigações.(…)”
Feito este enquadramento sobre os objectivos visados pelo Regulamento CCP, será à luz dos mesmos que resultará a melhor interpretação do mesmo.
Preceitua o art.º 2.º do Regulamento, do Regulamento (CE) n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de protecção para os medicamentos (doravante Regulamento CCP) sob a epígrafe, “Âmbito de aplicação”, o seguinte:
“Os produtos protegidos por uma patente no território de um Estado-Membro e sujeitos, enquanto medicamentos, antes da sua introdução no mercado, a um processo de autorização administrativa por força da Directiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano,(…) podem ser objecto de um certificado, nas condições e segundo as regras previstas no presente regulamento.”
Dispõe o art.º 3.º do Regulamento CCP sob a epígrafe “condições de obtenção de um certificado”:
“O certificado é concedido se no Estado-Membro onde for apresentado o pedido previsto no artigo 7.º e à data de tal pedido:
a) O produto estiver protegido por uma patente de base em vigor;
b) O produto tiver obtido, enquanto medicamento, uma autorização válida de introdução no mercado, nos termos do disposto na Directiva 2001/83/CE ou na Directiva 2001/82/CE, conforme o caso;
c) O produto não tiver sido já objecto de um certificado;
d) A autorização referida na alínea b) for a primeira autorização de introdução do produto no mercado, como medicamento.
Sobre o âmbito de protecção da patente dispõe o art.º 69.º da Convenção de Munique sobre a Patente Europeia:
1 - O âmbito da protecção conferida pela patente europeia ou pelo pedido de patente europeia é determinado pelo âmbito das reivindicações. Contudo, a descrição e os desenhos servem para interpretar as reivindicações.
2 - Durante o período até à concessão da patente europeia, o âmbito da protecção conferida pelo pedido de patente europeia é determinado pelas reivindicações depositadas em último lugar contidas na publicação prevista no artigo 93.º. Contudo, a patente europeia tal como concedida ou modificada no decurso do processo de oposição determina retroactivamente essa protecção, desde que esta não seja alargada
Por sua vez, sobre este art.º 69.º dispõe o Protocolo interpretativo9 que:
“O artigo 69.º não deve ser interpretado como significando que a extensão da protecção conferida por uma patente europeia é determinada no sentido estrito e literal do texto das reivindicações e que a descrição e os desenhos servem unicamente para dissipar as ambiguidades que poderiam ocorrer nas reivindicações. Nem deve ser considerado como significando que as reivindicações servem unicamente como orientação e que a protecção se estende também ao que, da consideração da descrição e desenhos por um especialista na matéria, o titular da patente entendeu proteger. Pelo contrário, o artigo 69.º deve ser interpretado como definindo uma posição, entre estes extremos, que assegura simultaneamente uma protecção justa ao titular da patente e um grau razoável de segurança jurídica para terceiros.
Preceitua ainda o artigo 9º do CPI (aplicável por força do artigo 64(1) da Convenção sobre a Patente Europeia), que “O âmbito da protecção conferida pela patente é determinado pelo conteúdo das reivindicações”.
O produto objecto do CCP 339 é a associação de sitagliptina e metformina (art. 1.º do Regulamento CCP e facto provado 76). O CCP 339 indica a EP 1 412 357 como a “patente base”. (facto provado 78.º).
A sentença da 1.ª instância considerou que o produto não estava protegido pela patente de base, enquanto que Tribunal da Relação, entendeu que as razões com base nas quais foi proferida aquela decisão não resultam das normas aplicáveis à concessão de um CCP e por isso revogou a decisão.
Portanto, a questão é a de saber se, no caso concreto, a concessão do CCP339 respeita os requisitos exigidos pelo art.º 3.º do Regulamento CCP.
A EP’357 beneficia de uma presunção de validade e os requisitos para a concessão de um CCP são os previstas no já citado art.º 3.º do Regulamento CCP. Quanto à interpretação da al. a) do artigo, o TJUE tem-se pronunciado reiteradamente, designadamente nos dois acórdãos referidos pelo Tribunal da Relação:
O acórdão Teva UK e o. (C‑121/17, EU:C:2018:585) que respeita a um pedido de decisão prejudicial relativamente à interpretação do artigo 3.º, alínea a), do Regulamento (CE) n.º 469/2009, tendo sido submetida ao TJUE a seguinte questão: «Quais os critérios para decidir se o produto está “protegido por uma patente de base em vigor” na aceção do artigo 3.º, alínea a) do Regulamento n.º 469/2009?»
Decidiu-se no acórdão que, um produto é «protegido por uma patente de base em vigor», na aceção do artigo 3.º, alínea a), do Regulamento n.º 469/2009, desde que, mesmo que não esteja expressamente mencionado nas reivindicações da patente de base, esse produto seja necessária e especificamente visado por uma das reivindicações dessa patente. Para o efeito, o referido produto deve estar necessariamente abrangido, para o especialista na matéria, à luz da descrição e dos desenhos da patente de base, pela invenção coberta por esta patente. O especialista na matéria deve poder identificar especificamente este produto à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente, e com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da mesma patente.
Essa interpretação do artigo 3.º, alínea a), do Regulamento n.º 469/2009 também deve ser adotada numa situação como a que está em causa no processo principal, em que os produtos objeto de um CCP sejam compostos por vários princípios ativos de efeito combinado. (…)
Tendo em conta todas estas considerações, importa responder à questão submetida que o artigo 3.º, alínea a), do Regulamento n.º 469/2009 deve ser interpretado no sentido de que um produto composto por vários princípios ativos de efeito combinado é «protegido por uma patente de base em vigor», na aceção desta disposição, quando a combinação dos princípios ativos que o compõem, mesmo que não esteja expressamente mencionada nas reivindicações da patente de base, é necessária e especificamente visada nessas reivindicações. Para o efeito, do ponto de vista do especialista na matéria e com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da patente de base:
– a combinação desses princípios ativos deve ser necessariamente abrangida, à luz da descrição e dos desenhos da patente, pela invenção coberta por esta, e
– cada um dos referidos princípios ativos deve ser especificamente identificável, à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente.”
Também o acórdão Royalty Pharma (C‑650/17, EU:C:2020:327) respeita a uma decisão quanto às seguintes questões prejudiciais, relativas à interpretação do art.º 3.º a) do Regulamento CCP:
«1) Um produto só está protegido pela patente de base em vigor, nos termos do artigo 3.º, alínea a), do [Regulamento n.º 469/2009], quando se insere no objeto da proteção definido pelas reivindicações da patente, sendo, assim, disponibilizado aos especialistas na matéria como composição concreta?
2) Por conseguinte, não é suficiente para preencher os requisitos estabelecidos pelo artigo 3.º, alínea a), do [Regulamento n.º 469/2009] que o produto em causa, ainda que respeitando a definição funcional geral de uma categoria de princípios ativos constante das reivindicações da patente, não resulte, no entanto, de forma individualizada, enquanto composição concreta, das especificações técnicas protegidas pela patente de base?
3) Um produto já não está protegido pela patente de base em vigor, nos termos do artigo 3.º, alínea a), do [Regulamento n.º 469/2009], quando, apesar de estar abrangido pela definição funcional constante das reivindicações da patente, só tiver sido desenvolvido após a apresentação do pedido da patente de base na sequência de uma atividade inventiva autónoma?»
Na análise das duas primeiras questões, discorre o TJUE que: “A este propósito, importa recordar que o Tribunal de Justiça sublinhou reiteradamente o papel essencial das reivindicações para determinar se um produto está protegido por uma patente de base na aceção desta disposição (Acórdão de 25 de julho de 2018, Teva UK e o., C‑121/17, EU:C:2018:585, n.º 34 e jurisprudência referida).
Em especial, no que se refere à patente europeia, importa salientar que, nos termos do artigo 69.º da CPE, o âmbito da proteção conferida por essa patente é determinado pelas reivindicações. As indicações que figuram no artigo 1.º do protocolo interpretativo desse artigo 69.º esclarecem que as reivindicações devem assegurar simultaneamente uma proteção justa ao titular da patente e um grau razoável de segurança jurídica para terceiros. Assim, não devem servir unicamente de orientações nem ser lidas no sentido de que significam que o âmbito da proteção conferido por uma patente é determinado pelo sentido estrito e literal do texto das reivindicações (Acórdão de 25 de julho de 2018, Teva UK e o., C‑121/17, EU:C:2018:585, n.º 35).»
A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 3.º, alínea a), do Regulamento n.º 469/2009, em princípio, não se opõe a que um princípio ativo que responde à definição funcional constante das reivindicações de uma patente de base emitida pelo Instituto Europeu de Patentes possa ser considerado como estando protegido por aquela patente, na condição, porém, de que, com base nessas reivindicações, interpretadas designadamente à luz da descrição da invenção, conforme previsto no artigo 69.º da CPE e no protocolo interpretativo do mesmo, seja possível concluir que essas reivindicações visavam, implícita mas necessariamente, o princípio ativo em causa, de forma específica (Acórdão de 25 de julho de 2018, Teva UK e o., C‑121/17, EU:C:2018:585)
O Tribunal de Justiça concluiu daqui que, para avaliar se um determinado produto está protegido por uma patente de base em vigor, na aceção do artigo 3.º, alínea a), do Regulamento n.º 469/2009, importa verificar, quando esse produto não estiver expressamente mencionado nas reivindicações dessa patente, se o referido produto é necessária e especificamente visado por uma das reivindicações dessa patente. Para o efeito, devem verificar‑se duas condições cumulativas. Por um lado, o produto deve estar necessariamente abrangido, para o especialista na matéria, à luz da descrição e dos desenhos da patente de base, pela invenção coberta por essa patente. Por outro lado, o especialista na matéria deve poder identificar especificamente esse produto à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente, e com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da mesma patente (v., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, Teva UK e o., C‑121/17, EU:C:2018:585, n.º 52).
Daqui decorre que, mesmo quando o produto objeto do CCP não é individualizado enquanto composição concreta das especificações técnicas da patente de base, em princípio, a concessão de um CCP não está excluída.
Ora, conforme resulta do ponto 69.º dos factos provados “As reivindicações 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 28 e 30 englobam a sitagliptina.” e conforme ponto 68.º da factualidade, “a reivindicação 30 diz respeito a uma composição farmacêutica compreendendo um composto de qualquer das reivindicações 1 a 15, ou um seu sal farmaceuticamente aceitável, com metformina e um veículo farmaceuticamente aceitável”.
Ou seja, na patente base, designadamente na reivindicação 30, está expressamente prevista a combinação sitagliptina com metformina pelo que terá de concluir-se que estão preenchidos os requisitos a que se reporta o art.º 3 alínea a) do Regulamento CCP.
Assim, o produto objecto do CCP 339 – sitaglipina /(cloridrato de) Metformina – está abrangido pela EP’357, sendo que a referência na letra de uma reivindicação a uma combinação de princípios é suficiente para considerar que essa associação se encontra protegida pela patente base10.
O caso em análise apresenta-se, assim, bastante simplificado em relação àqueles mencionados na supra citada jurisprudência do TJUE em que a dúvida se colocava relativamente à concessão de um certificado complementar de protecção para princípios activos que não são mencionados no texto das reivindicações da patente de base invocada em apoio do pedido de CCP.
Podemos, contudo, responder à questão formulada pelas Recorrentes sobre se o art.º 3.º, alínea a) do Regulamento CCP exige que a reivindicação identifique especificadamente o produto a proteger.
A resposta é que de acordo com a Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia , a interpretação do art.º 3.º alínea a) vai no sentido de que “um produto composto por vários princípios activos, como é o caso que nos ocupa, é protegido por uma patente de base em vigor em duas situações: (i)quando a combinação dos princípios activos que o compõem esteja expressamente mencionada nas reivindicações da patente de base, como é o caso dos presentes autos; (ii)ou ainda que não esteja expressamente mencionada nas reivindicações da patente de base, quando seja implícita, mas necessariamente, visada nas reivindicações da patente de base11. Dado que no caso em análise, a combinação dos princípios activos consta expressamente das reivindicações de base da patente, desnecessário se torna considerar a segunda situação da abrangência implícita mas necessária.
Formulam os Recorrentes a questão de saber se o art.º 3.º alínea a) do Regulamento CCP não exige que a invenção descrita na patente divulgue essa invenção, na perspectiva de um especialista na matéria.
Sobre esta questão pronunciou-se o acórdão de 30 de Abril de 2020 — proferido no processo C‑650/17 (Caso Royalty Pharma Collection Trust contra Deutsches Patent- und Markenamt), esclarecendo:
“I- que não é necessário que o produto resulte “de forma individualizada, enquanto composição concreta, das especificações técnicas da… patente”; II. — que é suficiente que resulte do conjunto dos elementos divulgados, considerados por um especialista na matéria, “com base nos seus conhecimentos gerais no domínio em questão”. Quando o produto não é explicitamente divulgado pelas reivindicações da patente de base, … o especialista na matéria deve poder deduzir directa e inequivocamente da especificação da patente, tal como foi depositada, que o produto objecto do certificado complementar de protecção se insere no objecto da protecção desta patente”12.
Concluem ainda as Recorrentes que o CCP339 não preenche os requisitos do art.º 3.º, alínea c) do Regulamento CCP, pois as Recorridas já beneficiaram de um certificado complementar de protecção para o produto que constitui o objecto da invenção da patente base EP’357, ou seja, o CCP278 relativo ao produto sitagliptina.
Na verdade, estabelece a referida alínea c) do art.º 3.º do Regulamento CCP que “O certificado é concedido se no Estado-Membro onde for apresentado o pedido previsto no artigo 7.º e à data de tal pedido (…)
c) O produto não tiver sido já objecto de um certificado”
Ora, decorre da factualidade provada que também este requisito se mostra verificado pois que o referido CCP278 refere-se ao produto “SITAGLIPTINA” 13.Obviamente, tal como afirma o Tribunal recorrido, o objecto do CCP339 é diferente do objecto do CCP278, pois naquele o produto abrangido é a associação da SITAGLIPTINA com a METFORMINA.
Acresce que, como consta do facto provado n.º 74 “Tal como foi certificado pelo INPI, o CCP 278, cuja patente base é a EP 1 412 357, produziria efeitos a partir do dia 6 de julho de 2022, mas, nos termos do artigo 13.º, n.º 1 Regulamento (CE) 469/2009, o mesmo tem uma duração inferior à da sua Patente Base (a sua vigência terminaria em 23.03.2022), pelo que não chegará a vigorar.” Ora, se tal certificado não chegou a vigorar, afigura-se que não deverá considerar-se impedimento da concessão do CCP339, ao abrigo da referida alínea c).
Quanto aos requisitos constantes das alíneas b) e d) do art.º 3.º do Regulamento para a concessão do CCP também se verificam face à factualidade constante dos pontos 80 e 81 dos factos provados.
De todo o exposto resulta que, tal como o acórdão recorrido, concluímos que “o produto para o qual foi concedido o CCP 339 se encontra protegido pela EP’357, em vigor à data da concessão do CCP, mostrando-se preenchido o requisito previsto na al. a) do art. 3.º do Regulamento CCP.
Quanto aos requisitos previstos nas als. c) e d) do referido art. 3.º, à data em que foi concedido o CCP 339 o produto sitagliptina+metformina não tinha sido objecto de um CCP, isto é, não tinha sido obtido/concedido um CCP para aquele produto (o CCP 278 abrange apenas a sitagliptina e só viria a ser concedido em 23.04.2012); e a AIM concedida ao medicamento Janumet®, que contém o produto que é objecto do CCP 339 (a associação das substâncias activas sitagliptina e metformina), é a primeira autorização de introdução desse produto no mercado, como medicamento – cfr. factos aditados no presente acórdão sobre as datas de concessão dos CCP 278 e 339, e pontos 78 e 106 da matéria de facto provada.”
Encontrando-se preenchidos todos os requisitos exigidos para a concessão do CCP339, falecem os argumentos com base nos quais se pretendia fundamentar a respectiva nulidade.
Improcede, pois, o recurso.
IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 7.ª secção Cível deste Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelas Recorrentes.
Lisboa, 19 de setembro de 2024
Maria de Deus Correia (relatora)
António Oliveira Abreu
Nuno Pinto Oliveira
_________________
1. Vide Acórdão do STJ de 09-05-2023, Processo 826/21.1T8SCS-A.L1-S1,disponível em www.dgsi.pt.
2. In “Comentário ao Código de Processo Civil", vol. 3º, Coimbra, 1946, pág. 268.
3. Manuel de Andrade, in "Lições de Processo Civil", págs. 491 e 492.
4. Vide, a título exemplificativo, Acórdão do STJ de 12-01-2021, Processo 17264/15, disponível em www.dgsi.pt.
5. M. Melo Rocha, in «O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias», Coimbra ed. 1982, págs. 45, 46 e 52.
6. “Ao advogado- geral cabe apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção.”
7. “O presidente declara encerrada a fase oral do processo, após a apresentação das conclusões do advogado -geral.”
8. Acórdão do STJ de 07-03-2023, Processo 174/21.7YHLSB.L1.S1 ( NUNO ATAÌDE DAS NEVES), disponível em www.dgsi.pt.
9. Documento aprovado em 5 de outubro de 1973 em resultado da Conferência Diplomática de Munique para a Instituição de um Sistema Europeu de Concessões de Patentes, e que faz parte integrante da Convenção de Munique, em conformidade com o artigo 164.º, parágrafo 1.
10. Tal como de resto foi decidido nos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 18-03-2021 e de 07-03-2023, proferidos, respectivamente, nos processos.º 281/17.0YHLSB.L1.S1 e n.º 174/21.7YHLSB.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt. Sendo certo que neste último processo o caso apreciado é diferente do nosso visto que o produto alvo do pedido de CCP 857-o atezolizumab – não era referenciado especificamente nas reivindicações da patente EP 428.
11. Cf. designadamente os acórdãos do TJUE de 12 de Novembro de 2012 — processo C-493/12 (Eli Lilly and Company Ltd contra Human Genome Sciences Inc) — de 25 de Julho de 2018 — processo C‑121/17 (Teva UK Ltd, Accord Healthcare Ltd, Lupin Ltd, Lupin (Europe) Ltd e Generics (UK) Ltd contra Gilead Sciences Inc.) — e de 30 de Abril de 2020 — processo C‑650/17 (Royalty Pharma Collection Trust contra Deutsches Patent‑ und Markenamt)APUD Acórdão do STJ de 18-03-2021 (NUNO PINTO DE OLIVEIRA), Processo 281/17.0YHLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
12. Vide acórdão do STJ de 18-03-2021, supra citado.
13. Vide ponto 71.º dos factos provados.