O Supremo Tribunal tem competência para a decisão de dispensa do remanescente da taxa de justiça, não apenas em relação à actividade processual desenvolvida nesse Tribunal, mas também relativamente a toda a actividade processual desenvolvida, nos autos, em todas as instâncias judiciais.
Acordam, em Conferência, no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção.
I. Inconformado com a decisão singular do Exº Relator, proferida em 21.06.2024 (ref.ª ......31), no segmento referente à possibilidade deste Tribunal poder conhecer da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente relativamente a todas as instâncias e não apenas ao perímetro desta instância recursória, que indeferiu o recurso de revista interposto, vem o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto neste tribunal, nos termos do disposto no art.º 652.º, n.º 3, ex vi art.º 679.º, ambos do CPC, apresentar Reclamação para a Conferência, a fim de ser prolatado acórdão.
Alega, no essencial, que a apreciação pelo STJ da dispensa do remanescente da taxa de justiça se mostra circunscrita à actividade desenvolvida nesta instância recursória. Cita , em abono da tese restritiva que defende, alguns arestos do STJ.
Em suma, remata o Exmº Reclamante, que “a decisão de dispensa do remanescente da taxa de justiça é do juiz da primeira instância, no que concerne às ações lato sensu, e do coletivo de juízes dos tribunais superiores no que concerne aos recursos ou aos incidentes cujo objeto seja o acórdão em causa”, daí extraindo a conclusão de que “apenas é possível apreciar a questão da dispensa no que respeita à tramitação processual no Supremo Tribunal de Justiça.”.
Salvo o devido respeito, não vislumbramos razões para concordar com o Reclamante.
A questão da competência do Supremo Tribunal de Justiça para apreciar do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça – se apenas se circunscreve à actividade desenvolvida no Supremo, ou se também abarca a actividade havida em ambas as instâncias – tem sido alvo de vasta jurisprudência deste mais alto Tribunal (portanto, bem para além da citada na reclamação).
O nosso entendimento – que está, diga-se, em conformidade com a posição que vem sendo seguida nesta Segunda Secção e, ao que cremos, também, noutras Secções do Supremo (vg., Primeira e Sexta) – é o vertido na decisão singular, isto é, que o Supremo Tribunal tem competência para a decisão de dispensa do remanescente da taxa de justiça, não apenas em relação à actividade processual desenvolvida nesse mais alto Tribunal, mas também relativamente a toda a actividade processual desenvolvida em todas as instâncias judiciais1.
E a tal não obsta a autonomia da acção e dos recursos para efeitos tributários reconhecidos a cada instância.
Considera-se que a referência ao “juiz” no artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais só é compatível com o pensamento do legislador quando se refira ao magistrado que esteja em condições de formular um juízo de apreciação global do processo, sobre a complexidade da causa e sobre a conduta processual das partes e de avaliar da adequação da totalidade da taxa de justiça prevista ao caso concreto.
“A competência exclusiva das instâncias para a fixação da responsabilidade tributária em cada acção, incidente ou recurso em função dos critérios legais estabelecidos no artigo 527.º e seguintes do Código de Processo Civil, que é inerente à sua autonomia para efeitos tributários, não se confunde inteiramente com a competência para apreciação dos fundamentos da limitação do valor da taxa de justiça a suportar em concreto – através da redução ou dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final – e que deve ser feita com a decisão final, por esta pressupor exactamente esse juízo de valoração global do processo, sua complexidade e da conduta das partes” – escreveu-se, pertinentemente, no cit. ac. do STJ de 31.03.2023 (proc. 8281/17.4T8LSB.L1.S1).
Assim, como refere o citado ac. prolatado no proc. nº 2380/08.0TBSTS.P2.S1, também se nos afigura “mais correta a solução que permite ao último órgão jurisdicional que intervém apreciar, não apenas a dispensa (ou redução) da taxa de justiça no respetivo grau de jurisdição, mas também nos precedentes. Esta é, de resto, a única solução que se harmoniza praticamente com o regime da taxa de justiça remanescente atualmente consagrado no art. 14.º, n.º 9, do RCP, segundo o qual a parte totalmente vencedora na ação - o que apenas se revela com o trânsito em julgado da decisão - fica desonerada do pagamento dessa taxa. Decorre deste preceito que a condenação em custas de cada uma das partes em cada uma das Instâncias assume sempre natureza provisória, ficando a sua exigibilidade ou a sua quantificação dependente dos resultados futuros. Por conseguinte, terminando o processo no Tribunal da Relação ou, ulteriormente, no Supremo Tribunal de Justiça, a determinação do montante devido a título de taxa de justiça remanescente, assim como a identificação do interessado a quem é de imputar a responsabilidade pelo seu pagamento dependem do resultado que a final vier a ser declarado. Importa ainda referir que a possibilidade de diferir a apreciação da dispensa (ou da redução) da taxa de justiça remanescente para a decisão do recurso no Tribunal da Relação ou no Supremo Tribunal de Justiça é a que melhor garante a ponderação de “forma fundamentada” dos fatores enunciados no art. 6.º, n.º 7, do RCP. Na verdade, permite proceder a uma avaliação global da “especificidade da situação”, tendo em conta, designadamente, a complexidade da causa, a conduta processual das partes, os resultados que foram alcançados e todos os restantes aspetos relevantes. Traduz, de resto, a solução que melhor se concilia com os arts. 29.º, n.º 1, e 30.º do RCP, segundo os quais, a “conta é elaborada depois do trânsito em julgado da decisão final” sendo “efetuada de harmonia com o julgado em última instância”. Efetivamente, sendo a conta elaborada apenas depois de o processo ser remetido ao Tribunal de 1ª Instância, deve ser observado o que decorra da decisão final, atendendo-se, designadamente, à dispensa automática prevista no art. 14.º, n.º 9, do RCP, relativamente à parte que seja totalmente vencedora. Consequentemente, mesmo nos casos em que a questão da dispensa (ou da redução) da taxa de justiça seja apreciada na sentença do Tribunal de 1ª Instância, a correspondente decisão fica sempre dependente do resultado final que apenas se estabiliza com o trânsito em julgado, que tanto pode ocorrer nesse Tribunal, como no da Relação ou no Supremo Tribunal de Justiça2”.
Acresce que – como bem se observou no cit. ac. do STJ de 25.06.2024 (proc. 617/16.1T8VNG.P2.S1) – , apesar de a lei não indicar de forma expressa a que instância cabe aplicar a solução prevista no artº 6º, nº8 do RCO, no caso de existirem recursos (tal como não diz a que tribunal cabe conceder a dispensa do remanescente da taxa), razões de celeridade e de economia processual justificarão que a decisão seja tomada pelo tribunal onde o requerimento foi apresentado, tanto mais que se trata de uma decisão que assenta em pressupostos simples e de natureza objectiva.
Assim se subscreve a orientação jurisprudencial no sentido de que compete ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer da dispensa do remanescente da taxa de justiça em todas as Instâncias e não apenas em relação à actividade desenvolvida nesse mais alto tribunal.
Termos em que se indefere a reclamação.
Lisboa, 19 de Setembro de 2024
Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)
Catarina Serra (Juíza Conselheira 1º adjunto)
Maria da Graça Trigo (Juíza Conselheira 2º Adjunto)
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1. Neste sentido, podem citar-se – para além ac. citado na decisão singular, do Supremo Tribunal de Justiça de 20.12.2021 (proc. nº 2104/12.8TBALM.L1.S1 - Abrantes Geraldes) – , ainda, v.g., os seguintes Acs. deste STJ, todos disponíveis em www.dgsi.pt: de 12.03.2024 (proc. 8585/20.8T8PRT.P1.S1 Nelson Borges Carneiro); de 30.05.2023 (proc. 2380/08.7TBSTS.P2.S1 – Maria João Vaz Tomé); de 12.04.23 (proc. 18932/16.2T8LSB.L3.S1 – Jorge Dias); de 10.04.24 (proc. 2816/20.2T8BRG.G2.S1 – Maria Clara Sottomayor); de 31.01.23 (proc. 8281/17.4T8LSB.L1.S1 – Manuel Aguiar Pereira); de 25,06.24 (proc. 617/16.1T8VNG.P2.S1- Maria Olinda Garcia); de 11.07.23 (proc. 10723/18.2T8LSB.L1.S1 – António Magalhães).
2. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 20 de dezembro de 2021 (Abrantes Geraldes), proc. n.º 2104/12.8TBALM.L1.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.