I. A violação culposa, pelo prestador dos cuidados de saúde, dos deveres de informação e de obtenção do consentimento informado por parte do paciente relativamente a ato médico (no caso, intervenções cirúrgicas) é suscetível de o fazer incorrer em responsabilidade civil, sendo responsável pela reparação dos danos decorrentes de tais atos, em relação aos quais se verificou a violação dos mencionados deveres.
II. É ao prestador dos cuidados de saúde que compete o ónus da prova (enquanto exceção perentória impeditiva do direito do autor, ut cfr. art. 342.º, n.º 2 do CC) do cumprimento do dever de informação e da existência do consentimento informado do paciente acerca dos riscos do ato médico.
III. É adequada a indemnização pelo dano biológico (sem ponderação, no caso, do dano patrimonial decorrente da perda da capacidade para o trabalho) no valor de €85.000,00, fixado pelo Tribunal da Relação, por virtude das lesões sofridas pelo autor em consequência do referido em I, tendo em conta que: o autor, que tinha 64 anos de idade à data dos factos, em consequência das cirurgias efetuadas, ficou a padecer de lesão neurológica irreversível, com desenervação ativa nos territórios de L4-L5 e L5–S1, que determinaram alterações da mobilidade e sensibilidade dos membros inferiores, região do períneo e região nadegueira (zona perineal, peniana e anal); devido a essa condição, apenas consegue locomover-se com auxílio de canadianas, em deslocações pequenas, carecendo de cadeira de rodas e apoio na generalidade das deslocações; ficou totalmente impossibilitado de trabalhar na organização e gestão diária da sua empresa familiar ou em qualquer trabalho equivalente; não faz a sua higiene pessoal, necessitando de ajuda para as tarefas em causa; perdeu toda a capacidade sexual; não controla a sua função urinária ou excretora, carecendo do uso de fralda e de tomar medicamentos; e cuja integridade estética foi afetada num valor quantificável em 4, numa escala de 1 a 7;
IV. É adequada a indemnização, de €50.000,00, devida ao autor a título de danos não patrimoniais tendo em conta que: no espaço de cinco dias, foi submetido a três intervenções cirúrgicas; que experimentou dores, perda de sensibilidade dos membros inferiores, coxas, nádegas e região perineal, incomodidades e depressão no pós-operatório; esteve internado cerca de um mês e meio, sendo alguns dias no serviço de cuidados intensivos, e que nesse período necessitou sempre de ajuda para se sentar, levantar, posicionar-se no leito e fazer a transição para a cadeira de rodas; fez fisioterapia durante o internamento; aquando da alta, necessitava de ajuda para as atividades de vida diárias, sendo, apenas, autónomo para a alimentação, que usava algália, tinha incontinência de esfíncter anal, incapacidade de executar posição ortostática, ausência de capacidade de flexão e extensão dos dedos de ambos os pés e ambos os tornozelos e hipostesia na região perineal, nadegueira e ambos os pés; após a alta fez reabilitação física, sem capacidade para se locomover sem apoio de muletas, para reter a urina, para controlar a dejeção e para manter relações sexuais; ao longo de todo o internamento, e até aos dias de hoje, padece de dores, que foram intensas e prolongadas no período de internamento, sendo quantificáveis em grau 6 numa escala de 1 a 7, e que, após tal período, são permanente consequência da sua condição física, sente grande desgosto e frustração, tendo sofrido uma depressão, que ultrapassou, mas que se tornou uma pessoa mais taciturna e triste e socialmente isolada.
V. É adequada a indemnização a título de danos não patrimoniais de €30.000,00 devida à autora, enquanto cônjuge do autor, atendendo não apenas ao nível da frustração do débito conjugal e do prejuízo causado ao pleno desenvolvimento da personalidade, no domínio da atividade sexual, mas, igualmente, ao nível da substancial deterioração da sua qualidade de vida, traduzida na assunção de um papel de exclusiva cuidadora do marido.
Lisboa, 19.09.2024
Paula Leal de Carvalho
1. AA e BB intentaram ação declarativa de condenação, com processo comum, contra (entre outros):
1.º CC, DD e EE, na qualidade de herdeiras de FF;
2.º CVP - Sociedade de Gestão Hospitalar, S.A., vulgo Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa
Formularam os seguintes pedidos:
«a) Condenar os Réus ao pagamento solidário do quantitativo pecuniário total de € 151.553,71 (cento e cinquenta mil, quinhentos e cinquenta e três euros e setenta e um cêntimo) título de danos patrimoniais ao Autor;
b) Condenar os Réus ao pagamento solidário do quantitativo pecuniário total de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euro) a título de danos não patrimoniais ao Autor;
c) Condenar os Réus ao pagamento solidário de € 40.000,00 (quarenta mil euro) a título de danos não patrimoniais à Autora;
d) Quantitativos aos quais devem acrescer juros de mora desde a citação até ao integral pagamento».
Invocam a responsabilidade civil, contratual e extracontratual, dos RR. por danos decorrentes de erro médico e violação das leges artis na execução de três intervenções cirúrgicas ao A., bem como da violação de deveres de documentação, de esclarecimento e de recolha de consentimento informado.
2. As 1.ªs RR. contestaram, arguindo a exceção dilatória da sua ilegitimidade passiva (por entenderem que o interesse direto em contradizer pertence à herança aberta por óbito do falecido FF e por este, à data dos factos, ter transferido a sua responsabilidade civil para a seguradora Ageas Portugal, Companhia de Seguros, S.A.) e pronunciando-se pela improcedência da ação, defendendo que o falecido FF era um médico tecnicamente muito habilitado, com excelente prestação profissional, reconhecido pelos seus colegas e pacientes, diligente e com sentido das responsabilidades.
Requereram a intervenção principal provocada de Ageas Portugal, Companhia de Seguros, S.A.
3. A 2.ª R. contestou, pronunciando-se pela improcedência da ação, defendendo, em suma, que o 1.º R., que foi contratado pelo A., não fazia parte dos seus quadros clínicos e atuou por conta própria, limitando-se a utilizar as instalações e apoio técnico da 2.ª R. para consultas ou cirurgias, e argumentando que inexiste nexo de causalidade entre os danos alegadamente sofridos pelos AA. e as ações dos seus funcionários, que agiram com rigor, diligência e prudência.
Deduziu, também, reconvenção, pedindo a condenação dos AA. a pagarem-lhe a quantia de € 15.374,79, por serviços prestados ao 1.º A., quantia acrescida de juros moratórios à taxa legal desde a data da fatura e até pagamento.
4. Os AA. responderam pugnando pela improcedência da exceção dilatória deduzida pelas 1.ªs RR., contestando o pedido reconvencional deduzido pela 2.ª R. (por entenderem nada ter a pagar) e, mantendo, no mais, a posição já expressa na petição inicial.
Quanto aos incidentes de intervenção de terceiros deduzidos pelos RR., declararam nada ter a opor.
Por despacho de 05.03.2028, tal articulado de resposta foi admitido, mas apenas no que concerne aos respetivos artigos 1.º a 19.º, 29.º, 34.º a 44.º, 86.º a 91.º e 108.º a 154.º, considerando-se tudo o mais como não escrito, por não ser processualmente admissível.
5. Por despacho de 04.05.2017, foi admitida a intervir nos autos, na qualidade de co-ré, Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A., ordenando-se a sua citação nos termos do art. 319.º do CPC, a qual contestou alegando que, de acordo com os contratos de seguro que celebrou com o médico FF e com os 3.º e 4.ª RR., o limite da sua responsabilidade, para cada sinistro, é de € 300.000,00, sendo que, a haver responsabilidade dos referidos RR., as perdas indiretas de qualquer natureza e os lucros cessantes reclamados pelo A. não se encontram cobertos. Quanto à questão de fundo, declarou subscrever as contestações dos RR.
6. Com dispensa da audiência prévia, foi admitido o pedido reconvencional deduzido pela 2.ª R. contra os AA. e foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade passiva das 1.ªs RR, tendo-se, ainda, fixado o objeto do litígio e enunciados, concretamente, os temas da prova.
Foi ainda proferido despacho a fixar o valor da ação nos seguintes termos: “Por força do disposto nos art.º 306º, do Cód. Proc. Civil, e considerando o disposto nos art.ºs 296º e 297º, do Cód. Proc. Civil, fixa-se o valor da ação no indicado pela autora, acrescido do valor da reconvenção.” 1
7. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença em 13.05.2022, que culminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo que fica exposto, julgando a ação parcialmente procedente por provada e o pedido reconvencional deduzido pelo reconvinte CVP, S.A. procedente por provada, decide-se:
a) Absolver os réus GG, HH e II, assim como as chamadas Fidelidade-Companhia de Seguros, S.A. e Ageas Portugal-Companhia de Seguros, S.A., esta apenas enquanto garante da responsabilidade dos RR. GG e HH, dos pedidos contra si deduzidos;
b) Condenar solidariamente CC; DD e EE, na qualidade de herdeiros de FF; CVP - Sociedade de Gestão Hospitalar, S.A.; Ageas Portugal-Companhia de Seguros, S.A., na qualidade de garante da responsabilidade de FF, e Generali Companhia de Seguros, S.A. nos seguintes montantes:
- €60.000 (sessenta mil euros) relativos a danos biológicos sofridos pelo autor;
- €40.000 (quarenta mil euros) relativos a danos não patrimoniais sofridos pelo autor;
- €26.618,92 (vinte seis mil seiscentos e dezoito euros e noventa e dois cêntimos) a título de danos patrimoniais sofridos pelo autor.
c) Condenar CC; DD e EE, na qualidade de herdeiros de FF e Ageas Portugal-Companhia de Seguros, S.A., na qualidade de garante da sua responsabilidade, no pagamento ao autor da quantia de €15.374,79 (quinze mil trezentos e setenta e quatro euros e setenta e nove cêntimos) a título de danos patrimoniais do autor e €2500 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais à autora;
d) Condenar os aludidos réus em juros de mora legais para obrigações civis desde a data de propositura da e ação e até integral pagamento.
Custas da ação serão suportadas pelos autores e pelos réus condenados, na proporção do decaimento, sendo as custas da reconvenção suportadas pelos autores reconvintes, dispensando-se o pagamento de qualquer taxa remanescente eventualmente devida».
8. Inconformados, apelaram: a interveniente acessória Generali Seguros, S.A. (aos 14.06.2022), as primeiras RR (aos 20.06.2022), os AA. (aos 29.06.2022) e a 2ª Ré (aos 29.06.2022), tendo ainda a interveniente principal AGEAS Portugal-Companhia de Seguros, SA declarado aderir ao recurso interposto pelas herdeiras do seu falecido segurado Dr. FF (requerimento de 20.06.2022), nos termos do n.º 3 do art. 634.º CPC.
As 1ªs RR, bem como os AA. e a 2ª Ré contra-alegaram.
A 1ª instância, conhecendo de nulidades invocadas e julgando procedente uma delas decidiu “Por consequência, entende-se que deve operar a compensação, reformando-se o dispositivo da decisão, na parte referente a condenação da Ré CVP - Sociedade de Gestão Hospitalar, S.A. no pagamento de danos patrimoniais ao autor e fixando a indemnização por esta devida, a este título, no valor global de €11.244,13 (onze mil duzentos e quarenta e quatro euros e treze cêntimos)”, na sequência do que a 2ª Ré procedeu ao alargamento do âmbito da apelação por si interposta ao abrigo do disposto no art. 617.º, n.º 3 do CPC.
9. Já na Relação, foi pelo relator determinado (despacho de 20.06.2023), ao abrigo do disposto no art. 617.º, n.º 5 do CPC, que os autos baixem à 1.ª instância para que o tribunal a quo se pronunciasse sobre: a) a nulidade por excesso de pronúncia arguida pela 2.ª R. no requerimento de ampliação do âmbito do recurso; b) a nulidade invocada pela recorrente Generali Seguros, S.A. (cfr. conclusão 57.ª das respectivas alegações de recurso).
Sobre a nulidade referida na al. a), a 1ª instância decidiu (em 22.09.2023) da seguinte forma:
«(…) declara-se verificada a suscitada nulidade, traduzida em conhecimento de questão que o tribunal não poderia ter conhecido, reformando-se o dispositivo da sentença da seguinte forma:
- Mantém-se integralmente o decidido nas alíneas a); c) e d) do dispositivo da sentença;
- O constante na alínea b) do dispositivo volta a ter o teor constante da sentença, ficando sem efeito o despacho reformador proferido a 16/1/2023;
- É aditada uma alínea e), com o seguinte teor:
e) Julgar o pedido reconvencional deduzido pela reconvinte CVP – Sociedade de Gestão Hospitalar, S.A procedente e, em consequência, condenar o autor-reconvindo no pagamento da quantia de € 15.374,79 (quinze mil trezentos e setenta e quatro euros e setenta e nove cêntimos), acrescida de juros moratórios devidos para obrigações civis vencidos desde 31 de janeiro de 2015 e até integral pagamento.
- Mantém-se o decidido quanto a custas, incluindo da reconvenção (estando os autores condenados no seu pagamento), com a retificação do lapso de escrita aí constante (onde se lê autores - reconvintes deverá ler-se autores – reconvindos)».
Sobre a nulidade referida na mencionada al. b), a 1ª instância nada disse.
10. Inconformado, apelou o A. (em 02.11.2023), referindo que «…tendo sido notificado do despacho que reforma o dispositivo da sentença, e não se conformando com o mesmo, vem apresentar Recurso de Apelação, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 644.º do Código de Processo Civil (CPC), com subida nos próprios autos, ao abrigo do disposto nos artigos 645.º do CPC, com reapreciação da prova gravada» (sublinhado nosso), declarando que «o âmbito subjetivo do presente recurso restringe-se à decisão consagrada no despacho de 22.09.2023» e requerendo, a final, que a sentença seja revogada nessa parte.
11. Finalmente, aos 22.04.2024 foi proferido Acórdão no qual se decidiu nos seguintes termos [sublinhados nossos]:
“Pelos fundamentos expostos, acorda-se em
a) rejeitar o recurso interposto pelo A./reconvindo em 02.11.2023, por ter por objecto decisão irrecorrível;2
b) não admitir a junção de documentos requerida pela 2.ª R. (ponto 1.20);
c) julgar procedente a apelação interposta pela interveniente acessória Generali Seguros, S.A., em 14.06.2022, declarando nula a sentença recorrida na parte em que a condenou, solidariamente, a pagar ao A. as quantias de € 60.000,00, de € 40.000,00 e de € 26.618,92, acrescidas de juros de mora;
d) julgar totalmente improcedente as apelações interpostas pelas primeiras RR. em 20.06.2022 e, por adesão de 20.06.2022, pela interveniente principal Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A.;
e) julgar totalmente improcedente a apelação interposta pela 2.ª R. em 29.06.2022;
f) julgar parcialmente procedente a apelação interposta pelos AA. em 29.06.2022, no que respeita aos montantes das indemnizações devidas pelos danos biológico e não patrimoniais por ambos sofridos, e, em consequência:
1. condenar solidariamente as primeiras RR. CC, DD e EE (na qualidade de herdeiras de FF, na proporção das quotas que a cada uma caiba ou tenha cabido na herança do mesmo), bem como a interveniente Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A. (na qualidade de garante da responsabilidade do referido FF) e a 2.ª R. CVP – Sociedade de Gestão Hospitalar, S.A., a pagarem ao Autor AA a quantia de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), a título de indemnização pelo dano biológico, e de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais;
2. condenar solidariamente as primeiras RR. CC, DD e EE (na qualidade de herdeiros de FF, na proporção das quotas que a cada uma caiba ou tenha cabido na herança do mesmo), bem como a interveniente Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A. (na qualidade de garante da responsabilidade do referido FF) a pagarem à A. BB a quantia de € 30.000,00, (trinta mil euros), a título de danos não patrimoniais;
g) manter em tudo o mais a sentença recorrida na versão que lhe foi conferida pelo despacho de 22.09.2023.
A 2.ª R. suportará as custas do incidente de não admissão de documentos referido na al. b), cuja taxa de justiça se fixa em uma UC.
Os AA. suportarão as custas do recurso referido na al. c), por terem ficado vencidos.
As primeiras RR. e a interveniente principal Ageas Portugal suportarão as custas do recurso referido na al. d), por terem ficado vencidas.
A segunda R. suportará as custas do recurso referido na al. e), por ter ficado vencida.
Os AA., por um lado, e as primeiras RR., a 2.ª R. e a interveniente principal Ageas Portugal, por outro lado, suportarão as custas do recurso referido na al. f), na proporção dos respectivos vencimentos.” [sublinhados nossos]
12. Inconformada com o mencionado acórdão, veio a AGEAS – Companhia de Seguros, S.A., interpor recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:
a. “ a) As indemnizações são pagas pela sociedade se não, não haveria seguradoras, pois somos todos tomadores de seguros.
b) Assim, tendo presente os factos provados nos presentes autos as indemnizações a arbitrar aos recorridos deverão socorrer-se de juízos de equidade e nos parâmetros jurisprudenciais vigentes no ordenamento jurídico nacional.
c) Ora, em face dos factos provados:
79. Em consequência das cirurgias efetuadas, o autor padece de lesão neurológica irreversível, com desenervação ativa nos territórios de L4-L5 e L5–S1;
80. Tais sequelas neurológicas determinaram alterações da mobilidade e sensibilidade dos membros inferiores, região do períneo e região nadegueira (zona perineal, peniana e anal);
81. Em consequência da sua condição, apenas consegue locomover-se com auxílio de canadianas, em deslocações pequenas, carecendo de cadeira de rodas e apoio na generalidade das deslocações;
82. Desloca-se e conduz automóvel, adaptado à sua condição;
o montante a atribuir ao autor a título de dano biológico não deverá ser superior a €70.000,00.
a. d) O montante do dano não patrimonial a atribuir ao autor, tendo sempre em conta os critérios jurisprudenciais vigentes, não deverá ser fixado em montante superior a € 30.000,00.
e) Por fim, no que concerne à indemnização a arbitrar à autora a título de danos não patrimoniais, não deverá a mesma ser superior a € 20.000,00.
f) O douto acórdão recorrido aplicou erradamente o disposto nos arts. 483º, nº 1, 496º e 566º, nº 3 do Código Civil.
1. Nestes termos e nos mais de direito, com o douto suprimento de Vossas Excelências, pede em procedência das antecedentes conclusões seja concedida a revista, (…)”
13. Também inconformadas, as primeiras RR, CC, DD e EE, na qualidade de herdeiras do falecido médico FF, vieram interpor recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. “1.ª É recorrido o acórdão da Relação proferido sobre recurso interposto pelas recorrentes (i) tanto na parte em que determinou o fundamento da sua responsabilização a título extracontratual (ii) como no que se refere ao valor atribuído aos alegados danos biológicos e
d. morais do autor e morais da autora.
2.ª O aresto recorrido, em face de uma situação de ausência de negligência médica, ao ter relevado a omissão de consentimento informado como fundamento da ressarcibilidade de danos em sede de integridade física e moral, configurou a situação jurídica subjacente como equivalente à de responsabilidade pelo risco, quando esta não tem fundamento no domínio da responsabilidade médica, apenas valendo para os casos tipificados nos artigos 499º a 510º do Código Civil, por se tratar, como foi acolhido no acórdão recorrido de responsabilidade extracontratual.
3.ª O aresto recorrido, ante uma situação de ausência de negligência médica em acto cirúrgico e perante danos emergentes, derivados, por isso, de caso fortuito, ao ter determinado a responsabilização do cirurgião em decorrência da ausência documentada de consentimento informado por parte do paciente, não ponderou a situação, no que respeita à ocorrência de tais danos e ao seu quantum, de modo expressamente diferenciado face ao que seria o caso de ter ocorrido, e não ocorreu, negligência médica.
4.ª É aliás relevante que o aresto em causa considere que «[…] não se provou, igualmente, que o A. só aceitou submeter-se à intervenção porque não foi devidamente informado quanto aos respectivos riscos, nem que, se tivesse sido, não a teria aceitado», o que inculca a noção de que não há fundamento à responsabilização emergente do acto cirúrgico efectuado sem a evidência documentada daquele consentimento.
5.ª O aresto recorrido enferma assim de erro de Direito na interpretação e aplicação dos artigos 483º [responsabilidade emergente de culpa], 486º [responsabilidade por omissão], 563º [causalidade adequada], todos do Código Civil, porquanto a omissão imputada não é causalmente adequada a gerar os danos em causa, os quais decorreram de caso fortuito porquanto está demonstrada a inexistência de negligência médica, nem pode fundamentar a respectiva ressarcibilidade.
6.ª Quando interpretados e aplicados como o foram pelo acórdão recorrido, os referidos artigos 483º e 486º do Código Civil, violam o princípio da igualdade tutelado no artigo 13º da Constituição, na medida em que, seguindo tal interpretação, tais preceitos passam a regular de modo idêntico situações em que se justifica uma diferenciação substancial, ou seja, casos em que o dano é causado por acto médico negligente, daqueles outros em que o dano não decorra de acto negligente do médico, antes de caso fortuito, ainda que esteja em causa a omissão documentada de omissão de consentimento informado.
7.ª O aresto recorrido, ao ter fixado os danos patrimoniais e morais nas quantias em que os computou, incrementado, aliás, o que fora decidido pela primeira instância, enferma de erro de Direito, na interpretação e aplicação dos artigos 483º e 496º, n.º 4 do Código Civil, porquanto, face aos critérios jurisprudenciais correntes, tanto aos primeiros, como aos segundos [estes, seguindo critérios de equidade], não correspondem valores tão elevados, pelo que a quantia em causa deve ser reduzida em termos correspondentes aos indicados pela recorrente seguradora.
8ª. Tratando-se de uma situação em que está afastada a negligência médica, o valor indemnizatório, a ser declarado, terá de ser proporcionadamente reduzido.
9.ª Em suma: o sancionamento fundamentado na omissão de obtenção de consentimento informado acaba por funcionar como pretexto para alcançar aquelas situações em que não se encontrou responsabilização civil por má prática médica, o que atenta contra um critério de justiça.
Nestes termos deve ser revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que determine a absolvição das recorrentes quanto ao pedido ou, quando assim se não entender, o que só por cautela de patrocínio se admite, seja reduzido o valor da indemnização para critérios proporcionados que relevem a ausência de negligência médica.”
14. Os AA. recorridos contra-alegaram aos recursos interpostos, concluindo pela improcedência dos mesmos.
15. Os recursos foram admitidos pela 1ª instância, com efeito devolutivo, decisão mantida pela ora relatora.
16. Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 2ª parte do CPC.
Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, ex vi do art. 679º, todos do CPC).
Assim, são as seguintes as questões suscitadas pelas Recorrentes:
A. No recurso interposto pelas primeiras RR [na qualidade de herdeiras do médico FF]: da (não) responsabilidade das Recorrentes pelos danos decorrentes das lesões sofridas pelo Autor.
B. Nos recursos interpostos pelas mencionadas RR (subsidiariamente à questão referida em A) e pela Recorrente AGEAS – Companhia de Seguros, S.A:
i) Do montante de indemnização devida ao autor título de dano biológico;
ii) Do montante de compensação devida ao autor a título de danos não patrimoniais;
iii) Do montante de compensação devida à autora, enquanto cônjuge do autor, a título de danos não patrimoniais.
Foi a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal da Relação [mantendo-se a ordenação e respetiva formulação linguística e tendo-se em consideração a parcial procedência da impugnação dirigida à decisão de facto]:
Factos provados
1.O autor nasceu em .../.../1950 e a autora em .../.../1953;
2. FF faleceu .../.../2015, deixando como herdeiros CC, DD e EE;
3. O autor foi encaminhado pelo Dr. FF para as instalações do Hospital da Cruz Vermelha, onde foi admitido no dia 12 de dezembro de 2014;
3A. O autor deu entrada no Hospital da Cruz Vermelha a 12 de dezembro de 2014, a caminhar pelo próprio pé, com redução da mobilidade no membro inferior direito e com dificuldade na execução de marcha, mas sem recurso a canadianas ou qualquer outro auxiliar de marcha.
4. O autor foi submetido a intervenção cirúrgica nesse mesmo dia 12 de dezembro de 2014, nas instalações do Hospital da Cruz Vermelha, com anestesia geral;
5. O 3.º réu GG é médico especialista em cirurgia ortopédica da coluna e exercia, em dezembro de 2014, a sua atividade profissional na Unidade de Cirurgia da Coluna, no Serviço de Ortopedia do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa;
6. Em dezembro de 2014, FF havia transferido a responsabilidade civil emergente da sua profissão para a Ageas Portugal-Companhia de Seguros, S.A. por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 0084.05.935346;
7. Nos termos de tal contrato, o limite do seguro era, à data, de € 300.000,00 por cada sinistro, sendo que o capital garantido é definido em cada anuidade, sendo aplicada, por sinistro, uma franquia de 10% do valor reclamado relativamente a danos patrimoniais, com um mínimo de €125,00, (cópia de fls. 726 e 727, com as “Condições Gerais” de fls. 729 a 745 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido);
8. A ré CVP, S.A. tem a sua responsabilidade civil transferida por contrato de seguro intitulado “Responsabilidade Civil de Exploração”, celebrado em 18/6/2001, com a Generali Companhia de Seguros, S.A., titulado pela apólice n.º ..51/......00 (cópia de fls. 474 a 496 dos autos, aqui dados por reproduzidos);
9. Tal garantia está limitada a €500.000,00 por cada sinistro e anuidade (€ 150.000,00 por sinistro com danos corporais; € 25.000,00 por sinistro com danos materiais, com uma franquia de 10% do valor do sinistro, com um mínimo de € 249,40;
10. Em 16/2/2015, a ré CVP, S.A. comunicou ao seu mediador de seguros e participou à “Generali, Companhia de Seguros, S.A.”, conforme consta a fls. 499 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido;
11. A ré “CVP, S.A.” emitiu, e o autor recebeu, a fatura n.º 201501/920, datada de 31.01.2015, no valor global de € 15.374,79, cuja cópia consta a fls. 212 a 225 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido;
12. A Ageas - Companhia de Seguros, S.A. e o réu GG celebraram um contrato de seguro do Ramo “Responsabilidade Civil Profissional”, modalidade Ordens Profissionais, Especialidade Neurocirurgia, titulado pela apólice n.º 0084.05.946348, cuja cópia consta a fls. 727v/728 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido;
13. Tal contrato, à data, estava limitado por sinistro ao capital de € 300.000,00, sendo este definido a cada anuidade, ficando limitado, por sinistro, sendo aplicada a cada sinistro relativamente a danos patrimoniais uma franquia de 10% do valor reclamado, com um mínimo de € 125,00 - “Condições Gerais” constam a fls. 729v./745 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido;
14. A Ageas - Companhia de Seguros, S.A. e a ré HH celebraram um contrato de seguro do Ramo “Responsabilidade Civil Profissional”, modalidade Ordens Profissionais, Especialidade Anestesiologia, titulado pela apólice n.º 0084.05.930497, cuja cópia consta a fls. 728v./729 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido;
15. Tal contrato estava, à data, limitado ao capital de € 300.000,00 por sinistro, sendo que este é definido em cada anuidade e sendo aplicada a cada sinistro, relativamente a danos patrimoniais, uma franquia de 10% do valor reclamado, com um mínimo de €125,00, cujas “Condições Gerais” constam a fls. 729/745 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido;
16. A “Fidelidade-Companhia de Seguros, S.A.” e a ré II celebraram um contrato de seguro do Ramo “Responsabilidade Civil Profissional”, titulado pela apólice n.º RC......72, cuja cópia consta a fls. 763/764 dos autos, cujo objeto é a responsabilidade civil extracontratual decorrente do exercício da sua atividade médica anestesista;
17. Tal contrato tinha, à data, como capital seguro de € 600.000,00, limitado a €300.000,00 por sinistro, prevendo uma franquia correspondente a 10% do valor dos prejuízos no mínimo de € 125,00, e cujo teor se dá por reproduzido - “Condições Gerais” de fls. 755/763 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
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Factos apurados na sequência da prova produzida (matéria referente a factualidade essencial ou complementar alegada, sendo que a mais constante dos articulados é meramente instrumental, repetida, conclusiva ou de direito):
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Factos prévios às cirurgias:
18. Em dezembro de 2014 o autor exercia profissionalmente a atividade de comerciante, sendo sócio e gerente de sociedade familiar de comércio de produtos agrícolas e pecuários em ...;
19. Em dezembro de 2014 a autora exercia igualmente essa atividade de comerciante na empresa familiar;
20. O autor era, a tal data, reconhecido no seu meio pessoal e profissional como pessoa ativa e dinâmica;
21. Em momento não apurado foi-lhe diagnosticada uma hérnia discal, incidente sob as vértebras L4-L5;
22. Tal condição provocava-lhe compressão de nervo sensitivo e motor, causava-lhe dor e paresia do pé direito, i.e., incapacidade de realizar dorsiflexão do pé, condição também designada de pé pendente, com o inerente claudicar ao caminhar;
23. Para solução de tal problema e do desconforto inerente, submeteu-se a cirurgia em setembro de 2014, realizada no hospital ..., pelo médico Dr. JJ;
24. Após tal intervenção mantinha tal condição de pé pendente;
25. Encontrando-se a realizar fisioterapia subsequente de recuperação e mantendo limitações físicas, procurou aconselhamento foi-lhe indicado, como reputado na especialidade, o Dr. FF;
26. Dirigiu-se a consulta, este aceitou acompanhá-lo e declarou ao autor que a sua condição iria melhorar no caso de ser por si intervencionado;
27. O autor tinha, em dezembro de 2014, historial clínico de HTA (hipertensão arterial), elevada concentração de ácido úrico no sangue e dislipidemia (distúrbio de lípidos no sangue);
28. Foi a perspetiva de melhoria resultante da declaração do médico FF que levou o autor a aceitar a realização de nova cirurgia à hérnia discal;
29. O Dr. FF era um médico “externo” ao hospital da Cruz Vermelha, não integrando o quadro de funcionários do hospital;
30. Entre o médico FF e a ré CVP, S.A foi celebrado contrato intitulado de utilização de consultório médico pelo qual, designadamente, a ré sociedade se comprometeu a ceder-lhe uma sala de consultório no Hospital da Cruz Vermelha (e o mais que consta do doc. n.º 3 anexo à contestação da ré CVP, S.A.);
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Período entre 12/12/2014 e 17/12/2014:
31. A intervenção cirúrgica realizada no dia 12/12/2014 foi conduzida por uma equipa constituída pelo médico-cirurgião FF, pela médica anestesiologista HH e por equipa de enfermagem composta por anestesista, circulante e instrumentista;
32. A médica anestesiologista e as enfermeiras integravam o Corpo Clínico da ré CVP, S.A.;
33. O autor não assinou a declaração denominada “consentimento informado para cirurgia”, seja nesta intervenção ou em qualquer das outras intervenções que realizou no Hospital da Cruz Vermelha;
34. O Dr. FF não informou o autor sobre os riscos inerentes à realização da cirurgia;
35. Antes de ser submetido à cirurgia, o autor foi avaliado pela anestesiologista HH no próprio Bloco Operatório;
36. Esta recolheu junto do autor a informação necessária, elaborou a ficha de anestesia, tendo explicado ao autor o tipo de anestesia a ministrar - geral;
36A. A 1.ª cirurgia a que o autor foi submetido iniciou-se às 14h45 e terminou às 15h20 do mesmo dia 12/12/2014.
37. O autor, após acordar da cirurgia realizada em 12/12, sentiu dores agudas e incomodidade que, de imediato, assinalou ao pessoal de enfermagem presente, nada lhe tendo sido dito nesse momento
38. Após a cirurgia ficou com ausência de sensibilidade no pé direito e sensibilidade reduzida no pé esquerdo, ausência total de sensibilidade na zona testicular e peniana;
38A. Pelas 07h00 do dia 13/12/2014, foi verificado que o autor apresentava penso repassado com líquido sugestivo de perda de líquor.
39. Na sequência da intervenção, o Dr. FF diagnosticou o autor com “síndrome de cauda completo”, bem como a possibilidade de se verificar uma “fístula de LCR”, ordenou a retirada do dreno e deu indicação para “reintervenção cirúrgica”.
40. No dia seguinte, 13 de dezembro de 2014, o autor foi novamente conduzido ao bloco operatório, onde foi novamente intervencionado cirurgicamente, com anestesia geral;
41. Não lhe foi prestado qualquer esclarecimento prévio a tal segunda intervenção no Hospital da Cruz Vermelha;
42. Esta intervenção cirúrgica do dia 13/12/2014 foi realizada pelo Dr. FF, a médica anestesiologista HH, aqui 4.ª ré, e uma equipa de enfermagem composta por enfermeira anestesista, enfermeira circulante e enfermeira instrumentista;
43. A equipa de enfermagem e a anestesiologista integram os quadros da ré sociedade hospitalar;
43A. A 2.ª cirurgia iniciou-se às 18h50 e terminou às 20h00 do dia 13/12/2014.
44. Na sequência desta intervenção, o autor apresentava sensibilidade e mobilidade das pernas, mas com ausência de sensibilidade no pé direito e sensibilidade reduzida no pé esquerdo, com mobilização das pernas, mas sem mobilização dos dedos dos pés, nem dorsiflexão em ambos os pés e com ausência total de sensibilidade na zona testicular e peniana;
45. Quatro dias depois, a 17/12/2014, o autor foi submetido a uma terceira intervenção cirúrgica no Hospital da Cruz Vermelha;
46. Antes de tal cirurgia, não foi prestado ao autor esclarecimento sobre a mesma;
47. A 3.ª intervenção foi efetuada pelo cirurgião FF, assistido pela enfermeira anestesista KK, pela enfermeira circulante LL, pela Enfermeira instrumentista MM e pela médica anestesiologista II, todas funcionárias da ré CVP, S.A.;
48. Foi no dia 17/12/2014 que a ré II tomou conhecimento da situação do autor, tendo analisado o seu processo clínico, incluindo os dados cirúrgicos e anestésicos anteriores;
49. No decurso desta intervenção, o médico FF sentiu-se mal, teve um desfalecimento, sentou-se num banco no interior do bloco, pálido, a transpirar e com ar combalido;
50. Tal desfalecimento foi comunicado à Direção Clínica do hospital que, de imediato, solicitou ao réu GG que se deslocasse de emergência ao bloco operatório;
51. Foi nesse momento que o réu GG teve o seu primeiro contacto com a situação do autor;
52. Quando o 3.º réu chegou ao bloco operatório o autor encontrava-se inconsciente, sob o efeito de anestesia;
53. Nesse momento, o Dr. FF solicitou ao Dr. GG que terminasse a cirurgia e não concluiu a intervenção;
54. Iniciando a sua intervenção, o réu GG procedeu à avaliação do estado do autor e verificou a existência de uma fistula com rutura do saco dural e vazamento de líquido liquor;
55. Usou este cirurgião como técnica cirúrgica uma plastia da dura mater com fáscia e utilização de cola biológica, assim procedendo ao encerramento da fistula céfalo- raquidiana;
56. Após ter participado na cirurgia de 17/12/2014, no dia seguinte (18/12/2014), o R. GG deu conhecimento à Direção Clínica do hospital do ocorrido no bloco operatório (doc. n.º 2 anexo à contestação dos RR. GG, HH e BB e doc. n.º 5 anexo à contestação da ré CVP, S.A., aqui dado por integralmente reproduzido);
57. Em tal comunicação declarou, designadamente, além do antes referido, que o doente ficou estável e melhorado, com sinais vitais dentro da normalidade;
58. O Dr. FF sofria de doença oncológica em ... de 2014, encontrando-se a trabalhar, não tendo comunicado ao autor a sua condição de saúde;
59. Na sequência desta cirurgia de 17/12/2014, o autor foi encaminhado para os serviços de Cuidados Intensivos do hospital da Cruz Vermelha;
60. Nesse momento o autor mantinha diminuição da sensibilidade ao nível dos membros inferiores e genitais e dor à mobilização dos membros inferiores da região dorsal;
61. Nas cirurgias de 13/12 e 17/12 ao autor nada foi perguntado ou dito antes de início do procedimento relativamente à anestesia a realizar;
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Período após 17/12/2014 e até alta:
62. No dia 18/12/2014, o autor foi transferido dos Cuidados Intensivos para o Internamento, mantendo os sintomas;
63. O autor permaneceu internado até 23/1/2015 no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, dia em que recebeu alta;
64. Após esta cirurgia, nos dias 18/12 e 19/12, o autor recebeu a visita do Dr. FF;
65. Nessa altura, encontrava-se deprimido e enviou uma mensagem telefónica a familiares com “ideias suicidas”;
66. Iniciou fisioterapia no período de internamento;
67. Nesse período manteve ausência de sensibilidade na região posterior das coxas, nádegas e toda a região perineal;
68. Ao longo do período de internamento o autor necessitou sempre de ajuda para se sentar, levantar e posicionar-se no leito e ainda para fazer a transição para a cadeira de rodas;
69. Após alta, seguiu para reabilitação física no Centro de ..., sem capacidade para se locomover sem apoio de muletas, sem capacidade para reter a urina, sem capacidade para controlar a dejeção e sem capacidade para manter relações sexuais;
70. Aquando da alta, necessitava de ajuda para as atividades de vida diárias, exceto para alimentação, onde era autónomo;
71. Usava algália, tinha incontinência de esfíncter anal, incapacidade de executar posição ortostática, ausência de capacidade de flexão e extensão dos dedos de ambos os pés e ambos os tornozelos, hipostesia na região perineal, nadegueira e ambos os pés;
72. O médico FF encontrou-se em situação de impossibilidade de trabalhar, em razão de saúde, entre o dia 20 de dezembro de 2014 e 7 de janeiro de2015;
73. Nesse período o autor não recebeu visita médica, recebendo acompanhamento do pessoal de enfermagem e auxiliar da sociedade hospitalar, realizando fisioterapia e tendo a sua situação sido acompanhada pelo corpo clínico do HCVP;
74. Os médicos ao serviço da ré sociedade tomavam conhecimento da situação do autor aquando das suas rondas de serviço;
75. O autor enviou carta à Administração do Hospital, reclamando pelo tratamento que estava a receber invocando, além do mais, falta de acompanhamento médico;
76. No dia 7/1/2015 o autor foi visitado pelo Dr. FF, que, designadamente, lhe sugeriu realizar reabilitação em ...;
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Período após alta; situação física permanente do autor:
77. A pedido do Centro de Reabilitação de ... foi agendada ao autor consulta de reavaliação de neurocirurgia para o dia 2/4/2015, no Hospital da Cruz Vermelha, junto do médico NN;
78. No decurso da consulta, o médico em causa deu-a terminada, declarando no respetivo relatório que tal se deveu ao doente ter declarado que foi convocado pela instituição e não estar de live vontade, o que invalida a relação de confiança entre paciente e médico (doc. n.º 2 anexo à contestação à ré CVP, S.A.);
79. Em consequência da cirurgia realizada em 12.12.2014, o autor padece de lesão neurológica irreversível, com desenervação activa nos territórios de L4-L5 e L5–S1.
80. Tais sequelas neurológicas determinaram alterações da mobilidade e sensibilidade dos membros inferiores, região do períneo e região nadegueira (zona perineal, peniana e anal);
81. Em consequência da sua condição, apenas consegue locomover-se com auxílio de canadianas, em deslocações pequenas, carecendo de cadeira de rodas e apoio na generalidade das deslocações;
82. Desloca-se e conduz automóvel, adaptado à sua condição;
83. Ficou totalmente impossibilitado de desenvolver de trabalhar na organização e gestão diária da empresa familiar, ou em qualquer trabalho equivalente;
84. Não faz a sua higiene pessoal, necessitando de ajuda para as tarefas em causa;
85. Perdeu toda a capacidade sexual, não controla a sua função urinária ou excretora, carecendo do uso de fralda e de tomar medicamentos.
86. A sua integridade estética foi afetada num valor quantificável em 4, numa escala de 1 a 7;
87. Ao longo de todo o internamento, e até aos dias de hoje, padece de dores;
88. Tais dores foram intensas e prolongadas no período de internamento, sendo quantificáveis em grau 6 numa escala de 1 a 7;
89. Após tal período, tem dores não permanentes, pontualmente de grande intensidade, não quantificável;
90. Em consequência da sua condição, sente grande desgosto e frustração;
91. Sofreu uma depressão, que ultrapassou;
92. Tornou-se uma pessoa mais taciturna e triste e socialmente isolada;
93. Passou para o filho a gestão da empresa, deslocando-se à mesma pontualmente;
94. As lesões físicas sofridas pelo autor fazem parte da lista de riscos inerentes a uma cirurgia a hérnia discal, riscos que aumentam a cada reintervenção;
95. Os autores, antes das lesões sofridas pelo autor, tinham uma vida conjugal normal;
96. Após tais lesões, a vida da autora passou a ficar cingida quase exclusivamente a cuidar do autor;
97. A autora sente, desde então, tristeza e angústia por tal situação;
98. Os autores deixaram de ter qualquer vida sexual.
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Elementos estritamente patrimoniais:
99. A ré sociedade hospitalar apresentou ao autor, para pagamento de serviços prestados, uma fatura final do valor de €15.374,79;
100. O autor não pagou tal fatura;
101. O autor despendeu em medicação a quantia de €2.356,92;
102. Em honorários com outros clínicos a quantia de €11.431,33;
103. Em consultas e exames diversos a quantia de €1.994,30;
104. Nos serviços de reabilitação física do Hospital de ... suportou a quantia de €5.250,00;
105. Para adaptação da sua habitação e automóvel despendeu € 4.733,92;
106. Em deslocações para tratamentos despendeu o montante de €672,45 em portagens;
107. O autor, após entregar a gestão diária da empresa familiar ao filho, passou a ser apenas funcionário da mesma;
108. A ré CVP, S.A. prestou ao autor os serviços descritos na fatura supra referida».
Factos não provados
1 - A relação filial dos autores com OO e a data de nascimento deste (falta de apresentação de documento);
2 - Que, quando se dirigiu ao Dr. FF, o autor o tenha feito por ser conhecedor de várias publicações em revistas científicas, designadamente relativas a recuperação de paraplégicos;
3 - Que a cirurgia ao autor deveria ser realizada com uma técnica específica em que o Dr. FF se havia especializado;
4 - Que, aquando da primeira consulta, o Dr. FF garantiu a ausência de riscos inerentes à intervenção;
5 - Que a ré HH tenha explicado ao autor os riscos envolvidos na anestesia ou dado alguma possibilidade de escolha;
6 - Que, após a cirurgia de 12/12, se tenha verificado desnorteio e embaraço dos enfermeiros de serviço, quando confrontados com a condição do autor;
7 - Que, após as cirurgias, o Dr. FF limitava-se a estabelecer contacto telefónico com o serviço;
8 - Que, após as cirurgias, o Dr. FF limitou-se a efetuar passagens junto rápidas ao autor declarando que “o sr. AA vai ficar bom e está a recuperar muito bem”;
9 - Que o autor tenha solicitado explicações ao Dr. FF sobre a realização da 2.ª intervenção e este limitou-se a dizer que se tratava de uma “revisão de cirurgia”;
10 - Que o autor apenas soube que ia ser submetido às intervenções cirúrgicas realizadas a 13/12/2014 e 17/12/2014 quando entrou no bloco operatório;
11 - Que, a meio do procedimento cirúrgico de 17/12, o médico FF desmaiou;
12 - Que, à data da 3.ª intervenção, o Dr. FF sabia que a sua doença poderia perturbar o seu regular desempenho como médico cirurgião;
13 - Que, após o desfalecimento do Dr. FF, a cirurgia poderia ter sido cancelada;
14 - Que o réu GG agendou, à revelia do autor, consulta de neurocirurgia com o Dr. PP no Hospital da Cruz Vermelha;
15 - Que o autor está impossibilitado de se locomover sem auxílio de outrem;
16 - Que o autor necessita sempre de ser transportado;
17 - Que não se locomove sem apoio de cadeira de rodas;
18 - Que necessita de ajuda do filho para realizar a sua higiene pessoal;
19 - Que está impossibilitado de trabalhar;
20 - Que a depressão que sofreu se foi agravando;
21 - Que o autor é uma pessoa triste;
22 - Que a entrega da gestão diária da sociedade familiar ao filho não foi bem vista por alguns clientes, que deixaram de negociar com a sociedade;
23 - Que, devido às lesões que sofreu, o autor deixou de trabalhar na empresa familiar;
24 - Que o autor auferia mensalmente o quantitativo de €850,00 como gerente da sociedade, retribuição que deixou de auferir;
25 - Que, como funcionário da empresa, tenha deixado de auferir salário ou que aufira salário inferior ao que auferia antes do acidente;
26 - Que o autor pagou à ré CVP, S.A., por serviços prestados no Hospital da Cruz Vermelha, o quantitativo de €15.374,79;
27 - Que o autor se viu na necessidade de contratar um motorista em abril de 2015, que aufere uma retribuição mensal liquida de €516,00, tendo despendido, até à propositura da ação, o valor de € 7.740,00;
28 - Que o autor planeia nova intervenção cirúrgica junto de outro médico;
29 - Que, qualquer dos réus e especialmente a ré sociedade hospitalar tenha, intencionalmente omitido ou alterado dados ou organização do processo clínico;
30 - Que o estado físico do autor poderá sofrer melhorias com recurso a fisioterapia».
1. Da (não) responsabilidade das Recorrentes/1ªs RR [na qualidade de herdeiras do médico Dr. FF] pelos danos decorrentes das lesões sofridas pelo Autor [objeto da revista interposta pelas mencionadas Recorrentes]
1.1. Dada a sua precedência lógica, impõe-se começar por apreciar da mencionada questão.
Preliminarmente, é de referir que, nas instâncias, foi entendido que a responsabilidade civil do médico FF não assentou em negligência médica (violação da leges artis ou erro médico), o que não é, no recurso de revista, objeto de controvérsia.
E é também de consignar que o acórdão recorrido, numa qualificação que não é posta em causa pelos recorrentes e que não nos merece censura, considerou que autor celebrou com a 2.ª ré um contrato de prestação de serviços médicos total, qualificando a responsabilidade do médico FF como uma responsabilidade extracontratual, deixando escrito: “entre o A. e o médico FF não se estabeleceu, autonomamente, qualquer relação contratual, pelo que os pressupostos da sua responsabilidade aferem-se pela sua conduta pessoal e a eventual responsabilidade deste há-de ser delitual. Como já se viu, na responsabilidade civil por acto médico podem conviver a responsabilidade do Hospital privado, com quem o doente celebrou um contrato para prestação de serviços médicos, que é de natureza contratual, com a responsabilidade extracontratual do médico, quando este, no desenvolvimento da sua actividade médica, pratica acto ou omissão violadores da leges artis ou incumpre deveres inerentes ao exercício da mesma (cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ de 23.03.2017, de 08.09.2020 e de 31.03.2022, in www.dgsi.pt).”
Mas consideraram as instâncias que a responsabilidade civil do mencionado médico assentou na violação do dever do consentimento informado, do que discordam as mencionadas recorrentes, colocando em causa, em substância, o estabelecimento do nexo de causalidade por parte do Tribunal “a quo” entre a conduta ilícita do médico FF, consistente na violação dos deveres de informação e de obtenção do consentimento informado do autor, e os danos verificados, afirmando que “em face de uma situação de ausência de negligência médica, ao ter relevado a omissão de consentimento informado como fundamento da ressarcibilidade de danos em sede de integridade física e moral, configurou a situação jurídica subjacente como equivalente à de responsabilidade pelo risco, quando esta não tem fundamento no domínio da responsabilidade médica, apenas valendo para os casos tipificados nos artigos 499º a 510º do Código Civil, por se tratar, como foi acolhido no acórdão recorrido de responsabilidade extracontratual.”
Argumentam as recorrentes que “o aresto recorrido enferma assim de erro de Direito na interpretação e aplicação dos artigos 483º [responsabilidade emergente de culpa], 486º [responsabilidade por omissão], 563º [causalidade adequada], todos do Código Civil, porquanto a omissão imputada não é causalmente adequada a gerar os danos em causa, os quais decorreram de caso fortuito porquanto está demonstrada a inexistência de negligência médica, nem pode fundamentar a respectiva ressarcibilidade”, mais invocando a violação do principio da igualdade por se tratarem de modo idêntico situações substancialmente diferentes (dano causado por ato médico negligente e dano não decorrente de ato negligente, ainda que esteja em causa a omissão do consentimento informado).
O Tribunal recorrido, após elencar posições doutrinárias e jurisprudenciais a respeito do tema, considerou a este propósito: “Ora, na aferição do nexo causal entre a violação do dever de informação/falta de consentimento informado e os danos verificados, importa atender aos bens jurídicos protegidos pela exigência de tal consentimento, a fim de se perceber quais os danos ressarcíveis. Contrariamente ao defendido pelas primeiras RR., os bens jurídicos tutelados pelos deveres de informação e de obtenção do consentimento informado são o direito à integridade física e moral e o direito à autodeterminação e à liberdade, pelo que os danos ressarcíveis são, quer os danos não patrimoniais causados por essa violação da liberdade da vontade, quer as lesões, as dores e demais incómodos (cf. art. 70.º do CC), quer os danos patrimoniais derivados do agravamento do estado de saúde (cfr. André Dias Pereira, Ob. Cit., pp. 459 e 460, e acórdãos da RL de 27.11.2018 e do STJ de 22.03.2018, de 08.09.2020 e de 02.12.2020, in www.dgsi.pt). (…) Sendo os bens tutelados os referidos, não se vislumbra que possa ser violadora do princípio constitucional da igualdade a interpretação de que o incumprimento dos deveres de informação e de obtenção do consentimento informado dá lugar ao ressarcimento de outros danos, como o biológico. O tratamento distinto que tais casos, indiscutivelmente, merecem relativamente às situações em que os danos decorrem da má prática médica ou da violação da leges artis, centrar-se-á na necessária ponderação sobre as diferentes intensidades do ilícito e da culpa, para efeitos do cômputo das indemnizações. No caso dos autos, estamos perante intervenções médicas arbitrárias (sem consentimento ou com consentimento ineficaz), em que ocorreram danos para a integridade física do doente e um agravamento do seu estado de saúde. Certo é, também, que não estamos em face de riscos que devam ser sempre suportados pelo doente, por não serem riscos imprevisíveis e que não devessem ser comunicados pelo médico. Antes pelo contrário, o risco não revelado tinha, in casu, conexão com o risco verificado, pelo que o prestador médico tem que responder pelos danos criados, patrimoniais e não patrimoniais (…) No caso dos autos, falham todos os referidos pressupostos do consentimento hipotético, tudo levando a concluir que o A., se soubesse dos riscos da cirurgia, tê-la-ia recusado, ao invés do que se afirma na sentença recorrida. Enfim, a responsabilidade civil emergente da realização de acto médico, ainda que se prove a inexistência de erro ou má prática médica, pode radicar-se na violação do dever de informação do paciente relativamente aos riscos e aos danos eventualmente decorrentes da realização do acto médico e na violação do dever de recolha do seu consentimento (cfr., acórdão do STJ de 24.10.2019, in www.dgsi.pt).”
1.2. A dilucidação da questão suscitada pressupõe a determinação dos bens jurídicos tutelados pelos deveres de informação e de obtenção do consentimento informado por parte do paciente, assim como a delimitação dos danos ressarcíveis pela conduta médica autonomamente ilícita consistente na violação de tais deveres.
A jurisprudência do STJ tem vindo, de forma reiterada, a considerar que a responsabilidade civil médica pode estar alicerçada na violação da leges artis ou erro médico e/ou na violação do consentimento informado3, assentando em duas proposições: i) a de que a responsabilidade civil emergente da realização de ato médico, ainda que se prove a inexistência de erro ou má prática médica, se pode reconduzir à violação do dever de informação do paciente relativamente aos riscos e aos danos decorrentes da realização do ato médico; ii) a de que é possível estabelecer um nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e de obtenção de um consentimento válido e a ocorrência de danos patrimoniais e não patrimoniais, designadamente os danos decorrentes da lesão corporal sofrida.
Esta asserção pode ser comprovada pela leitura dos seguintes acórdãos, todos acessíveis in www.dgsi.pt, que se transcrevem na parte relevante:
- acórdão de 02-06-20154: “ (…) Não tendo a autora prestado qualquer consentimento, escrito ou verbal, expresso ou tácito, presumido ou hipotético, para a prática do ato cirúrgico a que foi sujeita, estão assim preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil contratual: ilicitude (incumprimento do contrato de prestação de serviços e de regras de conduta decorrentes da ética médica e do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, como a obrigação de obter um consentimento informado); culpa, a qual se presume nos termos do art. 799.º, n.º 1 do CC; nexo de causalidade entre o facto – intervenção médica não consentida – e o dano, no sentido em que aquela é a causa adequada do dano; danos patrimoniais e não patrimoniais amplamente documentados nos autos e refletidos na matéria de facto (…)”;
- acórdão de 02-11-20175 “(…) Não estando provado que a autora só aceitou submeter-se à intervenção porque não foi devidamente informada quanto aos respectivos riscos, porque, se tivesse sido, não a teria aceitado, a perspectiva jurídica que se nos afigura correcta é antes a de determinar se deve ser ressarcido o concreto dano consistente na perda da oportunidade de decidir correr o risco da lesão do nervo e das suas consequências; perda de oportunidade que, em si mesma, é um dano causado pela falta de informação devida, em abstracto susceptível de ser indemnizado, e cuja protecção tem como sustentação material o direito à integridade física e ao livre desenvolvimento da personalidade (artigos 25º, nº 1 e 26º, nº 1 da Constituição e artigo 70º, nº 1 do Código Civil). No seu conteúdo inclui-se, nomeadamente, o poder do titular de decidir em que agressões à sua integridade física consente, assim afastando a ilicitude das intervenções consentidas (cfr. nº 2 do artigo 70º e artigo 81º do Código Civil). Nesta perspectiva, está ostensivamente demonstrado o concreto nexo de causalidade naturalístico, questionado pelos recorrentes; e preenchido o requisito da causalidade adequada (art. 563º do Código Civil), consagrado na lei portuguesa no âmbito da responsabilidade civil (contratual ou extracontratual): para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada actuação (acção ou omissão) provocou o dano (cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de Julho de 2010, www.dgsi.pt, proc. 1399/06.OTVPRT.P1.S1), cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da acção ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado. É necessário que, em concreto, a acção (ou omissão) tenha sido condição do dano; e que, em abstracto, dele seja causa adequada (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ªed., Coimbra, 2000, pág. 900). No fundo, pode entender-se que ocorre ainda a hipótese descrita por André Gonçalo Dias Pereira, O dever de esclarecimento e a responsabilidade médica, in “Responsabilidade Civil dos Médicos, Coimbra, 2005, pág. 435 e segs., pág. 496: “a falta de informação impossibilitou o paciente de tomar uma decisão informada em termos de ponderação adequada de riscos e benefícios”, apta a gerar responsabilidade civil do médico, através da sua inserção no círculo de protecção das normas que exigem o consentimento informado; embora se entenda, com Rui Cardona Ferreira A perda de chance na responsabilidade civil por acto médico, sep. da Revista de Direito Civil, II (2017), 1, pág. 131-155, que o dano da perda de oportunidade tem autonomia, para efeitos indemnizatórios. Assim se decidiu, aliás, no acórdão de 14 de Março de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 78/09.1TVLSB.L1.S1 (…)”;
- acórdão de 22-03-20186: “VI - Tendo havido violação do dever de esclarecimento do paciente, com consequências laterais desvantajosas, isto é, a perfuração do colon, e com agravamento do estado de saúde, os bens jurídicos protegidos são a liberdade e a integridade física e moral, e os danos ressarcíveis tanto são os danos patrimoniais como os danos não patrimoniais. VII - Por conseguinte, quer se siga a concepção da ilicitude do resultado quer a concepção da ilicitude da conduta, o R. médico e a respectiva seguradora encontram-se solidariamente obrigados a reparar os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela A. com fundamento em falta de consentimento devidamente informado para a realização da colonoscopia”;
- acórdão de 24-10-20197: “a responsabilidade civil emergente da realização de ato médico, ainda que se prove a inexistência de erro ou má prática médica, pode radicar-se na violação do dever do informação do paciente relativamente aos riscos e aos danos eventualmente decorrentes da realização do ato médico”;
- acórdão de 14-03-20248: (…) “a intervenção cirúrgica levada a cabo pelo 2.º réu não foi validamente consentida, uma vez que a autora não foi devida e adequadamente informada e esclarecida acerca dos riscos gerais daquela intervenção (facto provado 53 a)), constitui esta uma ofensa ao seu direito à integridade física por falta de justificação, conforme resulta dos arts. 81.º e 340.º do CC e do art. 157.º do CP.”
No que toca ao ónus da prova do pressuposto relativo ao consentimento informado, tem-se também o STJ pronunciado no sentido de que “V - Funcionando o consentimento como causa de exclusão da ilicitude da sua atuação, é sobre o médico que impende o ónus de prova do consentimento (livre e esclarecido) prestado pelo paciente” como o refere o acórdão do STJ de 14.12.2021 9 e, bem assim, o citado acórdão 14-03-2024, no qual, citando-se o acórdão também do STJ de 08.09.202010 se refere que: “De acordo com a orientação dominante, compete, via de regra, à instituição de saúde e/ou ao médico provar que prestou ao paciente as informações devidas e adequadas para que este pudesse livre e esclarecidamente exercer o seu direito de autodeterminação sobre o próprio corpo e sobre os serviços de saúde. Com efeito, trata-se, desde logo, da necessidade de acautelar o equilíbrio processual entre a impossibilidade de provar um facto negativo (não ter sido – ou não ter sido adequadamente - informado) que, segundo a doutrina, se traduz numa prova diabólica, de um lado e, de outro, da facilidade relativa da prova para o médico. Depois, a consideração do consentimento informado como causa de justificação ou de exclusão da ilicitude de uma lesão à integridade física e da prestação de informação adequada como seu requisito de validade implica, nos termos do art. 342.º, n.º 2, do CC, a atribuição do onus probandi do consentimento informado ao médico11.
O risco de uma falta ou deficiência de informação recai sobre a instituição de saúde e/ou o médico. É que, em geral, médico e paciente não se encontram em paridade situacional, em pé de igualdade, porquanto o último não tem e nem pode ter a mesma quantidade e a mesma qualidade de informação do primeiro. O médico é que tem de provar a criação de condições concretas e efetivas que permitissem ao paciente compreender o significado, o alcance e os riscos do tratamento proposto. Qualquer situação de dúvida se decide contra ele.”
No conspecto doutrinário, a respeito do estabelecimento do nexo de causalidade entre os danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da lesão corporal e a violação dos deveres de informação e de obtenção do consentimento válido, afirma, lapidarmente, André Dias Pereira: “a ausência de um consentimento válido (porque insuficientemente informado) - consentimento esse que visa proteger a liberdade e a integridade física - deve ser civilmente sancionada com uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, designadamente decorrentes da lesão corporal. Não há uma simples perda de oportunidade, há um efetivo dano ao direito de decidir (informadamente) e daí resultam, com inequívoca causalidade normativa, os danos referidos. Como diz a doutrina americana: uma “loss of choice” não se deve confundir com uma “loss of chance”. Com efeito, nestes casos, o processo causal é claro: a falta de informação impossibilitou o paciente de refletir e decidir, a informação é requisito necessário do consentimento e só o consentimento justifica a invasão da integridade físico-psíquica do doente. A invasão do corpo é ilícita se não for justificada. O escopo terapêutico e a condição de médico do agente não são, por si só, devido ao respeito pelo princípio da autonomia, causas justificativas da invasão do corpo do cidadão doente. Só o consentimento (ou em casos bem delimitados do n.º 2 do artigo 156.º do CP — urgência e extensão do âmbito operatório — pode justificar a intervenção médico-cirúrgica.”12
Não existe, pois, qualquer óbice teórico ou dogmático ao estabelecimento de um nexo de causalidade entre a falta de informação ou o esclarecimento defeituoso ou incompleto e o dano causado ao paciente pela concretização de um risco13. Na esteira do direito alemão, que nesta sede muito tem influenciado o direito português, tem-se entendido que se o paciente não foi devidamente informado, o consentimento é ineficaz, pelo que os danos resultantes da intervenção médico-cirúrgica devem ser, em princípio, indemnizados14.
Convocando a distinção realizada por André Dias Pereira, cuja construção dogmática a este respeito seguimos de perto e que foi também salientada pelo acórdão do STJ de 22-03-201815: “Se a intervenção médica for arbitrária, porque não se obteve consentimento ou se obteve um consentimento viciado (por falta de informação adequada), devemos distinguir duas situações: na primeira, verifica-se uma intervenção médica sem consentimento (ou com consentimento viciado), mas sem quaisquer danos (corporais), ou seja, sem qualquer agravamento do estado de saúde do paciente; na segunda, a intervenção é arbitrária e não obteve êxito, ou verificaram-se riscos próprios da operação, ou provocou consequências laterais desvantajosas”16
Na última situação, os bens jurídicos protegidos são a liberdade e a integridade física e moral, pelo que “serão, assim ressarcíveis não só os danos não patrimoniais causados pela violação do seu direito à autodeterminação e à liberdade, mas também por violação da sua integridade física (e, eventualmente, da vida) (arts. 70º e 483º CC), bem como os danos patrimoniais derivados do agravamento do estado de saúde.”17
E, no sentido do mencionado nexo de causalidade, refere-se, de forma expressiva e concludente, no mencionado acórdão do STJ de 14-03-2024 que:
“Seguindo o entendimento sufragado no já citado Ac. do STJ de 08-09-202018, igualmente se defende a inversão do ónus da prova do nexo de causalidade do dever de informação. Temos, com efeito, como acertado este raciocínio do citado aresto: O facto de os deveres de informação do médico – e/ou da instituição de saúde - terem em vista esclarecer o paciente, de modo a permitirlhe adotar uma decisão adequada aos seus interesses, afigura-se relevante para a aceitação de uma inversão do ónus da prova em matéria de causalidade. Perante a violação desses deveres e a ocorrência de danos que estes deveres têm em vista prevenir, deve admitir-se uma inversão do ónus da prova de um comportamento conforme à informação – causalidade preenchedora. Tendo a consagração dos deveres de informação como escopo permitir a regular formação da vontade do paciente, uma vez demonstrada a omissão ou a deficiência da informação prestada perante os danos sofridos, deverá presumir-se que a omissão ou a deficiência da informação foi causa da decisão do paciente; que da lesão do bem jurídico protegido – o exercício do poder de autodeterminação sobre o próprio corpo e sobre os serviços de saúde, a correta formação da vontade – resultaram os danos patrimoniais e não patrimoniais concretamente sofridos pelo paciente.(…)
Presume-se, portanto, que a vontade individual do paciente foi determinada pela irregularidade da informação, ou seja, o nexo causal entre a falta ou deficiência da informação e a decisão do paciente, e que essa vontade teria sido diferente caso a informação houvesse sido corretamente prestada.
Do explanado se conclui que, in casu, teve lugar a violação ilícita e culposa – sendo esta também presumida, nos termos do art. 799.º do CC – dos deveres de informação, bem como o nexo causal entre o dever de informação para o consentimento, presumindo-se que caso a autora tivesse sido devidamente esclarecida das complicações previstas no facto provado 53 a), não teria consentido a sua realização, cfr. art. 563.º do CC.
Tal qual decidido no citado Ac. do STJ de 08-09-2020, uma vez que a intervenção cirúrgica levada a cabo pelo 2.º réu não foi validamente consentida, uma vez que a autora não foi devida e adequadamente informada e esclarecida acerca dos riscos gerais daquela intervenção (facto provado 53 a)), constitui esta uma ofensa ao seu direito à integridade física por falta de justificação, conforme resulta dos arts. 81.º e 340.º do CC e do art. 157.º do CP.
Impunha-se, assim – quer ao 2.º réu, quer à 1.ª ré – , o dever de esclarecer e de obter o consentimento da autora com vista a garantir a salvaguarda dos bens jurídicos da autodeterminação e liberdade pessoal bem como da integridade física e psíquica do
paciente.
É verdade que, em termos naturalísticos, não é a falta de informação nos termos provados no facto 53 a) que provocou a ruptura do canal excretor da autora, durante a primeira intervenção cirúrgica a que foi sujeita, e os demais danos que constam do elenco dos factos provados.
Como também é certo não constar como facto provado que a autora só aceitou submeter-se à intervenção porque não foi devidamente informada quanto aos respectivos riscos, porque, se tivesse sido, não a teria aceitado.
Porém, tal não impede que a autora venha a ser ressarcida pelo concreto dano consistente na perda da oportunidade de decidir correr o risco da lesão do nervo e das suas consequências; perda de oportunidade que, em si mesma, é um dano causado pela falta de informação devida, em abstracto susceptível de ser indemnizado, e cuja protecção tem como sustentação material o direito à integridade física e ao livre desenvolvimento da personalidade (artigos 25º, nº 1 e 26º, nº 1 da Constituição e artigo 70º, nº 1 do Código Civil). No seu conteúdo inclui-se, nomeadamente, o poder do titular de decidir em que agressões à sua integridade física consente, assim afastando a ilicitude das intervenções consentidas (cfr. nº 2 do artigo 70º e artigo 81º do Código Civil)19.
Mostra-se, assim, preenchido o nexo de causalidade adequada, previsto no art. 563.º do CC, e também o nexo causal naturalístico, porquanto a violação deste dever de informação determina que as rés sejam responsabilizadas pelos danos decorrentes da intervenção, devendo compensar a autora quer dos danos patrimoniais quer dos não patrimoniais que advieram daquela intervenção arbitrária e não consentida20, porque não esclarecida.”
Quanto à invocada violação do princípio da igualdade por alegado tratamento igual de situações desiguais, não assiste razão às Recorrentes.
O art. 13º da CRP consagra, na verdade, o princípio da igualdade, o qual postula, por um lado, que situações iguais mereçam igual tratamento e, situações diferentes, tratamento diferente.
A responsabilidade médica decorrente de negligência médica (por ato ou omissão violadores da leges artis ou incumprimento dos deveres inerentes ao exercício da mesma) e a decorrente da violação dos deveres de informação e de obtenção do consentimento informado consubstanciam situações que são efetivamente diferentes, assentando em diferentes pressupostos, designadamente quanto à causa da responsabilidade e ao grau de culpabilidade, o que, todavia e no caso da segunda das situações mencionadas, não afasta a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes da violação de tal dever, mormente das consequências resultantes da intervenção médica que haja tido lugar sem a prévia informação e obtenção do devido consentimento. Não se trata pois de tratar de modo idêntico casos em que o dano é causado por ato médico negligente e casos em que o dano não decorre de ato negligente do médico, mas de conferir adequado sancionamento civil à violação do direito ao consentimento livre e esclarecido do paciente, reconhecido por muitas ordens jurídicas e também pelo direito português. Direito esse que, desde logo, encontra respaldo supralegal, na medida em que o art. 25.º da CRP reconhece o direito à integridade pessoal, o art. 26.º/1 da Lei Fundamental garante o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e o n.º 3 de tal disposição “a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica”21.
De resto, como fez notar o acórdão recorrido, “o tratamento distinto que tais casos, indiscutivelmente, merecem relativamente às situações em que os danos decorrem da má prática médica ou da violação da leges artis, centrar-se-á na necessária ponderação sobre as diferentes intensidades do ilícito e da culpa, para efeitos do cômputo das indemnizações”, não obstando tal tratamento diferenciado – acrescentamos nós – à afirmação, a montante, de um nexo de causalidade normativa entre a conduta ilícita médica e certa categoria de danos. De todo o modo, e como tudo dependerá dos contornos idiossincráticos dos diversos casos trazidos a juízo, nada impede, no plano dos princípios, que “o montante das indemnizações resultantes de um processo de responsabilidade por violação do consentimento informado [seja] tão elevado como os casos de negligência médica.”22
Por fim, não procede também o argumento de que “[o] aresto recorrido, em face de uma situação de ausência de negligência médica, ao ter relevado a omissão de consentimento informado como fundamento da ressarcibilidade de danos em sede de integridade física e moral, configurou a situação jurídica subjacente como equivalente à de responsabilidade pelo risco, quando esta não tem fundamento no domínio da responsabilidade médica, apenas valendo para os casos tipificados nos artigos 499º a 510º do Código Civil, por se tratar, como foi acolhido no acórdão recorrido de responsabilidade extracontratual” [cfr. conclusão 2º]. E não procede precisamente porque o caso não configura, efetivamente, uma situação de responsabilidade pelo risco, nem como tal foi tratada pelo acórdão recorrido, antes configurando uma situação de responsabilidade por facto ilícito (art. 483º do Cód. Civil) e como tal foi tratada pelo acórdão recorrido.
1.3. No caso dos autos, é patente que o autor foi sujeito a intervenções médicas arbitrárias realizadas na sequência do diagnóstico de uma hérnia discal – tendo ficado provado que o mesmo não assinou a declaração denominada “consentimento informado para cirurgia” em qualquer das intervenções que realizou no Hospital da Cruz Vermelha, não tendo sido informado pelo médico FF sobre os riscos inerentes à realização das cirurgias realizadas (pontos 33 e 34 da matéria de facto provada) – das quais resultaram consequências desvantajosas e um agravamento sensível do estado de saúde do recorrido.
A violação dos deveres de informação e de obtenção de consentimento informado ocorrida integra-se, não no âmbito da responsabilidade civil objetiva (como sugerido pelas recorrentes), mas no âmbito da responsabilidade civil subjetiva, constituindo uma lesão efetiva à liberdade (autonomia, autodeterminação nos cuidados de saúde) e à integridade física e moral do paciente, bens jurídicos tutelados pelo art. 70.º /1 e 483.º, primeira parte, do CC, que incluem, no seu âmbito material de proteção, prejuízos patrimoniais e não patrimoniais23, cuja concreta definição não poderá prescindir de uma análise de pendor casuístico, que exige rigor metodológico24.
Na situação em análise, o autor não foi informado acerca do risco de, na sequência a uma cirurgia a uma hérnia discal, poder ficar sem capacidade para se locomover sem apoio de muletas, sem capacidade para reter a urina, sem capacidade para reter a dejeção e sem capacidade para manter relações sexuais.
Estes riscos, graves, ilicitamente não revelados, vieram a concretizar-se em danos patrimoniais e não patrimoniais, que emergem da factualidade assente, relativamente aos quais é possível estabelecer, não apenas um nexo de ilicitude em relação ao comportamento do agente25, mas também um nexo de causalidade adequada, à luz do art. 563.º do CC. Tanto mais que, como não é disputado pelas recorrentes, não se poderão afirmar os pressupostos do “consentimento hipotético” – por não se ter provado que o autor teria, com alto grau de probabilidade, optado por realizar a cirurgia em causa, aceitando os riscos inerentes, mesmo que tivesse sido informado desses riscos – e, por outra banda, que os riscos que se materializaram nos danos sofridos pelo autor fossem de caráter imprevisível, de molde a serem integrados na esfera de risco do paciente26.
O entendimento explanado mostra-se fundado pela específica teleologia das normas que impõem os deveres que foram diretamente violados no caso e pela consideração dos bens jurídicos pelos mesmos tutelados, não se prefigurando, ao contrário do afirmado pelas primeiras rés e como já acima se disse, como violador do princípio da igualdade previsto no art. 13.º da CRP.
Improcedem, pois, as conclusões 1ª a 6ª do recurso apresentado pelas primeiras rés.
2. Do montante das indemnização atribuídas pelo Tribunal da Relação aos AA
Afirmados os pressupostos da responsabilidade civil, resta analisar a matéria atinente à quantificação das indemnizações atribuídas pela Relação aos AA pelos danos sofridos, questão objeto dos recursos interpostos pela Recorrente Seguradora, AGEAS – Companhia de Seguros, S.A, e pelas Recorrentes, primeiras RR [que aderiram à fundamentação aduzida por aquela], estando em causa os montantes das compensações devidas ao A. pelo dano biológico e a título de danos não patrimoniais e a compensação devida à A., enquanto cônjuge do A., a título de danos não patrimoniais.
Nas instâncias foram arbitradas as seguintes indemnizações e compensações:
- Ao Autor, pelo dano biológico, a quantia de €60.000,00, pela 1ª instância, alterada para €85.000,00 pelo acórdão recorrido;
- Ao Autor, pelos danos não patrimoniais, a quantia de €40.000,00, pela 1ª instância, alterada para €50.000,00, pelo acórdão recorrido;
- à Autora, enquanto cônjuge do A., pelos danos não patrimoniais, €2.500,00, pela 1ª instância, alterada para €30.000,00 pelo acórdão recorrido.
No recurso, defende a Recorrente Seguradora que a indemnização e compensações deverão ser fixadas: ao A., pelo dano biológico, em montante não superior a €70.000,00 e, pelos danos não patrimoniais, em montante não superior a €30.000,00; à Autora, pelos danos não patrimoniais, em montante não superior a €20.000,00. As demais Recorrentes [1ªs RR] pugnam pela redução dos montantes arbitrados nos termos defendidos pela Recorrente Seguradora.
2.1. Do montante de indemnização devida ao autor a título de dano biológico
Ambos os recorrentes contestam a indemnização atribuída ao autor pelo Tribunal da Relação, a título de dano biológico, pugnando pela sua redução para o montante de €70.000,00.
O conceito de dano biológico tem sido utilizado na lei, na doutrina e na jurisprudência nacionais de modo polissémico, “com sentidos nem sempre coincidentes” (acórdão do STJ de 28-01-201627).
Como salienta Maria da Graça Trigo, “na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, actualmente o significado com que mais frequentemente tal expressão é usada é aquele correspondente à de consequências patrimoniais da incapacidade geral ou genérica do lesado, aferida em função das Tabelas de Incapacidade Geral Permanente em Direito Civil. Mas este significado coexiste com outros, designadamente com o de dano biológico como consequência não patrimonial de uma lesão psicofísica. É, por isso, conveniente que, ao fazer-se uso da dita expressão (seja num texto de índole doutrinal seja numa decisão judicial), se comece por definir a acepção em que a mesma é utilizada. Mais importante do que a terminologia utilizada é, contudo, a realidade subjacente. Com ou sem a denominação de dano biológico, o que importa, em nome do princípio da reparação integral dos danos, é assegurar que, diversamente do que sucedia no passado, se indemnizam as vítimas não apenas pela perda de capacidade laboral específica para a profissão exercida à data do evento lesivo, mas também pela perda de capacidade laboral geral que as afectará ao longo do resto da vida.”28
Objeto de profuso tratamento por parte da jurisprudência do STJ, o dano biológico é por esta, em traços gerais, perspetivado como um dano à integridade psicofísica do lesado, que afeta de forma relevante a funcionalidade do corpo nas suas vertentes física e mental, podendo assumir-se tanto como um dano patrimonial, se tiver reflexos na situação patrimonial do lesado (seja no presente, seja no futuro), quer como dano não patrimonial, na medida em que as consequências do deficit funcional sofrido não tenham tradução económica para o lesado, implicando, por exemplo, uma maior penosidade na realização de algumas tarefas, mas sem inerente perda de rendimentos (cfr., a este respeito, entre outros, os acórdãos de 04-07-202329, de 11-01-202430, de 07-05-202431, 17-01-202332, 07-03-202333, de 14-03-202334, de 21-04-202235).
Quanto ao modo de cálculo do dano biológico, a jurisprudência do STJ tem convergido em torno da proposição de que o mesmo deverá assentar num critério de equidade (cfr. art. 566.º/3 do CC), norteado por um método comparativo que apresenta como referencial outras decisões judiciais sobre casos análogos (art. 8.º/3 do CC), sem prejuízo do auxílio de fórmulas matemáticas (cfr., neste âmbito, os acórdãos do STJ de - de 31-01-202436, de 17-01-202337, de 31-01-202338, de 14-03-202339, de 14-03-202340, de 14-03-202341, de 30-03-202342, de 30-03-202343, de 09-05-202344, de 06-06-202345, de 16-01-202446, de 14-09-202347).
Ora, tem-se entendido que os poderes de sindicância do STJ relativamente à fixação equitativa da indemnização se devem concentrar em quatro planos, evidenciados pelo acórdão do STJ de 20-11-201948: “Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal de Justiça deve averiguar se estavam preenchidos os pressupostos do recurso à equidade [2]. Em segundo lugar, se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados — se, p. ex., no caso da indemnização por danos não patrimoniais, foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado. Em quarto lugar, o Supremo deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados. Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável.”
Como dá conta o acórdão do STJ de 14-02-202349, cuja fundamentação se segue de perto, foi salientado pelo acórdão do STJ de 05-11-200950 que o “juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação , prudencial e casuística das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.” Numa outra formulação, em sentido idêntico, considerou o acórdão do STJ de 28-10-201051 que “quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar em função da ponderação das circunstâncias concretas do caso, - já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», - mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação da individualidade do caso concreto «sub juditio».”
Esta é uma visão que se mantém atual, como decorre do afirmado pelo acórdão deste Supremo de 30-05-201952, segundo o qual “II - Conforme tem sido afirmado pelo STJ, “tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade.” Na mesma linha de entendimento se posicionaram, entre outros, os acórdãos do STJ de 08-06-201753, de 19-10-202154, de 10-02-202255.
A título preliminar, sob uma perspetiva metodológica, há que proceder à delimitação do conceito de dano biológico em causa no presente caso: na situação em apreço, este dano foi valorado sobretudo na sua vertente não patrimonial, relacionada com as consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado, e não na sua vertente patrimonial, sob a ótica da perda de capacidade laboral geral [por ter sido, nas instâncias, considerado não ter ficado provada a perda da capacidade de ganho ou de rendimentos].
Por outro lado, importa, à luz do recortado perímetro de sindicância atribuível ao STJ no domínio da aplicação do critério da equidade, aquilatar se, quanto à fixação da indemnização devida pelo dano biológico, o Tribunal recorrido infringiu, ou não, os critérios legais aplicáveis.
O Tribunal “a quo” fundamentou o seu juízo decisório do seguinte modo:
“No caso sub judice é forçoso ter em conta: - a intensidade do ilícito em causa, consistente na violação do dever de recolha de consentimento, sem que se tenha provado qualquer erro ou má prática médica na execução das cirurgias e tendo-se apurado que as lesões físicas sofridas pelo A. fazem parte da lista dos riscos inerentes a uma cirurgia à hérnia discal;
- a intensa gravidade das sequelas sofridas e do dano estético associado, sendo certo que não se provou que o estado físico do A. possa melhorar com recurso a fisioterapia (n.º 30 dos factos não provados);
- a idade do A. à data dos factos (64 anos);
- a culpa da 2.ª R. (que foi presumida);
- a culpa do médico FF, não podendo deixar de considerar-se muito censurável o facto de o mesmo não ter informado o A. dos riscos conhecidos inerentes às cirurgias, atendendo, precisamente, ao tipo de riscos em causa e às suas possíveis consequências (juízo de censura esse que, contrariamente ao considerado na sentença recorrida e ressalvado o devido respeito, não é minimizado pela circunstância de o referido médico ter feito “o que se pode qualificar como todo o que estava ao seu alcance para recuperar ou diminuir as consequências físicas sofridas pelo autor”, o que, aliás, não encontra respaldo na factualidade provada). Note-se, tal como já salientamos anteriormente, que não se provou que o A. tivesse, com alto grau de probabilidade, optado por realizar a cirurgia em causa, aceitando os riscos inerentes, mesmo que fosse informado desses riscos, não se mostrando amparada pela necessária realidade fáctica a conclusão extraída a este respeito na sentença recorrida, a propósito do cômputo da indemnização por dano biológico.
Tal como se salientou no acórdão do STJ de 28.02.2013, in www.dgsi.pt, na determinação da indemnização a atribuir ao A., impõe-se diferenciar «para efeitos de cômputo da indemnização, entre o plano objetivo da perda e degradação extrema do padrão de vida do sinistrado, enquanto lesão objetiva de um bem jurídico essencial da personalidade, ligado à própria dignidade da pessoa humana, que ocorre independentemente da perceção cognitiva pelo lesado do estado em que se encontra, envolvendo a drástica carência de autonomia e de eliminação das possibilidades de realização pessoal; e o plano subjetivo, decorrente de – a tal estado objetivo – se ter de adicionar o sofrimento psicológico necessariamente inerente à consciência, ainda que difusa ou mitigada, da total falta de autonomia pessoal e de qualidade de vida e da frustração irremediável de todos os projetos e satisfações alcançáveis no decurso da vida pessoal do lesado».
Percorremos algumas decisões jurisprudenciais com alguma aproximação ao caso dos autos no que concerne à gravidade das lesões sofridas (todavia, nem sempre decorrentes de acto médico), das quais salientamos o acórdão da RL de 16.12.2015, citado pelo A., que considerou uma situação em que o lesado, nascido em 1949 e operado em 2009, ficou paraplégico e perdeu a sua autonomia pessoal, passando a estar confinado à cama e a uma cadeira de rodas, sendo todas as tarefas do seu quotidiano, incluindo a sua higiene pessoal, realizadas com auxílio de terceiros, e atribuiu-lhe as indemnizações de € 100.000,00, pelo dano biológico, de € 10.000,00, pelo dano estético e de € 50.000,00, pelos demais danos não patrimoniais sofridos.
Atentámos, também, no acórdão do STJ de 15.05.2013, citado pela 2.ª R., sobretudo quando nele se refere que «numa síntese da jurisprudência do Supremo Tribunal encontramos decisões que fixam a indemnização por danos morais em montantes superiores a 100.000€ em gravíssimos casos de paraplegia, mas não em todos; situações muito graves pelos danos causados e pelos sofrimentos padecidos têm sido indemnizadas em montantes inferiores a tal quantia (…)». Este acórdão cita vasta jurisprudência sobre a matéria e acaba por fixar à lesada a quantia de € 100.000,00 por danos morais, por, em consequência de uma intervenção cirúrgica da qual resultou uma lesão, encontrar-se incapacitada para exercer as suas funções profissionais, devido à permanência de alterações na sua função hepática, tendo sido considerada incapacitada para trabalhar. Já o acórdão do STJ de 09.07.2014, também citado pela R., teve por adequada uma indemnização de € 200.00,00, por danos não patrimoniais, no caso de um lesada menor que, em consequência de um acidente, ficou sem sensibilidade abaixo da zona da lesão vertebral com uma paraplegia flácida sensitivo-motriz e esfincteriana e está impossibilitada de ter qualquer prazer no acto sexual. Em face do exposto, e sendo nossa convicção que as indemnizações, nos caso de lesões irreversíveis, que implicam um sofrimento continuado até ao fim da vida, não podem assumir características miserabilistas, antes devendo proporcionar um sucedâneo significativo de danos que, por sua natureza, são irreparáveis, afigura-se-nos justa e criteriosa a indemnização de € 85.000,00, pelo dano biológico sofrido pelo A., ao invés dos € 60.000,00 atribuídos na sentença recorrida.”
É insofismável – e não se apresenta disputado pelos recorrentes – que o autor experienciou uma diminuição da efetiva utilidade do corpo ao nível de atividades laborais, recreativas, sociais e sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das tarefas que, de futuro, terá de levar cargo, inerentes à utilização do corpo – sendo este um dano que merece a tutela do direito.
Para o seu cálculo, e na impossibilidade de determinar o seu valor exato, o Tribunal da Relação mobilizou adequadamente o critério da equidade, nos termos do n.º 3 do art. 566.º do CC. Para além disso, tomou em linha de conta os critérios previstos no art. 494.º do CC, aplicável por remissão 4 do art. 496.º do CC, o que se mostra legalmente fundado, uma vez que “in casu”, foi a vertente não patrimonial do dano biológico a sobrevalorizada, não obstante ter ficado demonstrado que o autor ficou totalmente impossibilitado de trabalhar na organização e gestão diária da empresa familiar ou em qualquer trabalho equivalente e que, após entregar a gestão diária da empresa familiar ao filho, passou a ser apenas funcionário da mesma.
No caso, para a fixação da indemnização sob escrutínio, importa, pois, reter o seguinte quadro fáctico: o autor, com 64 anos de idade à data dos factos, ficou a padecer, em consequência das cirurgias efetuadas, de lesão neurológica irreversível, com desenervação ativa nos territórios de L4-L5 e L5–S1, que determinaram alterações da mobilidade e sensibilidade dos membros inferiores, região do períneo e região nadegueira (zona perineal, peniana e anal).
Ficou provado que, devido a essa condição, apenas consegue locomover-se com auxílio de canadianas, em deslocações pequenas, carecendo de cadeira de rodas e apoio na generalidade das deslocações, tendo ficado totalmente impossibilitado de trabalhar na organização e gestão diária da sua empresa familiar ou em qualquer trabalho equivalente.
Assente ficou, por outra banda, que o autor deixou de poder fazer a sua higiene pessoal, necessitando de ajuda para as tarefas em causa; que perdeu toda a capacidade sexual; que não controla a sua função urinária ou excretora, carecendo do uso de fralda e de tomar medicamentos, tendo a sua integridade estética sido afetada num valor quantificável em 4, numa escala de 1 a 7.
Se efetuarmos uma análise da casuística mais recentemente analisada pelo STJ a respeito da fixação da indemnização devida pelo dano biológico, por referência a situações que apresentem fatores relevantes para efeitos de comparabilidade, em termos de relativa proporcionalidade, com o presente caso (idade do lesado à data do sinistro; grau de incapacidade de que ficou a padecer; extensão e natureza dos danos; repercussão dos mesmos na realização de tarefas do quotidiano; valorização especial da vertente não patrimonial do dano), verificamos que:
- no acórdão de 03-12-201556 considerou-se equitativa a atribuição de uma indemnização de €15.000,00, a título de dano biológico, num caso em que a lesada, de 73 anos de idade, se ocupava das lides domésticas do seu agregado familiar, ficando afetada nesta atividade com uma incapacidade de 10% resultante das sequelas sofridas;
- no acórdão de 13-10-201657 considerou-se equitativa a indemnização de €15.000,00, devida a título de dano biológico, num caso em que a lesada tinha, à data do acidente, 78 anos de idade e, como consequência do acidente, sofreu fratura dos ossos da perna direita; esteve internada e foi submetida a uma intervenção cirúrgica; (sofreu fratura fechada da diáfise da tíbia e do perónio à direita e várias escoriações pelo corpo; foi submetida a encavilhamento ETN (Vareta Expert Nail), com fixação próxima da vareta tibial e distal com dois parafusos em cada; esteve acamada e em repouso na sua residência durante, pelo menos, um mês, tendo carecido da ajuda de terceiro para os cuidados de higiene; foi submetida a múltiplos e dolorosos tratamentos de fisioterapia, durante cerca de quatro meses, para fortalecimento muscular, aplicação de calor húmido, mobilização articular passiva, massagem de membro, treino de equilíbrio e marcha, tendo tido consultas de fisiatria, ortopedia e realizado exames complementares de diagnóstico; andou com gesso na perna durante, pelo menos, um mês e deslocou-se com o auxílio de canadianas; ficou com diversas cicatrizes, tendo sofrido dano estético permanente, fixado em grau 1 numa escala de 7 graus, de gravidade crescente; e em resultado do acidente, do susto e das lesões sofridas, teve dores e acentuado abalo psíquico, ficando impossibilitada de fazer, diariamente, marcha (o que habitualmente fazia);
- no acórdão de 29-10-202058 foi fixada a indemnização relativa ao dano biológico no montante € 32 000,00 (trinta e dois mil euros), numa situação em que a lesada tinha 62 anos de idade à data do acidente, com perspetiva de passagem à reforma, e ficou a padecer de um défice funcional permanente quantificado em 9,71 pontos;
- no acórdão de 07-03-202359 foi mantida a indemnização relativa ao dano biológico no montante € 24.171,00, numa situação em que o lesado tinha 71 anos de idade à data do acidente, era reformado e ficou a padecer de um défice funcional permanente quantificado em 37 pontos, abandonou a prática de karaté, adquiriu claudicação e dificuldade de utilização do pedal de embraiagem com consequente dificuldade na atividade de condução;
- no acórdão de 14-05-202460 foi mantida a indemnização por dano biológico no montante de € 43.120,00, numa situação em que o lesado tinha 72 anos à data do acidente, já estava reformado, deixou de poder utilizar a mão direita para as mais elementares tarefas do dia a dia (escrever, comer, apertar os botões da camisa, apertar e desapertar as calças, lavar dos dentes, pentear-se, manusear o telemóvel ou o comando da televisão), necessitando da ajuda de terceiros para a realização das tarefas diárias básicas, o que acontecerá durante o resto da sua vida; de poder pescar ou caçar, conduzir o seu barco e frequentar atividades associativas e partidárias que antes desenvolvia com habitualidade e prazer.
Para fixação da indemnização sob escrutínio, o Tribunal recorrido não se furtou à realização de um pensamento analógico necessário a dar integral cumprimento ao princípio da igualdade, convocando casos que tiveram por objeto situações de lesões irreversíveis que implicaram um sofrimento continuado até ao final da vida.
É certo que, nos dois arestos do STJ referidos a este propósito – de 15-05-201361 e de 09-07-201462 –, as indemnizações consideradas equitativas, de €100.000,00 e de €200.000,00, respetivamente, destinaram-se a compensar, não o dano biológico, de cuja quantificação ora se cuida, mas os danos não patrimoniais, em sentido estrito, sofridos pelos lesados.
Não obstante, não se nos afigura que a indemnização atribuída a título de dano biológico exceda, “de modo substancial e injustificado”, o padrão indemnizatório jurisprudencialmente seguido pelo STJ em casos análogos, em que o dano biológico se encontra dissociado da sua vertente patrimonial.
Pese embora não se haja provado a violação das leges artis nas intervenções levadas a cabo, é manifesta a gravidade das lesões sofridas pelo A. em consequência das três intervenções cirúrgicas a que foi submetido (a 12.12.2014, 13.12.2014 e 17.12.2014), decorrendo da factualidade provada, como já acima referido mas relembrando, que, por virtude das mesmas: ficou a padecer de lesão neurológica irreversível, com desenervação ativa nos territórios de L4-L5 e L5–S1, que determinaram alterações da mobilidade e sensibilidade dos membros inferiores, região do períneo e região nadegueira (zona perineal, peniana e anal); devido a essa condição, apenas consegue locomover-se com auxílio de canadianas, em deslocações pequenas, carecendo de cadeira de rodas e apoio na generalidade das deslocações; ficou totalmente impossibilitado de trabalhar na organização e gestão diária da sua empresa familiar ou em qualquer trabalho equivalente; não faz a sua higiene pessoal, necessitando de ajuda para as tarefas em causa; perdeu toda a capacidade sexual; não controla a sua função urinária ou excretora, carecendo do uso de fralda e de tomar medicamentos; e cuja integridade estética foi afetada num valor quantificável em 4, numa escala de 1 a 7.
Tendo em conta a gravidade de tais lesões, associadas à degradação substancial do seu padrão de vida, a idade do autor à data dos factos (64 anos), por referência à esperança média de vida (78 anos), o nível elevado de culpa do médico FF na violação do dever de informação (que, em nenhum dos três procedimentos cirúrgicos, realizados a 12.12.2014, 13.12.2014 e 17.12.2014, prestou ao A. qualquer informação sobre os riscos de, em cirurgia a uma hérnia discal, poder ficar sem capacidade para se locomover sem apoio de muletas, sem capacidade para reter a urina, sem capacidade para reter a dejeção e sem capacidade para manter relações sexuais associados), e a culpa presumida da 2.ª ré, leva-nos a concluir pela inexistência de fundamento suficientemente justificativo da diminuição do montante indemnizatório fixado pelo Tribunal da Relação, que se nos afigura adequado, contendo-se dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade na fixação do quantum indemnizatório sob escrutínio.
Por assim ser, à luz dos padrões jurisprudenciais aplicáveis aos casos suscetíveis de correlação com a situação vertente, a indemnização a título de dano biológico, no montante de €85.000,00, deve ser mantida.
2.2. Do montante de compensação devida ao autor a título de danos não patrimoniais
Argumentam os recorrentes que a compensação arbitrada a título de danos não patrimoniais - que a Relação elevou de €40.000,00 para €50.000,00 - se revela igualmente excessiva, pugnando pela sua diminuição para o valor de €30.000,00.
Como é consabido, no âmbito da fixação de danos não patrimoniais são ressarcíveis aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496.º/1 do Código Civil). Em relação a estes, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com a equidade (art. 496.º/4 do Código Civil), funcionado esta como único recurso.
Segundo o citado n.º 4 do artigo 496.º do Código Civil, o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso as circunstâncias elencadas no artigo 494.º, a saber: (i) grau de culpabilidade do agente; (ii) situação económica do agente e do lesado; (iii) e demais circunstâncias do caso, entre as quais não se poderá deixar de contar a natureza, gravidade e dimensão da lesão ou a importância do bem jurídico violado.
Adotou o Tribunal recorrido a seguinte argumentação a este propósito:
“No caso sub judice, inexistem dúvidas de que estão provados danos não patrimoniais com gravidade suficiente para serem indemnizáveis (cfr. art. 496.º, n.º 2 do CC), tendo a sentença recorrida arbitrado, a este respeito, uma indemnização de € 40.000,00.
Relembramos que, no espaço de cinco dias, o A. foi submetido a três intervenções cirúrgicas. No pós-operatório, experimentou dores, perda de sensibilidade dos membros inferiores, coxas, nádegas e região perineal, incomodidades e depressão. Esteve internado desde 12.12.2014 até 23.01.2015, sendo alguns dias no serviço de cuidados intensivos, e nesse período necessitou sempre de ajuda para se sentar, levantar, posicionar-se no leito e fazer a transição para a cadeira de rodas. Fez fisioterapia durante o internamento e, aquando da alta, necessitava de ajuda para as actividades de vida diárias, sendo, apenas, autónomo para a alimentação, usava algália, tinha incontinência de esfíncter anal, incapacidade de executar posição ortostática, ausência de capacidade de flexão e extensão dos dedos de ambos os pés e ambos os tornozelos e hipostesia na região perineal, nadegueira e ambos os pés. Após a alta, fez reabilitação física, sem capacidade para se locomover sem apoio de muletas, para reter a urina, para controlar a dejeção e para manter relações sexuais. Ao longo de todo o internamento, e até aos dias de hoje, o A. padece de dores, que foram intensas e prolongadas no período de internamento, sendo quantificáveis em grau 6 numa escala de 1 a 7, e que, após tal período, são permanentes e pontualmente de grande intensidade, não quantificável. Em consequência da sua condição física, o A. sente grande desgosto e frustração, tendo sofrido uma depressão, que ultrapassou, mas tornou-se uma pessoa mais taciturna e triste e socialmente isolada.
É, pois, evidente a intensidade dos danos não patrimoniais sofridos, sendo patentes as dores, as angústias, preocupações, receios, desconforto e mal-estar a que foi sujeito, com repercussões, claramente, relevantes na organização da sua vida pessoal e familiar, merecedores, portanto, de tutela jurídica e, por isso, indemnizáveis.
Não podemos, ainda, esquecer-nos que, à data dos factos, o A. tinha 64 anos de idade e que a esperança de vida à nascença para os homens foi estimada pelo INE em 78 anos.”
Após fazer uma resenha de alguns casos tratados pela jurisprudência a este respeito, o Tribunal “a quo” concluiu: “Ora, devendo o montante da reparação ser proporcionado à gravidade do dano, atendendo-se, na sua fixação, a todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida (cfr., por exemplo, o acórdão do STJ de 13.04.2021, in www.dgsi.pt), afigura-se, equitativamente, mais justa e criteriosa a quantia de € 50.000,00, a título de indemnização global pelos danos não patrimoniais supra referidos, ao invés dos € 40.000,00 arbitrados na sentença recorrida.”
Assumindo os danos sofridos pelo autor uma indiscutível gravidade que justifica a sua tutela pelo direito, não se presta a discussão que o Tribunal recorrido mobilizou os critérios legais aplicáveis para sua quantificação, tendo procedido a um exame jurisprudencial comparativo, que se mostra imprescindível a ancorar o juízo prudencial e casuístico de equidade.
Se efetuarmos uma recensão da casuística disponível – mais uma vez, segundo uma lógica de proporcionalidade relativa, assente nos critérios de comparabilidade já mencionados -, constatamos que, no conspecto da jurisprudência recente do STJ:
- no acórdão de 07-07-200963 foi considerada ajustada a atribuição de uma indemnização de €90.000,00, destinada à reparação dos danos não patrimoniais, num caso em que o lesado, reformado à data do acidente, sofreu lesões irreversíveis (tetraplegia incompleta sensitiva e motora), está dependente da ajuda de terceira pessoa até para as mais simples e íntimas tarefas e atividades da sua vida diária, como sejam o vestir, calçar, tomar banho, o deitar e levantar, o ir à casa de banho, cada vez mais se apercebe da sua própria incapacidade motora e vê a sua reforma para sempre confinada a uma cadeira de rodas;
- no acórdão de 16-02-201264 foi considerado adequado o montante de €200.000,00 relativo à compensação pelos danos não patrimoniais num caso em que o lesado, com 51 anos à data dos factos, ficou definitivamente dependente de terceira pessoa para o que constitui o mais elementar da vida, como movimentar-se – com necessidade de cadeira de rodas – comer, vestir-se, calçar-se, tratar da sua higiene e efetuar as necessidades fisiológicas e tendo ainda ficado com dificuldade em articular palavras e incontinente;
- no acórdão de 19-09-201965 foi considerada equitativa uma indemnização de €50.000,00 destinada a compensar danos não patrimoniais num caso em que o lesado contava com 45 anos à data do acidente, foi sujeito a exames médicos e vários ciclos de fisioterapia, bem como a uma intervenção cirúrgica; ficou afetado com um défice funcional permanente de 32 pontos; sofreu dores quantificáveis em 5 numa escala de 7 pontos; sofreu um dano estético quantificado em 3 numa escala de 7 pontos; a repercussão das sequelas sofridas nas atividades desportivas e de lazer foi quantificada em 3 numa escala de 7 pontos; sofreu um rebate em termos psicológicos, em virtude das lesões e sequelas permanentes, designadamente por não poder voltar a exercer a sua profissão habitual e/ou outra no âmbito da sua formação profissional;
- no acórdão de 14-07-202166, também referido no acórdão recorrido, foi considerada ajustada a fixação de uma indemnização a título de danos não patrimoniais no valor de €50.000,00, no caso de um lesado, com 54 anos à data da lesão, que sofreu 31 dias, com necessidade de permanecer 10 dias em coma induzido; foi sujeito a 4 cirurgias, essencialmente, com referência aos membros inferior e superior, com novo internamento de 28 dias, as 500 sessões de fisioterapia; apresenta sequelas no corpo, nomeadamente, múltiplas cicatrizes, dificuldades de mobilidade e dores que passou a sofrer de forma permanente, num período de 93 dias de incapacidade temporária total e de 717 de incapacidade parcial; apresentou um quantum doloris de 6/7 e um dano estético de 4/7, a que acresce a necessidade de ajudas técnicas (canadiana, meias de compressão elástica) e de tratamento médico regular, com necessidade de auxílio de terceira pessoa para funções básicas durante 90 dias, tendo experienciado um sentimento de revolta que a incapacidade lhe provocou, situação que lhe retirou a alegria de viver.
A esta luz, a quantia de €50.000,00 arbitrada pela Relação a título de danos não patrimoniais não se nos afigura desajustada, tendo em conta a lesão objetiva de bens essenciais da personalidade – afetados de modo irreversível -, valorada à luz dos padrões jurisprudenciais utilizados em casos relativamente análogos, numa análise comparativa atualista e dinâmica. Tal valor traduz um adequado equilíbrio entre a culpa do médico FF pela violação do dever de informação e a culpa presumida da 2.ª ré, a ausência de prova de violação das legis artis médicas, a extensão temporal e a natureza das consequências da conduta ilícita, assim como entre as situações económicas do lesado e lesantes, tudo em conformidade com o preceituado pelo art. 494.º do CC (para o qual remete o n.º 4 do art. 496.º do mesmo diploma).
Em suma, e à luz da prescrição contida no art. 8.º/3 do CC, não se descortina que o juízo equitativo adotado pelo Tribunal recorrido contrarie, em termos de colocar em causa a segurança na aplicação do direito, o princípio da igualdade ou o princípio da proporcionalidade dos critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados quanto à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais de natureza análoga aos que estão presentes na situação decidenda.
O recurso deverá, pois, improceder nesta parte.
2.3. Do montante de compensação devida à autora, enquanto cônjuge do autor, a título de danos não patrimoniais
Por fim, insurgem-se os recorrentes contra a indemnização atribuída pela Relação pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora – que o segundo grau de jurisdição elevou de €2.500,00 para €30.000,00 -, sustentando que a mesma deve ser fixada em €20.000,00.
Segundo o que preceitua o n.º 1 do art. 496.º do CC, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, dispondo o n.º 2 daquela normativo que, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes, e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
A jurisprudência dividiu-se quanto à questão de saber se este quadro legal suportava a ressarcibilididade dos danos não patrimoniais sofridos pelo cônjuge da vítima sobrevivente, tendo, na sequência de tal dissensão jurisprudencial, sido proferido o AUJ n.º 6/201467, que fixou jurisprudência no sentido de que “os artigos 483.º, n.º1 e 496.º, n.º1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave.”
Como dá nota, de forma circunstanciada, o acórdão do STJ de 15-12-202268, “esta evolução jurisprudencial foi bem acolhida pela doutrina, constatando-se, contudo, a existência de duas vias metodológicas para justificar a atribuição de um direito de indemnização aos familiares próximos do lesado sobrevivente pelos danos morais sofridos, em resultado da lesão deste. Por um lado, a interpretação extensiva do disposto no artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil, expandindo o seu alcance às situações de lesões graves provocadoras de danos morais graves aos familiares próximos da vítima; por outro lado, a perspetiva de que o facto lesivo pode ser pluriofensivo, violando não só o direito à integridade física da vítima, mas também e simultaneamente, os direitos de personalidade dos seus familiares próximos (…) O AUJ n.º 6/2014, proclamando a sua neutralidade face a estas duas teses, assumiu uma leitura atualista do disposto nos artigos 483.º, n.º 1, e 496.º, n.º 1, do Código Civil, de modo a que a dor e o sofrimento, particularmente graves, das pessoas com uma relação afetiva de grande proximidade com o lesado fosse indemnizável em situações em que este, apesar de sobrevivente, tivesse sofrido lesões, também elas particularmente graves. É esta a orientação que deve ser seguida, procurando verificar-se, no caso concreto, se estas exigências se encontram preenchidas, justificando-se ou não reconhecer a esses terceiros um direito de indemnização.”
Na densificação do conceito, de contornos fluidos, de “particular gravidade”, o aresto cuja fundamentação seguimos de perto apela à valoração “por um lado, [das] caraterísticas das lesões sofridas e das suas sequelas, e por outro lado, [do] grau de sofrimento das pessoas mais próximas do lesado assistirem ao padecimento de um ente querido, além da privação da qualidade do relacionamento com este e ainda o custo existencial do acréscimo das necessidades de acompanhamento.”
A particular gravidade dos danos sofridos pelos autores não é colocada em causa pelos recorrentes, que dirigem a sua discordância ao “quantum” da compensação arbitrada.
Recordemos que, com relevância para a análise que se efetua, ficou demostrado que os autores, antes das lesões sofridas pelo autor, tinham uma vida conjugal normal e que, após tais lesões, a vida da autora passou a ficar cingida quase exclusivamente a cuidar do autor, sentindo, desde então, tristeza e angústia por tal situação, tendo os autores deixado de ter qualquer vida sexual.
Efetuando uma análise comparativa com acórdãos do STJ que se debruçaram sobre danos reflexos sofridos por cônjuges, constatamos que:
- no acórdão de 16-01-201469, correspondente ao AUJ n.º 6/2014, considerou-se equitativa a indemnização de €15.000,00 atribuída à mulher cuidadora do sinistrado em acidente de viação que, devido às lesões sofridas, ficou a precisar de ajuda permanente de uma terceira pessoa que o ajudasse a vestir, a tomar banho, a barbear, a acompanhá-lo para ir tomar um café;
- no acórdão de 01-07-201470 foi atribuída uma indemnização de € 50,000.00 à mulher do sinistrado de acidente de trabalho que, em consequências das lesões sofridas, ficou totalmente dependente daquela;
- no acórdão de 02-06-201671 foi atribuída à mulher do sinistrado em acidente de viação, que em consequência das lesões sofridas ficou impotente, uma indemnização de 15.000,00 €;
- no acórdão de 08-03-201872 foi atribuída à mulher do sinistrado em acidente de trabalho, que em consequência das lesões sofridas ficou impossibilitada de manter relacionamento sexual com este, uma indemnização € 17.000,00;
- no acórdão de 11-04-201973 foi atribuída ao marido da sinistrada em acidente de viação que, em consequência das lesões sofridas, ficou impossibilitada de manter relacionamento sexual, uma indemnização de 15.000,00 €.
Cremos que, não obstante a exiguidade da matéria de facto provada a este respeito, o valor atribuído pela Relação reflete adequadamente as dimensões plúrimas dos danos sofridos pela demandante – não apenas ao nível da frustração do débito conjugal e do prejuízo causado ao pleno desenvolvimento da personalidade, no domínio da atividade sexual -, mas, igualmente, ao nível da substancial deterioração da sua qualidade de vida, traduzida na assunção de um papel de exclusiva cuidadora do marido.
O acórdão recorrido conteve-se, assim e também quanto a esta questão, dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade na fixação do quantum indemnizatório sob escrutínio, tendo a Relação, ao determinar o seu substancial acréscimo, ponderado adequadamente os factos normativamente relevantes e incorporado no seu juízo um referencial obtido através de um exame comparativo apropriado de outras decisões judiciais.
Estando a indemnização arbitrada em linha com as quantias que o STJ vem atribuindo para compensar danos análogos aos danos sob escrutínio, e não se divisando qualquer desvio relativamente aos critérios legais vigentes por parte do juízo equitativo desenvolvido pelo Tribunal “a quo” nesta sede, resta concluir pela improcedência dos recursos também neste ponto.
Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelas RR/Recorrentes.
Lisboa, 19.09.2024
Paula Leal de Carvalho (relatora)
Emídio Santos
Isabel Salgado
____________
1. O valor da ação indicado pelos AA. na p.i. foi o de €541.553,71.
3. Cfr. Acórdãos do STJ de 14.03.2024, Proc. 20769/18.5T8PRT.P1.S1, relatado por Fernando Baptista Oliveira, de 24/10/2019, Proc. 3192/14.8TBBRG.G1.S1, relatado por Acácio Neves, e de 14-12-2021, Proc. 711/10.2TVPRT.P1.S1, relatado por Isaías Pádua, acessíveis em www.dgsi.pt.
4. Processo n.º 1263/06.3TVPRT.P1.S1,relatado por Maria Clara Sottomayor.
5. Processo n.º 23592/11.4T2SNT.L1.S1, relatado por Maria dos Prazeres Beleza.
6. Processo n.º 7053/12.7TBVNG.P1.S1, relatado por Maria da Graça Trigo, acessível em www.dgsi.pt.
7. Processo n.º 3192/14.8TBBRG.G1.S2, relatado por Acácio Neves, acessível em www.dgsi.pt.
8. Processo n.º 20769/18.5TBPRT.P1.S1, relatado por Fernando Baptista, acessível em www.dgsi.pt.
9. Proc. 711/10.2TVPRT.P1.S1, in ww.dgsi.pt.
10. Proc. 148/14.4TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
11. Cfr. ANDRÉ GONÇALO DIAS PEREIRA, Direitos dos pacientes e responsabilidade médica, Coimbra, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2012, pp.387-390; ANDRÉ GONÇALO DIAS PEREIRA, Responsabilidade médica e consentimento informado. Ónus da prova e nexo e causalidade; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de junho de 2015, disponível em http://www.dgsi.pt.
12. André Dias Pereira, “Responsabilidade Civil em Saúde e Violação do Consentimento Informado na Jurisprudência Portuguesa Recente”, Julgar, n.º 42, 2020, p. 140.
13. André Dias Pereira, “Responsabilidade médica e consentimento informado. Ónus da prova e nexo de causalidade”, p. 25, consultável em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/10577/1/Responsabilidade%20m%C3%A9dica.pdf
14. André Dias Pereira, “Responsabilidade médica e consentimento informado. Ónus da prova e nexo de causalidade”, p. 25, consultável em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/10577/1/Responsabilidade%20m%C3%A9dica.pdf
15. Processo n.º 7053/12.7TBVNG.P1.S1, relatado por Maria da Graça Trigo, acessível em www.dgsi.pt.
16. André Dias Pereira, Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica, Coimbra, Coimbra Editora, 2015, p. 459.
17. André Dias Pereira, Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica, Coimbra, Coimbra Editora, 2015, p. 465.
18. Revista n.º 148/14.4TVLSB.L1.S1 - texto integral disponível em www.dgsi.pt.
19. Cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 02-11-2017, Proc. n.º 23592/11.4T2SNT.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
20. Cfr. neste sentido, igualmente, o citado aresto do STJ de 08-09-2020 e bem assim ANDRÉ GONÇALO DIAS PEREIRA, Direitos dos pacientes e responsabilidade médica, FDUC, 2012, p.406.
21. Cfr. André Dias Pereira, “Responsabilidade médica e consentimento informado. Ónus da prova e nexo de causalidade”, p. 3, consultável em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/10577/1/Responsabilidade%20m%C3%A9dica.pdf
22. André Dias Pereira, Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica, Coimbra, Coimbra Editora, 2015, p. 465.
23. André Dias Pereira, Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica, Coimbra, Coimbra Editora, 2015, pp. 463-464.
24. André Dias Pereira, Responsabilidade Civil dos Médicos, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 496.
25. André Dias Pereira, Responsabilidade Civil dos Médicos, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 464.
26. Cfr. André Dias Pereira, Responsabilidade Civil dos Médicos, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 497.
27. Processo n.º 7793/09.8T2SNT.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt
28. Maria da Graça Trigo, “O conceito de dano biológico como concretização jurisprudencial do princípio da reparação integral dos danos – breve contributo”, Julgar, n.º 46, 2022, Coimbra, Almedina, p. 269.
29. Processo n.º 342/19.1T8PVZ.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt
30. Processo n.º 25713/15.9T8SNT.L1.S1, consultável em https://juris.stj.pt/25713%2F15.9T8SNT.L1.S1/HGTATXacLc3uTZJmT05pMNuf8Ho?search=g9TQTL8AlKq3mnXyXHU.
31. Processo n.º 807/18.2T8VFR.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt
32. Texto integral disponível em www.dgsi.pt.
33. Processo n.º 766/19.4T8PVZ.P1.S1, acessível em https://juris.stj.pt/766%2F19.4T8PVZ.P1.S1/3RYOUYdDROluuKH1Qigvv0sUr8U?search=MwMof6YQ66c_p51nzBM
34. Processo n.º 11575/18.8T8LSB.L1.S1, disponível em https://juris.stj.pt/11575%2F18.8T8LSB.L1.S1/P0qL6-vOUlSHt314uRAKHRRdmfw?search=qGjh1sHmHZhrjlfenBA
35. Processo n.º 96/18.9T8PVZ.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt
36. Processo n.º 3899/17.8T8GMR.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt
37. Processo n.º 5986/18.6T8LRS.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt
38. Processo n.º 795/20.5T8LRA.C1.S1, consultável em https://iris.sysresearch.org/jurisprudencia/ecli/ECLI:PT:STJ:2023:795.20.5T8LRA.C1.S1.23?search=yLb3Ab6xMsSmqbJJ2dM
39. Processo n.º 11575/18.8T8LSB.L1.S1, acessível em https://juris.stj.pt/11575%2F18.8T8LSB.L1.S1/P0qL6-vOUlSHt314uRAKHRRdmfw?search=qGjh1sHmHZhrjlfenBA
40. Processo n.º 4452/13.0TBVLG.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt
41. Processo n.º 309/20.7T8PDL.L1.S1, texto integral disponível em https://juris.stj.pt/309%2F20.7T8PDL.L1.S1/mTBDCFoNSc8M1QzAuCHLjiBc3rE?search=MwMof6YQ66c_p51nzBM↩︎
42. Processo n.º 4160/20.6T8GMR.G1.S1, consultável em https://juris.stj.pt/4160%2F20.6T8GMR.G1.S1/XTN1DiZmPC8uwTDFICyf_Qydhmw
43. Processo n.º 15945/18.3T8PRT.P1.S1, disponível em https://iris.sysresearch.org/jurisprudencia/15945%2F18.3T8PRT.P1.S1/RAgM5DCGCJFdN57M78_X2YnpoCI?search=XEEBfjXfF-ryGDpNA4E
44. Processo n.º 7509/19.0T8PRT.P1.S1, disponível em https://juris.stj.pt/7509%2F19.0T8PRT.P1.S1/DVZSI3PWMYFx-ezlLkUvSAB4Mok?search=iZITAECEK5WILvBMbZo
45. Processo n.º 9934/17.2T8SNT.L1.S1, acessível em https://juris.stj.pt/9934%2F17.2T8SNT.L1.S1/6rb_JSyAXrJw_W1Vf8E5Pzjx97I?search=hA0WWEhRoX5QRIU3hrc
46. Processo n.º 3571/21.4T8VNG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt
47. Processo n.º 1974/21.3T8PNF.P1.S1, acessível em https://juris.stj.pt/1974%2F21.3T8PNF.P1.S1/Mx4DxM8Y_3oukCNton22Tu1SfXo?search=bm_nUoi5yvSKS5TfJng
48. Processo número 107/17.5T8MMV.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt
49. Processo n.º 17828/20.8T8LSB.L1.S1, inédito.
50. Processo n.º 381/2002.S1, acessível em www.dgsi.pt
51. Processo n.º 272/06.7TBMTR.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt
52. Processo n.º 3710/12.6TJVNF.G1.S1, não publicado nas bases de dados de acesso público.
53. Processo n.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt
54. Processo n.º 2601/19.4T8BRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt
55. Processo n.º 12213/15.6T8LSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt
56. Processo n.º 3969/07.0TBBCL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt
57. Processo n.º 171/14.9TVPRT.P1.S1, inédito.
58. Processo n.º 111/17.3T8MAC.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt
59. Processo n.º 766/19.4T8PVZ.P1.S1, disponível em https://juris.stj.pt/766%2F19.4T8PVZ.P1.S1/3RYOUYdDROluuKH1Qigvv0sUr8U?search=MwMof6YQ66c_p51nzBM
60. Processo n.º 2736/19.3T8FAR.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt
61. Processo n.º 6297/06.5TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt
62. Processo n.º 686/05.0TBPNI.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt
63. Processo n.º 3306/08, inédito.
64. Processo n.º 1043/03.8TBMNC.P1.S1, inédito.
65. Processo n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt
66. Processo n.º 2624/17.8T8PNF.P1.S1, inédito.
67. Publicado no Diário da República, I SÉRIE, n.º 98, 22-05-2014, pp. 2926-2943, disponível em www.dgsi.pt
68. Processo n.º 550/14.1T8PVZ.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt
69. Processo n.º 6430/07.0TBBRG.S1, disponível em www.dgsi.pt
70. Processo n.º 6607/09.3TVLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt
71. Processo n.º 3987/10.1TBVFR.P1.S1, disponível em https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2016:3987.10.1TBVFR.P1.S1.20?search=-H7VQ8-EN68t2DjKejo
72. Processo n.º 3310/11.8TBALM.L1.S1, inédito.
73. Processo n.º 1120/12.4TBPTL.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt