I - Para se afirmar que a Relação violou a alínea c) do n.º 3 do artigo 662.º do CPC é necessário que resulte do texto do acórdão que o Tribunal considerou indispensável a ampliação da decisão relativa à matéria de facto, mas que, contraditoriamente com tal entendimento, não anulou a decisão proferida na 1.ª instância nem determinou a repetição do julgamento.
II – Não excede manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim económico e social do direito de preferência, a arrendatária que propõe a acção de preferência depois de ter mantido encerrado o local arrendado cerca de 6 anos e de estar sem pagar a renda também cerca de 6 anos.
a. A condenação dos réus a reconhecerem o direito de preferência da Autora na aquisição da fração autónoma designada pela letra B do prédio urbano sito nos números 115 e 117 (Loja 1) da Rua da ... a números 34 e 36 da Rua de ..., com entrada pelo número 121 da Rua da ... e a loja sita no número 119 (Loja 2), do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 29, da freguesia de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1086, da freguesia de ..., e, em consequência:
b. A substituição da segunda Ré pela Autora como adquirente da mesma fração autónoma na escritura pública de compra e venda celebrada no dia 5 de junho de 2018 no cartório notarial de ..., pelo preço de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) e, em consequência, a transmissão da propriedade sobre o mesmo para a Autora, declarando-se ser esta a sua proprietária;
c. Se determinasse o cancelamento do registo de aquisição a favor da 2.ª Ré, concretizado pela AP. ..01 de 2018/07/25, bem como de qualquer outro registo efetuado com base na referida aquisição a favor da 2.ª Ré.
Para o efeito alegou em síntese que era arrendatária da fracção acima identificada; que, na sequência da insolvência da 1.ª ré, no dia 5 de Junho de 2018 foi celebrada, no cartório notarial de ..., escritura pública de compra e venda da mencionada fração autónoma, nos termos da qual esta foi vendida pela 1.ª ré à 2.ª ré, pelo preço de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros); que a autora era titular do direito de preferência na aquisição da fracção, nos termos do artigo 1091.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, mas que a 1.ª ré não enviou à autora qualquer comunicação para o exercício do direito de preferência.
A 2.ª ré contestou a acção por impugnação e excepção. Terminou a contestação pedindo:
• Se julgassem procedentes as excepções dilatórias de (i) falta de personalidade judiciária da primeira ré (ii) falta de legitimidade passiva das Rés face à preterição do litisconsórcio necessário passivo inerente à presente lide e, consequentemente, absolver rés da presente instância;
• Caso assim não se entendesse, o que não se concedia mas apenas se admitia como hipótese de raciocínio e cautela, subsidiariamente, deveria: (ii) ser julgada procedente, por provada, a exceção perentória de falta de legitimidade substantiva da autora para exercer a preferência na compra e venda dos autos, na qualidade de arrendatária, nos termos e com os fundamentos expostos, e, consequentemente, deveria a presente ação ser julgada improcedente, absolvendo-se as rés dos pedidos contra si deduzidos;
• Caso assim não se entendesse, o que não se concedia mas apenas se admitia como hipótese de raciocínio e cautela, subsidiariamente, deveria: (iii) ser julgada como efetuada e eficaz a comunicação efetuada à Autora pelo Administrador da Massa Insolvente da Primeira Ré para exercer a preferência na compra e venda dos autos, nos termos e com os fundamentos expostos, e consequentemente, julgada como procedente a caducidade invocada do alegado direito de preferência e de ação para preferir nos termos e com os fundamentos supra expostos, absolvendo-se as Rés dos pedidos contra si deduzidos;
• Caso assim não se entendesse, o que não se concedia mas apenas se admitia como hipótese de raciocínio e cautela, subsidiariamente, deveria: (iv) ser julgada, por provada, a exceção de caducidade do alegado direito de preferência da Autora, por falta de realização do depósito a que alude o artigo 1410.º, n.º 1 do Código Civil, nos termos e com os fundamentos supra expostos e, consequentemente, absolver-se as Rés dos pedidos contra si deduzidos;
• Caso assim não se entendesse, o que não se concedia, mas apenas se admitia como hipótese de raciocínio e cautela, subsidiariamente, deveria: (v) ser julgada, por provada, a invocada excepção de abuso de direito, nos termos e com os fundamentos supra expostos, e, consequentemente, absolver-se as rés dos pedidos contra si deduzidos;
• Caso assim não se entendesse, o que não se concedia, mas apenas se admitia como hipótese de raciocínio e cautela deveria: (vi) a presente ação ser julgada improcedente, por não provada, absolvendo as rés dos respetivos pedidos;
• Caso assim não se entendesse, o que não se concedia mas apenas se admitia como hipótese de raciocínio e cautela, subsidiariamente, (vii) caso de a ação viesse a ser julgada procedente, o que não se concebia, deveria acrescer ao preço de € 75.000,00 a pagar à segunda ré a quantia de € 7.500,00, sob pena de se verificar uma locupletação da autora em detrimento da segunda Ré.
A autora respondeu, sustentando a improcedência das excepções.
No despacho saneador, o tribunal da 1.ª instância julgou improcedentes a excepção de falta de personalidade judiciária da 1.ª ré e a de ilegitimidade passiva da 1.ª ré.
O conhecimento das restantes questões foi relegado para final.
O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu as rés dos pedidos. Foi ainda julgado improcedente o pedido de condenação da 2.ª ré como litigante de má fé.
Apelação
A autora não se conformou com a sentença e interpôs recurso de apelação, pedindo se revogasse a decisão recorrida e que, em consequência:
a. Se determinasse a nulidade da decisão recorrida, por consubstanciar uma decisão surpresa;
b. Caso assim se não entendesse, se julgasse procedente o recurso e se revogasse e substituísse a decisão recorrida por outra que substituísse a 2.ª ré pela autora como adquirente da mesma fração autónoma na escritura pública de compra e venda celebrada no dia 5 de Junho de 2018 no cartório notarial de ..., pelo preço de € 75.000,00 e, em consequência, transmitir-se a propriedade sobre a mesma para a autora, declarando-se ser esta a sua proprietária e a determinar o cancelamento do registo de aquisição a favor da 2.ª ré, concretizado pela Ap. ..01 de 2018/07/25, bem como de qualquer outro registo efetuado com base na referida aquisição a favor da 2.ª ré.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão proferido em 22 de Fevereiro de 2024, julgando a apelação procedente, revogou a sentença recorrida e decidiu:
1. Condenar os réus a reconhecer o direito de preferência da autora sobre a fração identificada nos pontos 1, 2, 7 e 8 da matéria de facto provada;
2. Substituir a ré AA pela autora na venda referida no ponto 23 da matéria de facto provada e determinar a entrega à ré AA do preço depositado pela autora;
3. Ordenar o cancelamento da inscrição predial a favor da ré AA referida no ponto 26 da matéria de facto provada.
Revista:
A 2.ª ré não se conformou com o acórdão e interpôs recurso de revista, pedindo:
a) Que, em aplicação do disposto no artigo 684.º, n.º 1 do CPC, deviam as nulidades ser supridas;
b) Se conhecesse a impugnação deduzida à matéria de direito, mas se faltasse matéria de facto que fosse suficiente para a decisão de direito sobre o alegado exercício abusivo do direito de preferência pela Autora, deveria, em conformidade com o disposto no art.º 682.º, n.º 3, CPC, mandar baixar o processo à Relação.
Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:
A. O Acórdão Recorrido é nulo, nos termos e para os efeitos no art. 615.º, n.º 1, al. c) e d), e 666.º, n.º 1, CPC, na medida em que padece do vício de excesso de pronúncia.
B. O Tribunal da Relação de Lisboa indeferiu (e bem) a nulidade arguida pela Autora/Recorrida segundo a qual haveria uma decisão surpresa considerando que não houve violação do princípio do contraditório. Todavia, na senda da arguida nulidade, o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que, malgrado o princípio do contraditório não ter sido violado, o Tribunal de Primeira Instância não podia ter conhecido do abuso do direito com base em factos que (segundo o mesmo) que não integram os temas da prova enunciados”.
C. O Acórdão Recorrido é nulo, porquanto contrariamente à solução apontada como a seguir pelo Tribunal de Primeira Instância, o Tribunal da Relação de Lisboa, acaba por decidir não a ampliação da matéria de facto, possibilitando às partes a produção de prova quanto a esses factos, mas antes a simples eliminação do ponto 15 da matéria de facto provada e a alínea d) da matéria de facto não provada.
D. O Acórdão Recorrido padece do vício de nulidade por excesso de pronúncia porquanto acaba por conhecer do abuso do direito, tendo como ponto de partida da sua análise decisória precisamente a eliminação do facto 15 da matéria de facto provada e a alínea dos factos não provados, substituindo-se ao Tribunal Recorrido.
E. Ao não ter cumprido o disposto no art. 662.º, n.º 3, al.c) do CPC no que se refere à baixa do processo à 1.ª instância e ao conhecer da questão relativa ao abuso de direito, fazendo-o apesar se ter eliminado factos relevantes para a sua apreciação, o Tribunal da Relação de Lisboa violou o regime cassatório que decorre da lei e conheceu de matéria de que, nas condições referidas, não podia conhecer, em clara violação do artigo 662, n.º 2 e 3 do CPC e, por isso, em excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 2, al. c), CPC)
F. O Acórdão Recorrido enferma, de igual modo, de nulidade, por omissão de pronúncia, porquanto não conheceu do pedido subsidiário deduzido pela Ré/Recorrida para a eventualidade de a ação ser julgada procedente: “Caso a ação venha a ser julgada procedente, o que não se concebe, deverá acrescer ao preço de € 75.000,00 a pagar à Segunda Ré a quantia de €7.500,00, sob pena de se verificar uma locupletação da Autora em detrimento da Segunda Ré”.
G. Não tenho o Tribunal de Primeira Instância conhecido do referido pedido porquanto a decisão tinha sido a de indeferimento da preferência, cabia à Relação de Lisboa mandar baixar o processo à Primeira Instância para que o mesmo conhecesse o referido pedido ou, considerando estar em condições de o fazer, conhecer e decidir tal pedido.
H. Não o tendo feito o Acórdão Recorrido enferma de nulidade decorrente do vício de omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos no art. 615.º, n.º 1, al. d), e 666.º, n.º 1, CPC, nulidade, que aqui também se argui para os devidos efeitos legais.
I. O Tribunal da Relação de Lisboa ao decidir que a exceção do abuso do direito não se encontra vertida nos temas na prova ou que não se encontra abrangida no ponto número 1 dos temas da prova - Factos relativos ao exercício do direito de preferência titulado pela Autora” fez uma errada interpretação e aplicação do Direito e em clara violação do disposto no artigo 344.º do CC e artigo 411.º do CPC.
J. O entendimento do Acórdão Recorrido segundo o qual o abuso do direito não se encontra previsto nos temas da prova é redutor, privilegiando a forma à substância, tanto mais que, sendo o abuso de direito de conhecimento oficioso, a interpretação feita Tribunal da Relação de Lisboa acarreta a auto restrição ou limitação dos seus poderes cognitivos.
K. Os limites da factualidade a considerar não derivam dos termos em que foram elencados os temas de prova, mas antes da causa de pedir invocada pelo autor e das excepções arguidas pelo réu.
L. O Tribunal de Primeira Instância conheceu e decidiu o abuso de direito na decisão final, como não poderia deixar de o fazer porquanto a excepção de abuso de direito foi alegada pela Ré/Recorrente, sendo que a decisão teve por base factos carreados nos articulados da Ré/Recorrente e da Autora/Recorrida, factos esses sobre os quais foi exercido o respetivo contraditório e discussão em sede de audiência de discussão e julgamento.
M. O Tribunal da Relação de Lisboa elimina os factos vertidos no ponto 15 da matéria de facto provada e na alínea d) da matéria de facto não provada, alegadamente, por concluir que “não se pode considerar que, quanto aos factos vertidos no ponto 15 da matéria de facto provada e na alínea d) da matéria de facto não provada, foram produzidas todas as provas que seriam produzidas se as partes soubessem que o tribunal considerava que tais factos tinham interesse para a decisão da causa”.
N. Facto que não corresponde ao alegado pela Autora/Recorrida em sede de impugnação da matéria de facto, porquanto das respetivas alegações de recurso resulta alegado que, no entender da mesma, “foi produzida prova suficiente para se concluir que as lojas não se encontraram encerradas e sem qualquer movimento de 2012 até 2018” bem como “entende a Recorrente que não foi corretamente valorada a prova produzida nos presentes autos, tendo sido produzida prova suficiente para concluir que a Autora apenas liquidou as rendas até Dezembro de 2012 porque a partir desse momento não conseguiu apurar quem era o proprietário e a quem deveria pagar”.
O. Acresce que, a situação sub judice é tanto mais redutora e inconsistente na medida em que o Tribunal da Relação de Lisboa a final conhece do abuso do direito começando precisamente por invocar que o ponto 15 da matéria de facto, bem como a alínea d) dos factos não provados foram eliminados da decisão da matéria de facto, o que corrobora que os factos são essenciais para a decisão sobre o abuso de direito.
P. Nos termos do artigo 411.º do CPC, atento o princípio do inquisitório, incumbe ao Tribunal realizar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio quanto a factos que lhe foram alegados pelas partes.
Q. No quadro jurídico e factual carreado para os presentes autos, resulta alegado que a Autora/Recorrida a partir de 2013 violou, repetida, clara e continuadamente, os princípios da boa-fé e da confiança do réu na estabilidade do contrato de arrendamento em causa.
R. A Autora/Recorrida, através de um conjunto de atos continuados e concludentes criou na Massa Insolvente da Primeira Ré a convicção e confiança de que pretendia continuar a incumprir indefinidamente o contrato de arrendamento, pelo que jamais a Massa Insovente da Primeira Ré, representado pelo respetivo administrador de insolvência, podia prever que a Autora viesse, mais tarde, invocar ou até pretender exercer o seu direito de preferência.
S. Segundo o artigo 334.º do Código Civil, é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou fim social e económico desse direito.
T. Entre os comportamentos abusivos temos o "venire contra factum proprium", que traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente. A boa-fé significa que, no exercício dos seus direitos e deveres, nomeadamente em cumprimento dos seus compromissos contratuais, as pessoas devem assumir um comportamento honesto, correto e leal, tudo por forma a não defraudar a legítima confiança ou as expetativas de outrem.
U. Existirá abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apoditicamente ofensivo da justiça e do sentimento jurídico dominante, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou fim social ou económico desse direito.
V. Conforme resulta quer da Decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, quer do Acórdão Recorrido: “Modernamente, a atribuição ao arrendatário do direito de preferência justifica-se pelo interesse social das actividades prosseguidas no local arrendado, as quais implicam estabilidade e continuidade da exploração comercial ou industrial ou da profissão liberal no prédio arrendado, tutelando, além do interesse económico do arrendatário, outros interesses, como a preservação de postos de trabalho, dos clientes ou utentes dos estabelecimentos e das actividades instaladas no local arrendado.
W. O fim social que está na génese e justifica a atribuição ao arrendatário de um locado para fins comerciais não está verificado e preenchido no caso sub judice.
X. Com base na finalidade do direito de preferência, aos factos alegados e à prova produzida, entendeu o Tribunal de Primeira Instância que “a conduta da Autora demonstra um total desinteresse pelo locado e pela manutenção do contrato de arrendamento, que objectivamente desperta na 1.ª Ré que não seria sua intenção preferir na compra do imóvel, nem sequer manter a sua actividade comercial no locado, não sendo exigível à 1.ª Ré (após mais de 3 anos sem pagamento de qualquer renda e com o espaço abandonado) aguardar pelo reaparecimento (por pagamento das rendas ou voltando a laborar no locado) da Autora, quando a mesma está num processo de insolvência e a proceder à sua liquidação”.
Y. Tendo concluído (e bem) que a “Autora exerce o seu direito em manifesto abuso de direito. Essa conclusão mantém-se mesmo que a Autora tenha voltado a laborar no espaço arrendado em 2018, ano em que foi efectivada a venda da fracção à 2.ª Ré, porquanto a conduta da Autora objectivamente também despertou na 2.ª Ré a convicção que não iria exercer o direito de preferência por as lojas estarem abandonadas, não havendo qualquer contacto com a arrendatária”, “as circunstâncias são de tal ordem que, objectivamente, um sujeito normal acreditaria no não exercício superveniente do direito, porquanto ao abandonar o locado desde 2012, ao não pagar rendas durante um longo período de tempo (desde 2013), não havendo qualquer reacção da Autora à carta de resolução (Maio de 2017), não seria expectável às Rés que a Autora exerceria o direito de preferência”.
Z. O Tribunal da Relação de Lisboa ao decidir que: “Quer a A. estivesse a exercer a actividade comercial no locado quer não, o exercício do direito de preferência permite-lhe o acesso a instalações próprias ...” fez uma errada interpretação e aplicação do direito porquanto a atribuição ao arrendatário do direito de preferência justifica-se [precisamente] pelo interesse social das actividades prosseguidas no local arrendado, as quais implicam estabilidade e continuidade da exploração comercial ou industrial ou da profissão liberal no prédio arrendado!
AA. A situação e consequente proteção legal conferida pelo direito de preferência ao arrendatário em caso de venda do local arrendado não poderá ser a mesma para um arrendatário que abandona o locado, deixando de exercer a sua atividade, quer através de próprio, quer através de trabalhadores, no locado, não está no local e que transfere a sua atividade para outra sede onde passa a exercer atividade e um arrendatário que ocupa e exerce a sua atividade no locado.
BB. Situações factuais diversas impõem decisão diversa com base na interpretação e aplicação de conceitos ou institutos jurídicos – como o do abuso de direito – adequados a factualidade determinada em concreto.
CC. CConforme matéria de facto assente e não impugnada em sede de recurso de apelação, resulta, desde logo, que: i) A 1.ª Ré foi entre 2010 a 2018 proprietária das lojas e a Autora/Recorrida procedeu ao pagamento das rendas durante mais de 2 anos enquanto a 1.ª Ré era propretária. ii) Tendo deixado de proceder ao pagamento das rendas em 2013, sendo que do registo predial (de fls. 22 vs. 23) resulta claro que não houve sucessivos aquisições das lojas. iii) A 1.ª Ré permaneceu proprietária das lojas até 5 de junho de 2018, data em que foi celebrada a escritura de compra e venda das lojas dos autos a favor da Ré/Recorrente. iv) Resulta que a Autora/Recorrida não procedia ao pagamento das rendas desde Janeiro de 2013, arrastando-se até para além do início do processo de venda da fracção no processo de insolvência da 1.ª Ré. v) Resulta de igual que a 1.ª Ré enviou uma carta registada com aviso de receção para a sede da Autora/Recorrida, em Maio de 2017, a comunicar a resolução do contrato – carta essa carta que apesar não ter o efeito de resolver o contrato, tem, conforme aliás referido pelo Tribunal de Primeira Instância, a sua pertinência quanto à questão do abuso de direito. vi) Resulta que a Autora/Recorrida transferiu a sua sede para outro local. vii) Resulta que a Autora/Recorrida após a propositura da presente ação voltou a transferir a sua sede para a morada das lojas.
DD. Matéria que corrobora por si só o decidido pelo Tribunal de Primeira instância – tribunal que teve acesso a toda a prova produzida e com base na mesma formulou a sua convição, ou seja, que “a conduta da Autora demonstra um total desinteresse pelo locado e pela manutenção do contrato de arrendamento, que objectivamente desperta na 1.ª Ré que não seria sua intenção preferir na compra do imóvel, nem sequer manter a sua actividade comercial no locado, não sendo exigível à 1.ª Ré (após mais de 3 anos sem pagamento de qualquer renda e com o espaço abandonado) aguardar pelo reaparecimento (por pagamento das rendas ou voltando a laborar no locado) da Autora, quando a mesma está num processo de insolvência e a proceder à sua liquidação”.
EE. O facto “Desde 2012 até 2018, as lojas encontraram-se encerradas e sem qualquer movimento” e o facto da falta de pagamento das rendas desde 2013 até 2019 apenas imputável à Autora/Recorrida, são factos que evidenciam a conduta da Recorrida durante a vigência do contrato de arrendamento, e são muito relevantes para o conhecimento do abuso de direito e na medida em que inter alia atestam o total desinteresse da Recorrida em relação ao locado antes do exercício da preferência terão de ser considerados como integrados nos temas da prova - Factos relativos ao exercício preferência - e admitidos para conhecimento do abuso de direito, como é de elementar justiça!
FF. A verificação do abuso do direito não poderá ser afastado ou a Ré/Recorrente, ser nesta sede “penalizada” por ter avançado com o procedimento especial de despejo (PER), com fundamento em falta de pagamento de rendas, ao invés de ter avançado como uma ação declarativa, com processo comum, com fundamento na não ocupação do locado por mais de um ano.
GG. Quer a ação de consignação, quer a ação despejo propostas depois da compra e venda das lojas não alteram e/ou eliminam a conduta levada a cabo pela Autora/Recorrida durante o contrato de arrendamento e em momento prévio à compra e venda das lojas dos autos – i.e. facto de as lojas terem estado fechadas e as rendas não terem sido pagas no período compreendido entre 2013 e 2019.
HH. À luz do enquadramento apresentado em sede de defesa e no âmbito do quadro mental das regras da experiência e nomeadamente in abstracto pela diligência e perceção havida de/por um bom pai de família em face das circunstâncias do caso, será a conduta levada a cabo pela Autora/Recorrida, na qualidade de arrendatária, durante o período compreendido entre 2013 e 2018 que se subsume a matéria com interesse para a decisão sobre o abuso de direito e da mesma resulta que a Autora/Recorrida atuou de forma abusiva.
II. Termos em que se conclui que, da matéria de facto alegada – matéria também de conhecimento oficioso - conjugada com o facto de a preferência legal (do local arrendado para fins comerciais) ser explicada pelo interesse social das actividades prosseguidas no local arrendado, resulta que a Autora/Recorrida exerceu o direito de preferência em manifesto abuso de direito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 334.º do Código Civil, e se deve considerar extinto o direito que pretendia fazer valer.
JJ. O Tribunal da Relação de Lisboa ao decidir que “Não há, pois, abuso de direito”, nos termos e com os fundamentos constantes no Acórdão Recorrido, invertendo o sentido da decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, fez, com o devido e merecido respeito, uma errada interpretação e aplicação direito, violando o disposto nos artigos, 4.º, 6.º, 411.º do CPC e artigo 334.º do CC, assim incorrendo em erro de julgado que deve ser reparado por este Venerando Tribunal.
KK. Em conformidade e sem conceder da nulidade arguida, por excesso de pronúncia dos termos acima invocados, caso V. Exas. Venerandos Juízes Conselheiros entendam não se verificar a referida nulidade, mas ao invés um erro na aplicação e apreciação do direito, deverá o Acórdão Recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue improcedente a presente ação, e consequentemente, absolva as Rés PRAINSA PREFABRICADOS, S.A., UNIPERSONAL e AA ARRUDA dos pedidos formulados pela Autora MÁRIO SIMÕES PIRES & FILHOS, S.A como é de elementar justiça.
LL. O Tribunal da Relação de Lisboa aplica e justifica a sua adesão ao entendimento de conceito de preço em sentido restrito para efeitos do disposto no 1410.º reproduzindo parte do Acórdão proferido pelo STJ, datado de 10 de janeiro, no âmbito do Processo 07B3588 e ao Acórdão do STJ proferido a 8 de setembro de 2016, processo 1022/12.4BCNT.C1.S1, quando a factualidade dos referidos processos não corresponde aos factos em discussão e/ou provados nos presentes autos.
MM. A Autora/Recorrida apresentou a presente acção bem sabendo das despesas pagas pela Ré/Recorrente, quer por conta de despesas notariais, quer por conta de impostos, cuja menção é feita de forma expressa na escritura e nos comprovativos de pagamento anexados e fazem parte integrante da mesma.
NN. O Tribunal da Relação de Lisboa considerou que “Houve um único pagamento da quantia de €7.500,00, que no contrato promessa, foi referido tratar-se de sinal e, na escritura de compra e venda, foi referido ser “para atender aos honorários notariais, e outros gastos derivados da escritura. Tendo havido devolução da quantia de €7.500,00, o pagamento feito pela R. AA à R. massa insolvente ficou reduzido a €75.00,00, correspondente ao preço da venda”.
OO. Desde logo, atendendo aos efeitos e valor probatório a atribuir a um documento autêntico e um documento particular o Acórdão Recorrido, no entender da Recorrente, fez uma incorreta aplicação do artigo 377.º do CC. Destrate, do referido entendimento resulta que a Ré/Recorrente ficará, em face ao montante depositado na presente ação, prejudicada.
PP. Ao corroborar o entendimento quanto ao conceito de “preço” para efeitos de aplicação do artigo 1410.º do CC considerando que “o depósito do preço visa apenas garantir o vendedor contra o perigo de, finda a acção, o preferente se desinteressar da compra ou não ter possibilidades financeiras para a concretizar (...)” sem acautelar que a Recorrente fique na situação em que estava à data da compra e venda, quando a Recorrida bem sabia das quantia pagas pelo preferido com a referida compra, o Acórdão Recorrido permite e valida um locupletamento indevido por parte da Autora/Recorrida.
QQ. O valor pago pela aquisição das lojas dos autos foi alegado pela Ré/Recorrente, não só para efeitos de verificação da irregularidade do preço e efeitos de caducidade, mas também peticionado a final, a título subsidiário, por conta de locupletamento indevido por parte da Autora – pedido este que não foi conhecido, quer pelo Tribunal de Primeira Instância – porque prejudicado em face da decisão proferida – improcedência da ação - quer, posteriormente, pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
RR. O caso dos autos não poderá ser resolvido com base e/ou reproduções de acórdãos proferidos à luz de factualidade diferente do caso sub judice. Tanto mais que o conceito de “preço” para efeitos de aplicação do artigo 1410.º do CC não sendo uma questão consentânea não está resolvido em jurisprudência uniformizada.
SS. Tendo a Autora/Recorrida procedido ao depósito da quantia singela de € 75.000,00 e não também das restantes quantias pagas e incorporadas na escritura que instruiu a petição inicial a Autora/Recorrida não procedeu ao depósito a que alude o artigo 1410.º, n.º 1 do Código Civil.
TT. O depósito do preço devido em conformidade com o artigo 1410.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável por remissão do artigo 1091.º, n.º 4 do mesmo diploma legal, é um elemento constitutivo do direito de preferência.
UU. O prazo para depósito do preço a que alude o artigo 1410.º, n.º 1 do Código Civil é um prazo de caducidade, de natureza substantiva, ao qual não acrescem quaisquer prazos ou dilações, desde logo, relacionados com impedimentos, não lhe sendo aplicável sequer as regras referentes aos impedimentos processuais previstos na lei processual civil. Estamos perante um prazo perentório, pelo que o seu não exercício dentro do prazo legalmente previsto tem como consequência a extinção do direito.
VV. A invocada caducidade subsume-se a uma exceção perentória impeditiva, nos termos do disposto no número 1 e número 3, do artigo 576.º do Código do Processo Civil, que importa, em consequência, a absolvição das Rés do pedido, com as devidas consequências legais.
WW. O Acórdão Recorrido legitima e valida o locupletamento da Autora/Recorrida, tanto mais que da aplicação dos artigos 24.º e 48.º, n.º 4 do IMT que cita resulta que não será imputado IMT à Autora/Recorrida, o que naturalmente não se concebe e/ou pode admitir
XX. Em face do exposto, subsidiariamente, para o caso de não se considerar verificada a exceção de abuso de direito, se deverá decidir que o Acórdão Recorrido violou o disposto nos artigos 1410.º, 473.º e 479.º do CC e artigo 576.º, n.º 1 e 3 do CPC, interpretando-os e aplicando-os incorretamente e, como tal, deverá ser revogado.
A autora respondeu, sustentando a manutenção da decisão recorrida.
O Tribunal recorrido indeferiu a arguição das nulidades do acórdão.
*
Síntese das questões suscitadas pelo recurso:
• Saber se o acórdão recorrido é nulo tanto por excesso de pronúncia como por omissão de pronúncia;
• Saber se, ao decidir que não havia abuso de direito, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 4.º, 6.º, 411.º do CPC, e artigo 334.º do Código Civil;
• Saber, no caso de se julgar não verificado o abuso de direito, se o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 1410.º, 473.º e 479.º, todos do Código Civil e artigo 576.º, n.ºs 1 e 3, do CPC.
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Do ponto de vista lógico, há duas questões que importa conhecer antes da discriminação dos factos julgados provados e não provados, visto que contendem com a fixação dos factos materiais da causa. Trata-se da questão de saber se o acórdão recorrido violou os artigos 4.º, 6.º e 411.º, todos do CPC, e a de saber se violou o artigo 377.º do Código Civil (conclusão OO).
Sob a alegação de que o acórdão violou os artigos 4.º, 6.º e 411.º, todos do CPC, a recorrente impugna-o na parte em que eliminou duas decisões de facto da 1.ª instância: a de julgar provada a matéria do ponto n.º 15 e a de julgar não provada a matéria da alínea d). Por sua vez, sob a alegação de que o acórdão sob recurso violou o artigo 377.º do Código Civil, a recorrente insurgiu-se contra a improcedência da impugnação da decisão de julgar não provada a matéria da alínea c) dos factos não provados.
Comecemos pela 1.ª questão.
Sob o ponto n.º 15 o tribunal da 1.ª instância julgou provado que, “Desde 2012 até 2018, as lojas encontraram-se encerradas e sem qualquer movimento.” Sob a alínea d) julgou não provado que “A Autora liquidou as rendas até Dezembro de 2012, e apenas até aí porque nunca conseguiu apurar quem era o proprietário e a quem deveria pagar as rendas, em virtude de sucessivas aquisições do imóvel.”
O acórdão sob recurso eliminou estas decisões de facto com a justificação de que não integravam os temas da prova.
A recorrente contrapõe que os limites da factualidade a considerar não derivam dos termos em que foram elencados os temas da prova, mas antes da causa de pedir invocadas pelo autor e das excepções arguidas pelo réu.
Assiste razão à recorrente.
Em primeiro lugar, a resposta à questão dos poderes de cognição do tribunal em matéria de facto é dada em primeira linha pelo artigo 5.º do CPC. Com efeito, sob a epígrafe “ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal”, o preceito indica quais os factos que podem ser considerados pelo juiz na decisão. Decorre dos n.ºs 1 e 2 que, entre os que estão em tais condições, figuram os articulados pelas partes. Segue-se daqui que o tribunal tem o poder de se pronunciar sobre os factos articulados pelas partes, desde que sejam relevantes para a decisão da causa, ou seja, desde que integrem a causa de pedir ou sirvam de base às excepções.
À luz deste critério, era claro o poder do tribunal da 1.ª instância para se pronunciar sobre a matéria do ponto n.º 15 e sobre a da alínea d). Com efeito, aquela foi alegada nos artigos 20.º, 96.º e 157.º da contestação, a propósito do enquadramento do litígio, da questão da caducidade da acção de preferência e do abuso do direito, questões que faziam parte do objecto litígio. A matéria da alínea d) foi alegada no artigo 26.º da petição para justificar a razão pela qual a autora deixou de liquidar as rendas a partir de Janeiro de 2013, questão igualmente relevante para a decisão da acção.
Em segundo lugar, para se afirmar que um facto não cabe nos temas da prova enunciados pelo tribunal da 1.ª instância e está, por tal razão, subtraído ao poder de cognição do tribunal, é necessário que não tenha qualquer relação com eles, o que não sucede no caso. Com efeito, a matéria do ponto n.º 15 e a da alínea d) cabem, sem esforço, no seguinte tema da prova enunciado no despacho saneador: “factos relativos ao exercício do direito de preferência titulado pela autora, arrendatária do imóvel, incluindo a data em que esta tomou conhecimento da venda”.
Assim sendo, a decisão da Relação de eliminar as duas decisões de facto viola, não os preceitos indicados pela recorrente, mas o artigo 5.º, n.º 2, e o 607.º, n.º 4, ambos do CPC, este último na parte em que dispõe que “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados”. Em consequência, cabe revogar tal decisão e substituí-la por outra a manter as mencionadas decisões.
Apreciemos, de seguida, a questão de saber se o acórdão sob recurso violou o artigo 377.º do Código Civil, na parte em que julgou improcedente a impugnação da decisão de julgar não provada a matéria da alínea c) dos factos não provados.
Sob esta alínea o tribunal da 1.ª instância julgou não provado que, “Para além da quantia de € 75.000,00, a 2.ª Ré procedeu ao pagamento da quantia de € 7.500,00 à 1.ª Ré, para atender aos honorários notariais e outros gastos derivados da escritura”.
A ré, ora recorrente – recorrida no recurso de apelação - ampliou o âmbito do recurso, impugnando, além do mais, a decisão de julgar não provada a matéria da alínea acima referida. Pedia se julgasse provada tal matéria. Invocava, para tanto, a prova testemunhal considerada na motivação, bem como a escritura junta aos autos.
Agora, em sede de revista, acusa este segmento do acórdão de violar o artigo 377.º do Código Civil. Para tanto alega que o Tribunal da Relação ignorou a força probatória da escritura de compra e venda e dos documentos comprovativos do pagamento anexados à mesma.
Na lógica da recorrente, a escritura de compra e venda e os documentos a ela anexados demonstravam com força probatória plena que a ré, ora, recorrente, além de 75 000 euros, pagou 7500 euros à 1.ª ré, para atender aos honorários notariais e outros gastos derivados da escritura.
Este fundamento do recurso é de julgar improcedente.
O erro para que ele remete – erro na fixação dos factos materiais e na apreciação das provas - só pode ser objecto de recurso de revista nos casos excepcionais previstos no n.º 3 do artigo 674.º do CPC. Fora deles vale a regra de que o Supremo Tribunal de Justiça não pode alterar a decisão do tribunal recorrido quanto à matéria de facto. É o que resulta da conjugação do n.º 2 do artigo 682.º com o n.º 3 do artigo 674.º, ambos do CPC.
Os casos excepcionais são os seguintes:
• Quando tenha havido ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto;
• Quando tenha havido ofensa de uma disposição expressa da lei que fixe a força de determinado meio de prova.
Socorrendo-nos das palavras de Alberto dos Reis, a propósito destas excepções (enunciadas no artigo 722.º do CPC, cuja redacção é semelhante à do n.º 3 do artigo 674.º do CPC em vigor): “A bem dizer, as duas excepções previstas no parágrafo não constituem desvios da regra geral de que não é lícito ao Supremo conhecer da matéria de facto. Se atentarmos na natureza do erro cometido pela Relação nos casos apontados, havemos de reconhecer que se trata rigorosamente de erro de direito, e não de erro de facto. Há erro na fixação dos factos da causa; mas o erro traduz-se na violação de determinada norma jurídica. É, portanto, erro de direito” (Código de Processo Civil anotado, Volume VI, Coimbra Editora, Limitada, 1981, páginas 30 e 31).
Segue-se do exposto que a decisão de julgar não provada a matéria da alínea c) seria de alterar, no sentido pretendido pela recorrente, se o acórdão recorrido tivesse ofendido as disposições expressas da lei que fixam a força probatória da escritura de compra e venda e dos documentos particulares a ela anexos, condição que não se verifica. Disposições que, observe-se, seriam, não do artigo 377.º do Código Civil, mas do n.º 1 do artigo 371.º e dos números 1 e 2 do artigo 376.º, também do Código Civil. Vejamos.
A escritura pública, enquanto documento autêntico, faz prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora (n.º 1 do artigo 371.º do Código Civil). Os documentos particulares cuja autoria esteja reconhecida fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento (n.º 1 do artigo 376.º do Código Civil). Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a confissão (n.º 2 do artigo 376.º do mesmo diploma).
O que o notário atestou, na escritura, com base nas suas percepções, foi que as partes declararam que a compradora (a ora 2.ª ré) entregou à vendedora (Prainsa Prefabricados S.A. em Liquidação) a quantia de sete mil e quinhentos euros (€ 7500) para atender aos honorários notariais, e outros gastos derivados da escritura (apostilha, tradução, conforme o caso, etc.). O facto que a escritura prova plenamente são as declarações atribuídas às partes. O facto nelas compreendido - entrega da quantia de 7500 euros – está fora da força probatória qualificada da escritura.
Por sua vez, o documento particular anexo à escritura, relativo à transferência da quantia de 7500 euros, prova que o autor dele declarou que foi efectuada a transferência; não prova plenamente o facto nela compreendido (transferência), nem que a transferência foi efectuada para atender aos honorários notariais e outros gastos derivados da escritura.
Por todo o exposto, julga-se improcedente o fundamento do recurso ora em apreciação.
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Resolvidas as questões relativas à fixação dos factos materiais da causa, consideram-se provados e não provados os seguintes factos:
Provados:
1. No dia 27 de Setembro de 1939 foi celebrado um contrato de arrendamento referente à loja sita nos números 115 e 117 (Loja 1) da Rua da ... a números 34 e 36 da Rua de ..., com entrada pelo número 121 da Rua da ..., do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo 46.
2. No dia 26 de Novembro de 1954 foi celebrado um contrato de arrendamento referente à loja sita no número 119 (Loja 2), do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo 46.
3. No dia 4 de Julho de 1983 foi celebrado entre a Autora, na qualidade de cessionária, e BB e mulher, CC, na qualidade de cedentes, um contrato de trespasse, que teve por objecto os estabelecimentos comerciais denominados “Farmácia ...” e “Perfumaria...”, que exerciam a sua actividade, respectivamente, nas Lojas 1 e 2 do imóvel identificado em 1.
4. Na data em que foi celebrada a escritura pública de trespasse acima identificada e como dela resulta estavam em vigor para cada uma das lojas onde exerciam a sua actividade os estabelecimentos comerciais denominados “Farmácia ...” e “Perfumaria...” os contratos de arrendamento identificados em 1. e 2., respectivamente.
5. Em consequência, em virtude do referido trespasse foi transmitida a posição contratual nos dois contratos de arrendamento para a Autora, pelo que esta passou a ser a arrendatária das mencionadas Lojas 1 e 2.
6. O prédio em causa foi constituído em propriedade horizontal em 7 de Abril de 2008.
7. Em consequência desta constituição de propriedade horizontal as lojas 1 e 2, objecto dos contratos de arrendamento, passaram a constituir a fracção autónoma designada pela letra B, correspondente a duas lojas com rés-do-chão e cave.
8. O referido prédio urbano tem, actualmente, a seguinte descrição: prédio urbano sito na Rua da ..., n.ºs 115, 117, 119, 121, 123 e 125 e Rua de ..., n.ºs 34, 36, 38 e 40, freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 29, da freguesia de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1086, da freguesia de ....
9. No dia 3 de Setembro de 2010 a 1.ª Ré adquiriu a referida fracção autónoma.
10. A Autora deixou de pagar as rendas devidas por conta dos contratos de arrendamento referente às Lojas 1 e 2, desde Janeiro de 2013 até Janeiro de 2019.
11. O valor mensal das rendas devidas por conta dos referidos contratos de arrendamento ascendia a € 75,00.
12. A 8 de Maio de 2013, a 1.ª Ré foi declarada insolvente pelo Tribunal de Comércio número Dois de ..., no âmbito do processo número ....
13. Na sequência da declarada insolvência, foi nomeado para administrador de insolvência da Massa Falida a sociedade A..., S. L.
14. A 1.ª Ré enviou à Autora carta, datada de 14 de Agosto de 2013, na qual pretende proceder ao aumento da renda, bem como à transição do mesmo contrato para o regime jurídico do NRAU.
15. Desde 2012 até 2018, as lojas encontraram-se encerradas e sem qualquer movimento.
16. A Autora procedeu ao registo da alteração da sua sede em 7 de Junho de 2017 para a Rua ..., no ....
17. A Autora procedeu ao registo da alteração da sua sede em 4 de Agosto de 2021 para a Rua da ..., n.º 115-119.
18. As lojas foram colocadas à venda através do “Concurso Voluntario n.º ...” que correu termos no Tribunal de Espanha.
19. No dia 5 de Maio de 2017, o administrador de insolvência da Massa Insolvente da sociedade Prainsa Prefabricados, S.A., enviou à Autora para a Rua da ... n.º 115-119 a carta registada com o seguinte teor: “[…] Na qualidade de Administrador de Insolvência da Massa Insolvente da Sociedade Prainsa Prefabricados, S.A.”, proprietária da fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente às lojas no r/c com os n.º 115 a 119, com morada na Rua da ..., ..., do prédio urbano sito na freguesia de ..., concelho de ..., de que V. Exa. é arrendatária, vimos pela presente comunicar a resolução dos contratos de arrendamento titulados pelas escrituras de 27 de setembro de 1939, lavrada a folhas 80 verso do livro 1477 do, então, terceiro cartório notarial de ... e de 26 de Novembro de 1954, lavrada a folhas 33 do livro 409-G do, então, nomo cartório notarial de ..., assumidos por V. Exa. em virtude da escritura de trespasse de 4 de julho de 1983 lavrada no, então, décimo segundo cartório notarial de .... Tal resolução tem como fundamento o não uso do locado por mais de um ano, ao abrigo do art. 1083.º, n.º 2, al. D) do Código Civil, porquanto se constata que o locado apresenta visíveis sinais de abandono desde, pelo menos, o ano de 2014, bem como os estabelecimentos comerciais que aí operavam se encontram há muito encerrados e sem qualquer funcionamento. Por outro lado, assume como igual fundamento de resolução a falta de pagamento tempestivo das rendas desde janeiro de 2013, estando, neste momento, um valor de capital em mora que ascende a €3.698,08 (três mil seiscentos e noventa e oito euros e oito cêntimos), nos termos do art. 1083.º, n.º 3 do Código Civil. Desta forma, solicita-se ao abrigo do art.º 1081.º 1, n.º 1 do Código Civil, a desocupação do local e a sua entrega livre de pessoas e bens no prazo de 15 (quinze) dias a contar da presente…].”
20. Na mesma data, o administrador de insolvência da Massa Insolvente da sociedade Prainsa Prefabricados, S.A. enviou ainda à administradora única da Autora, carta registada com aviso de recepção, com o seguinte teor: […] Exma. Senhora, Na qualidade de Administrador da Massa Insolvente da Sociedade Prainsa Prefabricados, S.A., proprietária e senhoria da fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente às lojas no r/c dos n.º 115 a 119, da Rua da ... do prédio urbano sito na freguesia de ..., concelho de ..., de que V. Exa. é arrendatária, venho pela presente dar-lhe conhecimento da comunicação que seguiu hoje para o locado a comunicar a resolução dos contratos de arrendamento. É-lhe dado conhecimento da referida missiva na qualidade de administradora única da sociedade Mário Simões Pires & Filhos, S.A., uma vez que se constata que o locado (onde se encontra sediada a sociedade que V. Exa. Administra) apresenta sinais visíveis de abandono há vários anos. […].
21. No dia 24 de Maio de 2017, a 1.ª Ré e a 2.ª Ré celebraram o contrato promessa de compra e venda, no qual consta no Considerando F que “Por missiva datada de 5 de maio de 2017, a Primeira Contraente procedeu à resolução dos contratos de arrendamento”.
22. Nos termos da Cláusula oitava do referido contrato promessa foi ainda estipulado pelas partes que: (i) “A Segunda Contraente pagará atempadamente todos os impostos, taxas ou contribuições devidas no que se refere ao imóvel objecto deste contrato, comprometendo-- se a que, à data da celebração da escritura ora prometida, não exista qualquer contingência ou responsabilidade de natureza fiscal pendente ou contingente, pelas quais o imóvel possa vir a servir de garantia; (ii) Na data da outorga da escritura ora prometida o imóvel estará totalmente desocupado de pessoas e bens e liberto de quaisquer encargos e que tal desocupação e desoneração terá sido efetuada em termos que não justifiquem qualquer reclamação por parte de terceiros, ficando a Primeira Contraente responsável por tais reclamações; (iii) A documentação relativa ao imóvel, em particular no que se refere à matriz predial e à descrição predial, está conforme com a realidade, não existindo qualquer outra descrição predial ou matricial que se sobreponha àquelas;”
23. No dia 5 de Junho de 2018 foi celebrada escritura pública de compra e venda da fracção autónoma designada pela letra B, nos termos da qual esta foi vendida pela 1.ª Ré à 2.ª Ré, pelo preço de € 75.000,00.
24. Dessa escritura pública, consta “Arrendamento. - Informa a Vendedora de que existem inquilinos a residir no imóvel, os quais não conseguiram localizar e, portanto, notificar desta transmissão, o que é do conhecimento e aceitação da Compradora.”.
25. Esta venda teve lugar na sequência do processo de insolvência da 1.ª Ré, que correu termos no Tribunal de Comércio número 2 de ..., sob o n.º de processo ....
26. A aquisição da fracção pela 2.ª Ré foi devidamente registada pela Ap. ..01 de 2018/07/25.
27. No 10 de Janeiro de 2019 a Autora recebeu a notificação judicial avulsa que lhe foi dirigida pela 2.ª Ré, segundo a qual esta comunica a resolução dos contratos de arrendamentos referentes às lojas e para que, consequentemente seja entregue o locado, livre e devoluto de pessoas e bens e que a dívida resultante da falta de pagamento das rendas vencidas, acrescidas de juros de mora perfazem o montante global de € 6.638,58.
28. Na sequência da recepção da notificação judicial avulsa, a Autora, através dos seus mandatários, enviou uma missiva a informar que pretendia fazer cessar a mora mediante o pagamento das rendas vencidas acrescido de indemnização igual a 50% da quantia devida, tendo sido solicitado à 2.º Ré a indicação do IBAN para o qual deveria ser transferida a quantia de € 6.975,00.
29. A Autora instaurou a competente acção especial de consignação em depósito, a qual correu termos sob o n.º de processo 2981/19.1..., Juiz ..., Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de ....
30. Consequentemente, a Autora procedeu ao depósito junto da Caixa Geral de Depósitos do valor de € 8.325,00, referente às rendas de Janeiro de 2013 a Fevereiro de 2019 acrescido de 50% de indemnização da quantia devida.
31. Foi proferida, no dia 14 de Fevereiro de 2020, no âmbito do processo n.º 2981/19.1..., sentença transitada em julgado na qual foi julgada totalmente procedente a acção especial de consignação em depósito e foram julgadas validamente depositadas as rendas e indemnização devidas.
32. No dia 24 de Junho de 2019 a 2.ª Ré recorreu ao procedimento especial de despejo, ao qual foi atribuído o n.º 1111/19.4...
33. A Autora deduziu oposição ao procedimento especial de despejo, opondo-se à entrega do locado com fundamento de ter intentado uma acção especial de consignação em depósito através da qual terá procedido ao pagamento das rendas devidas, acrescida da penalização.
34. O procedimento especial de despejo foi julgado improcedente por sentença transitada em julgado.
35. A Autora remeteu aos autos o comprovativo de depósito autónomo da quantia de € 75.000,00 no dia 4 de Junho de 2019.»
Não provados:
a. Que a Autora respondeu pela carta que enviou à 1.ª Ré em 16 de Setembro de 2013, assumindo-se como arrendatária da fracção dos autos, mas negando a pretensão da 1.ª Ré, pelos motivos que dela constam.
b. Que quer a insolvência da 1.ª Ré, quer o Concurso Voluntário n.º ... e as condições da venda das lojas foram publicitadas.
c. Que para além da quantia de € 75.000,00, a 2.ª Ré procedeu ao pagamento da quantia de € 7.500,00 à 1.ª Ré, para atender aos honorários notariais e outros gastos derivados da escritura. d) A Autora liquidou as rendas até Dezembro de 2012, e apenas até aí porque nunca conseguiu apurar quem era o proprietário e a quem deveria pagar as rendas, em virtude de sucessivas aquisições do imóvel.
Nulidade por excesso de pronúncia:
Segundo a recorrente, ao conhecer da questão do abuso do direito, tendo como ponto de partida a eliminação do n.º 15 dos factos julgados provados e a alínea d) dos não provados, o acórdão incorreu em excesso de pronúncia, o que acarreta a sua nulidade nos termos alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. No seu entender, uma vez que o tribunal a quo suprimiu os mencionados pontos da decisão de facto, devia ter cumprido o disposto no artigo 662.º, n.º 3, alínea c), do CPC, e abster-se de conhecer da questão do abuso do direito. Ao não decidir no sentido exposto, violou o regime cassatório e conheceu de matéria que, nas condições referidas, não podia conhecer.
Sob a arguição de nulidade por excesso de pronúncia, albergam-se duas questões: 1) a de saber se o acórdão, ao conhecer da questão do abuso do direito, incorreu em excesso de pronúncia; 2) a de saber se, em vez de conhecer de tal questão, devia ordenar a baixa do processo à 1.ª instância, a fim de ser repetido o julgamento quanto à matéria do ponto n.º 15 dos factos julgados provados e à da alínea d) dos considerados não provados.
A resposta a qualquer uma das questões é negativa.
Comecemos pela questão do excesso de pronúncia.
Nos termos da 2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável à 2.ª instância por remissão do n.º 1 do artigo 666.º do CPC, é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta causa de nulidade está directamente relacionada com o n.º 2 do artigo 608.º do CPC, na parte em que dispõe que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Segue-se da combinação dos citados preceitos que a sentença padece de excesso de pronúncia quando conhece de questões que nem foram suscitadas pelas partes nem são de conhecimento oficioso.
Logo, o conhecimento da questão do abuso do direito cairia nas malhas da nulidade ora em apreciação se não tivesse sido suscitada no recurso de apelação e se a lei não permitisse o conhecimento oficioso dela.
Falha, desde logo, a primeira condição. Com efeito, a sentença proferida na 1.ª instância julgou improcedente a acção por ter entendido que a autora exerceu abusivamente o direito de preferência. A autora interpôs recurso de apelação e um dos fundamentos do recurso consistiu na alegação de que o tribunal a quo havia errado na decisão da questão do abuso do direito. Daí que, ao conhecer dela, o acórdão não só não desrespeitou a 2.ª parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, como cumpriu o dever que lhe era imposto pela 1.ª parte do mesmo preceito.
É quanto basta para indeferir a arguição de nulidade do acórdão por excesso de pronúncia.
Vejamos, de seguida, a questão de saber se o acórdão violou o regime cassatório que decorre da lei (alínea c) do n.º 3 do artigo 662.º do CPC).
A resposta, como já se antecipou acima, é negativa
A alínea c) do n.º 3 do artigo 662.º do CPC prevê a repetição parcial do julgamento no caso de o tribunal da Relação anular a decisão proferida na 1.ª instância por considerar indispensável a ampliação da decisão relativa à matéria de facto (parte final da alínea c) do n.º 2 do mesmo preceito).
Para se afirmar que a Relação violou este regime é necessário que resulte do texto do acórdão que o Tribunal considerou indispensável a ampliação da decisão relativa à matéria de facto, mas que, contraditoriamente com tal entendimento, não anulou a decisão proferida na 1.ª instância nem determinado a repetição do julgamento. Como se escreveu no acórdão do STJ proferido em 2-11-2023, no processo n.º 8988/19.1T8VNG-B.P1.S1., publicado em www.dgsi.pt. “O erro processual em que a Relação incorre (e que abre o caminho da revista, ao abrigo do art. 662.º/2/c) do CPC) estará em a Relação considerar que foram alegados factos, por ela reputados como juridicamente relevantes, que não constam do elenco dos factos provado ou não provados e o processo não conter, a propósito de tais factos, a produção de todos os elementos probatórios para ela própria, Relação, os poder dar como provados ou não provados, sucedendo que, perante isto, a Relação não anula, para que seja produzida a indispensável prova sobre tais factos, a decisão da 1.ª Instância. O erro da Relação – que pode ser escrutinado pelo Supremo – é o de não “anular” a decisão da 1.ª Instância, numa situação em que essa mesma Relação considera que há factos juridicamente relevantes sobre os quais não foi produzida a indispensável prova”.
Se a Relação não considerou indispensável a ampliação da matéria de facto, quando, na realidade, existia essa indispensabilidade, o que há é erro no julgamento de direito. Erro que poderá ser invocado como fundamento do recurso de revista e que o Supremo pode corrigir ao abrigo do n.º 3 do artigo 682.º do CPC, mandando baixar o processo ao tribunal recorrido. Como escrevia Alberto dos Reis, em anotação ao parágrafo terceiro do artigo 729.º do CPC de 1939 (cuja redacção corresponde à do n.º 3 do artigo 682.º do CPC), “Suponhamos ,…, que o Supremo considera insuficiente ou incompleto o julgamento de facto que a Relação lhe apresenta; nota que a espécie concreta não coincide inteiramente com a espécie abstracta configurada pela norma jurídica, mais rigorosamente, verifica que, tendo sido alegados certos factos cujo apuramento é necessário para se fazer o enquadramento do caso concreto na categoria legal de que se trata, a Relação não teve o cuidado de proferir decisão sobre esses factos. Estamos diante da hipótese prevista na última alínea do artigo 729.º” (Código de Processo Civil Anotado, Volume VI, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada – 1981, página 82).
Visto que, no caso, não decorre do texto do acórdão recorrido que fosse indispensável, para decidir a questão do abuso do direito, a matéria do ponto n.º 15 dos factos provados e a da alínea d) dos não provados, é de concluir que o tribunal recorrido não violou o disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 662.º do CPC.
Segundo ela, o acórdão padece deste vício por não ter conhecido do pedido subsidiário deduzido pela recorrida no sentido de, no caso de a acção vir a ser julgada procedente, dever acrescer ao preço de 75 000 euros a pagar à segunda ré, a quantia de € 7500, sob pena de se verificar um locupletamento da autora em detrimento da segunda ré.
A arguição de nulidade é de deferir.
A causa de nulidade ora em apreciação está directamente relacionada com o n.º 2 do artigo 608.º do CPC na parte em que dispõe que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada dada a outras.
Da combinação deste preceito com a 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do mesmo diploma decorre que a sentença padece de omissão de pronúncia quando não conhece de questões que foram suscitadas pelas partes. Só assim não será se a decisão delas estiver prejudicada pela solução dada a outras ou se o tribunal justificar o não conhecimento.
No caso, o pedido da ré, ora recorrente, acima identificado, era questão sobre a qual a Relação tinha o dever de se pronunciar e que não estava prejudicada pela solução que o acórdão deu a outras questões. Com efeito, visto que o tribunal da 1.ª instância não conheceu do mencionado pedido por o ter considerado prejudicado pela solução dada ao litigo (improcedência da acção), a Relação, ao decidir que a apelação procedia e que a acção era de julgar procedente, tinha o dever, por força do n.º 2 do artigo 665.º do CPC, de se pronunciar expressamente sobre ele, conhecendo-o, se dispusesse dos elementos necessários para tanto, ou abstendo-se de o conhecer, na hipótese de não ter tais elementos.
A Relação não fez nem uma coisa nem outra. Além disso, também não justificou a sua omissão. É clara a omissão de pronúncia.
É certo que os pedidos deduzidos pelo réu contra o autor devem revestir a forma de reconvenção (n.º 1 do artigo 266.º do CPC) e que “a reconvenção deve ser expressamente identificada e deduzida separadamente da contestação, expondo-se os fundamentos e concluindo-se pelo pedido, nos termos doas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 552.º (n.º 1 do artigo 583.º do CPC), e, no caso, a ré, ora recorrente nem identificou o pedido acima indicado como reconvenção nem o fundamentou separadamente nos termos prescritos na lei.
Sucede que estas irregularidades não justificam a omissão de pronúncia sobre tal pedido. Quando muito, serviam para justificar o seu indeferimento ou o não conhecimento do respectivo mérito.
É, assim, de concluir que o tribunal recorrido, ao não pronunciar-se sobre o pedido acima indicado, incorreu na causa de nulidade prevista na 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável à 2.ª instância por remissão do n.º 1 do artigo 666.º do mesmo diploma.
Quando for julgada procedente a nulidade prevista na 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a consequência é a baixa o processo ao tribunal recorrido, a fim de ser feita a reforma da decisão anulada, pelos mesmos juízes se possível (artigo 684.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Seguindo a ordem das conclusões, a questão que importa resolver, de seguida, é a de saber se o acórdão recorrido, ao decidir que o exercício da acção de preferência não foi abusivo, violou o artigo 334.º do Código Civil.
Para bem contextualizar a questão importa dizer que a sentença proferida na 1.ª instância julgou a acção improcedente por ter entendido que a autora, ora recorrida, exerceu abusivamente o direito de preferência. O efeito que assinalou a tal exercício foi o da extinção do direito.
O Tribunal da Relação teve um entendimento diametralmente oposto. Tendo por referência o artigo 334.º do Código Civil e os limites nele assinalados ao exercício dos direitos, apreciou o exercício do direito de preferência à luz de dois limites, concretamente dos impostos pela boa fé e pelo fim económico e social do direito. Segundo o acórdão, o exercício do direito de preferência não excedia os limites impostos pela boa fé porque o encerramento do locado e a falta de pagamento de rendas não expressavam a perda definitiva de interesse no locado, não legitimando a convicção ou a expectativa de que o direito não seria exercido. E também não excedia os limites impostos pelo fim económico e social do direito, ainda que a autora não estivesse a exercer actividade comercial no locado, porque o exercício do direito permitia-lhe o acesso a instalações próprias, pondo fim à sua situação menos estável de arrendatária.
A recorrente contrapõe em síntese:
• O exercício do direito de preferência excedeu os limites da boa fé porque a autora, ora recorrida, através de um conjunto de actos continuados e concludentes criou na massa insolvente da primeira ré a convicção e a confiança de que pretendia continuar a incumprir indefinidamente o contrato de arrendamento pelo que jamais a massa insolvente, representada pelo respectivo administrador de insolvência, podia prever que a autora viesse mais tarde invocar ou até pretender exercer o seu direito de preferência;
• Excedeu manifestamente os limites impostos pelo fim e económico e social do direito porque o fim social que está na génese e justifica a atribuição ao arrendatário de um locado para fins comerciais não está verificado e preenchido no caso subjudice e que da matéria de facto – concretamente o encerramento das lojas e o não pagamento das rendas entre lojas terem estado fechadas e de as rendas - resultava o total desinteresse da recorrida em relação ao locado antes do exercício da preferência.
Pese embora o respeito que nos merece, a alegação não colhe.
O fundamento do recurso ora em apreciação remete-nos, antes de mais, para a figura do abuso de direito prevista no artigo 334.º do Código Civil. Segundo este preceito, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Apesar de o preceito não dizer quando é que o exercício de um direito ultrapassa manifestamente os limites que ele estabelece, nem sequer indicar, a título meramente exemplificativo, os casos em que tal sucede, a doutrina e a jurisprudência, a quem tem cabido identificar as situações que, sob o manto do exercício de um direito, caem nas malhas do abuso, incluem nas que excedem manifestamente os limites impostos pela boa fé aquelas em que o seu titular exerce um direito em contradição com um comportamento anterior. É o chamado venire contra factum proprium. É nestas águas que navega a alegação da recorrente.
Visto, no entanto, que não há uma proibição geral de comportamentos contraditórios, a mesma doutrina e jurisprudência têm entendido que o exercício de um direito em contradição com um comportamento anterior do seu titular só é de considerar abusivo quando concomitantemente se verifiquem as seguintes circunstâncias:
• Quando o comportamento anterior tenha criado na contraparte uma situação objectiva de confiança relativa ao modo de exercício do direito;
• Quando, com base nessa situação objectiva de confiança, a contraparte tenha tomado disposições ou organizado a sua vida (investimento da confiança), que se veriam frustradas com o exercício do direito ou com o modo como ele é exercido;
• Quando a contraparte tenha agido com boa fé e com cuidado e precauções usuais no tráfego.
Citam-se em abono deste entendimento - que se segue - na doutrina, J. Baptista Machado, em Tutela da Confiança, e “venire contra factum proprium”, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 118, páginas 171 e 172, Paulo Mota Pinto, Direito Civil, Estudos, páginas 442 a 446, GESTLEGAL, Pedro Pais Vasconcelos e Pedro Leitão de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 9.ª Edição, Almedina, página 279, e, na jurisprudência, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: o acórdão proferido em 24-09-2009, no recurso n.º 09B0659, o acórdão proferido em 16 de Dezembro de 2010, no processo n.º 1584/06.5TBPRD.P1.S1., o acórdão proferido em 12 de Novembro de 2013, no processo n.º 1464/h11.2TBGRD-A.C1.S1; o acórdão proferido em 8-09-2021, no processo n.º 2319/19.8T8VIS.C1.S1., acórdão proferido em 10-01-2023, no processo n.º 412/203T8PBL.C1.L1; acórdão proferido em 19-01-2023, no processo n.º 3244/19.8T8STB.E1.S1; acórdão proferido em 2-03-2023, no processo n.º 1558/21.6T8VIS.C1.S1; acórdão proferido em 12-10-2023, no processo n.º 19691/20.0T8PRT.P1.S1., todos publicados em www.dgsi.pt.
Observe-se que foi com base nesta interpretação do artigo 334.º do Código Civil que o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 14/2016, publicado no DR, I Série de 28 de Outubro de 2016, uniformizou a jurisprudência no sentido de que “Age com abuso de direito, na vertente da tutela da confiança, a massa falida, representada pelo respectivo administrador, que invoca contra terceiro — adquirente de boa fé de bem imóvel nela compreendido — a ineficácia da venda por negociação particular, por nela ter outorgado auxiliar daquele administrador, desprovido de poderes de representação(arts. 1211.º e 1248.º do CPC, na versão vigente em 1992), num caso em que é imputável ao administrador a criação de uma situação de representação tolerada e aparente por aquele auxiliar, consentindo que vários negócios de venda fossem por aquela entidade realizados e permitindo que entrasse em circulação no comércio jurídico certidão, extraída dos autos de falência, em que o citado auxiliar era qualificado como encarregado de venda”.
Interpretado o artigo 334.º n.º 1, do Código Civil, na parte em que se refere ao exercício ilegítimo de um direito quando o seu titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, com o sentido e o alcance expostos, é de afirmar que a alegação da recorrente não colhe.
Em primeiro lugar, não temos como exacta a afirmação de que a propositura da presente acção de preferência é contraditória com o encerramento das lojas desde 2012 até 2018 e com o não pagamento das rendas desde Janeiro de 2013 até Janeiro de 2019. Ainda que se visse em tais factos desinteresse na relação de arrendamento, o exercício do direito de preferência não significa o contrário, ou seja, o interesse na manutenção dessa relação. Significa interesse na aquisição do direito de propriedade do local arrendado.
Em segundo lugar, percorrendo a matéria assente, não encontramos nela nenhum facto de onde decorra que, devido ao encerramento das lojas e ao não pagamento das rendas, a 1.ª ré, na pessoa do administrador da massa insolvente, adquiriu a convicção de que a autora, ora recorrida, não estava interessada em exercer o direito de preferência.
E não só não encontramos nenhum facto com o sentido apontado, como o que a ré, ora recorrente, alegou na contestação infirma abertamente a formação de tal convicção. Com efeito, alegou que, depois de celebrado o contrato-promessa de compra e venda entre a 1.ª e a 2.ª ré, em 2017, “o administrador da massa insolvente da primeira ré, diligenciou no sentido de comunicar à autora que o locado iria ser vendido de modo a assegurar o cumprimento de todos os formalismos legais, nomeadamente para o efeito do exercício do direito de preferência” (artigo 40.º da contestação)”.
Ora, o proprietário que diligencia no sentido de o arrendatário exercer o direito de preferência na venda do local arrendado não tem seguramente a convicção de que ele não irá exercer tal direito. Pode ter a esperança, admitir a hipótese, mas não a convicção.
Acrescem contra a alegação da recorrente os seguintes factos:
• O administrador da 1.ª ré, antes de proceder à celebração do contrato-promessa de compra e venda, mais concretamente em 5 de Maio de 2017, remeteu à autora e ao seu administrador uma carta a comunicar a resolução do contrato de arrendamento por não uso do locado por mais de um ano, ao abrigo do artigo 1083.º, n.º 2, alínea d), do Código Civil, e por falta de pagamento de rendas desde Janeiro de 2013, nos termos do artigo 1083.º n.º 3, do Código Civil;
• No contrato-promessa ficou estabelecido que, na data da outorga da escritura prometida, o imóvel estaria totalmente desocupado de pessoas e bens e liberto de quaisquer encargos e que tal desocupação e desoneração terá sido efectuada em termos que não justifiquem qualquer reclamação por parte de terceiros, ficando a primeira outorgante responsável por tais reclamações.
Estes factos indiciam que a primeira ré estava convencida de que, quando fosse feita a venda da fracção, a relação de arrendamento já estaria terminada e que o imóvel estaria livre de pessoas e bens. Como é bom de ver, esta convicção não é compatível com a de que o direito não seria exercício, a qual assenta precisamente na vigência da relação de arrendamento.
Contra a alegação da recorrente depõe ainda o seguinte. Percorrendo a matéria assente não encontramos nela nenhum facto de onde resulte que o administrador da massa insolvente não notificou a autora para preferir por estar convencida de que ela não estava interessada em exercer tal direito. A inclusão no contrato de compra e venda de uma cláusula a afirmar que, na fracção vendida existiam inquilinos, que não foi possível localizar e, portanto, notificar esta transmissão, e que esta situação era do conhecimento da compradora e foi aceite por ela, aponta no sentido de que a 1.ª ré não notificou a venda da fração aos inquilinos por lhe não ter sido possível localizá-los.
Segue-se do exposto que a matéria de facto não dá a mais leve cobertura à afirmação de que a 1.ª ré, face ao não uso do locado e ao não pagamento das rendas, criou a convicção de que a autora, ora recorrida, não iria exercer o direito de preferência na venda da fracção arrendada.
É quanto basta para julgar improcedente o fundamento do recurso ora em apreciação.
Como se escreveu acima, o acórdão também afastou a hipótese de o exercício do direito de preferência ter excedido manifestamente os limites impostos pelo fim económico e social de tal direito. Para tanto procedeu a uma excursão histórica sobre o fim económico pretendido com o legislador com a atribuição ao arrendatário do direito de preferência na venda do local arrendado. Citando pertinente doutrina, referiu que a primeira justificação para a consagração legal do direito de preferência na venda do local arrendado para fins comerciais ou industriais começou por se encontrar dentro da índole geral do direito de preferência: extinguir os ónus ou restrições que prejudicam o melhor aproveitamento do imóvel arrendado. Modernamente, a atribuição ao arrendatário do direito de preferência justificava-se pelo interesse social das actividades prosseguidas no local arrendado, as quais exigiam estabilidade e continuidade da exploração comercial ou industrial ou da profissão liberal no prédio arrendado, tutelando outros interesses, como a preservação de postos de trabalho, dos clientes, dos utentes dos estabelecimentos comerciais e das actividades instaladas no arrendado. Referindo-se expressamente ao fim económico do direito de preferência em causa nos autos (previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1091.º do Código Civil), afirmou que se tratava de promover a estabilidade na ocupação do locado.
A ré, ora recorrente, sem pôr em causa as finalidades que foram assinaladas ao direito de preferência, sustenta que o exercício excede manifestamente essas finalidades porque da circunstância de as lojas terem estado fechadas e de as rendas não terem sido pagas no período compreendido entre 2013 e 2019 resultava o total desinteresse da recorrida em relação ao locado antes do exercício da preferência e que este desinteresse era incompatível com o fim prosseguido: a estabilidade e continuidade da exploração comercial.
Não se controvertendo no presente recurso a questão do fim económico que preside ao direito de preferência, previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1091.º do Código Civil – promover a estabilidade na ocupação do locado -, é bom de ver que o exercício do direito com uma finalidade diferente seria susceptível de cair nas malhas do abuso do direito.
Para que tal sucedesse seria necessário, no entanto, que estivesse demonstrada a finalidade concreta com que foi exercido o direito e que ela fosse contrária à que preside à atribuição do direito de preferência ao arrendatário.
Não bastava, no entanto, ser contrária. Era necessário ainda que o exercício do direito excedesse manifestamente os limites impostos pelo fim social ou económico desse direito. Seguindo o entendimento de autores como Pires de Lima e Antunes Varela, mas também da jurisprudência, tal implicava o exercício em “termos clamorosamente ofensivos da justiça”, ou com “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição Revista e Actualizada, página 299; acórdão do STJ proferido em 8-09-2021, no processo n.º 2319/19.T8VIS.C1.S1. e acórdão do STJ proferido em 6 de Setembro de 20222, no processo n.º 18172/16.0T8LSB-G.L2.S1, ambos publicados em www.dgsi.pt).
Sucede que não resulta da matéria de facto que a autora tenha proposto a acção de preferência para alcançar um fim diferente do que preside à atribuição do direito de preferência. Mais: não se vê que o exercício do direito de preferência depois de a autora ter mantido encerrado o local arrendado cerca de 6 anos e de estar sem pagar a renda também cerca de 6 anos ofenda clamorosamente o sentimento jurídico socialmente dominante. Com efeito, nem o direito de preferência em causa nos autos é um prémio ao arrendatário cumpridor, nem o abuso do direito constitui sanção para o incumprimento do contrato pelo arrendatário.
Pelo exposto, improcede o fundamento do recurso ora em apreciação.
Esta imputação tem por base a seguinte linha argumentativa:
Em primeiro lugar, o entendimento de que o n.º 1 do artigo 1410.º do Código Civil, na parte em que se refere a “preço devido” é de interpretar no sentido de que compreende não apenas o preço devido pela compra e venda, mas igualmente outras despesas pagas pelo comprador, como acontecia com despesas notariais e despesas por conta de impostos.
Em segundo lugar, o entendimento de que o tribunal recorrido errou no julgamento da alínea c) dos factos julgados não provados, devendo considerar-se provado que, “para além da quantia de € 75.000,00, a 2.ª Ré procedeu ao pagamento da quantia de € 7.500,00 à 1.ª Ré, para atender aos honorários notariais e outros gastos derivados da escritura”.
A questão do erro no julgamento da alínea c) dos factos julgados não provados já foi apreciada.
A resposta negativa que lhe foi dada torna inútil a apreciação da questão de saber qual o sentido e o alcance a dar à expressão preço devido constante do n.º 1 do artigo 1410.º do CPC, visto que não se provou que a ré, ora recorrente, tivesse entregado à vendedora qualquer outra quantia além do preço.
1. Defere-se a arguição de nulidade do acórdão por omissão de pronúncia e, em consequência, manda-se baixar o processo à 2.ª instância, a fim de se fazer a reforma da decisão anulada, pelos mesmos juízes se possível, conhecendo-se do pedido deduzido pela ré, ora recorrente, no sentido de acrescer ao preço de 75 000 euros a pagar à segunda ré, a quantia de € 7500, sob pena de se verificar um locupletamento da autora em detrimento da segunda ré.
2. Nega-se a parte restante da revista, mantendo-se, nessa parte, o acórdão recorrido.
Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e a circunstância de a recorrente e as recorridas terem ficado vencidas no recurso, condenam-se as mesmas nas respectivas custas, na proporção de respectivamente 90% e 10%.
Lisboa, 19 de Setembro de 2024
Relator: Emídio Santos
Adjunto Fernando Baptista de Oliveira
Adjunto: Paula Leal de Carvalho