Na acção de impugnação de uma deliberação de assembleia de condóminos, a legitimidade passiva pertence ao condomínio, representado pelo respectivo administrador.
Recorrente: AA, autor
Recorridos: BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, e OO, réus
I.1
AA intentou recurso de revista do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 10 de Maio de 2024 que confirmou, por maioria, a decisão proferida pelo o juízo de competência genérica de Oliveira do Bairro que, em despacho saneador, julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade processual passiva, e, em consequência, absolveu os réus da instância.
O recorrente apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. As ações de anulação das deliberações de Assembleia de Condóminos devem ser intentadas contra os condóminos que votaram favoravelmente a decisão impugnada, e não contra o condomínio.
2. Legitimidade processual é diferente de representação judiciária.
3. Quem tem legitimidade processual são os condóminos que votaram favoravelmente a decisão impugnada - artigo 30º Código de Processo Civil - porque são quem tem “interesse direto em contradizer”.
4. O que subjaz à ação de impugnação de deliberação de condóminos é, de um lado, um ou vários condóminos que pretendem destruir uma deliberação e, do outro lado, outros condóminos que pretendem que a deliberação se mantenha, em consonância com as suas vontades, pelo que, sendo pretensão dos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação que a mesma permaneça na ordem jurídica, são eles que têm o interesse direto em contradizer, e não o condomínio que até pode ter um interesse em não contradizer.
5. O disposto no artigo 1433.º n.º 6 do Código Civil retrata representação judiciária e não legitimidade ad causam.
6. A representação judiciária que se prefigura no n.º 6 do artigo 1433.º do Código Civil, atina com o poder de os condóminos estarem em juízo por intermédio de outrem, que tanto pode ser o administrador como outra pessoa que a assembleia designar para o efeito.
7. No entanto, caso não se considere que o disposto no artigo 1433º nº 6 do CC é um caso de representação judiciária, decorre desse artigo a exclusão da legitimidade passiva do próprio condomínio.
8. Esse nº 6 do artigo 1433º do CC, sustenta que o interesse relevante é o dos condóminos que votaram a deliberação e exclui do âmbito das funções do administrador na execução das deliberações a defesa da legalidade da deliberação.
9. Afirma que estas ações devem ser propostas contra os condóminos que votaram a favor da aprovação da deliberação cuja anulação se pretende, ainda que representados pelo administrador ou por pessoa que a assembleia designe para o efeito, por ser nestes que reside o interesse em contradizer.
10. A revisão do regime (a letra da Lei 8/2022 de 10.01) deixou intocado o artigo 1433º nº 6 do CC, tendo, no entanto, alterado o artigo 1436º do CC.
11. Se fosse vontade do legislador que estas ações fossem intentadas contra o condomínio, seguramente, teria alterado o texto da norma legal.
12. Na doutrina, subscrevem esta posição Lebre de Freitas e Miguel Mesquita, Miguel Teixeira de Sousa (no blog ippc, em 12/05/2021, Jurisprudência 2020 (209), Abílio Neto (Propriedade Horizontal, 2.ª edição, Lisboa, 1992, p. 171).
13. Na jurisprudência subscrevem no mesmo sentido os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto 1257/19.9T8PVZ.P1 de 24-03-2022; de 8/6/2021 (Desº Igreja de Matos), processonº1849/20.3T8MTS.P1;a decisão singular, de7-02-2022 (Desº Rui Moreira), proferida no processo nº 2166/19.7T8PNF.P1 (à data deste acórdão não publicada), convocando o decidido no acórdão de 21-01-2022 (de que foi Relator) proferido no processo nº 6263/21.0T8PRT-A.P1, publicado no site DGSI e com apelo ao acórdão de 8/6/2021; no acórdão de 27-01-2011, processo n.º 2532/08.3TBVCD.P1 (consultável no site da DGSI); no acórdão de 08-03-2016 do Porto, processo nº 1440/14.3TBSTS.P1; e no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09-03-2017, processo nº 42/16.4T8VLN.G1.
14. E, bem assim, no acórdão do STJ de 06-11-2008 (Cons. Santos Bernardino), processo 08B2784, e no recurso excecional de revista, decidido pelo STJ, por contradição de julgados entre acórdãos das Relações do Porto e de Guimarães (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 22/11.6TBEPS.S1.G1 - 1.ª Secção, in Boletim Anual – 2014 – Assessoria Cível - Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Cíveis, páginas 478 e 479, disponível em https://www.stj.pt/wpcontent/uploads/2018/01/sumarioscivel-2014.pdf), decidiu o dissenso entre as Relações e determinou que nas ações de impugnação de deliberação de condomínio é aos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação que assiste a legitimidade processual passiva.
15. Ao que vem dito acresce que houve alteração da realidade jurídica condominial. O condomínio que existia à data da deliberação impugnada- Condomínio do E....... .... .. .... nº 25/27, sito na Rua Dr. ..., ... - já não existe, uma vez que foi, em 25-02-2021, dividido em dois condomínios distintos (Condomínio E....... .... .. ...., Bloco 1, Nr. 27 em ... com o NIPC ... ... .50 e Condomínio Dr. A...... ....... .. ......, Nr. 25 em ... com o NIPC ... ... .10), pelo que não pode o recorrente avançar agora com uma ação contra uma pessoa coletiva que já não existe.
16. O condomínio já não é composto pelos mesmos condóminos (uma vez que ocorreu compra e venda de algumas frações), chamando à atenção que a presente ação deu entrada em 19-07-2021, já tendo passado mais de 3 anos desde o seu início.
17. Absolvendo os réus da instância com o fundamento de que é o condomínio quem tem legitimidade passiva é permitir que quem não votou a deliberação impugnada e que com ela pode até não concordar, seja demandado numa nova ação, podendo assim ficar prejudicado.
18. À data da deliberação o administrador do condomínio apresentou a sua cessão de funções, pelo que também não havia (caso se queira confundir representação com legitimidade) administrador de condomínio, nem sequer provisório que o representasse.
19. Pelo exposto, o tribunal a quo a absolver da instância os réus condóminos que votaram favoravelmente a decisão, considerando que é contra o condomínio que deve a ação ser intentada- o que não pode acontecer, porque quem tem legitimidade para estar na instância são os réus-, está a obrigar o autor a praticar atos inúteis, proibidos nos termos do artigo 130º CPC, porque a avançar com nova ação nesses termos, o autor verá a nova ação ser julgada improcedente pelos motivos supra expostos, violando assim o princípio da economia processual, celeridade da justiça, o artigo 30º do CPC, o artigo 1433º nº6 do CC, e sobretudo o princípio da confiança e estabilidade jurídica constitucionalmente consagrados, porque o autor já avançou com outras ações de impugnação de deliberações de condóminos contra os condóminos que votaram favoravelmente as deliberações, no mesmo tribunal, e não ocorreu nesses processos, absolvição da instância.
20. Pelo que, a legitimidade passiva nas ações de anulação de deliberação da assembleia de condóminos reside nos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação.
21. Termos em que deve o Recurso ser julgado procedente e consequentemente ser revogado o acórdão do tribunal a quo, e ser substituído por outro que considere haver legitimidade passiva dos réus para a presente ação, e não sejam os réus absolvidos da instância,
22. Assim se fazendo Justiça!
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso de revista é admissível ao abrigo do disposto no art.º 671.º do Código de Processo Civil.
Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar a seguinte questão:
1. Legitimidade passiva na acção de impugnação de deliberações do condomínio.
Os factos a ter em conta para a decisão do presente recurso limitam-se ao teor da petição inicial de que se destaca o seguinte:
1. O autor intentou perante o juízo de competência genérica de Oliveira do Bairro (J1) a presente acção declarativa constitutiva, sob a forma de processo comum, contra BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN e OO, invocando a qualidade de condóminos do “E....... .... .. .... nº 25-27” (fracção J do nº 25) de todos os intervenientes processuais.
2. Impugna as deliberações tomadas em assembleia de condóminos relativa ao dito imóvel que teve lugar a 25 de Fevereiro de 2021, na qual os réus participaram e aí votaram favoravelmente a todas ou algumas das deliberações então aprovadas.
3. Aponta irregularidades na convocatória de tal assembleia geral, designadamente afirmando apenas ter tido conhecimento do agendamento através de documento depositado na sua caixa de correio a 19 de Fevereiro de 2021, o que, defende, gera a anulabilidade das deliberações tomadas.
4. Aponta, igualmente, diversas irregularidades substanciais ao conteúdo das próprias deliberações ali aprovadas, considerando-as anuláveis.
5. Formula o pedido de anulação das deliberações do condomínio “E....... .... .. .... nº 25/27”, sito na Rua Dr. ..., ..., resultantes da reunião de Assembleia de Condóminos que decorreu no dia 25 de Fevereiro de 2021, pelas 21 horas.
Legitimidade passiva na acção de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos
Em face do texto do art.º 1433.º do Código Civil, ao longo dos anos têm vindo a firmar-se duas posições antagónicas, atravessando todas as instâncias, relativamente à legitimidade passiva na acção de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, uma, a aqui professada pelo recorrente, e, a outra, seguida pelas decisões recorridas, uma e outra logrando, também apoio da doutrina.
Foi admitida uma revista excepcional para definição da questão, vindo o Supremo Tribunal de Justiça no processo n.º1338/22.1T8MTS.P1.S1, em 28-09-2023, disponível em www.dgsi.pt, ponderados todos os argumentos de ambas as posições, a considerar que na acção de impugnação de uma deliberação da assembleia de condóminos, a legitimidade passiva pertence ao condomínio, representado pelo respectivo administrador por se ter entendido que:
“ (…) a deliberação da assembleia de condóminos exprime a vontade do grupo que constitui o condomínio, e não dos condóminos individualmente considerados, ou dos que aprovaram a deliberação, pois as controvérsias respeitante à impugnação de uma deliberação só satisfazem necessidades colectivas, sem a atinência directa com o interesse individual ou exclusivo de um dos condóminos, com a consequência da atribuição da legitimidade.
Por sua vez, considerando que a deliberação contra a qual se reage traduz a vontade do condomínio, este acaba por ser uma realidade distinta dos seus membros, pelo que assim sendo a boa solução será demandar o condomínio e não apenas os condóminos que votaram a favor da deliberação, mais entendendo no concerne ao n.º 6, do art.º 1433, do CC, que a interpretação a fazer do preceito legal não deverá ser estritamente literal, importando que se atenda aos demais elementos interpretativos, na realização de uma interpretação atualista9, nomeadamente tendo em conta a vigência do DL 267/94, de 25.10, e só com a reforma de 1995/1996 estendendo-se a personalidade judiciária ao condomínio, passando este a ser a parte legítima, assumindo o administrador o papel de representante.”
Nesta acção não se mostram adiantados quaisquer novos argumentos a considerar que nos permitam divergir da posição adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça em tal revista excepcional.
Não há dúvida que a lei, neste particular, tem um texto que, considerado apenas na sua literalidade, apontaria para a solução jurídica apresentada pelo recorrente e poderia, deveria, talvez, há muito, ter sido revisto. Percebem-se as dificuldades esgrimidas pelo recorrente na demanda do condomínio quando, em concreto, o condomínio actual, em virtude de uma cisão, já é só parte daquele que existia no momento da deliberação, sendo possível que o interesse concreto em contradizer a pretensão do recorrente seja diferente daquele interesse que teriam as concretas pessoas que intervieram na deliberação. Mas esse não deixa de ser um dos argumentos que enfraquecem a posição do recorrente. Com efeito, se a deliberação existe e se aplica ao condomínio tal como está, ainda que deliberado por um condomínio “diferente” e se as deliberações adoptadas por maioria têm uma força vinculativa para todos os condóminos, mesmo os que não estiveram presentes ou não concordaram com a deliberação, faz muito sentido que seja o condomínio, representado pelo seu administrador que assuma o lado passivo da acção, sendo certo que sempre poderá convocar uma assembleia de condóminos para obter orientações concretas sobre aquilo que os condóminos, actualmente, entendem dever ser contestado ou aceite.
Deste modo, tendo em conta os argumentos analisados no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça supra assinalado, com os quais concordamos, na ausência de novos e melhores argumentos que da sua orientação nos permitam divergir, reafirmamos que na acção de impugnação de uma deliberação da assembleia de condóminos, a legitimidade passiva pertence ao condomínio, representado pelo respectivo administrador, o que determina a confirmação do acórdão recorrido.
Improcede, pois, a revista.
Pelo exposto acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.
Ana Paula Lobo (relatora)
Catarina Serra
Maria Graça Trigo