OFENSA DO CASO JULGADO
CASO JULGADO FORMAL
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
FUNDAMENTOS
DESPACHO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
AÇÃO ADMINISTRATIVA
ARTICULADO SUPERVENIENTE
OBJETO DO LITÍGIO
TEMAS DA PROVA
ATO INÚTIL
SANEADOR-SENTENÇA
CONHECIMENTO DO MÉRITO
EMBARGOS DE EXECUTADO
Sumário


De acordo com a orientação consolidada da jurisprudência do STJ, o alcance do caso julgado, tanto material como formal, tem de ser aferido pelos respectivos fundamentos; contudo, uma decisão apenas constitui caso julgado relativamente às questões que especificamente foram apreciadas pelo julgador pelo que, no caso dos autos, não ocorre a invocada ofensa de caso julgado formal.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I – Relatório


1. AA e BB, por apenso à execução que CC e DD lhes moveram, deduziram embargos de executado, com fundamento nas alíneas e) e g) do art. 729.º do Código de Processo Civil, invocando a incerteza da alegada obrigação exequenda e a ocorrência de factos modificativos da obrigação, posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração, provados com os documentos que juntaram, factos que implicariam a apreciação de duas questões essenciais: a alteração anormal das circunstâncias (cfr. 437.º do Código Civil) e a existência de uma causa prejudicial (cfr. art. 272.º, n.º 1, do CPC).


2. No decurso dos presentes autos, na sequência de despacho que indeferiu a junção de articulado superveniente e da prolação de despacho saneador sentença, datado de 27-01-2020, os embargantes apresentaram recurso de apelação destas decisões, o qual foi tramitado por apenso (F), tendo sido, em 15-04-2021, proferido acórdão que julgou a apelação procedente, revogou a decisão recorrida e determinou que seja admitido o articulado superveniente, prosseguindo os autos os seus subsequentes trâmites.


Procede-se à transcrição da seguinte passagem da fundamentação deste acórdão (15-04-2021), por se entender relevante:


“Conclui-se, pois, que, em suma, desde a data do encerramento da discussão em cujo âmbito foi proferida a Sentença dada à execução e mesmo depois da dedução da Oposição mediante Embargos, ocorreram um conjunto de factos, alegados no articulado superveniente, que poderão configurar uma alteração anormal das circunstâncias, consagrada nos artigos 437º e ss. do Cód. Civil, sendo, pois, tal subsunção jurídica uma das soluções plausíveis para a questão de direito.


Afigura-se-nos, isso, não existir fundamento para a rejeição liminar do articulado superveniente apresentado.


Ora, numa situação destas deve o juiz do processo elaborar o despacho previsto no artigo 596º, nº 1, do Código de Processo Civil, identificando o objecto do litígio e anunciando os temas da prova segundo as diversas soluções plausíveis das questões de direito e não decidir.


Impõe-se, por isso, a procedência da apelação.


A procedência da apelação nesta parte importa a anulação do saneador-sentença, ficando prejudicadas as restantes questões suscitadas no recurso (artigos 195.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).”.


3. No seguimento deste acórdão, foi cumprido o contraditório relativamente ao teor do articulado superveniente, e, por despacho datado de 18-11-2021, foi admitida a junção aos autos do articulado superveniente e proferido despacho com o seguinte teor:


“No caso dos autos, a procedência ou improcedência da referida acção instaurada pelo Ministério Público, mesmo que não coloque em causa a capacidade construtiva do terreno, irá interferir e influenciar a decisão a proferir neste processo, designadamente ao nível da verificação ou não de condições que fundem uma alteração do contrato.


Face ao exposto, entende-se que se verifica uma relação de prejudicialidade e em consequência, nos termos do disposto no artigo 272º, nº 1, do Código de Processo Civil, decide-se suspender esta instância até à prolação da sentença final com trânsito em julgado na ação administrativa de impugnação das licenças para declaração de nulidade de todos os atos praticados no âmbito do processo que culminou na emissão do alvará de licenciamento nº ALV/..28/17/DMU, com pedido de demolição do já construído) a correr termos sob o nº 62/19.7..., do Tribunal do Tribunal Administrativo e Fiscal ....”.


4. Por despacho de 26-01-2022, foi dado sem efeito o despacho proferido em 18-11-2021, porque, à data da prolação deste despacho, já constava nos autos a sentença transitada em julgado proferida no proc. n.º 62/19.7..., do Tribunal Administrativo e Fiscal ....


5. Por despacho de 14-02-2022, foi admitido o novo articulado superveniente junto pelos embargantes, e proferido despacho com o seguinte teor:


“Em suma, a procedência ou improcedência das referidas acções instauradas no Tribunal Administrativo ..., mesmo que não coloque em causa a capacidade construtiva do terreno, irá interferir e influenciar a decisão a proferir neste processo, designadamente ao nível da verificação ou não de condições que fundem uma alteração do contrato, como o Tribunal da Relação do Porto já escreveu no âmbito do Acórdão proferido no Apenso F.


Face ao exposto, entende-se que se verifica uma relação de prejudicialidade e em consequência, nos termos do disposto no artigo 272º, nº 1, do Código de Processo Civil, decide-se suspender esta instância até à prolação da sentença final com trânsito em julgado na ação administrativa de impugnação das licenças para declaração de nulidade de todos os atos praticados no âmbito do processo que culminou na emissão do alvará de licenciamento nº ALV/..28/17/DMU, com pedido de demolição do já construído) a correr termos sob o nº que correm termos sob os n.ºs 1246/21.3... e 2299/21.0..., no Tribunal Administrativo e Fiscal ..., Unidade Orgânica 2, mais concretamente até que seja proferida uma decisão transitada em julgado em último lugar.”.


6. Posteriormente, foram juntas aos autos as certidões das sentenças proferidas nos supra identificados processos e, após contraditório, foi proferido despacho saneador sentença, datado de 26-05-2023, que julgou improcedentes os embargos de executado, determinando, em consequência, o prosseguimento da acção executiva.


7. Na sequência de recurso de apelação dos embargantes, em 07-12-2023, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, que julgou o recurso improcedente e manteve a decisão recorrida.


8. Inconformados, os embargantes deduziram recurso de revista, no qual - além de suscitarem questão relativa à decisão de custas, cujo conhecimento ficou, entretanto, prejudicado pela decisão referida infra, no ponto 10 deste relatório – invocaram o fundamento previsto no art. 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC, da ofensa do caso julgado formal formado com as seguintes decisões, transitadas em julgado, proferidas no processo: acórdão do Tribunal da Relação de 15-04-2021 (Apenso F) e despachos da 1.ª instância datados de 18-11-2021 e de 14-02-2022.


9. Os embargados contra-alegaram, concluindo pela inadmissibilidade do recurso, por não existir violação do caso julgado, e, caso assim não se entenda, pugnando pela improcedência da revista.


10. A 20-05-2024 foi proferido despacho do Juiz relator do Tribunal da Relação a dispensar os embargantes do pagamento da taxa de justiça remanescente, tendo os embargantes apresentado novas alegações de revista, nas quais reduziram o âmbito do recurso unicamente à questão da ofensa do caso julgado formal.


II – Admissibilidade e objecto do recurso


Vieram os embargantes interpor recurso nos termos do art. 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC, por, em seu entender, se verificar ofensa do caso julgado formal formado com as seguintes decisões, transitadas em julgado, proferidas no processo: acórdão do Tribunal da Relação de 15-04-2021 (Apenso F) e despachos da 1.ª instância datados de 18-11-2021 e de 14-02-2022.


Pugnam os recorridos pela inadmissibilidade do recurso de revista, por entenderem que o acórdão recorrido desrespeita as decisões identificadas pelos recorrentes.


Considerando-se existir uma possibilidade suficientemente relevante de verificação da invocada ofensa do caso julgado formal, o recurso é admissível, ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC, estando o seu objecto circunscrito ao conhecimento da invocada violação do caso julgado.


III – Fundamentação de facto


Com relevância para o que ora se decide, importa atender aos factos constantes do relatório supra.


Nos autos, com vista à apreciação do mérito dos embargos, foram considerados provados os seguintes factos:


1. Os exequentes CC e DD, intentaram contra os executados AA e BB, a ação executiva de que estes autos são apenso, dando à execução a sentença proferida no processo n.º 4339/15.2..., que correu os seus termos pelo Juízo Central Cível da ..., ... 3, da qual se encontra cópia no histórico eletrónico do processo executivo, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.


2. A referida sentença foi proferida em 09/01/2018, tendo na sua parte dispositiva sido consignado o seguinte:


“Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente, e, em consequência, absolvendo-os do mais, condeno os RR. a pagar aos AA. a quantia de 900.000,00 € (novecentos mil euros) acrescidos de juros de mora à taxa de 4% ao ano desde a citação até integral pagamento”.


3. Na fundamentação da matéria de facto, na parte que agora releva, do nº 3 dos factos provados [relativos às condições contratuais] resulta o seguinte:


“As partes fizeram consignar no supra referido contrato, entre outras, as cláusulas seguintes:


“CLÁUSULA SEGUNDA (Objecto)


1. Os Vendedores vendem ao Comprador, que compra, as Acções da Sociedade, nos termos e demais condições previstas no presente Contrato.


2. As Acções da Sociedade são transferidas e os respectivos títulos de acções entregues ao Comprador na presente data livres de quaisquer ónus e encargos e conjuntamente com todos os respectivos direitos pessoais e patrimoniais, directos ou conexos, incluindo quaisquer créditos que, sobre a Sociedade, assistam aos Vendedores.


3. Para além da verificação das Condições Precedentes e da não revelação da inveracidade, incompletude ou incorrecção de qualquer facto ou circunstância declarada representada e garantida pelos Vendedores que seja para o Comprador determinante da sua resolução, o presente Contrato fica subordinado à verificação das Condições essenciais (de ora em diante as "Condições Essenciais") que consistem em:


a) A Sociedade tornar-se, por via de compra e com recurso ao financiamento aprovado pela CGD, no valor de € 10.300.000,00 (dez milhões e trezentos mil euros), a única proprietária e legítima possuidora dos Imóveis, e que estes estejam, com excepção da hipoteca inscrita a favor da CGD, completamente livres de ónus e encargos e devolutos de pessoas e de bens que não integrem os Imóveis, sem qualquer reserva ou exclusão, e que se mantenham válidos e em vigor os despachos da CMP de deferimento do P.I.P. e respectiva aclaração, relativo aos Imóveis, conforme requerido pela Sociedade, assim como a confirmação da intenção manifestada pela CGD de financiar a construção nos Imóveis na ordem dos 70 % do custo respectivo, acto para o qual o Comprador se compromete a prestar toda a colaboração necessária à sua concretização a partir do momento da assinatura do presente Contrato, cumprindo com os pedidos nesse sentido formulados pelo Vendedor a fim de concretizar a aquisição dos imóveis durante o mês de Dezembro…


CLÁUSULA TERCEIRA (Condições Precedentes)


1. Os Vendedores e o Comprador declaram e reconhecem que a celebração do presente Contrato encontra, na verificação dos seguintes factos, os seus pressupostos essenciais:


a) Que a Sociedade não tenha nesta data nem na Data da Verificação das Condições qualquer outra responsabilidade ou passivo além daqueles que se encontram reflectidos nas suas contas, que os Vendedores garantem terem sido elaboradas de acordo com os princípios contabilísticos geralmente aceites em Portugal e com as regras do Plano Oficial de Contabilidade e daquelas que lhe sucederam (Sistema de Normalização Contabilística);


b) Que os Vendedores continuem a ser, na Data da Verificação das Condições, os únicos proprietários e legítimos possuidores das Acções da Sociedade, e titulares de direito livre e negociável sobre as mesmas;


c) Que não exista ou subsista qualquer litígio, judicial ou extra-judicial, relacionado com os Imóveis e/ou com as Acções da Sociedade;


d) Que as Declarações de Garantia sejam completas, correctas, verdadeiras, precisas e fiáveis


3. Se, seja qual for a razão, alguma das Condições Precedentes não se tiver verificado até à Data da Verificação das Condições, o Comprador poderá resolver imediatamente o presente Contrato, caso em que será aplicável o disposto na cláusula Oitava…


CLÁUSULA QUARTA (Preço e forma de pagamento)


1. Sem prejuízo do disposto no número 3 desta Cláusula, o preço da venda das Acções da Sociedade é de 900.000 (novecentos mil euros) (de ora em diante designado por "Preço Base").


2. O Preço Base será pago pelo Comprador aos Vendedores em três prestações, a primeira, no valor de € 265 000,00 (duzentos e sessenta e cinco mil euros) a liquidar no prazo máximo de trinta dias, a contar da data da disponibilização do Crédito de Fomento à Construção que será contratado pela Sociedade com a CGD, ou do dia 1 de Agosto de 2010, consoante aquele que, cronologicamente, ocorrer em último lugar; a segunda, no valor de € 317 500,00 (trezentos e dezassete mil e quinhentos euros), a liquidar no prazo máximo de trinta dias a contar da data em que se constatar estarem vendidas 50 % das fracções autónomas que integrarão os edifícios para habitação, comércio e serviços, a constituir em propriedade horizontal e a construir nos Imóveis; e a terceira, também no valor de € 317 500,00 (trezentos e dezassete mil e quinhentos euros), a liquidar no prazo máximo de trinta dias a contar da data em que se constatar estarem vendidas 60 % das fracções autónomas que integrarão os edifícios para habitação, comércio e serviços, a constituir em propriedade horizontal e a construir nos Imóveis (...)


4. O Preço Base previsto no presente Contrato será, com exclusão do disposto no número seguinte, devido a partir do momento em que os Imóveis sejam registados definitivamente em nome da Sociedade, mesmo que o Comprador desista da intenção de construir nos Imóveis.


5. Constitui única excepção ao disposto no número anterior o facto de a licença de construção não vir a ser emitida pela CM... por motivo de não capacidade construtiva dos Imóveis, cenário em que o presente Contrato será anulado e restituídas todas as prestações até então efectuadas...


CLÁUSULA SÉTIMA (Data da Verificação das Condições, Caducidade e Resolução)


1. Para os efeitos previstos no presente Contrato, Data da Verificação das Condições significa a concreta data na qual se verifiquem estar reunidas, verificadas e/ou, sempre que aplicável, asseguradas todas as Condições Precedentes e as Condições Essenciais.


2. Caso a Data da Verificação das Condições não ocorra até ao dia 5 (cinco) de Janeiro de 2010 por qualquer outra razão que não seja a do incumprimento culposo imputável aos Vendedores ou à Compradora, o presente contrato será considerado como caducado e de nenhum efeito, havendo lugar à restituição de quanto houver sido até então prestado entre as Partes e sem que haja lugar a qualquer pedido de reparação, compensação ou indemnização por qualquer das partes”;


4 – E nos n.ºs 4 a 12 dos mesmos factos provados [relativos ao cumprimento das condições contratuais] consta o seguinte:


O registo a favor a sociedade A...S.A. dos prédios sob as descrições prediais da Freguesia de ... .85/......18, .10/......30 e ..07/......25 foi convertido em definitivo em 12/01/2010, o mesmo sucedendo com o registo das respectivas hipotecas constituída por aquela a favor da Caixa Geral de Depósitos como garantia de empréstimo bancário concedido por esta.


5. Através de escritura pública celebrada a 8/01/2010 os supra identificados prédios foram adquiridos pela sociedade A...S.A. pelo preço global declarado de 7.375.000,00€.


6. Em 31/12/2009, o Réu-marido subscreveu uma "Declaração" com o seguinte teor: ”Declaro para os devidos efeitos que em relação ao Contrato por mim assinado no passado dia 28 do corrente com V. Excias de aquisição de acções da A...S.A., e perante os elementos inequívocos que me foram entregues e que comprovam nomeadamente a obtenção pela sociedade da aprovação de um financiamento de 10.300.000,00 € (dez milhões e trezentos mil euros), e a confirmação expressa pela CGD da sua intenção de financiar a actividade futura de construção daquela empresa, dou nesta data como verificadas as “Condições Essenciais” tidas como obrigatórias no âmbito do referido contrato.


Mais declaro também, que perante o cumprimento das “Condições Precedentes”, a “Data de Verificação das Condições”, previstas no contrato de venda de acções assinado em 28.12.2009, ocorre hoje dia 31.12.2009, deixando de se aplicar doravante e consequentemente o dispositivo que me permitiria dar como incumprido o contrato com base na não verificação das condições previstas contratualmente e referentes à “Data da Verificação das Condições”. Todas as outras disposições contratuais mantêm-se válidas”.


7. Em 14/10/2009, a Caixa Geral de Depósitos endereçou à sociedade "A...S.A.” uma carta informando que aprovara o financiamento para aquisição dos imóveis acima referidos, no valor de €10.300.000,00.


8. Nesta data, mantinham-se válidos e em vigor os despachos da Câmara Municipal ... de deferimento do P.I.P. e respectiva aclaração, referentes aos imóveis em referência nos autos (Cfr. teor dos Doc. de fls. 63 e ss.).


9. A CGD confirmara também a intenção de financiar a construção nos imóveis.


10. A sociedade "A...S.A." não tinha qualquer outra responsabilidade ou passivo para além dos refletidos nas contas.


11. Os Autores continuavam a ser os únicos proprietários e possuidores das ações.


12. Não existiam quaisquer litígios relacionados com os imóveis identificados ou com as ações da indicada sociedade”;


5 - Na parte da sentença destinada à motivação de direito, foi salientado, para além do mais, o seguinte:


“De acordo com as indicadas disposições contratuais:


“O Preço Base previsto no presente Contrato será, com exclusão do disposto no número seguinte, devido a partir do momento em que os imóveis sejam registados definitivamente em nome da Sociedade, mesmo que o Comprador desista da intenção de construir nos imóveis” (n.º 4), e


“Constitui única excepção ao disposto no número anterior o facto de a licença de construção não vir a ser emitida pela CM... por motivo de não capacidade construtiva dos Imóveis, cenário em que o presente Contrato será anulado e restituídas todas as prestações até então efectuadas” (n.º 5).


Ora, se bem se percebe, com isto o que as partes, antes do mais, quiseram reforçar foi o momento a partir do qual se iniciava a produção dos efeitos do contrato.


Na realidade, tendo em conta que o interesse do R. pelas ações dos AA. na sociedade A...S.A. se confundia com o seu interesse pelos terrenos onde pretendia construir, de entre as condições a que a eficácia do respetivo contrato de compra e venda daquelas ações ficou submetido destaca-se a aquisição pela sociedade desses terrenos.


Nesta medida, não surpreende que o registo dos imóveis em nome da sociedade, 12/01/2010, inerente à aquisição dos mesmos tenha sido eleito pelas partes como o momento da verificação desta condição e consequentemente do início da produção dos efeitos do contrato condicionado, máxime da obrigação de o R. pagar o preço base de 900.000,00 € convencionado para as ações.


Depois, quiseram as partes dizer que, iniciada a produção dos efeitos do contrato, a partir desse momento, o seu cumprimento, máxime da obrigação de pagamento do preço base, seria sempre devida mesmo que o R. não levasse a cabo a construção, tanto mais que já havia sido provisoriamente executada a obrigação da transmissão das ações para satisfação dos interesses do R., entretanto concretizado, de servir de garantia ao empréstimo contraído pela sociedade para aquisição dos imóveis.


Com uma única exceção, prevista no n.º 5, a não emissão camarária da licença de construção por falta de capacidade construtiva dos imóveis.


Neste caso, o cumprimento do contrato não seria exigível, designadamente o pagamento do preço, com a consequente restituição das prestações já efetuadas.


De onde, se nos afigura que as partes quiseram deixar claro que a partir do momento em que o contrato se tornasse efetivo com o registo dos imóveis em nome da sociedade, passava a assistir aos vendedores o crédito de 900.000,00 € correspondente ao preço base das ações, correndo pelo R. o risco da não construção, exceto quando causada pela não emissão de licença de construção por falta de capacidade construtiva, e, portanto, ainda que devida à falta de financiamento”;


6. Da referida sentença foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto que a confirmou integralmente e, sendo interposto recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, não foi a mesma admitida por acórdão de 19/09/2019;


7. Em 02/05/2017, a sociedade A...S.A., dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal ... o requerimento de licença de obra de edificação constante do documento apresentado com o articulado de oposição, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;


8. Em 03/10/2017, a Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal ... comunicou à sociedade A...S.A., a aprovação do projeto de arquitetura, nos termos constantes dos documentos apresentados com o articulado de oposição, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;


9. Em 17/11/2017, a Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal ... comunicou à sociedade A...S.A., a aprovação do pedido de licenciamento de obras de edificação, nos termos constantes do documento apresentado com o articulado de oposição, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;


10. Em 15/12/2017, a Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal ... comunicou à sociedade A...S.A., o deferimento do pedido de emissão de alvará, nos termos constantes do documento apresentado com o articulado de oposição, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;


11. Em 07/02/2018, a sociedade A...S.A., dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal ... o pedido de emissão de alvará de licença de obra de edificação – fase 2, constante do documento apresentado com o articulado de oposição, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;


12. Em 23/02/2018, a Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal ... comunicou à sociedade A...S.A., o deferimento do pedido de licenciamento da operação de edificação (2ª fase), nos termos constantes do documento apresentado com o articulado de oposição, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;


13. Em 08/08/2018, a sociedade A...S.A., dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal ... o requerimento constante do documento apresentado com o articulado de oposição, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;


14. Em 09/11/2018, no processo n.º 2483/18.3... do Tribunal Administrativo e Fiscal ... foi proferida a sentença constante do documento apresentado com o articulado de oposição, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;


15. No referido processo n.º 2483/18.3... o Município ... apresentou a resposta constante do documento apresentado com o articulado de oposição, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;


16. Em 24/01/2019, a Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal ... comunicou à sociedade A...S.A., a suspensão da licença e dos trabalhos em curso na ..., nos termos constantes do documento apresentado com o articulado de oposição, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;


17. Em 07/02/2019, a sociedade A...S.A., intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal ... contra o Município ... processo urgente de intimação judicial para a prática de ato legalmente devido, nos termos constantes do documento apresentado com o articulado de oposição, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;


18. No âmbito do processo n.º 4339/15.2..., que correu os seus termos pelo Juízo Central Cível da ..., ... 3, foi elaborado o relatório de avaliação constante do documento apresentado com o articulado de oposição, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.


19. A Câmara Municipal ... emitiu as Licenças de Construção, quer para a Fase I, quer para a Fase II da construção do empreendimento, denominado P....... ..... .........., em construção nos terrenos objeto dos autos, nos termos constantes dos documentos anexos ao requerimento ref.ª de 30.06.2021, que se dão por integralmente reproduzidos, para os devidos efeitos legais.


20. No âmbito da Ação Administrativa n.º 62/19.7..., do Tribunal Administrativo e Fiscal ..., intentada pelo Ministério Público contra o Município ..., em 18/01/2019, foi proferida sentença, transitada em julgado em 02.07.2020, que:


“Absolveu o réu da instância quanto aos seguintes atos:


a) - Aprovação do Pedido de Informação Prévia, proferido pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade da CM... em 13-2-2009, a favor da A...S.A. e


b) - Despacho retificativo da aprovação do pedido de informação prévia, proferido pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade da CM... em 6-4-2009, a favor da A...S.A..


E julgou a ação improcedente quanto aos demais pedidos e, por conseguinte, absolveu o Réu dos mesmos - cfr. certidão judicial junta a 28.09.2020, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.”.


21. No âmbito da Ação Administrativa n.º 2299/21.0..., do Tribunal Administrativo e Fiscal ..., intentada por EE e FF, GG e HH contra o Município ... e, enquanto contra-interessada, a A...S.A., foi proferida sentença, transitada em julgado em 12.12.2021, que absolveu os réus da instância - cfr. certidão judicial junta a 09.01.2023 e sentença junta a 18.11.2022 que se dão por integralmente reproduzidas.


22. No âmbito da Ação Administrativa n.º 1246/21.3..., do Tribunal Administrativo e Fiscal ..., intentada por Associação Núcleo de Defesa do Meio ambiente de L...... .. .... . ..... ........., contra o Município ... e, enquanto contra-interessada, a A...S.A., foi proferida sentença, transitada em julgado em 27.09.2022, que absolveu os réus da instância - cfr. certidão judicial junta a 18.11.2022 que se dá por integralmente reproduzida.


23. A Inspeção Geral de Finanças produziu o relatório 2019/194, cujo cópia foi junta como documento n.º 1 com o 1º articulado superveniente e se dá por integralmente reproduzida.


IV – Fundamentação de direito


1. Alegam os recorrentes que o acórdão proferido nos presentes autos, em 07-12-2023, violou o caso julgado formal que se formou com as seguintes decisões proferidas no processo: acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-04-2021 (Apenso F) e despachos da 1.ª instância datados de 18-11-2021 e de 14-02-2022.


O acórdão recorrido confirmou a decisão da 1.ª instância ao decidir do seguinte modo:


“(…) De facto, as decisões/despachos que os recorrentes invocam em nada contendem ou apresentam contradição com a decisão proferida na sentença a quo, como se exige no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-04-2023, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:


“IV - A violação do caso julgado tem como pressuposto ser a própria decisão impugnada a contrariar anterior decisão transitada em julgado violando-o, ela mesma, diretamente.


V - A eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior no quadro da relação material controvertida aqui invocada.”


Ou seja, a sentença a quo manteve por coerente e boa a sentença dada à execução, respeitou as decisões plasmadas nas sentenças referidas em 20, 21 e 22, dos factos assentes na sentença a quo, e está em conformidade com a decisão proferida no Acórdão deste Tribunal da Relação de 15-04-2021, cujo prosseguimento era motivado pela pendência de acções, no ínterim, já decididas. De resto, não resulta da factualidade provada quaisquer factos que nos leve a concluir que com a sua actuação os recorrentes actuaram com abuso de direito.”. [negritos nossos]


2. O caso julgado alcança-se quando, nos termos do art. 628.º do CPC, não se mostra possível alterar uma determinada decisão, o que comumente se denomina de trânsito em julgado. Por força do decurso de um dado prazo legal uma decisão transita em julgado assim que não seja possível dela recorrer (cfr. arts. 638.º, n.º 1, e 632.º, do CPC) ou reclamar (cfr. arts. 149.º, n.º 1, 615.º, n.º 4, e 616.º, todos do CPC).


Para o que ora releva, o caso julgado formal reporta-se às decisões recorríveis relativas a questões de carácter processual, tendo apenas força obrigatória dentro do processo onde são proferidas. Por força deste instituto, fica o juiz impedido de, no âmbito do mesmo processo, alterar aquilo que já foi decidido; fica também impedido de contrariar decisões já transitadas. Resulta, assim, que devido ao caso julgado formal, deve o juiz respeitar as decisões proferidas no processo e seus apensos ou incidentes, ainda que respeitantes a questões de natureza meramente processual.


De acordo o disposto no art. 620.º do CPC, e nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 01-03-2023 (proc. n.º 1202/20.9T8OER-A.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt, o caso julgado formal “(…) constitui uma exigência do conceito de processo, enquanto conjunto encadeado de atos, bem como da necessidade da estabilização de tais atos do mesmo decorrentes, essencial à realização das finalidades do processo”.


Assim como decidido no acórdão deste Supremo Tribunal de 03-05-2023 (proc. n.º 1182/20.0T8VRL-C.G1.S1), consultável em www.dgsi.pt, ainda que a propósito de situação diversa: “O caso julgado formal (art. 620.º, n.º 1, do CPC), relativo a decisões relativas a questões ou matérias que não são de mérito, tem como corolários fundamentais: (i) as sentenças, acórdãos e despachos transitados têm força obrigatória de tal forma que são imodificáveis no interior do processo em que são proferidos e é inadmissível (ineficaz: art. 625.º, n.º 2, do CPC) decisão posterior e/ou decisão contrária ou desrespeitadora sobre a mesma questão ou matéria sobre o qual incidiram (extinção do poder jurisdicional: art. 613.º do CPC); (ii) o caso julgado constitui-se e produz efeitos “nos precisos limites e termos em que julga” (art. 621.º do CPC).”.


3. No caso dos autos, importa distinguir a natureza dos despachos singulares proferidos em 18-11-2021 e 14-02-2022 relativamente à natureza do acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 15-04-2021.


Os despachos singulares de 18-11-2021 e de 14-02-2022 são despachos que declararam a suspensão da instância executiva, por, nos termos do disposto no art. 272.º, n.º 1, do CPC, se considerar verificada a prejudicialidade entre a decisão a proferir nos presentes autos e as acções n.º 62/19.7..., n.º 1246/21.3... e n.º 2299/21.0..., que correram termos no Tribunal Administrativo e Fiscal ..., acções administrativas de impugnação das licenças para efeito de declaração de nulidade de todos os actos praticados no âmbito do processo que culminou na emissão do alvará de licenciamento n.º ALV/..28/17/DMU, com pedido de demolição do já construído.


De acordo com esses despachos, foi declarada a suspensão da instância dos embargos de executado até à prolação de decisão final com trânsito em julgado nos referidos processos judiciais administrativos, no pressuposto de que tal decisão, se procedente, pudesse influenciar a sorte da decisão nos presentes autos.


Mais concretamente, aqueles dois despachos interlocutórios declararam a suspensão da instância dos embargos de executados por se considerar que o resultado final das referidas acções administrativas poderia influir na procedência dos embargos, uma vez que, na sentença dada à execução, o preço fixado para o valor das acções societárias em causa se mostrava indexado à viabilidade e capacidade construtiva dos referidos imóveis, podendo, designadamente, vir a dar-se como verificada a alteração das circunstâncias invocada pelos embargantes.


Os presentes autos estiveram suspensos até ao trânsito em julgado das decisões proferidas naquelas acções administrativas.


Vindo, entretanto, a ser juntas aos autos as respectivas certidões de trânsito em julgado, conforme consta dos factos provados 20 a 22, de acordo com as quais todas essas acções foram julgadas improcedentes, tal como entendeu o acórdão recorrido, não sobreveio qualquer decisão judicial susceptível de influenciar o curso dos presentes autos.


Temos, pois, que, no que se refere aos despachos singulares de 18-11-2021 e de 14-02-2022, não se verificou qualquer violação do caso julgado formal que sobre eles se formou, na medida em que o acórdão recorrido respeitou o aí decidido, tendo aguardado pelo trânsito em julgado das referidas acções administrativas e, posteriormente, decidiu do mérito dos embargos atendendo ao decidido nas referidas acções, que foram consideradas improcedentes.


Quaisquer outras referências ou afirmações que constam dos referidos despachos não integram pronúncia sobre o mérito da matéria a decidir nos autos, mas tão só um juízo de possibilidade relativamente ao desfecho das acções administrativas em curso, que poderia ou não vir a concretizar-se, consoante o sentido final de procedência ou improcedência do pedido naqueles autos, não revestindo valor de caso julgado.


A decisão relativamente à qual se formou caso julgado com esses despachos foi a declaração de suspensão da instância dos embargos até à junção das certidões com nota de trânsito em julgado das decisões das referidas acções administrativas.


Ora, o acórdão recorrido respeitou o caso julgado formal formado por estes despachos e considerou que, verificando-se a improcedência daquelas acções, não foram apurados factos que permitissem sustentar o pretendido pelos embargantes.


4. No que refere à ofensa do caso julgado formado pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 15-04-2021, proferido no Apenso F do presente processo, temos que aí foi decidido o seguinte:


“Acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando a decisão recorrida, que deverá admitir o articulado superveniente, prosseguindo os autos os seus subsequentes trâmites”.


Importa, antes de mais, recordar o encadeamento processual que determinou a prolação do referido aresto pelo Tribunal da Relação do Porto, no Apenso F destes autos de execução:


- Em sede de audiência prévia, foi, a 27-01-2020, decidida a rejeição do articulado superveniente dos embargantes, com a seguinte fundamentação:


“Os factos constantes do articulado superveniente agora apresentado não têm qualquer relevância para a decisão a proferir nos presentes embargos de executado, uma vez que, como melhor se demonstrará na sentença que em seguida será proferida, não produzem a existência de qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda, pelo que nos termos do artigo 588.º, n.º 4 do Código do Processo Civil, decide-se não admitir o articulado superveniente agora apresentado pelos embargantes.”.


- Na referida diligência de audiência prévia, foi, em seguida, proferido despacho saneador sentença que decidiu pela improcedência dos embargos, com os seguintes fundamentos:


- “(…) com o trânsito em julgado da sentença proferida no processo nº 4339/15.2..., que correu os seus termos pelo Juízo Central Cível da ..., ... 3, as partes ficaram vinculadas ao que ali foi decidido, em termos de facto e de direito, não podendo em ação posterior [salvo em recurso de revisão] afastar os fundamentos em que assentou a decisão”;


- Os factos invocados não são susceptíveis de integrar qualquer alteração das circunstâncias, nos termos do art. 437.º do CC, uma vez que, conforme se decidiu nos autos de que emergiu a sentença que constitui título executivo, “(…) a partir do momento em que os imóveis fossem registados em nome da sociedade, como foram em 12/01/2010, o risco pela não construção transferiu-se para os embargantes, com uma única exceção: se a não emissão da licença de construção fosse devida à falta de capacidade construtiva” e a documentação junta pelos embargantes não coloca “em causa a capacidade construtiva dos imóveis”.


- Os embargantes apresentaram recurso de apelação do despacho de rejeição do articulado superveniente e do despacho saneador sentença, tendo sido proferido o acórdão do Tribunal da Relação, datado de 15-04-2021, que os recorrentes invocam ter sido desrespeitado pelo acórdão ora recorrido, datado de 07-12-2023.


- Recorde-se que na fundamentação do acórdão de 15-04-2021 se afirmou o seguinte:


“Conclui-se, pois, que, em suma, desde a data do encerramento da discussão em cujo âmbito foi proferida a Sentença dada à execução e mesmo depois da dedução da Oposição mediante Embargos, ocorreram um conjunto de factos, alegados no articulado superveniente, que poderão configurar uma alteração anormal das circunstâncias, consagrada nos artigos 437º e ss. do Cód. Civil, sendo, pois, tal subsunção jurídica uma das soluções plausíveis para a questão de direito.


Afigura-se-nos, [por] isso, não existir fundamento para a rejeição liminar do articulado superveniente apresentado.


Ora, numa situação destas deve o juiz do processo elaborar o despacho previsto no artigo 596º, nº 1, do Código de Processo Civil, identificando o objecto do litígio e anunciando os temas da prova segundo as diversas soluções plausíveis das questões de direito e não decidir.


Impõe-se, por isso, a procedência da apelação.”. [negrito nosso]


- Retornando os autos ao Tribunal de 1.ª instância, e dando-se cumprimento à determinação do acórdão de 15-04-2021, foi o articulado superveniente admitido, aí prosseguindo os autos.


- A 26-05-2023 foi proferido despacho saneador sentença, entendendo-se que os factos provados nos autos permitiam conhecer desde logo do mérito dos embargos, os quais foram julgados improcedentes, determinando-se, em consequência, o prosseguimento da acção executiva.


- Na sequência de recurso de apelação dos embargantes, em 07-12-2023, foi proferido o acórdão ora recorrido, que julgou o recurso improcedente e manteve a decisão recorrida. Na respectiva fundamentação pode ler-se:


“Afigura-se-nos, assim, não se mostrarem provados ou controvertidos nos autos factos essenciais por forma a constituir, modificar ou extinguir o direito de crédito dos recorridos declarado na sentença exequenda, ou seja, não se verifica in casu qualquer alteração anormal das circunstâncias modificativas da base negocial subjacente à vontade expressa das partes, donde emerge o direito de crédito dos recorrentes e a obrigação de pagamento por parte dos recorridos.


Ou seja, e como se diz na sentença a quo, não resulta dos autos abalo à sentença dada à execução “(…) já transitada em julgado e proferida no processo nº 4339/15.2..., que correu os seus termos pelo Juízo Central Cível da ..., ... 3 (…)”, pelo que as “(…) partes ficaram vinculadas ao que ali foi decidido, em termos de facto e de direito, não podendo em ação posterior [salvo em recurso de revisão] afastar os fundamentos em que assentou a decisão.”.


Também não há desacerto na decisão proferida que a enferme de vício, com fundamento na violação do caso julgado.”. [negrito nosso]


Insistem os recorrentes em que o acórdão recorrido desrespeita o decidido no acórdão de 15-04-2021.


Vejamos.


De acordo com o dispositivo do acórdão proferido no Apenso F (“Acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando a decisão recorrida, que deverá admitir o articulado superveniente, prosseguindo os autos os seus subsequentes trâmites”), apenas foi determinada a admissão do articulado superveniente, prosseguindo os autos a sua normal tramitação.


Não se ignora, porém que, em conformidade com a orientação consolidada da jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr., a título exemplificativo, o acórdão de 12-10-2023, proc. n.º 275/20.9T8ESP-E.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), o alcance do caso julgado, tanto material como formal, tem de ser aferido pelos respectivos fundamentos.


Importa, assim, considerar qual o sentido da menção existente na fundamentação do acórdão de 15-04-2021: “numa situação destas deve o juiz do processo elaborar o despacho previsto no artigo 596º, nº 1, do Código de Processo Civil, identificando o objecto do litígio e anunciando os temas da prova segundo as diversas soluções plausíveis das questões de direito e não decidir”.


Considera-se que esta menção ao dever de elaborar o despacho previsto no art. 596.º, n.º 1, do CPC, é apenas e tão só o que resulta do disposto no n.º 6 do art. 588.º do CPC (“Os factos articulados que interessem à decisão da causa constituem tema da prova nos termos do disposto no artigo 596.º.”), como decorrência processual da admissão de articulado superveniente decidida pelo acórdão de 15-01-2021.


Ao proferir o despacho saneador sentença de 26-05-2023, entendeu o Tribunal da 1.ª instância, no que veio a ser acompanhado pelo acórdão recorrido, que os factos provados nos autos permitiam conhecer desde logo do mérito dos embargos.


Entendimento que bem se compreende, atendendo a que, de acordo com os factos provados, as acções administrativas que determinaram a suspensão da instância, por prejudicialidade, foram já decididas, no sentido da improcedência, pelo que nenhum impedimento à capacidade e viabilidade construtiva resultou do desfecho das referidas três acções administrativas que absolveram os réus do pedido e/ou da instância; ademais foram emitidas as licenças de construção quer da fase 1, quer da fase 2, sendo o teor do relatório da IGF n.º 2019/194 igualmente irrelevante para a decisão dos autos.


Ora, como se viu supra, o acórdão do Tribunal da Relação de 15-04-2021 que, de acordo com o regime do art. 588.º do CPC, decidiu admitir o articulado superveniente, limitou-se a aplicar o disposto no n.º 6 deste preceito que remete para o art. 596.º do CPC, que, por sua vez, prevê a indicação do objecto do processo e a enunciação dos temas da prova, com vista à realização da audiência de julgamento.


Assim, a menção do acórdão de 15-04-2021 que ora está em causa (“numa situação destas deve o juiz do processo elaborar o despacho previsto no artigo 596º, nº 1, do Código de Processo Civil, identificando o objecto do litígio e anunciando os temas da prova segundo as diversas soluções plausíveis das questões de direito e não decidir”) teve lugar apenas em virtude do teor das normas convocadas.


Mas, se, como no caso se verifica, os factos constantes do articulado superveniente estavam dependentes da decisão de acções judiciais – as quais, entretanto, foram efectivamente decididas no sentido da improcedência, razão pela qual, não têm qualquer relevância para a pretensão dos embargantes – não resulta obrigatória a prolação de despacho saneador com a fixação do objecto do processo e a enunciação dos temas da prova, sob pena de se estar a praticar um acto inútil, o qual se encontra vedado por lei (cfr. art. 130.º do CPC).


Significa isto que uma decisão apenas constitui caso julgado formal relativamente às questões que especificamente foram apreciadas pelo julgador.


Ora, no caso dos autos, a referência que o acórdão de 15-04-2021 faz ao dever de cumprimento do art. 596.º, n.º 1, do CPC, deve ser interpretada de acordo com os fundamentos daquela decisão, não podendo impor-se ao tribunal uma decisão cega que aparentemente levaria a cumprir um comando inútil que não consta do dispositivo.


Quer dizer que a referência em causa não constitui uma determinação imperativa para o cumprimento do previsto no art. 596.º, n.º 1, do CPC. Tal só poderia verificar-se se tivesse sido efectuado um verdadeiro juízo ou pronúncia a determinar essa realização e aí, impor-se-ia que esse segmento constasse do dispositivo.


Interpretar a fundamentação do acórdão recorrido de outro modo, levaria a impor a prática de actos inúteis, quando, de acordo com o teor das decisões das instâncias, já constam dos autos, comprovados por documento, todos os elementos necessários à decisão.


Deste modo, a menção efectuada no acórdão de 15-04-2021 à aplicação do disposto no art. 596.º, n.º 1, do CPC, deve ser entendida como dependente da verificação de que, após a junção das certidões das decisões transitadas nas acções administrativas, permanecessem factos essenciais alegados e não provados que pudessem fundar a pretensão dos recorrentes, o que, no caso, e de acordo com a matéria de factos dada como assente, não sucede.


Assinale-se, por último, que a alegação dos recorrentes na conclusão 15.ª relativamente ao momento (excessivamente tardio) em que se verificou o licenciamento e o desfecho das acções e o “preço” que tal custou aos recorrentes, integra uma causa de pedir distinta daquela que foi invocada pelos recorrentes nos embargos para sustentar a redução “equitativa” do preço de venda das acções societárias.


Conclui-se, assim, que o acórdão recorrido não ofendeu o caso julgado formal que se formou com o trânsito em julgado do acórdão de 15-04-2021, devendo o recurso improceder, também nesta parte.


V – Decisão


Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.


Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 19 de Setembro de 2024


Maria da Graça Trigo (relatora)


Isabel Salgado


Ana Paula Lobo