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INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
REMESSA DO PROCESSO PARA O TRIBUNAL COMPETENTE
OPOSIÇÃO DO RÉU
PREJUÍZO PARA A DEFESA DO RÉU
Sumário
- Perante a declaração da incompetência absoluta do Tribunal, o réu tem fundadas razões para se opor à remessa do processo ao tribunal em que a acção devia ter sido proposta sempre que a defesa oferecida possa ser ampliada no novo tribunal, suscitando questões que só naquela jurisdição assumem pertinência e devem ser apreciadas.
Texto Integral
Relator – Des. José Manuel Flores 1ª - Adj. Des. Fernanda Proença Fernandes 2ª - Adj. Des. Jorge Santos
ACORDAM OS JUÍZES NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
I – Relatório
- Recorrente(s): AA;
- Recorrido/a(s): BB.
*
BB intentou a presente acção declarativa contra AA.
A Ré contestou e deduziu reconvenção.
Finda a fase dos articulados, sem pronúncia liminar sobre essa reconvenção, foi em 16.11.2023 proferido despacho saneador que culminou com o seguinte dispositivo: “Termos em que o Tribunal é incompetente em razão da matéria para os autos, o que constitui uma excepção dilatória que impede o conhecimento do mérito da causa (arts 4º, n.º 1, al.h) do ETAF, 64º, 96º, al.a), 576º, n.º 2 e 577º, al.a) do Cód de Proc Civil). Notifique a autora nos termos e para os efeitos do art 99º, n.º 2 do Cód de Proc Civil, atribuindo-se o prazo de 10 dias para o efeito.”
Essa decisão foi notificada com registo de 17.11.2023.
Entretanto, a pedido, foi rectificada a sentença (28.11.2023) quanto a custas.
Nessa mesma data a Autora pediu a remessa dos autos ao TAF, requerimento que foi notificado à Ré. Sem ouvir a Ré, conforme decorre do disposto no art. 3º, nº 1, do Código de Processo Civil, em 30.11.2023 o Tribunal determinou a remessa dos autos ao TAF de Braga.
Em 1.12.2023 a Ré veio “deduzir oposição ao envio do processo ao TAF”, ao abrigo do disposto no art. 99º, nº 2, in fine, do C.P.C.
A Autora respondeu (3.1.2024), contestando essa pretensão.
O Tribunal emitiu pronúncia nos seguintes termos: “A ré veio opor-se ao envio dos autos ao TAF de Braga, nos termos do disposto no art 99º, n.º 2 do Cód de Proc Civil, alegando que o mesmo iria prejudicar a sua defesa e desfavorecer a sua posição processual alegando que não prescinde de invocar questões processuais específicas e exclusivas dos processos de jurisdição administrativa que não apresentou nos presentes autos; termos em que peticiona a não-remessa dos autos. Em sede de contraditório, a autora veio peticionar o indeferimento do solicitado. Isto posto: Uma vez que a questão da incompetência é superveniente à da entrada dos autos, a ré poderá sempre invocar essas questões em sede própria através de um articulado superveniente, pelo que em nada fica prejudicada a sua defesa; fica outro sim prejudicada a posição da autora, a qual fica com o ónus de interpor outra acção e conferir à ré novo prazo para contestação, o que não deve ser admitido; termos em que se indefere o requerido, por a posição da ré não sair prejudicada (art 99º, n.º 2 do Cód de Proc Civil). Custas do incidente: 0,5UC, a cargo da ré (art 7º n.º 4 do Reg das Custas Proc).”
Inconformada com tal decisão, dela interpôs a Ré o presente recurso de apelação, em cujas alegações, para o que aqui releva, formula as seguintes conclusões:
A - Vem o presente recurso interposto do douto despacho, datado de 16-01-2024, proferido após a sentença final, transitada em julgado, despacho este que (…) indeferiu a oposição manifestada pela Ré à remessa dos autos para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga. B – A decisão recorrida deveria (…) ter indeferido a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (doravante TAF), remessa essa que, aliás, não chegou a ser determinada, mas que se deduz do despacho proferido, interpretado a contrario. C – A decisão recorrida fez uma errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis. D – O objecto deste recurso consiste em saber (…) se deve ser julgado procedente o requerimento de remessa dos autos ao TAF, perante a oposição a tal remessa deduzida pela Recorrente, nos termos do n.º 2 do artigo 99.º do CPC, com a alegação do prejuízo que tal remessa traduzirá para a Recorrente. E - A oposição manifestada ao abrigo do n.º 2 do artigo 99.º do CPC não se trata de qualquer incidente, mas sim do exercício do contraditório, que a sempre haveria lugar, pelo que não deveria ter a Recorrente sido condenada em custas no despacho recorrido. F – Após a prolação da sentença final que julgou verificada a invocada excepção dilatória de incompetência material do tribunal (em 17-11-2023), praticaram-se os seguintes actos: - 25-11-2023 - a Ré/Recorrente requereu a rectificação da sentença quanto à omissão de pronúncia sobre custas; - 28-11-2023 - foi proferido despacho a rectificar a sentença, condenando a Autora/Recorrida em custas; - 28-11-2023 - a Autora/Recorrida requereu a remissão do processo ao TAF e prescindiu do prazo de recurso; - 30-11-2023 – nunca notificado às partes, datado de 30-11-2023, consta do citius despacho proferido a ordenar a remessa do processo ao TAF e dar baixa estatística do processo; refira-se que em 30-11-2023, não tinha ainda decorrido o prazo de contraditório conferido à Recorrente pelo n.º 2 do artigo 99.º do CPC nem a Recorrente se havia, ainda, pronunciado sobre a remessa; este despacho, como se refere, nunca foi notificado às partes, mas consta do citius e demonstra uma decisão proferida antes da parte se pronunciar, em sede contraditório, decisão que veio mais tarde a confirmar-se, com deficiente fundamentação, que ora se sindica; - 30-11-2023 – requerimento apresentado pela Recorrente a enviar ao processo e à parte a nota discriminativa e justificativa de custas de parte – relembra-se, a Recorrida havia renunciado ao prazo de recurso em 28-11-2023; - 01-12-2023 – requerimento da Recorrente, ao abrigo do n.º 2 do artigo 99.º do CPC, a opor-se à remessa do processo para o TAF; - 07-12-2023 – despacho a ordenar a notificação da Recorrida - que já havia requerido a remessa para o TAF, sem qualquer fundamentação, para exercer contraditório à oposição deduzida pela Recorrente; - A segunda pronúncia concedida pelo Tribunal à Recorrida, acerca da remessa do processo para o TAF, não devia ter lugar, porque a Recorrida tivera oportunidade, em sede de requerimento de remessa apresentado, de apresentar todas as razões que motivassem a sua pretensão; dar-lhe nova oportunidade de pronúncia não vem prevista no artigo 99.º do CPC, pelo que, após a oposição da Recorrente, exigir-se-ia, de imediato, a prolação de decisão, o que não sucedeu. - 13-12-2023 - a Recorrida apresentou reclamação da nota discriminativa de custas de parte; - 03-01-2024 - a Recorrente pronuncia-se sobre a reclamação contra a conta de custas apresentada pela Recorrente; - 03-01-2024 - a Recorrida apresentou resposta à oposição à remessa para o TAF; - 22-01-2024 - prolação do despacho final, decisão da qual ora se recorre. (…) Apreciação da decisão quanto à remessa dos autos ao TAF U - Quanto à remissão do processo para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, após sentença que julgou verificada a excepção dilatória de incompetência do tribunal em razão da matéria, a Recorrida requereu, em 28-11-2023, a remessa do processo para o TAF, tendo a Recorrente manifestado oposição, em 01-12-2023, ao abrigo do disposto no artigo 99.º, n.º 2 do CPC. V – Mal andou, também, o tribunal a quo ao ter decidido como decidiu, padecendo a decisão recorrida de deficiente fundamentação e errada interpretação e aplicação das disposições legais aplicáveis. W – A oposição manifestada pela Recorrente, nos termos do n.º 2 do artigo 99.º do CPC, não constitui um incidente processual, antes o exercício do direito ao contraditório, pelo que é errada a interpretação feita pelo tribunal a quo do disposto no artigo 7, n.º 4 do RCP, ao condenar a Recorrente em custas pelo incidente. X - A remessa dos autos para o TAF não poderia ser considerada porque acarretará para a Recorrente prejuízo e dificuldade acrescida à sua defesa, resultando para a mesma uma posição processual desfavorecida. Y - Desde logo, porque a Recorrente não prescinde, em sede da jurisdição administrativa, de invocar questões processuais específicas e exclusivas dos processos de jurisdição administrativa, que não pôde suscitar na defesa apresentada nestes autos. Z - O envio do processo para o TAF deixaria a Recorrente privada da invocação de questões próprias da jurisdição administrativa, ficando diminuída nas garantias de defesa; Desde logo, na justiça administrativa, no domínio processual, deparamo-nos com uma série de institutos jurídicos que, caso a presente tivesse sido instaurada no Tribunal Administrativo competente, a Recorrente teria, na sua defesa, invocado uma série de aspectos que têm pertinência apenas no âmbito da jurisdição administrativa. Entre os eles, destacam-se, por exemplo, a exceção do conhecimento principal do caso decidido [artigo 38.º, n.º 2 do CPTA)]; outras exceções dilatórias previstas no artigo 89.º, n.º 4 do CPTA, específicas das ações administrativas e da lei processual administrativa, cuja invocação não é pertinente (dada a incompetência material) em sede da jurisdição cível; a verificação do preenchimento dos pressupostos processuais consagrados no artigo 8.º-A e seguintes do CPTA, incluindo os requisitos específicos relativos à admissibilidade da coligação (artigo 12.º do CPTA; a especificidade da impugnação especificada de acordo com o artigo 83.º, n.º 4 do CPTA (que é distinta da impugnação prevista no artigo 574.º do CPC), bem como a nulidade do processado, nos termos do artigo 89.º, n.º 4, alínea b) do CPTA. AA - A isto acresce, no plano substantivo, a argumentação que a Recorrente se propõe desenvolver, em sede de jurisdição administrativa, quanto à (in)verificação dos pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual por alegado facto ilícito de gestão pública, tendo por base o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pelo artigo 1.º, da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, na redação introduzida pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 31/2008, de 17 de julho -RRCEE. BB - Ora, tendo-se extinguido a instância e havendo oposição da Recorrente à remessa, tem de se concluir que a remessa do processo não pode prejudicar a Recorrente, tal como defende Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, disponível em www.dgsi.pt, ao julgar “Considera-se justificada a oposição se da remessa do processo puder advir prejuízo para a defesa do réu, nomeadamente vendo-se este impedido de alegar novos factos, invocar excepções ou deduzir reconvenção na nova acção, que não deduziu na anterior por só face à nova jurisdição (administrativa) considerada competente se tornarem pertinentes ou mesmo legalmente admissíveis.”. CC – Ao julgar como julgou, o despacho recorrido não fez correcta interpretação e aplicação do direito atinente, sendo proferido com violação do disposto nos artigos 99.º, n.º 2, 138.º, 139.º, 638.º, n.ºs 1 e 2, 644.º, n.ºs 1, 2 al. b) do CPC; dos artigos 8.º-A, 12.º, 38.º, 83.º, n.º 4 e 89.º, do CPTA; e dos artigos 7.º, n.º 4, 25.º, 26.º-A e 36.º do RCP, devendo ser revogada e substituída por outra que decida, por um lado, pela rejeição liminar da reclamação contra a nota discriminativa de custas de parte ou, se assim não se entender, pelo seu indeferimento, bem como pela não remissão dos autos ao TAF, por isso consubstanciar um prejuízo para a posição da Recorrente. DD - Em cumprimento do preceituado no n.º 2 do artigo 637.º do CPC, indica-se que o fundamento específico da recorribilidade in casu é a violação pelo despacho recorrido das normas legais acima referidas em CC supra. Nos termos expostos, e nos do douto suprimento de V. Excias., que sempre se espera, deve ser concedido provimento ao presente recurso e ser revogado o despacho recorrido, substituindo-se por outro que decida, (…) pela não remissão dos autos ao TAF, por isso consubstanciar um prejuízo para a posição processual da Recorrente, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!
A Recorrida apresentou contra-alegações para pedir a improcedência do recurso.
II – Delimitação do objecto do recurso e questões prévias a apreciar:
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas[2] que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[3]
No caso, as questões enunciadas pela recorrente prendem-se com o acerto da remessa dos presentes autos ao Tribunal administrativo competente.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
III – Fundamentos
1. Factos(cf. art. 662º, do Código de Processo Civil)
São os que emergem do processo, nomeadamente os acima relatados.
2. Direito
Estabelece o art. 99º, nº 2, do Código de Processo Civil, que se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada.
Esta norma constitui uma manifestação do princípio da economia processual, no entanto, o legislador foi claro no sentido de estabelecer que essa não se pode sobrepor aos interesses legítimos e justificados do réu e, assim, ao seu direito de defesa.
Consubstanciando essa “oposição justificada”, afirma-se no Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 23.22.3027[4], que aqui seguimos de perto (art. 8º, nº 3, do C.P.C.); (citando Abílio Neto) “o réu tem fundadas razões para se opor à remessa do processo ao tribunal em que a acção devia ter sido proposta sempre que a defesa oferecida possa ser ampliada no novo tribunal, suscitando questões que só naquela jurisdição assumem pertinência”. A oposição será «justificada quando as razões invocadas expressarem que o réu não se defendeu devidamente na instância extinta e poderá ampliar a sua defesa na nova instância» (8).
Mais se adianta nesse mesmo texto citando Ac. da RG de 03/11/2016 (relatora Maria João Marques Pinto de Matos), in www.dgsi.pt., “a «oposição justificada» do réu à remessa do processo para o tribunal em que a acção deveria ter sido proposta, terá de radicar em motivo atendível, não arbitrário ou infundamentado, relacionado com a restrição da defesa que, de outro modo, lhe seria possível, nomeadamente a alegação de novos factos, ou a dedução de uma excepção, ou a dedução de reconvenção, que só face à nova jurisdição considerada se tornaram relevantes e pertinentes, ou mesmo possíveis (art. 99º, nº 2 do C.P.C.)”. Importará para o efeito não esquecer que, por este meio, o autor evita a inutilização do processado, mas não impede a absolvição do réu da instância, pelo que no tribunal competente se inicia uma nova instância (9). Logo, iniciando-se uma nova instância no tribunal para onde se concretize a remessa, «o réu há-de poder alegar o que tiver por conveniente no tribunal competente, como se nunca tivesse sido instaurada a primeira acção», devendo por isso obstar «à remessa dos autos qualquer invocação feita pelo réu no sentido de pretender apresentar uma contestação não totalmente coincidente com a já apresentada», nomeadamente se «não tiver alegado certos factos em sua defesa na acção anterior», «se não tiver deduzido reconvenção, mesmo nos casos em que o podia ter feito, e puder agora deduzi-la», ou «se não tiver alegado uma excepção e puder agora invocá-la» (10). Nesta ponderação importará ainda considerar a diferente natureza das jurisdições eventualmente em presença, já que poderá constituir «motivo atendível» «ter o réu feito descaso, por razões ligadas à natureza e tramitação na jurisdição considerada incompetente, de meios de defesa que lhe seriam proporcionados no quadro da jurisdição afirmada como competente» (11). Vem-se também entendendo que o réu não carece de explicitar pormenorizadamente o fundamento que pretende invocar na nova acção e que não alegou na que foi instaurada no tribunal materialmente incompetente, nomeadamente mercê da diferente natureza das matérias apreciadas em ambos os tribunais (que tornava irrelevante a alegação omitida, depois sobejamente justificada face à nova jurisdição), bastando apenas que enuncie o dito novo fundamento na medida necessária para satisfazer o disposto no n.º 2 do art. 99.º do C.P.C. (ou seja, para mostrar que a sua oposição é fundamentada, e não arbitrária) (12). Com efeito, este «novo fundamento não é susceptível de ser apreciado em termos substanciais no tribunal onde se encontra o processo, mesmo em termos hipotéticos e não vinculativos, pois tal apreciação não se impõe ao tribunal competente que, em abstracto, poderá sempre decidir de outro modo, o que mostra a irrelevância da apreciação eventualmente efectuada no tribunal incompetente» (13).”
Nesse sentido vide ainda Ac. desta Secção do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19.5.2022, no qual, em suma, se considera justificada a oposição se da remessa do processo puder advir prejuízo para a defesa do réu, nomeadamente se das razões invocadas resultar que não se defendeu devidamente na instância extinta e poderá ampliar a sua defesa na nova instância.[5]
Esta posição subjaz também ao Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.1.2019, no qual se julgou, em suma, que deve ser recusada a remessa quando o R. alega que, pelo facto de a acção ter sido instaurada em Tribunal Judicial que foi declarado materialmente incompetente, deixou de deduzir meios de defesa sustentados em normas de direito público ou do processo administrativo que suscitaria se acaso a acção tivesse sido instaurada em Tribunal Administrativo.
Concretizando, a Ré e aqui oponente adiantou na sua oposição, de modo verosímil, que não abdica da faculdade de, v.g., invocar institutos ou excepções específicas da jurisdição administrativa julgada competente, que citou, contrariamente ao alegado pela Apelada, bem como argumentar factualmente em face do instituto da responsabilidade civil no domínio público.
Posto isto, a circunstância de a Ré, não obstante, ter deduzido reconvenção esta instância, não exclui a necessidade de garantir, segundo tese devidamente concretizada pela sua oposição, que o seu direito de defesa noutra jurisdição, como a administrativa, se possa exercer em plenitude, não se exigindo aqui uma apreciação antecipada do mérito dessa hipotética defesa para controlar o exercício desse mesmo direito ao contraditório.
Por outro lado, não é viável antever também que a Ré pudesse, em sede de jurisdição administrativa, exercer de modo completo esse contraditório em articulado superveniente, risco que não se pode admitir no cumprimento de direito processual tão essencial.
Essa interpretação é a que melhor se coaduna com o princípio estabelecido no art. 3º, do Código de Processo Civil, e com o direito fundamental a um processo equitativo que emerge do art. 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa: Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
Neste conspecto, julgamos que assiste razão à oposição da Apelante, pelo que se decide julgar procedente a apelação, com a consequente revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que indefere a requerida remessa dos autos.
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em:
- Julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida;
- Indeferir a remessa dos presentes autos ao T.A.F. que foi julgado competente.
Condena-se nas custas da apelação a Apelada (cf. art. 527º, do Código de Processo Civil).
N.
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Sumário[6]: - Perante a declaração da incompetência absoluta do Tribunal, o réu tem fundadas razões para se opor à remessa do processo ao tribunal em que a acção devia ter sido proposta sempre que a defesa oferecida possa ser ampliada no novo tribunal, suscitando questões que só naquela jurisdição assumem pertinência e devem ser apreciadas.
Guimarães, 11-07-2024
[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106. [2] Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efectivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, SimasSantos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13. [3] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107. [4] In https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/3C21FFB7BCF5BFD68025821800395531 [5] In https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/a1da0906caf209e180258853002f2853 [6] Da responsabilidade do relator – cf. art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.