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CONTRATO DE SEGURO
ÓNUS DA PROVA DA COMUNICAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
INDEMNIZAÇÕES DE NATUREZA CIVIL E LABORAL
Sumário
1 - Tratando-se o acordo de seguro de um contrato de adesão (pois as propostas consubstanciam formulários contendo um clausulado pé-elaborado), o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva das cláusulas contratuais gerais cabe ao contraente que as submeta a outrem. 2 - As indemnizações consequentes a acidente com retroescavadora, de natureza civil, que seja simultaneamente sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas sim complementares, até ao ressarcimento total do prejuízo causado. 3 – Não há duplicação de indemnizações quando se pretende ressarcir no processo civil, não o dano consubstanciado na perda de rendimentos salariais decorrente do grau de incapacidade fixado ao sinistrado no processo de acidente de trabalho (compensado pela entrega do capital de remição), mas antes o dano biológico decorrente das sequelas das lesões sofridas, entendido como uma diminuição global das capacidades gerais do lesado
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
I. RELATÓRIO
AA deduziu ação declarativa contra “EMP01... – Companhia de Seguros, SA”, “EMP02... –Construções Imobiliárias e Turísticas, SA” e BB pedindo:
- que o 3.º réu, condutor do veículo ..-OD-.., seja declarado único e exclusivo causador culposo do acidente descrito na petição, quer com base na sua culpa efetiva, quer, subsidiariamente, com base na sua culpa presumida, quer, subsidiariamente, ainda, com base na responsabilidade objetiva emergente e inerente à circulação rodoviária como atividade perigosa que, de facto, é;
- que, por via dessa culpa exclusiva e da responsabilidade civil contratualmente assumida pela 1.ª ré, seja esta e, solidariamente, a 2.ª e 3.º réus, condenados a pagar ao autor a quantia global de € 392.520,00, por todos os danos que lhe advieram por consequência direta, necessária e imediata do acidente descrito, sendo € 300.000,00 pelos danos patrimoniais e € 92.500,00 pelos danos não patrimoniais;
- que sejam os réus solidariamente condenados no pagamento dos juros, contados à taxa legal, desde a data de citação até integral e efetivo pagamento;
- que sejam os réus condenados a pagar ao autor os danos futuros que se liquidarão em posterior execução de sentença, por virtude das intervenções cirúrgicas, tratamentos médicos e medicamentosos, tratamentos de reabilitação e próteses que, com toda a certeza, o autor irá carecer no futuro.
Descreve o acidente e os danos provocados pelo mesmo.
Em síntese, que, no dia 11.01.2016, pelas 10:00 horas, nas imediações da fábrica “EMP03..., Ld.ª”, o autor sofreu um acidente provocado por uma retroescavadora que era manobrada pelo 3.º réu o qual trabalhava por conta, sob as ordens, direção e fiscalização da 2.ª ré, que transferiu a sua responsabilidade civil (automóvel e de exploração) para a 1.ª ré; Na altura, também ele, autor, trabalhava por conta, sob as ordens, direção e fiscalização da sua entidade patronal, a sociedade comercial “EMP04... Unipessoal, Ld.ª” que operava na mesma obra como subempreiteira; Nessas circunstâncias de tempo e de lugar, o autor estava a auxiliar a limpeza da lama do local, quando o 3.º réu, ao manobrar a pá da retroescavadora embateu na laje alveolar daquela construção, tirou-a do apoio, deslocando-a e, consequentemente, provocou a sua queda; Essa laje, ao cair, embateu no autor, só não o esmagando porque ficou apoiada no braço da pá da máquina giratória que, desta forma, evitou que morresse, sofrendo, contudo, em consequência da queda sobre si dessa estrutura; Do referido acidente resultaram para o Autor lesões, cujo tratamento determinou, além do mais que descreve, o seu internamento hospitalar por um período de 3 (três) meses, tendo-lhe sido amputado o membro inferior esquerdo.
Contestou a ré seguradora, admitindo a celebração de dois contratos de seguro com a 2.ª Ré (um, de responsabilidade automóvel; e outro, de responsabilidade civil da atividade de explicação); sustentou que o sinistro em que o Autor interveio não se encontra coberto pela garantia do seguro de responsabilidade civil automóvel, de que beneficiava a retroescavadora, uma vez que a máquina não se encontrava em circulação e estava num recinto fechado (estaleiro de obra), que não era acessível ao público; invocou que o seguro de responsabilidade civil pela atividade de exploração também não cobre o sinistro, por o Autor não ser terceiro para efeitos do contrato e por nele se prever a exclusão de cobertura no caso de existir responsabilidade cruzada e que, ainda que assim não se entenda, o contrato de seguro do ramo de exploração exclui a reparação dos lucros cessantes. Invocou que o sinistro que vitimou o Autor foi causado pela violação, da parte deste, dos elementares procedimentos de segurança, por o local onde se encontrava ser de elevado risco. Por desconhecimento, impugnou as lesões invocadas pelo Autor e reputou de excessivos os danos reclamados.
Contestou a 2.ª ré, excecionando a incompetência absoluta do tribunal, por ser competente em razão da matéria o Tribunal de Trabalho. Excecionou, também, o caso julgado. Contestou por impugnação.
Contestou o 3.º réu, excecionando a incompetência absoluta do tribunal e o caso julgado. Imputa a culpa do acidente ao próprio autor. Contesta por impugnação.
O autor respondeu às exceções, pugnando pela sua improcedência.
Dispensada a audiência prévia foi proferido despacho saneador, no qual se julgaram improcedentes as exceções de incompetência do tribunal em razão da matéria e de caso julgado e autoridade do caso julgado. Interposto recurso da decisão que julgou improcedente a exceção de incompetência em razão da matéria, foi o mesmo julgado improcedente e confirmada a decisão impugnada.
Foi definido o objeto do litígio e elencados os temas da prova.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, cujo teor decisório é o seguinte:
“Em face do exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência:
1.º- Condena-se solidariamente a 2.ª Ré EMP02... e o 3.º Réu BB a pagar ao Autor AA:
a. A quantia de € 130.000,00 (cento e trinta mil euros) a título de compensação de dano biológico, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de juros de 4%, desde a presente sentença até integral pagamento;
b. A quantia de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), a título de compensação dos danos não patrimoniais, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de juros de 4%, desde a presente sentença até integral pagamento;
c. A quantia indemnizatória cuja liquidação se relega para ulterior incidente de liquidação que se venha apurar necessária para pagamento dos tratamentos e das ajudas técnicas mencionados em z) e aa), dos factos provados;
2.º- Condena-se a 1.ª Ré EMP01... a pagar ao Autor AA os montantes indemnizatórios a que se alude em 1.º/deste dispositivo, deduzidos da franquia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros);
3.º- Absolve-se os Réus do demais contra eles peticionado pelo Autor”.
A ré seguradora interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões:
I. Com base (i) no erro da motivação sobre o documento comprovativo da apólice, (ii) nas declarações de parte, (iii) nos factos, sobre o seguro, dados como provados e (iv) na confissão da EMP02..., em audiência, ao declarar desconhecer, o facto pessoal, se recebeu ou não os documentos com as condições contratuais e exclusões em causa, deverá este tribunal, no uso dos poderes previstos no artº 662º do CPC, alterar a resposta ao facto nº 14 de não provado para provado, ou seja, dar como facto provado que Os documentos contendo as condições referidas em pp) a rr) foram previamente (em relação à celebração do seguro) entregues pela 1ª Ré à 2ª Ré.
II. Todos os factos enunciados supra no nº 38 deverão ser dados como provados por este tribunal, no uso dos poderes previstos no artº 662º do CPC, com base no depoimento testemunhal de CC, assim completando os mais factos provados e explicando a questão central do acidente: Que o autor se colocou naquele especial local de risco, debaixo de uma laje não betonada aonde se encontrava ainda a trabalhar a lança da retroescavadora, contra a instrução genérica de não trabalhar a pé junto das máquinas enquanto estas estivessem, como estavam, a operar e sem aguardar, como devia, ordem específica do encarregado para executar qualquer trabalho, o que tudo aquele sabia, sendo que aquele, quando se colocou debaixo da laje, não estava a executar qualquer tarefa, porque desacompanhado dos instrumentos necessários para o efeito, a bomba e/ou a enxada.
III. Daqueles novos factos provados e do sobredito depoimento resulta também a não prova do facto provado da alínea i), a saber i) O 3.º Réu iniciou e continuou a manobra sem confirmar ou verificar a proximidade da construção e a presença do Autor, nada fazendo para evitar a colisão, porquanto, pelo contrário, como vimos e bem se compreende, as ordens gerais para todos – para o autor e o encarregado, o dito CC, bem como para o 3º réu, operador da retroescavadora – eram as de que aqueles primeiros só executariam a sua tarefa quando as máquinas parassem, pelo que a legítima expectativa daquele operador era a de não ter nenhum peão nas proximidades da sua máquina enquanto estivesse com esta a trabalhar, o que tudo também deverá ser decidido por este tribunal, no uso dos mesmos poderes previstos no artº 662º do CPC, dando assim o facto daquela dita alínea i) como não provado.
IV. Por terem sido negociadas – como admitido em declarações de parte da EMP02... - as cláusulas contratuais em causa, com as enunciadas exclusões, não são cláusulas contratuais para efeitos da aplicação dos artºs 5º e 8º da LCCG, mal tendo decidido o tribunal recorrido ao aplicar estes preceitos legais.
V. Não ficou provado que a apelante não comunicou à EMP02... o conteúdo das exclusões em causa, nem que não o tenha feito de forma adequada e com a antecedência necessária, nem sequer que a EMP02... os desconhecia, apenas que os documentos contendo as condições referidas não foram previamente entregues pela apelante àqueloutra, podendo a dita EMP02... conhecer as cláusulas em causa antes da celebração do seguro, sem que, na altura, lhe tivessem ainda sido entregues os documentos com o conteúdo da apólice, o que tudo também impede a aplicação, ao caso, do regime previsto nos artºs 5º/1 e 8º da LCCG, por não provados os seus requisitos factuais.
VII. Pelo contrário, como acima se viu, deverá antes dar-se como provado que a apelante deu conhecimento à EMP02... dos documentos em que estavam previstas as exclusões em causa, o que tudo deverá levar à desaplicação dos ditos artºs 5º e 8º da LCCG e, como tal, ao conhecimento das ditas exclusões, alterando-se, em conformidade a sentença recorrida.
VIII. Por aplicação da cláusula 5ª/2, alínea j) das condições gerais da apólice, por força do imposto pelo artº 406º do CC, deverá a apelante ser agora absolvida de pagar ao apelante, a indemnização por lucros cessantes e dano biológico, na vertente patrimonial, de € 130.000.
IX. O tribunal recorrido imputou a culpa na produção do acidente ao 3º réu, operador da retroescavadora, com base na presunção de culpa prevista no artº 493º/1 do CC.. No entanto, com base nos factos provados e ora a dar como provados e por força do artº 570º/2 do CC a culpa do lesado, o aqui autor, exclui a obrigação de indemnizar com base naquela presunção de culpa, o que deverá levar à absolvição da apelante do pedido.
X. Se, porém, assim se não entender deverá então, ao menos, com base na sobredita factualidade e no previsto no artº 570º/1 do CC, ser reduzida a indemnização imposta à apelante.
XI. Com base nos factos para o efeito ponderados, que aqui se dão por reproduzidos, entende-se que as quantias de € 130.000 e € 75.000, fixadas para ressarcir, respetivamente, o dano biológico, na sua vertente patrimonial de perda de capacidade de ganho, e o dano não patrimonial, como excessivas, máxime face à prática jurisprudencial, e, como tal, violadoras do juízo de equidade previsto no artº 566º do CC e que deverá presidir à fixação daqueles valores, devendo antes aqueles montantes ser reduzidos, respetivamente, para não mais de € 100.000 e € 50.000.
XII. Conforme provado nos autos, a apelante, enquanto EMP05..., SA, sua denominação social na altura, já indemnizou o autor pelo dano de perda de capacidade de ganho no âmbito de anterior processo de acidente de trabalho, pelo que não deverá, como tal, ser agora condenada, como foi, a pagar segunda vez o mesmo dano de perda de capacidade de ganho, aqui designado de dano biológico, mas na sua vertente patrimonial, nem deverá o autor receber duas vezes pelo mesmo dano, como irá receber, considerando que, até ao valor por ele recebido e a receber no acidente de trabalho, aquele se mostra já ressarcido daquele dano, que, como tal, deverá naturalmente ser descontado na indemnização aqui, para o mesmo efeito, fixada. Na certeza de que, como é jurisprudência constante, as indemnizações do foro laboral, por AT, não se cumulam, com as do foro civil, apenas se completam até ao integral ressarcimento do dano e que, sendo reconhecido ao sinistrado o direito de indemnização pelo mesmo dano em ambos os foros deverá este optar por um deles. Se optar pela indemnização civil deverá reembolsar a seguradora AT pelo que esta tiver pago em duplicado.
XIII. Ao não o reconhecer o tribunal recorrido permitiu um enriquecimento sem causa do autor, violando, como tal, o previsto no artº 475º do CC e excedeu o direito indemnizatório a que ele teria direito, no que violou o disposto nos artºs 483º e 562º e ss do CC, devendo, pois, a sua decisão ser alterada por força a descontar aos € 130.000 aqui fixados pelo dano biológico, na sua vertente patrimonial e perda de capacidade de ganho, o, para esse efeito, já recebido e a receber pelo autor no âmbito do acidente de trabalho.
XIV. O tribunal recorrido, sob o nº 2 do dispositivo da sua sentença condenou a apelante a pagar os € 205.000 previstos no nº 1, mas deduzidos apenas da franquia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), quando, em face da franquia contratual, dada como provada devia antes ter deduzido os ditos 10% do valor do sinistro, a saber € 20.500. Fez, como tal, o tribunal recorrido uma errada aplicação do contrato de seguro e da cláusula de franquia nele prevista nas respetivas condições particulares, violando o disposto no artº 406º do CC.
TERMOS EM QUE a presente apelação deverá ser julgada procedente, revogando-se ou, ao menos, alterando-se a sentença recorrida conforme atrás concluído, com o se fará JUSTIÇA !
A ré EMP02... contra-alegou e, simultaneamente, interpôs recurso de apelação subordinado, com as seguintes Conclusões:
CONCLUSÕES RECURSO SUBORDINADO/SUBSIDIÁRIO
1.ª – A douta sentença recorrida condenou a Ré/Recorrida EMP02..., apesar desta ter transferido a sua responsabilidade para a Recorrente Seguradora, continuando, por isso, a ser parte vencida e não vencedora.
2ª A Recorrida tem, contudo, interesse em ver conhecido o seu recurso prevenindo a hipótese de parte do recurso a que acima se respondeu seja procedente e, apenas nesse caso, desfavorável à aqui Recorrida.
3.ª – Das declarações do Encarregado de Obra, CC (Declarações que constam em ata de julgamento, com início às 10:28h e fim às 11:20h), por volta do minuto 06:16 e 12:02, bem como das declarações da testemunha DD (Declarações que constam em ata de julgamento, com início às 14:10h e fim às 14:45h), por volta do minuto 09:58 e, por último, do depoimento de parte de BB (Declarações que constam em ata de julgamento, com início às 10:47h e fim às 11:47h), por volta do minuto 23:31, fica demonstrado que o Tribunal a quo procedeu a uma errada interpretação da prova gravada, devendo ser dado como provado, nos termos do art. 640º n.º 1, 155º e 662º, todos do CPC, que: O Autor colocou-se no local onde foi atingido pela queda da laje, por razões não concretamente apuradas; O local onde o Autor se encontrava não foi por instruções da 2ª Ré ou qualquer um dos seus representantes; As instruções da 2ª Ré no sentido da realização das operações de abertura de vala e limpeza das lamas foram no pressuposto de que não haveria qualquer trabalhador a laborar naquele local.
4.ª – Resulta ainda das declarações do Encarregado de Obra, CC (Declarações que constam em ata de julgamento, com início às 10:28h e fim às 11:20h), por volta do minuto 34:43, bem como do depoimento de parte de BB (Declarações que constam em ata de julgamento, com início às 10:47h e fim às 11:47h), por volta do minuto 04:29, que não se mostrou provado o facto presente na alínea i) da sentença recorrida e, por isso, nos termos do art. 640º n.º 1, 155º e 662º, todos do CPC, tal deve ser dado como não provado, dando-se ainda por provada a factualidade vertida nos pontos 10 a 13 da sentença em crise.
5ª A alínea d) da matéria de facto provada “Nas circunstâncias de tempo e de lugar mencionadas em a), e no âmbito do acordo mencionado em b), o Autor procedia à limpeza das lamas daquela obra, devido a elevada pluviosidade que se tinha feito sentir.”, bem como a primeira parte da alínea g) da matéria de facto provada “O Autor estava a auxiliar a limpeza da lama do local”, deve ser dada como não provada pois que o Autor não estava a retirar quaisquer lamas, o Autor estava a auxiliar o encarregado CC a colocar a bomba para retirar a água mas apenas podiam desemprenhar tal tarefa após a abertura da vala, o que ainda não havia sucedido aquando da ocorrência do acidente, como resulta do depoimento do citado CC (minutos 00:12:02 a 00:16:12)
6ª A matéria vertida nas alíneas g) e i) (na secção o 3.º Réu até final deveria ter sido julgada como não provada, uma vez que nenhuma prova foi feita sobre a mesma, não se podendo aqui citar qualquer depoimento uma vez que se trata de prova não feita, logo inexistente.
7ª Foram violados os arts. 640º n.º 1, 155º e 662º, do Código de Processo Civil.
Termos em que deve o recurso interposto pela Ré ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida, quanto:
- Ao erro de julgamento do facto não provado n.º 14;
- Da decisão de dar por não escritas as exclusões contratuais previstas na apólice;
- Das exclusões da apólice da responsabilidade civil de exploração;
- Da franquia.
E, no que a tudo o resto diz respeito, ser o recurso da Ré considerado procedente e provado.
Se assim não se entende,
Deve o presente recurso subordinado/subsidiário ser julgado procedente, por só assim se fazer JUSTIÇA!
O autor respondeu a ambos os recursos, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
Os recursos foram admitidos como de apelação, a subirem imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto, com a imputação da responsabilidade, considerando as exclusões previstas no contrato de seguros e a eventual culpa do lesado, com os valores arbitrados a título de indemnização e a sua eventual redução face à indemnização paga em sede de acidente de trabalho, bem como a questão relativa à franquia.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença recorrida foram considerados os seguintes factos:
“Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
- Oriundos da petição inicial:
a) No dia 11 de janeiro de 2016, pelas 10:00 horas, nas imediações da fábrica EMP06..., Lda, situada na rua ..., ..., freguesia ..., Guimarães, ocorreu um acidente, em que foram intervenientes: o Autor e a retroescavadora da marca ..., matrícula ..-OD-.., pertencente à 2.ª Ré.
b) A sociedade “EMP04... Unipessoal Lda”, celebrou acordo de subempreitada celebrada com a 2.ª Ré, para a execução de trabalhos de construção na obra de ampliação das instalações fabris da EMP06..., em ..., Guimarães.
c) Na data indicada em a), o Autor era operário da construção civil, e exercia, a essa data, as suas funções profissionais na empresa “EMP04... Unipessoal, Lda.”, desde ../../2014.
d) Nas circunstâncias de tempo e de lugar mencionadas em a), e no âmbito do acordo mencionado em b), o Autor procedia à limpeza das lamas daquela obra, devido a elevada pluviosidade que se tinha feito sentir.
e) Nesse momento, trabalhavam próximo do Autor duas máquinas, uma de cada lado da parte edificada, as quais procediam a limpeza de lamas e abertura de vala para escoamento de águas.
f) Do lado interior da edificação, encontrava-se a pá da retroescavadora manobrada pelo 3.º Réu e, do lado exterior, uma máquina giratória (também tripulada por um trabalhador da 2.ª Ré).
g) O Autor estava a auxiliar a limpeza da lama do local, quando o 3.º Réu, ao manobrar a pá da retroescavadora embateu na laje alveolar daquela construção, tirou-a do apoio, deslocando-a e, consequentemente, provocou a sua queda.
h) Essa laje, ao cair, embateu no Autor, só não o esmagando, porque ficou apoiada no braço da pá da máquina giratória.
i) O 3.º Réu iniciou e continuou a manobra sem confirmar ou verificar a proximidade da construção e a presença do Autor, nada fazendo para evitar a colisão.
j) O 3.º Réu conduzia esse veículo no desempenho da sua atividade profissional, obedecendo a ordens da sua entidade patronal (a 2.ª Ré), e dentro do seu horário de trabalho e mediante retribuição.
k) O Autor foi assistido no próprio local pelos bombeiros de ... e, de seguida, foi transportado para o serviço de urgência do Hospital ... em Guimarães.
l) Quando deu entrada no serviço de urgência do hospital, ao Autor foram diagnosticadas as seguintes lesões:
- Trauma do ombro direito com rutura do supra-espinhoso;
- Luxação da anca esquerda
- Fratura-luxação exposta do pé-esquerdo grau III-B da articulação de Lisfranc.
m) No mesmo dia da urgência, o Autor foi sujeito a duas intervenções cirúrgicas com a finalidade de redução fechada da luxação da anca e redução aberta da fratura de lisfranc, com fixação interna e fixador externo.
n) Após a verificação de evolução isquémica/necrose pós-traumática do 4º e 5º raios do pé esquerdo, o Autor foi submetido, no dia 8 de fevereiro de 2016, a uma nova intervenção cirúrgica na qual procederam à sua amputação.
o) Durante o internamento realizou cuidados de penso e antibioterapia, recebendo a alta hospitalar no dia 7 de abril de 2016, continuando a ser assistido pela seguradora da sua entidade patronal, no Hospital ..., no ..., período durante o qual a necrose gangrenosa se agravou, tendo sido submetido a nova intervenção cirúrgica na qual lhe foi amputado o pé esquerdo.
p) Teve alta no dia ../../2016 da companhia de seguros.
q) No âmbito do processo de acidente de trabalho que correu termos no Juízo de Trabalho de ... com o nº 28/17...., por sentença proferida em 23.02.2018, foi fixada ao Autor uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 35,25% com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).
r) O Autor, no processo de acidente de trabalho mencionado na al. anterior, foi sujeito a exame médico-legal, no qual foi produzido o relatório de avaliação que consta de fls. 357 a 359, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
s) No âmbito do processo de acidente de trabalho, a companhia de seguros EMP05..., SA, foi condenada a pagar-lhe a pensão anual de € 4.752,27, com início em 28.12.2016, atualizada para € 4.776,03, desde ../../2017 e, para € 4.862,00, desde ../../2018; subsidio por situação de elevada incapacidade permanente no valor de € 4.458,76, a pagar de um só vez; € 20,00, a titulo de despesas de deslocação; a fornecer-lhe calçado adaptado às sequelas que apresenta; e ainda condenou a entidade patronal à pensão anual de € 43,93, com início em 28.12.2016, atualizada para € 44,15, desde ../../2017 e para € 44,94, desde ../../2018, e ainda € 51,83, a título de indemnização por IT´s.
t) À data indicada em a), o Autor tinha 49 anos de idade.
u) Á data do acidente vivia, como ainda vive, com a sua mulher EE, tendo a seu cargo uma filha menor de idade, FF, nascida a ../../2004.
v) O Autor auferia uma retribuição mensal bruta de € 540,00 mensaisx14 meses, acrescida de subsidio de alimentação de cerca € 77,00x11 meses (sendo este subsídio variável em função dos dias de prestação efetiva de trabalho).
w) Em consequência das lesões sofridas:
- O Autor não consegue correr, não consegue saltar, claudica na marcha, com maior dificuldade nos paralelos e piso irregular; sobe e desce escadas com dificuldade utilizando a canadiana unilateral do lado direito; tem dificuldade em pegar em pesos e elevar o membro acima do nível do ombro; a manipulação e preensão encontram-se condicionadas à direita pelas limitações do ombro direito, com dificuldade em alcançar os planos acima do ombro e dificuldade em carregar em pesos;
- O Autor sofre limitação de mobilidade do ombro direito, que permite levar a mão à nuca, ao ombro oposto e região lombar, limitação na abdução alcançando os 100º e os 140º de elevação anterior; e tem ligeira limitação na rotação externa;
- No membro inferior esquerdo, o Autor sofreu amputação transmetatársica com coto bem almofadado e sem aparentes áreas ulceráveis; apresenta rigidez discreta na mobilidade da anca, com dor na rotação interna (até aos 30º) e externa (40º) e dor referida nas inclinações Prótese de silicone, bem-adaptada; tem dor à palpação da região sacroilíaca esquerda e dor referida no teste de FABER.
x) Por força dessas sequelas, o Autor é portador do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica correspondente a 18,908 (dezanove) pontos.
y) As sequelas que determinam o défice funcional aludido na al. anterior são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, sendo, no entanto, compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional.
z) O Autor irá necessitar de prótese para o pé esquerdo, adaptada e com necessidade de revisão periódica e uma canadiana.
aa) O Autor irá necessitar de ser seguido em consultas médicas periódicas, de frequência anual, da especialidade de fisiatria para análise do estado do material protésico e sua adaptação, bem como para prevenir e detetar complicações atempadamente.
bb) No momento da queda da laje sobre o seu corpo, o Autor sofreu dores e pânico, temendo pela sua vida.
cc) Essas dores prolongaram-se com as quatro intervenções cirúrgicas a que foi submetido e nos tratamentos a que foi sujeito até ../../2016.
dd) Ainda hoje padece dos seguintes fenómenos dolorosos: omalgia direita, lombalgia e sacralgia esquerda, que perdurarão para o resto dos seus dias.
ee) O "quantum doloris" foi avaliado no grau 5 (cinco) numa escala até 7 (sete).
ff) Esteve sujeito a internamento hospitalar, desde 11.01.2016 a 07.04.2016.
gg) No período indicado na al. anterior, esteve angustiado por se encontrar longe da sua casa e da sua família (cônjuge e filha), preocupado com a evolução das lesões.
hh) Nesse período, não pôde conviver com os seus amigos, ir ao café, praticar desporto e de se divertir, o que lhe causou tristeza, desgosto e angústia.
ii) Fruto das sequelas descritas, o Autor sente-se uma pessoa diminuída, incapacitada e inibida perante os seus semelhantes, tendo perdido a alegria de viver.
jj) O uso de canadianas causa limitações e incómodos ao Autor.
kk) Antes do enunciado em a), o Autor era saudável, jogando futebol e fazia caminhadas.
ll) O Autor desenvolveu diabetes, excesso de peso, tensão arterial e colesterol elevados e ainda de síndrome da dor fantasma, para o que tem de tomar medicação diariamente.
mm) O Autor sofreu um prejuízo estético de grau 3 (três) numa escala até 7 (sete), por causa da claudicação da marcha, da utilização de ajudas técnicas e pela deformidade, com o que se sente infeliz.
nn) A 2.ª Ré havia transferido, à data do sinistro, para a 1.ª Ré a responsabilidade civil por danos e prejuízos causados a terceiros por via da circulação rodoviária (do veículo ..-OD-..) e ainda de exploração desse mesmo veículo, por acordos de seguro titulados pelas apólices, respetivamente, n.ºs ...00 e ...00.
oo) O 3.º Réu era o condutor do veículo ..-OD-.., que o tripulava sob as ordens, fiscalização e direção da 2.ª Ré, mediante retribuição.
- Oriundos das contestações:
pp) Nas condições particulares da apólice do seguro de responsabilidade civil de exploração prevê-se:
- No capítulo I, com a epígrafe “[â]mbito do contrato”, o seguinte:
“A responsabilidade, de natureza extra-contratual, assumida pela Seguradora na presente apólice é limitada às indemnizações que legalmente possam ser exigidas ao Segurado, como reparação de danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, involuntariamente causados a terceiros em consequência de factos acidentalmente ocorridos durante o exercício da sua atividade e diretamente com ela relacionados.
Mais de declara que a presente apólice garante igualmente a Responsabilidade Civil Laboração das máquinas do Segurado, quando no exercício da sua atividade. (…)”.
- No capítulo IV:
O limite de indemnização de € 500.000/sinistro/ano;
- No capítulo VI:
A franquia geral de 10% do valor do sinistro com um mínimo de € 250,00.
- No capítulo III:
“Para além das exclusões mencionadas nas Condições Gerais, a Seguradora também não será responsável por:
(…)
3. Danos enquadráveis no âmbito de qualquer seguro obrigatório;
4. Danos derivados de inobservância/incumprimento de legislação, normas, licenciamentos, inspeções e condições de segurança e/ou proteção determinadas pelos organismos oficiais;
5. Danos enquadráveis no âmbito de Responsabilidade Civil Cruzada; (…)”.
qq) Na cláusula 5ª/2, das condições gerais da apólice do seguro de responsabilidade civil de exploração, prevê-se o seguinte:
“2. Salvo convenção em contrário expressa nas Condições Especiais ou Particulares e sem prejuízo de outras exclusões nelas constantes, não ficam também cobertos por esta apólice os danos: (…)
j) consequenciais, como sejam lucros cessantes e/ou perdas económicas e financeiras de qualquer natureza, sofridas por terceiros que decorram de facto que implique responsabilidade civil extracontratual do segurado. (…)”.
rr) Na cláusula 1ª/e), das condições gerais da apólice do seguro de responsabilidade civil de exploração, prevê-se o seguinte:
“TERCEIRO: Aquele que, em consequência de um sinistro coberto por este contrato, sofra um dano suscetível de, nos termos da lei civil e desta apólice, ser reparado ou indemnizado.”
ss) Os factos aludidos em a) ocorreram em solo de prédio propriedade privada, e não em qualquer via (pública ou privada).
tt) O local do sinistro estava vedado para a execução da obra mencionada em a) e correspondia ao estaleiro da mesma e no seu interior só se movimentavam as máquinas, equipamentos e trabalhadores da empreiteira geral e das subempreiteiras.
uu) Toda a obra estava sujeita a uma mesma direção, a da 2.ª Ré, que era a empreiteira geral e todos os trabalhadores na obra executavam trabalhos para um mesmo fim.
vv) O solo envolvente coberto de terra, água e lama.
ww) Os trabalhos estavam a ser executados numa área inferior a 100 m2.
xx) O Autor estava debaixo da laje alveolar, a qual não estava betonada, mas apenas apoiada e, como tal solta.
yy) Sendo a betonar mais tarde.
zz) Cada uma das placas que compunha a laje alveolar tinha a dimensão de 1,10mx4,00m e peso de 800 kg.
aaa) A realização dos trabalhos de limpeza de lamas era improtelável.
bbb) O Autor conhecia o local onde as máquinas estavam a operar.
ccc) No momento em que o Autor estava debaixo da laje, as máquinas retroescavadora e giratória ainda não tinham terminado a abertura de valas e limpeza de lamas.
ddd) A 1.ª Ré informou a 2.ª Ré da condição respeitante à franquia relativa ao acordo de seguro de responsabilidade civil de exploração.
- Considerados nos termos do artigo 5.º/2,b), do CPCiv:
eee) O Autor ficou a padecer de um prejuízo na sua atividade sexual de grau 1 (um) numa escala até 7 (sete).
- Factos não provados:
- Oriundos da petição inicial:
1) A retroescavadora tripulada pelo 3.º Autor encontrava-se, toda ela, do lado interior da edificação encimada pela laje alveolar.
2) Além da retribuição base, o Autor auferia outros rendimentos decorrentes da prestação de trabalho extraordinário e trabalho aos sábados, recebendo, em média, mais € 460,00 mensais.
3) O Autor é uma pessoa deprimida, emocionalmente instável, evitando o convívio dos seus amigos e evitando relacionar-se com os outros.
4) O Autor tem revivescências traumáticas do acidente.
5) O Autor teve outras lesões ou ficou a padecer de outras sequelas, presentes ou futuras, e irá precisar de outros tratamentos, para além das referidas nos factos provados.
6) O Autor ficou a padecer de uma repercussão nas atividades de lazer correspondente ao grau 6 (seis) numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente.
7) O Autor não conseguiu adaptar-se à prótese.
8) A diabetes, o excesso de peso, tensão arterial e colesterol elevados, de que padece o Autor, estão relacionados com as lesões sofridas com o sinistro.
- Oriundos das contestações:
9) O toque da retroescavadora na laje deveu-se, possivelmente, ao piso irregular que se fazia sentir, poderá ter feito balançar a mesma, e, com isso, poderá ter encostado com o braço mecânico.
10) O Autor colocou-se no local onde foi atingido pela queda da laje por se tratar de uma zona abrigada das condições atmosféricas.
11) Não era função do Autor proceder à limpeza de lamas.
12) As instruções da 2.ª Ré no sentido da realização das operações de abertura de vala e limpeza de lamas foram no pressuposto de que não haveria qualquer trabalhador a laborar naquele local.
13) O local onde o Autor se encontrava não foi por instruções da 2.ª Ré ou qualquer um dos seus representantes.
14) Os documentos contendo as condições referidas em pp) a rr) foram previamente (em relação à celebração do seguro) entregues pela 1.ª Ré à 2.ª Ré.
A seguradora inicia a sua apelação com impugnação da decisão de facto.
Considera que deve ser dado como provado o facto n.º 14 constante dos factos não provados.
Desde logo, sustenta-se numa errada identificação da apólice em causa, constante da motivação da decisão, lapso que, entretanto, já foi corrigido, através de despacho – retificação de erro material – proferido aquando da admissão do recurso em que se evidencia que a alusão a uma outra apólice de seguro que não a constante da alínea nn) dos factos provados se ficou a dever a erro de escrita motivado pelo facto de a ré seguradora ter vindo, posteriormente aos articulados, juntar outras apólices que não correspondiam às indicadas na contestação. Verificado tal lapso determinou-se a correção do mesmo, substituindo-se o parágrafo da motivação em causa. Notificadas as partes nos termos do disposto no artigo 614.º, n.º 2 do CPC, nada disseram, pelo que fica assente tal retificação, não sendo motivo para alterar a matéria de facto em virtude desse lapso.
Quanto ao mais, relativo a este número 14 dos factos não provados, nada existe nos autos que permita concluir pela sua prova. A seguradora não apresentou qualquer testemunha que tenha negociado o contrato em causa ou que pudesse testemunhar a entrega dos documentos relativos às condições particulares e gerais da apólice do seguro de responsabilidade civil de exploração em momento prévio à celebração do mesmo, prova que a ela competia. Também não juntou qualquer documentação, designadamente troca de cartas ou emails em que o assunto fosse discutido e, ao contrário do que parece querer fazer incutir, resulta das declarações de parte do legal representante da 2.ª ré (única pessoa que se referiu a este assunto) que nunca aceitaria negociar um contrato com as exclusões previstas naquelas cláusulas e que não recebeu as condições gerais e particulares da apólice em momento prévio à celebração do seguro.
Quanto à questão da franquia, a posição tomada pela 2.ª ré é diferente. Com efeito se é verdade que nega que os documentos relativos às condições gerais e particulares da apólice lhe tenham sido entregues – artigo 17.º da resposta – já quanto à franquia, diz não se recordar que a mesma tenha sido informada e acordada entre as partes – artigo 37.º da mesma resposta – o que, tratando-se de facto pessoal, equivale a uma confissão, como bem se analisa na motivação da decisão:
“Quanto à efetiva comunicação do conteúdo das condições gerais e particulares (não constantes do texto da apólice, mas a esta anexas), em primeiro lugar, cabe anotar que, tratando-se o acordo de seguro de um contrato de adesão (pois as propostas consubstanciam formulários contendo um clausulado pé-elaborado – artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10, alterado pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31.08, e pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 07.07, que aprovou o Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais – LCCG), o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva das cláusulas contratuais gerais cabe ao contraente que as submeta a outrem (artigo 5º/3).
Relativamente a esta matéria, a Ré não realizou qualquer esforço probatório. A única pessoa ouvida a respeito da conclusão do acordo de seguro e do âmbito de cobertura contratual foi o declarante de parte GG (legal representante da 2.ª Ré), o qual referiu que, na negociação dos contratos de seguro, intervém um corretor de seguros, que defende a posição da 2.ª Ré, não tendo absoluto conhecimento da documentação que é trocada, e o momento em que é feito, e que não aceitaria um seguro que excluísse os lucros cessantes e as perdas económicas ou uma exclusão relacionada com os seguros de outras empresas, porque não pretender estar dependente de terceiros. Também referiu que, na sua interpretação, um empreiteiro é um terceiro para o efeito de ser beneficiário do seguro.
Embora o declarante de parte não tenha sido absolutamente firme sobre a forma como se processa o período de formação do contrato, dada a intervenção da corretora de seguros, o certo é que era 1.ª Ré que, como se disse, deveria efetuar a prova da comunicação/entrega das condições, não tendo trazido aos autos nenhum subsídio, nem de natureza documental (p. ex., troca de negociações acerca do conteúdo de cláusulas; prova de entrega das condições no período da formação do contrato), nem de natureza testemunhal (p.ex., audição de pessoas intervenientes na discussão e formalização do seguro, seja seus funcionários, seja da mencionada corretora), que permitissem alicerçá-lo [razão pela qual se proferiu a resposta que consta da al. 14].
Excetua-se desta argumentação a questão da franquia. Isto porque, a seu respeito, a 2.ª Réu alegou, no artigo 37.º, da resposta com a REFª: ...02, que “[n]ão recorda ademais a Ré EMP02... que a franquia alegada pela Ré seguradora no art. 82º tenha sido devidamente informada e efetivamente acordada entre as partes, pelo que como acima se mencionou, sendo uma cláusula que não foi negociada, mas imposta, está sujeita ao regime das CCG’s.”
Nos termos do artigo 574.º/3, do CPCiv, se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário.
Perante o exposto, considerando que a informação da franquia consiste num facto dirigido à própria 2.ª Ré, competia esta, para impugná-lo, negar a prestação da mesma; dizendo que “não se recorda” é o mesmo, salvo melhor opinião, do que afirmar que não sabe se esse facto é real, pelo que, aplicando-se a regra transcrita constante do artigo 574.º/3,1.ª parte, deu-se como provado que ela foi objeto de comunicação, como se respondeu em ddd)”.
Está bem decidida, portanto, esta questão.
A apelante prossegue com a impugnação da decisão de facto relativa ao apuramento dos factos do acidente.
Pretende que seja dado como provado, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2 do CPC que o autor se colocou debaixo de uma laje não betonada – espacial local de risco – contra a instrução genérica de não trabalhar a pé junto das máquinas enquanto estas estivessem, como estavam, a operar e sem aguardar, como devia, ordem específica do encarregado para executar qualquer trabalho, o que tudo aquele sabia, sendo que, quando se colocou debaixo da laje, não estava a executar qualquer tarefa, porque desacompanhado dos instrumentos necessários para o efeito, a bomba e/ou a enxada. E, como consequência, que se dê como não provado o facto constante da alínea i) dos factos provados, ou seja, “que o 3.º réu iniciou e continuou a manobra sem confirmar ou verificar a proximidade da construção e a presença do autor, nada fazendo para evitar a colisão”.
Ora, desde logo, deve dizer-se que, ainda que fosse de acrescentar aos factos provados aqueles que agora a apelante pretende que sejam aditados, nunca daí resultaria a não prova da alínea i) dos factos provados, pois esta prende-se com a atitude do manobrador, 3.º réu, face à proximidade da construção e à presença de pessoas no local, independentemente de as pessoas aí se encontrarem a trabalhar ou apenas a abrigarem-se da chuva e, até, contra instruções do encarregado.
Quanto ao aditamento de factos, baseia-se a apelante no depoimento da testemunha CC que, na altura do acidente, era o encarregado de obra e hoje está reformado.
Ora, o depoimento desta testemunha não pode ser considerado isoladamente, sem a devida conjugação com a demais prova produzida.
E a restante prova produzida leva-nos a concluir em sentido contrário, tal como, e bem, na nossa perspetiva, se decidiu em 1.ª instância.
Elementos essenciais de prova, neste caso, são os relatórios de averiguação realizados pelas companhias seguradoras, o relatório elaborado pela 2.ª ré e o relatório da autoria da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), relatórios efetuados em data próxima do evento, com recolha de informações no local e junto dos trabalhadores que aí se encontravam e assistiram ao acidente. De acordo com os mesmos não há dúvida que foi o toque da retroescavadora na laje a causa da queda desta e que tal toque nada teve a ver com irregularidade do terreno (como o 3.º réu chegou a dizer no seu depoimento, apesar de apenas o configurar como hipótese). Também dos relatórios se retira que a retroescavadora podia manobrar debaixo da laje sem lhe tocar, uma vez que o toque ocorreu já na fase final da execução da abertura da vala e, caso assim não fosse, ter-lhe-ia tocado logo no início dos trabalhos.
Quanto à forma como o acidente se deu e à posição do autor no terreno bem como aquilo que o mesmo se encontrava a fazer, a decisão de facto está correta e exaustivamente motivada na parte relativa a esses factos, conforme decorre da leitura de páginas 16 vº a 23 da sentença, que faz apelo, não só aos relatórios já citados, como ao depoimento das testemunhas DD, HH e até CC, bem como considerou o que o trabalhador II, condutor da máquina giratória, entretanto já falecido, disse ao averiguador da 1.ª ré, quanto ao que o sinistrado se encontrava a fazer no local. Da prova produzida resulta que o autor estava naquele local em obediência a ordens da sua entidade patronal e para realizar um trabalho que era urgente “a fim de evitar o colapso de toda a estrutura já edificada”, conforme se pode ler no relatório da ACT, tendo sido destacado para esse lugar exatamente para executar os trabalhos de limpeza de lamas, de forma urgente, face ao perigo em que a obra se encontrava. Como se afirma na sentença:
“por força do encharcamento provocado pela pluviosidade que se tinha feito sentir, tornou-se necessário executar os trabalhos de abertura de vala e de limpeza de lamas, e o Autor tinha sido destacado para o efeito, como admitido por CC, encarregado da 2.ª Ré. Como se diz no relatório, face ao carácter inesperado da situação, a 2.ª Ré não providenciou por definir um plano de ação que acautelasse o perigo decorrente da execução de trabalhos nas proximidades de lajes pré-fabricadas antes da fixação das suas extremidades às vigas. Não tendo havido essa diligência nem da parte da direção técnica da obra, nem da equipa de segurança e saúde no trabalho, acha-se pouco crível que o encarregado da 2.ª Ré tenha ordenado ao Autor que aguardasse que as máquinas se retirassem do local, tanto mais que, nos relatórios mais próximos da data do evento, nunca foi referido que aquele atuou contra quaisquer ordens que a esse respeito tenham sido dadas, o que conduziu à resposta que consta da al. 13).
Do mesmo passo, a inexistência de um plano, e a falta de audição de técnicos da 2.ª Ré, que tenham determinado a execução dos trabalhos de abertura de vala, redundou na inverificação de que foi transmitido ao 3.º Réu que a realização dos mesmos era no pressuposto da inexistência de trabalhadores no local [al. 12)].
O carácter improtelável na realização das obras de escavação e drenagem das águas acumuladas [al. aaa)], decorreu da audição do técnico de segurança JJ, mas também do relatório do ACT, na parte acima transcrita, em que se debruça sobre a urgência desses trabalhos”.
Considerando, assim, a análise de toda a prova produzida, de onde sobressaem com especial importância os relatórios elaborados na altura do acidente, com recolha de informações junto dos trabalhadores, bem como os depoimentos no mesmo sentido ouvidos em audiência (com algumas divergências, é certo, no depoimento do encarregado da obra da 2.ª ré, e com base no qual a apelante pretende ver modificada a decisão de facto no sentido de atribuir a culpa do acidente ao autor) entende-se que é de confirmar a decisão de facto, aliás, como já por nós referido, exaustivamente motivada e sem que a Sra. Juíza se tenha furtado à análise de depoimentos que poderiam ir em sentido contrário, mas com abundantes explicações para a formação da convicção que resulta da mesma, não só socorrendo-se de outros elementos de prova (testemunhais e documentais, tendo-se analisado também fotografias juntas aos autos), como também, quando necessário, das regras da normalidade e da experiência.
Improcede, assim, a impugnação da decisão de facto, que se mantém nos termos constantes da sentença recorrida.
Quanto ao direito
Nada a acrescentar quanto à forma exemplar como na sentença recorrida vem afirmada a responsabilidade extracontratual por factos ilícitos quanto ao 3.º réu, considerando a presunção de culpa não ilidida que para si resulta do facto de exercer uma atividade perigosa ao manobrar uma retroescavadora para abrir uma vala nas concretas circunstâncias descritas nos factos provados, bem como a responsabilidade da 2.ª ré enquanto comitente, no pressuposto da culpa do trabalhador, seu comissário.
A apelante põe em causa a sentença no que toca à sua responsabilidade, ou seja, da 1.ª ré, seguradora.
Entende que o tribunal errou ao considerar como não escritas as exclusões contratuais do seguro invocadas pela seguradora, a saber, as previstas nas alíneas pp) a rr) dos factos provados, porque tais cláusulas foram negociadas pela 2.ª ré, como terá resultado das declarações de parte do seu legal representante, pelo que não deveriam ser consideradas cláusulas contratuais gerais, não se lhe aplicando o disposto nos artigos 5.º e 8.º, alínea a) da LCCJ. Apenas se deu como não provado que os documentos contendo essas condições tenham sido previamente entregues pela 1.ª ré à 2.ª ré e não que esta os desconhecia.
Ora, salvo o devido respeito, tal questão teria que ser abordada na impugnação da matéria de facto. Conforme aí se referiu, era a 1.ª ré que estava onerada com a prova de que comunicou as exclusões da cobertura da apólice e tal prova não se realizou, nem pode agora acrescentar-se que a 2.ª ré aceitou ter negociado tais condições, quando já vimos que tal não resulta dos factos provados. De igual modo não pode dizer-se que não ficou provado que a apelante não comunicou à 2.ª ré o conteúdo das exclusões nem que não o tenha feito de forma adequada e com a antecedência necessária, pois cabia à 1.ª ré fazer essa prova, a prova de que comunicou de modo adequado e com a antecedência necessária o conteúdo dessas cláusulas. Remetemos, aqui, para o que já dissemos aquando da análise da impugnação da matéria de facto, parecendo despiciendo lembrar que, em face da posição assumida pela 2.ª ré, a 1.ª ré não realizou qualquer esforço probatório, nem testemunhal, nem documental, com o intuito de provar aquela comunicação nos termos previstos no artigo 5.º da LCCJ (tendo mesmo ficado não provado que os documentos contendo as cláusulas de exclusão tenham sido entregues à 2.ª ré), e não pode agora vir dizer que a 2.ª ré podia até conhecer as cláusulas em questão apesar de não lhe terem sido entregues os documentos (entrando no domínio das hipóteses que, como é óbvio, não podem ser consideradas face ao teor dos factos provados)
Daí que seja correta a solução de considerar excluídas tais cláusulas, conforme determina o artigo 8.º, alínea a) da LCCJ.
E encontrando-se as mesmas excluídas, não procede a alegação da apelante quanto à falta de cobertura do seguro de responsabilidade civil de exploração, designadamente, quanto aos “danos consequenciais, como sejam lucros cessantes e/ou perdas económicas e financeiras de qualquer natureza sofridas por terceiros que decorram de facto que implique responsabilidade civil extracontratual do segurado” – cláusula 5.ª/2 das condições gerais da apólice (alínea qq) dos factos provados) – pretendendo eximir-se ao pagamento da quantia arbitrada a título de dano biológico na vertente patrimonial, no montante de € 130.000,00.
Quanto à possível culpa do lesado, a apelante convoca o disposto no artigo 570.º do CC, segundo o qual “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”, acrescentando o seu n.º 2 que “se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui i dever de indemnizar”.
O que se verifica, é que, ao contrário do raciocínio desenvolvido pela Sra. Juíza tendente a concluir que a indemnização a fixar ao autor não deve ser reduzida ou eliminada, por força do disposto no artigo 570.º do CC, a apelante limita-se a convocar os factos provados, acrescentando-lhes aqueles que pretendeu, sem êxito, ver aditados, no capítulo da impugnação da decisão de facto, para concluir, sem qualquer argumentação adicional, que a culpa do lesado deve conduzir à absolvição da apelante do pedido, ou, pelo menos, ser a mesma reduzida. Acontece que, como já ficou demonstrado supra, não há qualquer motivo para alterar a decisão de facto constante da sentença recorrida, pelo que, fundando-se a discordância da apelante apenas nos factos que pretendia ver aditados, não procede a sua conclusão, remetendo-se aqui para o bem fundado da argumentação desenvolvida na sentença quanto à não redução ou eliminação da indemnização a fixar ao autor.
Sob a epígrafe “Do excesso das quantias indemnizatórias”, em três artigos da sua alegação, a apelante limita-se a dizer que “com base nos factos para o efeito ponderados, que aqui se dão por reproduzidos, entende-se tais quantias como excessivas, máxime face à prática jurisprudencial, e, como tal, violadoras do juízo de equidade previsto no artigo 566.º do CC e que deverá presidir à fixação daqueles valores. Deverão, como tal, aqueles montantes ser reduzidos, respetivamente, para € 100.000,00 e € 50.000,00”
O que se trata aqui é de discordar só por discordar, para conseguir uma redução de valores.
Ora, o que se verifica, é que a Sra. Juíza na sentença recorrida, ao longo de 11 páginas em que discorreu de forma muito convincente, tendo por base os factos provados e fazendo apelo às normas legais que regulam esta matéria, conjugadamente com a melhor doutrina e jurisprudência recente, designadamente, para efeitos comparativos e por respeito ao princípio da igualdade, obteve os valores de € 130.000,00 a título de dano biológico e de € 75.000,00 a título de danos patrimoniais, de forma que nos parece correta e justa, considerando o caso concreto.
Poderíamos nós, agora, acrescentar outros acórdãos, para além dos sete acórdãos do STJ, de datas recentes, que a Sra. Juíza convocou em auxílio da sua decisão, mas sempre tal exercício seria desnecessário, apenas se acrescentando palavras àquilo que já está perfeitamente explicado e de forma convincente, nos autos. Tal exercício seria tanto mais despiciendo, quando é certo que a apelante não indica qualquer razão de discordância relativamente aos valores fixados, limitando-se a uma fórmula conclusiva.
Relativamente a esta questão, deve dizer-se que a 2.ª ré, na peça que denomina de “Contra-alegações e, simultaneamente, recurso de apelação subordinado”, acaba por responder ao recurso da 1.ª ré, rebatendo-o quanto a alguns pontos e concordando com o mesmo quanto a outros pontos, numa amálgama que nem sempre é muito percetível. Quanto a esta questão dos valores indemnizatórios, claro, acompanha o recurso da 1.ª ré (acompanhando-o, também, quanto à questão da culpa do lesado, mas já não quanto às exclusões previstas na apólice e quanto à impugnação da matéria de facto relativa às condições gerais e particulares da mesma), acrescentando à parca alegação da 1.ª ré, a citação de alguns acórdãos onde foram fixadas indemnizações inferiores.
O que se verifica, da análise de tais acórdãos é que pouco ou nada têm a ver com o caso dos nossos autos, uma vez que, em todos eles a IPG fixada, foi, sempre, sem rebate profissional e sendo as sequelas compatíveis com o exercício da atividade habitual do lesado. E é esta a grande diferença, pois no nosso caso o défice funcional de que o autor ficou portador tornou-o inapto para o exercício da sua profissão habitual e “embora se tenha respondido, ao nível da matéria de facto, que o défice do autor não é impeditivo de outras profissões dentro da sua área de preparação, considerando a atividade anterior (operário de construção civil) e as limitações de mobilidade que passou a padecer (por força de ter sido amputado e usar uma prótese), as possibilidades de empregabilidade são muitíssimo reduzidas. De um lado, num mercado muito competitivo, como é o atual, as entidades empregadoras procuram ganhos de eficiência e poupança de custo, pelo que a contratação de recursos humanos que obriguem a investimento em soluções de integração e de diferenciação, quanto às condições de prestação de trabalho, não é uma situação corrente. De outro lado, as atividades de maior pendor sedentário, com menor esforço físico e feição administrativa, requerem formação profissional que o autor não dispõe e que, num plano de probabilidade, se mostra impraticável de obter” – citação colhida na sentença recorrida e que mais não quer dizer que, com enormíssima probabilidade, o autor não mais conseguirá obter emprego, considerando, também, e até, a sua idade.
Tudo para se concluir pelo acerto dos valores encontrados e pela improcedência do recurso nesta parte.
A questão seguinte tem a ver com a subtração da indemnização paga em sede de acidente de trabalho.
Entende a apelante que, tendo já o autor sido indemnizado em sede de acidente de trabalho pelo dano de perda da sua capacidade de ganho, deverá a decisão ser alterada por força a descontar aos € 130.000,00 fixados pelo dano biológico, na sua vertente patrimonial, o montante já recebido no âmbito do acidente de trabalho, sob pena de se permitir um enriquecimento sem causa do autor.
Na sentença recorrida considerou-se não ser de proceder a qualquer abatimento em relação às prestações fixadas, por força da indemnização arbitrada em processo laboral, uma vez que estas se complementam até ao ressarcimento total do dano causado ao lesado.
Vejamos.
Conforme se pode extrair do Acórdão do STJ, de 11.12.2012 (processo nº 40/08.1TBMMV.C1.S1), in www.dgsi.pt, constitui entendimento uniforme e reiterado da nossa jurisprudência, o de que «as indemnizações consequentes ao acidente de viação e ao sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado».
No dizer do mesmo acórdão, pode o lesado/sinistrado «exigir, alternativamente, a indemnização ou ressarcimento dos danos a qualquer dos responsáveis, civil ou laboral, escolhendo aquele de que pretende obter em primeira linha a indemnização», sendo que «o pagamento da indemnização pelo responsável pelo sinistro laboral não envolve extinção, mesmo parcial, da obrigação comum, não liberando o responsável pelo acidente» - neste mesmo sentido, cfr. Acórdão do STJ, de 19.10.2010 (processo nº 696/07.2TBMTS.P1.S1), in www.dgsi.pt.
Daí que “a indemnização devida ao lesado/sinistrado a título de perda da sua capacidade de ganho, mesmo no caso de o autor ter optado pela indemnização arbitrada em sede de acidente de trabalho, não contempla a compensação do dano biológico, consubstanciado na diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na sua vida pessoal e profissional, porquanto estamos perante dois danos de natureza diferente.
Com efeito, enquanto a primeira indemnização tem por objeto o dano decorrente da perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual, durante o período previsível dessa atividade e, consequentemente, dos rendimentos que dela poderia auferir, a compensação do dano biológico tem como base e fundamento «a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expectável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual» - Acórdão do STJ, de 13.07.2017 (processo nº 3214/11.4TBVIS.C1.S1) e, no mesmo sentido, Acórdão do STJ, de 06.12.2017 (processo nº 1509/13.1TVLSB.L1.S1), ambos em www.dgsi.pt.
A questão que deve colocar-se, é a de saber se a indemnização paga em processo laboral se sobrepõe à que eventualmente seria devida nestes autos ou se deve considerar-se, aqui, uma indemnização adicional à emergente do sinistro laboral, reportada ao ressarcimento de danos que se não pudessem ter por incluídos ou contemplados no capital de remição já recebido.
Deve dizer-se que, a indemnização fixada nestes autos, a título de dano biológico, teve em vista, como se diz na sentença recorrida, o ressarcimento da lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física, consubstanciada na perda de qualidade do seu estatuto físico, variável em função do grau percentual de défice atribuído, bem como a afetação da capacidade laboral genérica – que, como já vimos, no caso dos autos, é praticamente total -, ou seja, a mesma não terá como função e finalidade a compensação das perdas salariais decorrentes do grau de incapacidade fixado ao sinistrado no procedimento de acidente de trabalho, mas antes, a compensação do dano biológico inevitavelmente associado às sequelas das lesões sofridas, a implicar esforço ou sacrifício acrescido, não só no exercício das tarefas laborais, mas também na vida pessoal – e nessa medida, totalmente autónomo e diferenciado da problemática das referidas perdas salariais – veja-se, neste sentido, Acórdão do STJ de 11/12/2012, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, in www.dgsi.pt.
O que conduz a que não se verifique a dita acumulação de indemnizações referentes ao mesmo dano, pois o que se pretende ressarcir é, não o dano consubstanciado na perda de rendimentos salariais decorrente do grau de incapacidade fixado ao sinistrado no processo de acidente de trabalho (compensado pela entrega do capital de remição), mas antes o dano biológico decorrente das sequelas das lesões sofridas, perspetivado não como fonte de uma perda de rendimentos laborais, mas antes como diminuição global das capacidades gerais do lesado, envolvendo uma verdadeira capitis deminutio para a realização de quaisquer tarefas, que passam a exigir-lhe um esforço acrescido, compensado precisamente com o arbitramento desta indemnização” – cfr. Acórdão do STJ citado.
A incapacidade em causa, constitui, como já referimos, uma desvalorização efetiva, com expressão patrimonial, embora em valores não definidos e com a consequente necessidade de recurso à equidade para fixar a correspondente indemnização.
Daí que não pode concluir-se pelo enriquecimento sem causa do autor, uma vez que as indemnizações em causa – civil e laboral – de diferente natureza e ressarcindo prejuízos diferentes, se complementam até ao ressarcimento total do dano causado ao lesado.
Finalmente, a apelante coloca a questão da franquia, por na sentença ter sido deduzida apenas a quantia de € 250,00, quando está assente que a franquia geral prevista é de 10% do valor do sinistro, com um mínimo de € 250,00.
Lida a sentença verifica-se que nada é dito sobre esta matéria a não ser na parte dispositiva quando se determina a dedução da franquia de € 250,00 ao valor a pagar pela seguradora.
Ora, considerando que, e bem, a questão da franquia foi autonomizada das restantes cláusulas excluídas do contrato ao abrigo dos artigos 5.º e 8.º da LCCJ e que foi considerado provado que a 1.ª ré informou a 2.ª ré da condição respeitante à franquia relativa ao acordo de seguro de responsabilidade civil de exploração – alínea ddd) dos factos provados – não há dúvida que o valor a ser deduzido é de 10% do valor da indemnização e não apenas o mínimo previsto de € 250,00 por sinistro.
Assim, procede, parcialmente, a apelação da 1.ª ré, seguradora, sendo de deduzir os 10% de franquia ao valor total da indemnização arbitrada.
Uma última palavra relativamente à peça processual a que a 2.ª ré chamou de Contra-alegações e simultaneamente recurso de apelação subordinado., com impugnação da matéria de facto “o que faz apenas para acautelar a eventual procedência do pedido da recorrente no que tange ao afastamento da sua responsabilidade por força das cláusulas de exclusão”.
Já dissemos, supra, que a 2.ª ré, não concorda com parte do recurso da 1.ª ré – e aí poderíamos considerar a peça em causa como uma verdadeira contra-alegação – e concorda com outra parte, aduzindo argumentos para a sustentar, o que só seria possível de enquadrar como um verdadeiro recurso independente, uma vez que a 2.ª ré também ficou vencida e, tendo interposto recurso subordinado, disse que o fazia apenas para acautelar a eventual procedência do pedido da 1.ª ré/recorrente no que toca ao afastamento da sua responsabilidade por força das cláusulas de exclusão. Ora, não tendo a 1.ª ré obtido vencimento nessa parte do seu recurso, não é de conhecer o recurso subordinado, interposto a título subsidiário. Por outro lado, a 2.ª ré considera que não ficou vencida em relação ao resultado declarado na sentença, uma vez que houve transferência de responsabilidades para a 1.ª ré, motivo pelo qual não pode interpor recurso subordinado e acaba por o interpor, mas apenas a título subsidiário.
Considera-se, portanto, em primeiro lugar, não ser de conhecer o recurso subordinado/subsidiário e, por outro lado, admitidas as contra-alegações, foram as mesmas tidas em conta, tanto na parte em que sustentaram a decisão recorrida em oposição ao recurso da 1.ª ré, como na parte em que concordaram com este recurso (sendo que nesta parte, verdadeiramente, não podem considerar-se umas contra-alegações).
III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação da 1.ª ré “EMP01..., SA”, revogando-se a sentença recorrida, apenas na parte em que fixou a franquia do contrato de seguro a deduzir ao valor total da indemnização, em € 250,00, substituindo-se este valor por 10% do valor da indemnização, a título de franquia. Quanto ao mais, confirma-se a sentença recorrida.
Custas por apelante e apelados, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza o autor,
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Guimarães, 12 de setembro de 2024
Ana Cristina Duarte
Carla Maria de Sousa Oliveira
Raquel Batista Tavares