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PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
CASO JULGADO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA ACTUALIDADE
DEVER DE IMPARCIALIDADE
PRINCIPIO DA PRIVACIDADE
CARÁCTER RESERVADO DO PROCESSO
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Sumário
Em processo de protecção de criança, regulado na Lei nº 147/99 (L.P.C.J.P.), em decisão proferida na sequência de incidente suscitada por um dos progenitores com esse objectivo, inexiste excesso de pronúncia na decisão que, na sequência de uma medida homologada por acordo, constata que subsiste o perigo em causa e ou se detecta, ex novo, alguma circunstância que motive a alteração do regime assim estabelecido. A consideração, nesta decisão, de factos anteriormente ocorridos e/ou julgados no mesmo processo ou seus apensos, não constitui, sem mais, violação de caso julgado, prevista no art. 619º, do Código de Processo Civil, antes uma faculdade do juiz num processo que se considera ser de jurisdição voluntária, ao abrigo, v.g., do disposto no art. 986º, nº 2, do mesmo Código. Carece de sustento a arguição da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil, relativamente a decisão profusamente fundamentada e cujos diversos argumentos são exaustivamente rebatidos pela apelante, só porque se discorda do seu mérito. O alegado erro de julgamento da matéria de facto e o vício formal de nulidade da sentença, previsto no art. 615º, nº 1, al. c), do C.P.C., são inconfundíveis. Não merece censura, nos moldes suscitados pela apelante, o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal recorrido, pelo que a mesma deve ser mantida, com prejuízo para o conhecimento do recurso do mérito da decisão que assentava nessa pretensão instrumental e que a aborda sem considerar o que nela verdadeiramente foi tido em conta. Os princípios da proporcionalidade e actualidade, expressos na al. e, do art. 4º, da L.P.C.J.P., significam apenas que qualquer intervenção em sede de promoção e protecção deve acudir a uma situação de perigo concreta, ainda que eminente, e não hipotética ou passada e, por outro lado, deve ser restritiva e o menos invasiva da autonomia e privacidade da família e da criança ou jovem em questão, não se sobrepondo ao princípio fundamental do interesse superior da criança em perigo e às necessidades que este determine. O mesmo sucede com os princípios da responsabilidade parental e do primado da continuidade das relações psicológicas profundas, previstos nas als. f) e g), do citado art. 4º, nomeadamente quando perigo notado advém do comportamento da progenitora da criança. A invocação da violação do dever de imparcialidade do juiz em sede de recurso de apelação, sem qualquer argumentação ou concretização que contenda com o mérito da decisão impugnada, carece de relevo nesta sede. O acesso às gravações de prova na pendência de processo regulado na L.P.C.J.P. não está vedado às pessoas referidas no seu art. 88º, nº 3, desde que devidamente justificado e, nomeadamente, para exercício de recurso da decisão proferida. Deste modo, deve manter-se decisão que indeferiu esse acesso perante requerimento que não justificou o pedido de disponibilização dessas gravações. O art. 88º, nº 3, da L.P.C.J.P., interpretado à luz do que dita o art. 9º, do Código Civil, e luz dos preceitos fundamentais, insertos na Constituição da República Portuguesa e em convenções internacionais que informam o nosso sistema jurídico, não impede que as pessoas nessa norma mencionadas tomem apontamentos da consulta do processo físico na secção de processos onde o mesmo é disponibilizado para esse feito. A interpretação diversa que ficou plasmada em decisões que impediram, sem mais, a tomada de apontamentos nessas circunstâncias é ilegal, porque vai além da letra e do espirito da norma contida no art. 88º (cf. art. 9º, do Código Civil) e é inconstitucional, na medida em que limita de modo injustificado esse direito ao processo equitativo e à tutela efectiva. Obter “cópias” fotográficas, analógicas ou digitais, dos elementos do processo não é mesmo que registar, por apontamento, elementos relevantes do mesmo que permitam o exercício mínimo do contraditório exigido em qualquer processo. Essa limitação pode ser classificada como irregularidade que influi no exame ou na decisão da causa em apreço, o que, de acordo com o disposto no art. 195º, nº 1, do Código de Processo Civil, constitui nulidade e importa a anulação dos actos subsequentes que dele dependem absolutamente (cf. o seu nº 2).
Texto Integral
Assinado digitalmente por: Rel. – Des. José Manuel Flores 1º Adj. - Des. Maria Amália Santos 2º - Adj. - Des. Sandra Melo
Acordam os Juízes na 3ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
1. RELATÓRIO
Conforme relata a decisão recorrida…
Os presentes autos dizem respeito a CC, nascida a ../../2016, filha de AA e de BB.
Tiveram os presentes autos início por comunicação deste Tribunal de 27 de Maio de 2021 à CPCJ em virtude de no dia 26 de Maio de 2021 em sede de diligência no apenso D a progenitora ter junto aos autos documentos que sugeriam que a criança CC era vítima de maus tratos pelo pai e pela companheira deste.
Por acordo datado de Dezembro de 2021 foi aplicada, em sede de CPCJ, à criança CC a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe por 6 meses, sendo que em 27 de Abril de 2022 foi o processo remetido para Tribunal.
Autuado o processo, em sede judicial, a 10 de Maio de 2022 e após o período inerente à feitura do relatório pela ATT foi obtido o acordo, a 27 de Setembro de 2022, para aplicação da medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe.
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Foi ordenada a feitura de perícias com vista a determinar as competências parentais de cada um dos progenitores e apurar da origem do discurso de rejeição à figura paterna - cfr. despacho de 26.10.2022.
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Por decisão de 28.7.2023 foi, a título cautelar, aplicada a favor da criança CC, em conformidade com o promovido pelo Ministério Público, a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais - cfr. art.º 35.º, n.º 1, al. a) e art.º 39.º, ambos da LPCJP - tendo a criança passado a residir, alternadamente e com frequência semanal, com o progenitor e com a progenitora.
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A 11.3.2024 foi a medida supra aplicada por acordo.
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Por requerimento de 25.6.2024 veio a progenitora dar conhecimento que tinha ido buscar a criança CC a casa de uma vizinha do pai e que a criança se queixava que fora colocada de castigo no exterior da casa, às escuras, pela companheira do pai.
Nessa decorrência o Tribunal, desde logo, procedeu à instrução do incidente e determinou a produção de prova em audiência.
A final foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
“Termos em que se decide aplicar, cautelarmente, a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, na pessoa do pai, com o seguinte teor - cfr. art.º 35.º, n.º 1, al. a) e art.º 39.º, ambos da LPCJP:
1.CC residirá com o progenitor. 2.As questões de particular importância serão decididas, conjuntamente, por ambos os progenitores. 3.As questões relativas aos actos da vida corrente da criança serão exercidas pelo progenitor com quem a criança esteja. 4.O convívio entre CC e progenitora decorrerá, por ora, no CAFAP e supervisionado. 5.CC frequentará o estabelecimento de ensino da área de residência do progenitor, quem fica nomeado como encarregado de educação. 6.A progenitora e a família materna, por ora, ficam expressamente proibidos de estar com CC que não no CAFAP, não se podendo deslocar à escola da criança de forma a privarem com a mesma. 7.A progenitora prestará a pensão de alimentos no valor de € 175,00 euros mensais a pagar até ao dia 8 de cada mês. 8.As despesas médicas e medicamentosas extraordinárias e escolares do início do ano serão suportadas na proporção de metade por cada um dos progenitores. 9.Os pais cumprirão as orientações da técnica da ATT. 10.A medida terá a duração de seis meses. Notifique e Registe. De seguida e do teor da antecedente decisão, foram todos os presentes devidamente notificados, do que disseram ficar cientes. Foi determinado que no dia de amanhã a progenitora entregasse a criança ao pai, até às 11.00h no CAFAP de ..., acto a agilizar e com a presença da Sr.ª Técnica gestora do processo, do que todos ficaram cientes.”
Inconformada com esta decisão, a progenitora da CC recorreu, formulando as seguintes
Conclusões
QUANTO ÁS DECISÕES PROFERIDAS EM 11 DE JULHO DE 2024 (referencia ...52); 17 DE JULHO DE 2024 (referencia ...84), 18 DE JULHO DE 2024 (referencia ...61) – A APRECIAR APENAS NO CASO DE SEREM JULGADAS IMPROCEDENTES AS DEMAIS QUESTÕES SUSCITADAS.
i. O princípio da tutela jurisdicional efetiva é um direito fundamental previsto na Constituição da República Portuguesa (CRP) que implica, em primeiro lugar, o direito de acesso aos tribunais para defesa de direitos individuais, não podendo as normas que modelam este acesso obstaculizá-lo ao ponto de o tornar impossível ou dificultá-lo de forma não objetivamente exigível. ii. Às partes, também nestes processos de promoção e protecção de menores, e porventura com maior incidência dada a especificidade e delicadeza de processos neste âmbito por força dos interesses em causa, devem ser asseguradas todas as garantias de acesso ao direito, designadamente, direito a um processo equitativo, ao exercício do contraditório e, sobretudo, a um tribunal independente; iii. O artigo 88º n.º 1 da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, adiante LPCJP, estabelece que O processo de promoção e protecção é de caracter reservado, o que significa que só as pessoas enunciadas nos seus vários números (artigo 88º) têm acesso ao processo, podendo consultá-lo. iv. Pode, pois, afirmar-se o princípio segundo o qual as restrições de acesso ao processo não abrangem os pais do menor que, à partida, o podem consultar sem restrições. v. Esse acesso livre sofre, como única limitação, o segredo que a lei manda preservar, no âmbito de aplicação da medida de promoção e proteção prevista na alínea g) do nº 1 do art. 35º - confiança a pessoa selecionada para adoção ou a instituição com vista a futura adoção -, quanto à identidade dos adotantes e dos pais biológicos do adotado, nos termos previstos no artigo 1985º do Código Civil – nº 8 do mesmo art. 88º. vi. Tal nível de protecção não se pode traduzir num obstáculo ao acesso dos advogados da mãe da menor aos elementos do processo, mormente os de natureza probatória, em que se alicerçou ou se possa alicerçar a convicção do tribunal. vii. Acontece que, notificada da decisão recorrida, a progenitora requereu ao tribunal logo em 3 de julho de 2024, a disponibilização da gravação de todos os depoimentos prestados na diligencia do dia 2/07/2024, tendo sido proferido despacho em 6 de julho determinando que “autoriza-se o acesso às gravações única e tão só para efeitos de interposição de recurso – cfr art.º 8º da LPCJP. Adverte-se a Il. Mandatária da progenitora que, em tempo algum, este Tribunal autoriza o uso das gravações ou a sua partilha que não para o fim supra – cfr, ainda, o arti.º 93º, n.º 1 do Estatuto da ordem dos Advogados.” viii. Da mesma forma, e num despacho proferido no dia 3 de Julho, termina o tribunal advertindo: “Mais se determina que sejam os progenitores notificados, pessoalmente através da entidade policial territorialmente competente para darem cumprimento ao disposto no artigo 88º e 90º da LPCJP, devendo abster-se de, por qualquer meio, por si ou por entreposta pessoa, se referirem a quaisquer factos do presente processo”. ix. Ora, esta postura processual do tribunal, de autêntica intimidação e condicionamento aos mandatários, perfeitamente inaceitável e de um autoritarismo atroz, inadmissíveis a um tribunal que, entre muitos deveres, também tem na urbanidade para com os demais intervenientes, uma regra a respeitar. x. Acresce que, em 8 de julho de 2024, a progenitora, porque entendeu poder ser relevante para a fundamentação do seu recurso, dada toda a amplitude em termos de matéria de facto que o tribunal levou aos factos provados, requereu a disponibilização da gravação da diligência realizada em 11/03/2024, o que o tribunal veio a indeferir, em 11 de julho de 2024, da seguinte forma: “Este Tribunal, por despacho de 3/07/2024 já deixou bem explicito o teor do regime de acesso aos autos e obtenção de copias do mesmo. Como tal, indefere-se o pretendido.” xi. No dia 16 de julho de 2024, a progenitora requer, uma vez mais, o acesso à gravação da diligencia do dia 11/03/2024, na secretaria do tribunal, bem como a consulta do processo na sua integralidade. xii. No dia 17/07/2024, foi proferido despacho, quanto ao que aqui interessa, com o seguinte teor: “A progenitora, nos termos precisos do disposto no artigo 88º, n.º 3 do CP Civil pode consultar os autos, o que se autoriza, com a expressa advertência do já decidido: não há lugar à obtenção de partes do processo, ainda que por mera reprodução por apontamento.” xiii. Nesse mesmo dia, um colega de escritório da mandatária da progenitora, que consigo colabora, munido de substabelecimento, dirige-se à secretaria do tribunal, tendo sido impedido de tomar notas da consulta que pretendia fazer dos autos, o que inviabilizou por completo tal consulta, dado que não tem a capacidade de decorar um volume inteiro com requerimentos, documentos, promoções e despachos. xiv. De igual forma, não foi conferido o acesso à pretendida gravação, nem sequer o acesso à visualização de um vídeo que o progenitor juntou na diligência de 2/07/2024 e à qual o tribunal se refere na sua decisão. xv. Quanto àvisualização do vídeo, amesma foi solicitadadirectamente nasecretaria, aquando da tentativa de consulta, o que não foi concedido pelos Srs Funcionários Judiciais, face ao entendimento que vinha sendo manifestado pelo Sr. Juiz. xvi. No passado dia 19 de Julho, sexta-feira, ao final da tarde, a mandataria da progenitora, recebeu a notificação do despacho proferido no dia 18 de julho, no qual, apesar de admitir o acesso da progenitora ao vídeo, reitera a posição anteriormente assumida de negar o acesso aos autos à progenitora; xvii. Agora com o argumento do caso julgado no que respeita ao regime de acesso aos autos. xviii. Com isto, está a progenitora impedida de sustentar, como pretendia, a impugnação da matéria de facto que o tribunal levou aos factos provados e não provados, coartando assim, o seu direito ao recurso e, por consequência, à tutela jurisdicional efectiva plasmada no artigo 20º, nº 1 da CRP. xix. A interpretação que o tribunal dá ao artigo 88º, nºs 1 e 3 da LPCJP e, em concreto, ao carácter reservado do processo previso no nº 1 da citada norma, no sentido de o mesmo impedir o acesso dos mandatários da mãe da menor a elementos probatórios que fundaram a convicção do tribunal e de impedir que na consulta dos autos possam os mandatários tomar apontamentos de quaisquer elementos dos autos para elaborarem o recurso, é materialmente inconstitucional, por tal interpretação violar claramente o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20º, nº 1 do CRP, bem como o direito constitucional a um processo justo e equitativo, consagrado no nº 4 do mesmo artigo 20º da CRP. xx. Em consequência, devem as decisões de 11 de julho de 2024 (referencia ...52); 17 de julho de 2024 (referencia ...84), 18 de julho de 2024 (referencia ...61) ser revogadas e substituídas por outras que autorizem aos mandatários da Recorrente a consulta de todos os elementos do processo, acedendo a todos os meios de prova e podendo tomar as anotações que bem entendam por necessárias ao efectivo exercício do direito de recurso.
QUANTO À SENTENÇA xxi. A presente decisão teve origem no requerimento apresentado pela progenitora, aqui Recorrente, a 25/06/2024, através do qual vem dar conhecimento que tinha ido buscar a criança CC a casa de uma vizinha do pai e que a criança se queixava que fora colocada de castigo no exterior da casa, às escuras, pela companheira do pai. xxii. É esse o objecto do processo. xxiii. Como é sabido, o processo de promoção e proteção é um processo de jurisdição voluntária (artº 100º da LPCJR). xxiv. Ora, de acordo com o artigo 988, nº 1 do CPC: Nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.” xxv. Daqui resulta que, para efeitos da apreciação e decisão no procedimento iniciado pelo referido requerimento da mãe da menor, só podem ser considerados na decisão os factos alegados nesse requerimento e o que, nos termas da lei, possam ser julgados supervenientes à última decisão proferida (que homologou o acordo de 11.3.2024, de aplicação da decisão de 28/07/2023 que, a título cautelar, aplicou a favor da criança CC, em conformidade com o promovido pelo Ministério Público, a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais -cfr. art.º 35.º, n.º 1, al. a) e art.º 39.º, ambos da LPCJP - tendo a criança passado a residir, alternadamente e com frequência semanal, com o progenitor e com a progenitora) ou seja, os posteriores a tal decisão ou os anterireos que não pudessem ter sido nela considerados. xxvi. A audição ocorrida no dia 2 de Julho de 2024 (cfr. acta refª ...62) incidiu unicamente sobre os factos participados pela aqui Recorrente no requerimento de 25/06/2024, isto é, sobre os factos ocorridos no dia 22/06/2024. xxvii. É o que resulta da gravação de tal audição e é o que resulta da própria decisão recorrida, em sede de apreciação crítica dos depoimentos de todos os ouvidos. xxviii. Não obstante, resulta dos factos provados que a sentença recorrida se funda em factos datados de 30 de Março de 2017 (facto 2), 4 de Outubro de 2017 (facto 3), 18 de Outubro de 2017 (facto 4), 1 de Fevereiro de 2018 (factos 5 a 7), 13 de Março de 2018 a 17 de Maio de 2018 (facto 8), 19 de Setembro de 2018 (facto 9), 16 de Novembro de 2020 (facto 10), 4 de Dezembro de 2020 (facto 11), 26 de Maio de 2021 (facto 12), entre 26 de Maio de 2021 e 20 de Julho de 2021 (facto 13) de 20 de Julho de 2021 até 23 de Setembro de 2021 (factos 14 e 15), 18 de Novembro de 2021 (facto 16), 16 de Dezembro de 2021 (factos 17 a 19), 23 de Setembro de 2021 a 27 de Dezembro de 2021 (facto 20), 31 de Março de 2022 (factos 21 e 22), 22 de Abril de 2022 (facto 23), entre 22 de Abril de 2022 e 12 de Julho de 2023 (factos 24 a 29), 11 de Maio de 2022 (factos 30 e 31), 27 de Setembro de 2022 (facto 32), 18 de Outubro de 2022 (factos 33 e 34), 26 de Outubro de 2022 (facto 35), 11 de Novembro de 2022 (facto 36), 18 de Janeiro de 2023 (factos 37 e 38), 04 de Novembro de 2022 e 29 de Dezembro de 2022 (facto 39), entre 29 de Dezembro de 2022 e 12 de Junho de 2023 (factos 42 e 43), 28 de Julho de 2023 (facto 48), 7 de Agosto de 2023 (facto 49), 28 de Julho de 2023 (facto 50), 9 de Outubro de 2023 (factos 51 e 52), 17 de Outubro de 2023 (facto 53), 25 de Outubro de 20243 (facto 54), 28 de Julho de 2023 (facto 58) e 27 de Março de 2024 (facto 59), designadamente. xxix. Todos esse factos constam dos Apensos nos quais foi proferida decisão, resultando da própria decisão recorrida, relativamente a alguns deles, a indicação do respectivo apenso: do Apenso A, p. ex. factos 2, 3, 5, 8, do Apenso B, p. ex. factos 4 e 7 e do Apenso D, p. ex. factos 10, 14, 16, 21, 30 e 31 e resultam de meios de prova constantes desses mesmos apensos. xxx. Ou seja, desde a decisão que homologou o acordo realizado em 11/03/2024 e que vem na sequência de uma decisão cautelar tomada em 28/07/2023 (confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 14/12/2023), os únicos factos supervenientes levados aos autos, foram os constantes do requerimento apresentado pela Progenitora em 25 de junho de 2024. xxxi. Pelo que, exceptuados os alegados no dito requerimento da progenitora, não existem outros factos anteriores subsumíveis à previsão da parte final do artigo 988º, nº 1 que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso. xxxii. Nestes termos, os factos julgados provados em 2 a 43, 48 a 54, 58 e 59, não são supervenientes, em nenhuma das aceções legais. xxxiii. Significa isto que o tribunal a quo não poderia voltar a pronunciar-se sobre eles nem com base neles fundamentar decisão que modificasse decisão anterior, transitada em julgado proferida nos processos, procedimentos ou apensos dos quis tais factos constam. xxxiv. A decisão recorrida, com base nesses factos não supervenientes que não constituem objecto do processo, decidiu aplicar, cautelarmente, a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, na pessoa do pai. - cfr. art.º 35.º, n.º 1, al. a) e art.º 39.º, ambos da LPCJP: xxxv. Tal decisão contraria a decisão já por proferida no Apenso D que que homologou o acordo de 11.3.2024. xxxvi. A decisão recorrida violou, pois, o disposto no artigo 988º, nº 1 do CPC e, por consequência, também o disposto no artigo 619º, nº 1 do CPC, tendo violado o caso julgado, pelo que deve ser revogada. xxxvii. De acordo com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC), é nula a sentença quando «o juiz [...] conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». xxxviii. O presente recurso vem interposto da decisão proferida por súmula em 02/07/2024, notificada à Recorrente em 08/07/2024, que decidiu, de forma cautelar, aplicar uma medida cautelar de promoção e proteção de apoio junto dos pais, na pessoa do pai. xxxix. Esta decisão, como já se alegou, surge no seguimento de um requerimento feito unicamente pela própria progenitora, em 25 de junho de 2024. xl. Ao tribunal foi colocado para a apreciação um conjunto de factos, relatados pela criança à sua mãe, cumprindo, saldo o devido respeito por melhor opinião, ao tribunal, considerar se os mesmos se verificaram ou não e decidir em conformidade. xli. O progenitor não suscitou a este propósito (ou qualquer outro) qualquer incidente e o Ministério nada promoveu. xlii. O tribunal, extravasando por completo o objecto do processo isto é, as questões sobre as quais foi chamado a pronunciar-se, conheceu de questões de facto que desse objecto não faziam parte e cujo conhecimento lhe não era permitido pelo disposto no artigo 988º, nº 1 do CPC tendo, com base em tais factos, proferido decisão sobre questão que não foi colocada, tendo adotado decisão cautelar nos temos do disposto no artigo 37º, nº 1 da LPCJP. xliii. Ora, diz o artigo 37º n.º 1 da LPCJP que “A título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 35º, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 92º, ou enquanto se procede ao diagnostico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente.” xliv. Tendo em conta que não está em causa uma situação em que se aguarde o diagnóstico da situação da criança, tanto mais que o próprio tribunal, ao longo da motivação da decisão não faz outra coisa que não seja aquilo que considera ser o diagnóstico da situação da criança e em termos sobre os quais nos pronunciaremos em adiante, remete-nos esta norma para o disposto no artigo 92º n.º 1 do mesmo normativo. xlv. O qual expressamente determina que: “O tribunal, a requerimento do Ministério Publico, quando lhe sejam comunicadas as situações referidas no artigo anterior, profere decisão provisória, no prazo de 48 horas, confirmando as providencias tomadas para a imediata protecção da criança ou do jovem, aplicando qualquer uma das medidas previstas no artigo 35º ou determinando o que tiver por conveniente relativamente ao destino da criança ou do jovem.”. – Sublinhados nossos. xlvi. Em primeiro lugar, a decisão do tribunal tem que ter como condição ou requisito um requerimento (ou pedido) do Ministério Publico, o que não existe; e logo por aqui determina que o tribunal se pronunciou sobre matéria que, sem a promoção ou pedido do Ministério Publico, lhe estava vedado pronunciar-se, pelo que é nula (artº 608º, nº 2 e 615º, nº 1, al. d), 2ª parte, do CPC). xlvii. Por outro lado, e conforme resulta da norma citada (quando lhe sejam comunicadas as situações referidas no artigo anterior) a decisão do tribunal terá por base o que lhe é comunicado. xlviii. Os factos relatados pela progenitora de forma alguma podem consubstanciar uma situação com esta gravidade e, muito menos ainda, cometidas pela sua própria pessoa, já que são imputadas à companheira do progenitor. xlix. Nas circunstâncias descritas (ausência de pedido e de factos suscetíveis de integrar a previsão da norma) estava vedada ao tribunal a possibilidade de se pronunciar nos termos em que o fez e aplicar a medida cautelar em causa. l. Paralelamente, o tribunal, aproveita este ensejo para decidir factos não urgentes que nunca lhe foram apresentados, e fê-lo sem contraditório e de motu próprio; o Tribunal decidiu que: “5. CC frequentará o estabelecimento de ensino da área de residência do progenitor, que fica nomeado como encarregado de educação.” li. Esta decisão é a todos os níveis absolutamente ilegal e violadora de todas as regras que devem presidir à actividade dos tribunais e de aplicação da justiça, já que, para além de extravasar o poder de decisão do juiz no caso concreto, é uma decisão surpresa, sem contraditório e sem qualquer tipo de pedido por quem tem legitimidade para o fazer. lii. Isto para além da absoluta falta de fundamentação, o que também é violador do disposto no artigo 615º n.º 1 al. b) do CPC, e constitui, também aqui, uma causa de nulidade da decisão. liii. Como se alegou, ao tribunal estava vedada a utilização de factos que não fossem supervenientes, tal como decorre do disposto no artigo 988º, nº 1 do CPC. liv. Tais factos, que não são objecto do processo devem pois eliminados ou julgados não escritos, eliminando-se assim dos provados os ali enunciados sob os nºs 2 a 43, 48 a 54, 58 e 59. lv. Sendo certo que, quanto ao ponto 60, foi julgado provado que: 60. Neste aspecto a decisão do Tribunal é coadunante com a proposta do progenitor, Ministério Público e ATT e distinta da posição da progenitora que pretendia dividir o Domingo de Páscoa em dois momentos, um com cada um dos progenitores. lvi. Acontece que, só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. lvii. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova. lviii. O mesmo se passa com a decisão judicial a proferir no âmbito do processo judicial de promoção e protecção dos menores em perigo, conforme decorre do artigo 121.º, n.º 2 da LPCJP. lix. Assim, o “facto” 60 é meramente conclusivo, pelo que deve ser considerado não escrito. lx. Dos factos provados da sentença restam, por isso, para a decisão a tomar pelo tribunal, os seguintes: a. CC nasceu a ../../2016 e é filha de AA e de BB. c. 44. A progenitora de CC é assistente operacional no agrupamento de escolas ..., em ... e reside em ..., ..., com os avós maternos da criança e um tio desta. d. 45. Habitam residência de tipologia T3. e. 46. O pai de CC trabalha na ..., em ... e reside em .... f. 47. Vive com a mulher e a filha, irmã germana de DD, em habitação que reúne as condições habitacionais necessárias às duas crianças e ao casal. g. … h. 55. A criança CC não evidencia nenhuma alteração, escolar, nas semanas em que está com o pai ou com a mãe. i. 56. Ambos os progenitores estão inteirados da vida da menor, incluindo a companheira do pai, Sra. EE. j. 57. A criança CC expressa espontaneidade no discurso e satisfação pela convivência com a família materna e paterna, identificando relações positivas e de vinculação segura com todos os elementos que compõe os agregados (materno e paterno). k. 61. CC foi encaminhada para a terapia da fala, tendo a progenitora, unilateralmente, decidido qual o estabelecimento onde a mesma seria assistida e a respectiva frequência. l. 62. Por requerimento de 25.6.2024 a progenitora comunica aos autos que no dia 22.6.2024, dia em que a criança CC estava aos cuidados do pai, teria ido buscar a filha a casa de uma vizinha do progenitor pois que a criança lá se teria deslocado, queixando-se ter sido posta de castigo pela companheira do pai, às escuras, no exterior da casa. m. 63. A criança CC, desde que a mãe a levou consigo, não mais foi à escola. n. 64. Tendo perdido a festa de final de ano. o. 65. A progenitora, contactada pelo CAFAP, em decorrência do sucedido e depois de sugestão nesse sentido pela Sr.ª Psicóloga que acompanha a criança, não levou CC para ser vista em contexto de acompanhamento psicológico. lxi. O aspecto nuclear da questão levada aos autos pelo requerimento de 25/06/2024 é o de saber se é ou não verdade que a CC tinha sido colocada de castigo pela companheira do pai e, em concreto, tal como resultou na própria produção de prova, se tal circunstância decorreu do facto de a companheira do pai ter notado a falta de um anel e de, em consequência, ter atribuído às crianças o seu desaparecimento e determinado que ninguém dormiria enquanto o anel não aparecesse. lxii. Assim, deverá a matéria de facto provada ser ampliada incluindo-se nela os seguintes factos, admitidos na motivação da sentença: i. A madrasta da criança CC disse à CC e à sua filha para irem tomar banho e que depois não iriam todos dormir enquanto não fosse encontrado o anel; ii. A menor CC tomou banho em primeiro lugar e depois foi procurar o anel. lxiii. O erro de julgamento gerador da violação de lei substantiva decompõe-se numa das seguintes vertentes: erro de interpretação; erro de determinação da norma aplicável; ou erro de aplicação do direito. lxiv. Sendo que, em qualquer das referidas modalidades, a violação da lei substantiva reconduz-se sempre a um erro: um erro de interpretação ou de determinação da norma aplicável ou de aplicação do direito. lxv. Erros que, em qualquer das circunstâncias, originam a violação de lei substantiva, onde se incluem a escolha inadequada e a interpretação errónea da norma, bem como a inexacta qualificação jurídica e a falsa determinação das consequências jurídicas referentes ao caso concreto; e constituem, por conseguinte, fundamento de recurso. lxvi. Da factualidade provada, designadamente a expurgada de factos inatendíveis à luz do caso julgado e que são conclusivos, cremos que resulta matéria provada que se opõe de forma evidente à decisão que veio a ser tomada pelo tribunal. lxvii. Vejamos: i. 55. A criança CC não evidencia nenhuma alteração, escolar, nas semanas em que está com o pai ou com a mãe. ii. 56. Ambos os progenitores estão inteirados da vida da menor, incluindo a companheira do pai, Sra. EE. iii. 57. A criança CC expressa espontaneidade no discurso e satisfação pela convivência com a família materna e paterna, identificando relações positivas e de vinculação segura com todos os elementos que compõe os agregados (materno e paterno). iv. 58. A medida de apoio junto dos pais, decidida a 28.7.2023 veio a ser aplicada, por acordo, em 11.3.2024. lxviii. Este é o estado que esta criança evidencia, pelo menos, desde que foi aplicada a medida de residência alternada, que vigorou até à decisão recorrida. lxix. Da perspectiva da criança e com base nestes factos provados, é impossível considerar que a criança se encontra em perigo e, com base em tal entendimento, aplicar uma medida cautelar como a aplicada nos autos. lxx. Não permitindo ao Tribunal, aliás, impedindo-o, de lançar mão do mecanismo do artigo 37.º da LPCJP. lxxi. Cremos não existirem dúvidas de que, nesta parte, incorreu o tribunal em erro de julgamento. lxxii. O uso de presunções não se reconduz a um meio de prova próprio, consistindo antes, como se alcançado art.º 349º do Cód. Civil, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos). lxxiii. A presunção traduz-se e concretiza-se num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência, sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351º do Cód. Civil). lxxiv. As presunções judiciais, também designadas materiais, de facto ou de experiência (art. 349.º do CC), não são, em rigor, verdadeiros meios de prova, mas antes “meios lógicos ou mentais ou operações firmadas nas regras da experiência”, ou, noutra formulação, “operação de elaboração das provas alcançadas por outros meios”, reconduzindo-se, assim, a simples “prova da primeira aparência”, baseada em juízos de probabilidade. lxxv. Dúvidas não restam, ao longo de toda a fundamentação, que o Tribunal alicerça o seu entendimento em presunções construídas não sobre factos conhecidos mas sim, sobre outras presunções. lxxvi. Dos factos provados não se referem ao que realmente terá ocorrido na noite do dia 22/06/2024. lxxvii. O que foi dado como provado foi que a criança se teria deslocado para casa da vizinha queixando-se de ter sido posta de castigo pela companheira do pai, às escuras, no exterior da casa, não se determinando ou provando o que ocorreu de facto. lxxviii. Sendo certo que, a decisão recorrida parte desse facto desconhecido (o que realmente se passou no dia 22/06/2024) para dele extrair outro facto desconhecido; e esse facto desconhecido, essa crença, é a de que nessa noite nada se passou e que tudo foi inventado, preparado, planeado, instigado ou mesmo executado pela mãe da CC e, em qualquer caso, sempre por um qualquer “terceiro”. lxxix. Nos factos provados não há nenhum que possa converter-se no facto conhecido que permita dele extrair o facto desconhecido, expresso através não de um facto mas de um juízo conclusivo, de natureza especulativa, plantado na motivação e não na matéria de facto provada, que insinua a um tempo que a CC saiu porque alguém a ajudou a ultrapassar o muro de dois metros e que saiu por ser fácil passar o murete lateral, para mais com a ajuda de terceiros. lxxx. E é essa convicção, fundada nesse facto de natureza especulativa (de que a CC saiu de casa com a ajuda de terceiros e em obediência a um plano traçado pela mãe) que a sentença erige em pressuposto decisivo da solução punitiva que encontrou e com o qual, na ausência de qualquer facto superveniente, arrasou a sua própria decisão de Março de 2024 que homologou o acordo de 11/03/2014 de aplicação da decisão de 28/07/2023 em conformidade com o então promovido pelo Ministério Público. lxxxi. Pelo que incorre, nesta parte, a decisão do tribunal do vicio plasmado no artigo 615 n.º 1 al. c) do CPC. lxxxii. Conforme estabelece o art. 36º, nºs 1, 5 e 6, da CRP, todos têm o direito de constituir família em condições de plena igualdade e os pais têm o direito eo dever de educação e manutenção dos filhos, os quais não podem ser separados deles, salvo quando não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial. lxxxiii. As responsabilidades parentais são integradas por um conjunto de poderes-deveres ou poderes funcionais atribuídos legalmente aos progenitores para a prossecução dos interesses pessoais e patrimoniais de que a criança é titular. lxxxiv. O processo judicial de promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens em perigo, é, como acima se disse, de jurisdição voluntária (art. 100º), pelo que lhe são aplicáveis as regras constantes dos arts. 986º e ss, do CPC. lxxxv. Tal significa que, nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso concreto a solução que julgue mais conveniente e oportuna (art. 987º, do CPC) podendo, para o efeito, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, apenas sendo admitidas as provas que o juiz considere necessárias (art. 986º, nº 2, do CPC). lxxxvi. Não obstante a ausência de sujeição a critérios de legalidade estrita e a possibilidade de a decisão se nortear por critérios de conveniência e oportunidade, importa frisar que o processo de promoção e proteção se encontra subordinado ao conjunto de princípios orientadores, legalmente estabelecidos no art. 4º, conforme já supra referimos, os quais têm de ser observados e respeitados quer na tramitação processual adotada, quer nas decisões proferidas, lxxxvii. E, no que toca às provas, há que ter em conta o regime constante do art. 117º, segundo o qual, para a formação da convicção do tribunal e para a fundamentação da decisão só podem ser consideradas as provas que puderem ter sido contraditadas durante o debate judicial. lxxxviii. É absolutamente pacífico na doutrina e na jurisprudência que o critério último e preponderante na tomada de decisões relativas a crianças e jovens é o do seu superior interesse, sendo certo que a lei não define em que consiste o interesse superior da criança. lxxxix. No art. 4º, al. a) alude, a propósito de tal interesse, à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto. xc. No entanto, não se trata de uma definição desse interesse, mas tão só de um mero exemplo de fatores a atender quanto à concretização e preenchimento de tal conceito. xc. Pese embora todas as tentativas de concretização e densificação conceptual do conceito de superior interesse da criança que se possam levar a cabo, a verdade é que tal interesse só pode ser aferido de forma casuística e atual, perante a criança concreta, no confronto com a sua situação pessoal, familiar, escolar e social e com o seu concreto estado de desenvolvimento físico, psíquico e emocional, por forma a verificar qual é a situação ou projeto devida que oferece melhores garantias para o seu desenvolvimento físico e psíquico, para o seu bem-estar e segurança e para a sã formação da sua personalidade. xcii. Assentes nestas premissas, vejamos, então, no concreto caso em análise e em função dos critérios explanados, se a medida mais adequada para proteger a criança do “perigo a que se encontra exposta” é a de apoio junto do progenitor, medida que foi aplicada pelo tribunal recorrido, ou manutenção da medida que se encontrava em vigor, de apoio junto de ambos os progenitores com residência alternada. xciii. O próprio Tribunal recorrido reconhece, em sede de factos provados que: i. 55. A criança CC não evidencia nenhuma alteração, escolar, nas semanas em que está com o pai ou com a mãe. ii. 56. Ambos os progenitores estão inteirados da vida da menor, incluindo a companheira do pai, Sra. EE. iii. 57. A criança CC expressa espontaneidade no discurso e satisfação pela convivência com a família materna e paterna, identificando relações positivas e de vinculação segura com todos os elementos que compõe os agregados (materno e paterno). - Sublinhados nossos. xciv. Desta factualidade, e nenhuma outra foi dada como provada (ou pode ser dada como provada), decorre que a criança não se encontra, sequer, em perigo. xcv. Segundo os princípios da proporcionalidade e atualidade que devem nortear a intervenção do tribunal em sede de promoção e protecção, a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade; xcvi. Não existem dúvidas de que no momento em que a decisão foi tomada, inexistia, como nunca existiu em virtude da actuação da progenitora, qualquer situação de perigo para a CC. xcvii. Toda a fundamentação expendida pelo Tribunal e sobre a qual já nos pronunciamos, assenta numa análise de materialidade há muito ultrapassada, o que viola o princípio da actualidade. xcviii. Da mesma forma, os factos jamais permitiriam uma decisão tão grotesca, sobretudo para a criança, de afastamento da mesma da sua grande figura de referência, sobretudo de forma tão traumática como a que o tribunal, com a sua decisão, originou. xcix. Por outro lado, e como acima se refere, a conduta Tribunal deve pautar-se pela intervenção mínima, na perspectiva de que não deve o tribunal imiscuir-se no que os progenitores puderem resolver ou para além do que se exige pelas circunstâncias do caso concreto. c. No caso dos autos, o regime de residência alternada estava a mostrar-se favorável à CC, tendo resultado de um acordo alcançado pelos progenitores que o Tribunal havia homologado. ci. Conforme o tribunal reconheceu, “A criança CC expressa espontaneidade no discurso e satisfação pela convivência com a família materna e paterna, identificando relações positivas e de vinculação segura com todos os elementos que compõe os agregados (materno e paterno)”. cii. E, apesar de tudo isto, vem o tribunal decidir afastar a criança da sua mãe, colocando assim em causa, para além dos princípios indicados, os princípios do primado da família e da responsabilidade parental também plasmados no artigo 4º do citado diploma. ciii. O princípio da independência dos tribunais (art. 203.º da CRP), implica uma exigência de imparcialidade, que, na projecção do direito a um tribunal independente e imparcial constitucionalmente garantido, integram o sistema internacional de protecção dos direitos humanos, nomeadamente a CEDH (art. 6.º) e o Pacto dos Direitos Civis e Políticos (art. 14.º). civ. Em termos subjetivos, releva o que pensava o juiz no seu foro íntimo em determinada circunstância, presumindo-se a imparcialidade, até prova em contrário. cv. No plano objectivo, necessita-se de uma imparcialidade que dissipe todas as reservas, porquanto mesmo as aparências podem ter importância de acordo com o adágio do direito inglês “Justice must not only be done; it must also be seen to be done (…)”. cvi. Nos presentes autos, seja da decisão recorrida, seja da forma de tratamento quer da progenitora quer das testemunhas por esta indicadas, por comparação com as demais ouvidas em audiências, foi gritante o tratamento discriminatório em desfavor da progenitora, por parte do Tribunal. cvii. As diversas considerações ao longo da decisão sobre a figura da progenitora, acima transcritas, que muito ultrapassam a objectividade que se impunha, são um dos vários elementos que permitem esta conclusão, cviii. O mesmo se diga, tal como transcrito, quanto ao depoimento da testemunha FF. cix. Sem que nada o fizesse prever, esta testemunha, apresentada pela progenitora e que com a mesma se encontrava no dia dos factos, foi objecto deste tratamento, absolutamente discriminatório e, dizemos mesmo, condicionador, por parte do Sr. Juiz. cx. Daqui resulta uma de duas coisas, ou se tratou de um tratamento totalmente discriminatório e com intenção e condicionar a testemunha ou, o tribunal tinha prévio conhecimento de algo relativamente a esta testemunha e que omitiu. cxi. Mais, como se não bastasse, o Sr, Juiz ainda questionou a testemunha sobre os seus antecedentes criminais, os quais nada têm que ver com os presentes autos. cxii. Também a progenitora é alvo de tratamento discriminatório, tendo sido cxiii. sempre tratada de forma absolutamente hostil e com advertências incompreensíveis, nomeadamente quanto à eventual conduta criminal que poderia advir do facto de a mesma não estar, alegadamente, a responder às questões que lhe estavam a ser colocadas. cxiv. E por outro lado, em suposta igualdade de circunstâncias, à testemunha EE, é aconselhado, pelo Sr. Juiz, que poderá, querendo, não responder às questões que lhe estavam a ser colocadas pela mandatária da progenitora. cxv. Mas, o mais inacreditável de tudo é a advertência feita ao progenitor aquando da sua audição e em antecipação a uma resposta do Ministério Publico: “quando a senhora Procuradora da República lhe pergunta o que é o seu posicionamento em relação à CC, cuidado com aquilo que disse que condicionará com toda a certeza o que o Tribunal decidir.” cxvi. O que, cremos, revela que o tribunal já tinha uma decisão predeterminada e que pretendia que o progenitor não dissesse nada que pudesse condicionar a tomada dessa decisão. cxvii. Cremos, face a tudo o exposto que é inequívoca a violação do dever de imparcialidade por parte do Tribunal em claro prejuízo da progenitora. Nestes termos e nos melhores de direito, devem os recursos das decisões (despachos e sentença) ser julgados procedentes e, em consequência, serem revogadas as decisões recorridas, sendo certo que por razões de utilidade pratica, o recurso dos despachos a que se alude apenas deve ser apreciado em caso de improcedência do recurso que versa sobre a decisão de aplicação de medida de protecção. A final, deve ser proferida decisão que revogue a medida de protecção aplicada à criança CC, por falta de fundamento e por estar ferida de ilegalidade.
O Recorrido progenitor e o Ministério Público responderam ao recurso, culminando as suas alegações com pedido da sua improcedência.
2. QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas[2] que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[3]
As questões enunciadas pelo/a(s) recorrente(s), a apreciar segundo a sua precedência lógica, podem sintetizar-se da seguinte forma: a) Nulidade da decisão; b) Violação do caso julgado; c) Impugnação da decisão de facto; d) Erro de Julgamento; e) Violação do dever de imparcialidade; f) A interpretação do art. 88º, da L.P.C.J.P. nas decisões intercalares impugnadas.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. NULIDADE DA DECISÃO
Seguindo a ordem das “conclusões” da Recorrente, que em nada cumprem a função de sintetizar de forma ordenada as precedentes alegações, deparamo-nos no seu item xxxvii. com a primeira de muitas arguições da nulidade da sentença em crise que foram invocadas.
O Tribunal a quo, incumprindo o disposto no art. 617º, nº 1, do C.P.C., nada disse sobre esses alegados vícios da sua decisão.
3.1.1. Excesso de pronúncia
Nessa primeira arguição a Apelante defende, em suma, que, sic: “O tribunal, extravasando por completo o objecto do processo isto é, as questões sobre as quais foi chamado a pronunciar-se, conheceu de questões de facto que desse objecto não faziam parte e cujo conhecimento lhe não era permitido pelo disposto no artigo 988º, nº 1 do CPC tendo, com base em tais factos, proferido decisão sobre questão que não foi colocada, tendo adotado decisão cautelar nos temos do disposto no artigo 37º, nº 1 da LPCJP.”.
Invoca para o efeito o disposto no art. 615º, nº 1, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Civil.
Nos termos do Artigo 615º, nº1, alínea d) do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de actividade que afecta a validade da sentença.
Esta nulidade está directamente relacionada com o Artigo 608º, nº2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
A não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.5.2012, Gilberto Jorge, 91/09.
No caso, julgamos inexistir qualquer excesso de pronúncia na decisão em apreço.
Estamos no âmbito de processo previsto na L.P.C.J.P. (Lei nº 147/99), que tem por objecto “a promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral” (cf. seu art. 1º), nos casos previstos no seu art. 3º, em suma, “quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo”.
Este processo, abreviando, pode ter natureza judicial, como é o presente, que já se alonga há vários anos, e pode ser desencadeado por iniciativa do Ministério Público ou dos pais, bem como pelas demais pessoas referidas no art. 105º, da mesma Lei.
Iniciado assim esse processo, os intervenientes processuais, nomeadamente os progenitores, podem formular pedidos e ou requerimentos visando, em síntese, a melhor promoção e protecção acima mencionadas (cf. art. 3º, nº 1, do C.P.C., ex vi art. 126º, do L.P.C.J.P.), como sucedeu no incidente desencadeado pela aqui Apelante, mencionado no item 63. das suas alegações.
A propósito, recorde-se que a Apelante culminou este seu requerimento com o seguinte pedido: “Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V/ Exa que se invoca e agradece, requer-se que o Tribunal tome uma medida urgente que salvaguarde o superior interesse da CC, e que impeça que episódios lastimáveis, como o que consta do Auto de Notícia de Violência Doméstica, se voltem a repetir.”
Ora, como bem sublinha a Apelante, o presente processo é de jurisdição voluntária, conforme decorre do disposto no art. 100º, da L.P.C.J.P., o que importa que nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, conforme decorre do estabelecido no art. 987º, do C.P.C..
Na sua natureza intrínseca os processos de jurisdição voluntária, como o presente, visam a discussão de interesses juridicamente tutelados e neles a função do juiz não é tanto a de aplicar soluções legais estritas, antes gerir da melhor forma a satisfação dos interesses tutelados pela lei.
E neste caso e/ou processo o que está em causa em primeira linha é, repita-se, a promoção dos direitos e a protecção da CC, em suma, o seu melhor e superior interesse. Precisamente aquilo que desencadeou este processo, o norteia e foi pedido pela Apelante no incidente que aqui se discute.
Nesta medida, se nada mais houvesse a dizer, podíamos concluir que, de acordo com a regra geral do art. 608º, º2, C.PC., sempre a decisão do Tribunal estaria dentro da temática do processo em curso e, em particular, do incidente que a motivou.
Todavia, acresce neste caso que estamos perante a mencionada jurisdição voluntária, na qual o juiz não está adstrito ao pedido formulado, podendo afastar-se dele, na medida em que aquilo que lhe é exigido é a regulação do interesse fundamental em questão pela forma que seja mais conveniente e oportuna e, antes disso, tem a liberdade de colher factos, inclusive os essenciais, que vão para além do alegado pelas partes, bem como de produzir as provas que julgue mais convenientes[4], tudo de acordo com o disposto no art. 986º, nº 2, do C.P.C..
Deste modo, nada obstava a que o Tribunal recorrido, no desfecho do incidente em apreço decidisse de acordo com esse superior interesse da CC e não de acordo com a pretensão ou razão subjacente ao pedido da sua progenitora.
Mais se adianta que, de acordo com o disposto no citado art. 37º, nº 1, da L.P.C.J.P., a título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 35.º, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 92.º, ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente.
Ora, num caso em que, na sequência de uma medida homologada por acordo, se constata que subsiste o perigo em causa e ou se detecta, ex novo, alguma circunstância que motive a alteração do regime assim estabelecido, julgamos que a segunda parte desta norma permite absolutamente a decisão cautelar do juiz do processo, em qualquer fase do mesmo[5], até melhor diagnóstico e definição da situação da criança, no caso, o referido e antecipado debate judicial tendente a uma medida mais sustentada, à semelhança do que aqui sucedeu.
Em complemento do que acima fica dito e respondendo à questão colocada no item l., diga-se que, nesse conspecto em que se se revê a medida protectiva aplicada à criança, faz todo o sentido regular a matéria respeitante ao estabelecimento de ensino em consonância com a sua nova situação e melhor interesse.
Por fim, ainda que daí não se extraiam consequências práticas (cf. art. 639º, nº 2, do C.P.C.), diga-se, tendo em mente o que acima ficou dito, que carece de fundamento a alegada inexistência de contraditório, considerando toda a instrução e o debate que precedeu a decisão em crise.
Improcedem, portanto, estas conclusões, nomeadamente a nulidade por alegado excesso de pronúncia.
3.1.2. Falta de fundamentação
No ponto lii. das suas conclusões, a Apelante argui a nulidade da decisão em apreço por alegada falta de fundamentação, invocando o disposto no art. 615º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil.
Nos termos desse Artigo 615º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Trata-se de mais um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de actividade que afecta a validade da sentença.
Ensinava a este propósito ALBERTO DOS REIS que[6]
«Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.»[7]
Nas palavras precisas de Tomé Gomes[8], «Assim, a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adoptada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. / A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.»
No caso, este argumento ou conclusão da Apelante surge nas suas alegações e conclusões desgarrada de qualquer concretização para além da referida afirmação, infelizmmente vaga.
Certo é que não é deste modo que se discute o mérito da decisão e esta está devidamente fundamentada, concorde-se ou não com a mesma, razão pela qual, com a mesma brevidade, se decide julgar improcedentes esta outra nulidade.
3.1.3. Nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c), do C.P.C.: “a decisão por presunções”
No item lxxxi. a Apelante acrescenta, ao rol de nulidades que argui, a prevista nesta al. c), do art. 615º, sem contudo precisar a que parte da mesma se subsume esse vício que, do seu título, se retira que se reporta ao uso pelo julgador de presunções.
Certo é que, dentro do objecto escolhido pela Recorrente, temos de considerar assim o disposto no nesse artigo 615º, nº1, alínea c), no qual se estipula que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição[9].
Realidade distinta desta é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta, ou seja, quando – embora mal – o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos[10]. Por outras palavras, se a decisão está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma[11].
No que tange à obscuridade conducente à ininteligibilidade da decisão, ALBERTO DOS REIS[12], com a sua expressão clarividente, ensinava a este propósito: «A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.»
Assim, a decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes [13]. A ininteligibilidade da decisão não se reporta ao conteúdo ou mérito, mas à exteriorização formal do discurso “quo tale”, perfilando-se, nesta perspectiva, situações de ambiguidade expositiva, de obscuridade, de excessivo gongorismo impeditivo da univocidade ou, no limite, de meros lapsos de escrita[14].
No Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, 2001, colhe-se a informação que ambiguidade é a qualidade ou estado do que tem mais do que um sentido (p. 209) e que obscuridade é a qualidade ou estado do que se compreende com dificuldade ou do que não se compreende bem como qualidade ou estado daquilo que oferece dúvidas (p. 2637).
Ora, perante o que alegou ou concluiu a Recorrente sob o mencionado título, não encontramos, ab initio, nada que se subsuma a este outro vício formal imputado à decisão em crise mas sim algo que, se tivesse considerado o disposto nos arts. 640º e/ou 662º, do Código de Processo Civil (o que aqui não sucedeu), poderia eventualmente consubstanciar a discussão de algum erro de julgamento da primeira instância.
Mais se deixa dito que, de acordo com o Capítulo II, Secção II, do Código Civil em vigor, as presunções, nomeadamente as judiciais, são “provas”.
Deste modo, improcede esta outra arguição.
3.1.4. Violação do caso julgado
No ponto XXXVI. das suas conclusões, a Apelante suscita a questão do caso julgado, tendo por referência o art. 619º, do C.P.C., e por objecto a matéria de facto considerada nos itens 2 a 43, 48 a 54, 58 e 59, dos factos julgados provados.
No seu entender estes factos, não são supervenientes, em nenhuma das acepções legais, o que significa que o tribunal a quo não poderia voltar a pronunciar-se sobre eles nem com base neles fundamentar decisão que modificasse decisão anterior, transitada em julgado proferida nos processos, procedimentos ou apensos dos quis tais factos constam.
Será assim?
Como já dizia o Código Civil de Seabra de 1867, no seu art. 2502º (Do Caso Julgado), caso julgado é o facto ou o direito, tornado certo por sentença de que não há recurso.
O actual Código de Processo Civil, dita nessa linha, no seu art. 619º, que (1) Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º..
Esse art. 580º, esclarece que (1) as excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado. (2) Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
Concretiza-se nesse art. 581º (1) repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. (2) Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. (3) - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. (4) Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.
Por sua vez, o seu artigo 621.º, reportando-se ao seu alcance, estipula que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.
Trata-se de um instituto com raízes no direito fundamental, constitucional. O caso julgado está intimamente ligado ao princípio do Estado de Direito Democrático e uma garantia basilar dos cidadãos onde deve imperar a segurança e a certeza. Não obstante, o respeito pelas decisões no poder judicial, já anteriores à república, e que se encontram presentes na actualidade consubstanciam ao valor máximo de justiça aliado ao princípio da separação de poderes[15].
O fundamento do caso julgado reside, por um lado, no prestígio dos tribunais, o qual «seria comprometido em alto grau se mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente» e, por outro lado, numa razão de certeza ou segurança jurídica, pois «sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa. (…) Seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu.“.[16] “Se assim não fosse, os tribunais falhariam clamorosamente na sua função de órgãos de pacificação jurídica, de instrumentos de paz social”.[17]
Sucede que, no caso em apreço, a excepção invocada pela Apelante carece de sustento, por todas as razões que acima adiantámos e mais algumas.
Com efeito, a circunstância de a modificação das decisões mencionadas no citado art. 988º, do Código de Processo Civil, exigir como fundamento a existência de factos supervenientes não impede, nem exclui, que o Tribunal tenha em conta factos anteriores, julgados ou não, nomeadamente para contextualizar e/ou melhor ponderar essa nova factualidade.
Aliás, que modificação pode ser ponderada sem se conhecerem e se confrontarem os antecedentes que sustentaram a decisão ou decisões anteriores?!
De resto, na genética do instituto em causa está a demonstração de uma contradição de decisões, num quadro de tríplice identidade que o citado art. 581º, do C.P.C., exige e que aqui a Apelante nem sequer procurou alegar.
Assim, devem improceder estas conclusões.
3.2. REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO JULGADA
Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
No que toca à especificação dos meios probatórios - «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente,sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).
Como refere Abrantes Geraldes[18], sendo certo que actualmente a possibilidade de alteração da matéria de facto é agora assumida como função normal da Relação, verificados que sejam os requisitos que a lei consagra, certo é que nessa operação “foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislado optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.
De acordo com este mesmo autor e Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, em síntese, o sistema actual de apelação que envolva a impugnação sobre a matéria de facto exige ao impugnante, o seguinte:
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenha sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos[19]; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considera oportunos; (…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos[20], exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos e pendor genérico e inconsequente;(…).
Sublinha ainda o mesmo autor que não existe, quanto ao recurso da matéria de facto despacho de aperfeiçoamento.
Tendo em mente esta exigência do dispositivo do citado art. 640º, entende ainda Abrantes Geraldes que, mediante uma apreciação rigorosa, decorrente do princípio da auto-responsabilidade das partes[21], sempre com respeito do princípio da proporcionalidade, da letra e espírito da lei, “a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações: A falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (cf. arts. 635º, nº 4, e 641º, nº 2, al. b)); Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a)); Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g., documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc); Falta de indicação exacta, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente cada segmento da impugnação.”
Sobre esta última exigência temos seguido posição, em consonância com o que tem sido a evolução da jurisprudência deste Tribunal da Relação de Guimarães e de outros tribunais de recurso, que, como ficou dito em Ac. de 19.11.2020[22], por nós subscrito, é a seguinte: “Em síntese, as conclusões têm a importante função de definir e delimitar o objecto do recurso e, desta forma, circunscrever o campo de intervenção do tribunal superior encarregado do julgamento. Deste modo, sendo a impugnação de matéria de facto uma autêntica questão fundamental, susceptível de conduzir a decisão diferente, deve ela ser incluída nas conclusões das alegações, de forma sintética mas obviamente com indicação expressa e precisa dos pontos de facto impugnados e com as correspondentes conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio.[23]”
Essa leitura veio entretanto a ser mitigada com o Ac. uniformizador de jurisprudência proferido pelo S.T.J., em , no qual ficou dito que, sic: “O recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, cumpre o ónus constante do nº 1, c), do art. 640º, se a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, constar das conclusões, mas também da leitura articulada destas últimas com a motivação do vertido na globalidade das alegações, e mesmo na sequência do aludido, apenas do corpo das alegações, desde que, do modo realizado, não se suscitem quaisquer dúvidas.”
Ficou por isso expressa uniformização de jurisprudência nos seguintes termos: Nos termos da alínea c), do nº 1, do artigo 640º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.
Decorre também dessa leitura, conforme jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Justiça que devemos ter em conta, de acordo com o disposto no art. 8º, nº 3, do Código Civil, que não são admissíveis impugnações em bloco que avolumem num ou em vários conjuntos de factos diversos a referência à pertinente prova que motiva a pretendida alteração das decisões e que, na prática, se reconduzem a uma impugnação genérica, ainda que parcelar.
É exemplo disso o recente Ac. do S.T.J., de 20.12.2017, onde, em sumário, se escreveu o seguinte: sic: I- A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos[24]. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.
Nesse sentido o mesmo Supremo Tribunal considerou, em acórdão inédito de 14.06.2018, relatado pelo Conselheiro A. Joaquim Piçarra, em apreciação e confirmação de acórdão relatado por nós que envolvia essa matéria, no Proc. 2926/16.0T8BRG.G1.S1, em síntese e a propósito, que, sic: Não observa o ónus impugnatório fixado no art. 640º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, o impugnante da decisão da matéria de facto que, de forma confusa, prolixa e ambígua, não indica com precisão e certeza o sentido decisório a adoptar[25], nem correlaciona a parte concreta dos depoimentos ou documentos oferecidos relativamente a cada um do conjunto alargado de factos impugnados[26].
Além disso, como já acima se foi adiantando e afirma Ana Geraldes, in “Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto”,:
« (…) tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), (…), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos. Como é sabido, a prova de um facto não resulta, regra geral, de um só depoimento ou parte dele, mas da conjugação de todos os meios de prova carreados para os autos. E ainda que não existam obstáculos formais a que um determinado facto seja julgado provado pelo Tribunal mediante o recurso a um único depoimento a que seja atribuída suficiente credibilidade, não deve perder-se de vista a falibilidade da prova testemunhal quotidianamente comprovada pela existência de depoimentos testemunhais imprecisos, contraditórios ou, mais grave ainda, afectados por perjúrio. Neste contexto, é facilmente compreensível que se reclame da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorrectamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado. Exige-se, pois, o confronto desses elementos com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do Tribunal(e que ficaram expressos na decisão), com recurso, se necessário, às restantes provas, v.g., documentais, relatórios periciais, etc., apontando as eventuais disparidades e contradições que infirmem a decisão impugnada.”
Por sua vez, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.2.2012, Abrantes Geraldes, 1858/06[27], afirmou-se, relativamente ao regime semelhante do art. 690ºA, do Código de Processo Civil revogado, que:
«Insurgindo-se contra uma decisão fundada em determinados meios de prova que ficaram concretizados na motivação, era suposto que se aprimorasse na enunciação dos reais motivos da sua discordância traduzidos na análise crítica (e séria) da prova produzida e não na genérica discordância quanto ao facto de o tribunal de 1ª instância ter dado mais relevo a umas testemunhas do que a outras. Ónus esse que deveria passar pela análise conjugada dos diversos meios de prova, relevando os que foram oralmente produzidos e os de outra natureza constantes dos autos. Em face de tantas e tão graves distorções em relação aos trâmites impostos pela lei, não seria exigível que a Relação desse seguimento à referida pretensão genérica, justificando-se a rejeição do recurso na parte respeitante à decisão da matéria de facto. Com efeito, o regime legal instituído não acolhe de forma alguma a impugnação genérica e imotivada de todos os pontos inscritos na base instrutória, do mesmo modo que se afastou de um modelo alternativo que impusesse à Relação a realização de um segundo julgamento. O que está subjacente ao regime vigente é a impugnação especificada e motivada dos pontos relativamente aos quais existe discordância, levando a que a Relação repondere a decisão que foi tomada sobre determinados pontos de facto, servindo-se dos meios de prova que se mostram acessíveis.
Resulta deste excurso pela doutrina e jurisprudência que o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida não é observado quando o apelante: (i) se insurge genericamente quanto à convicção formada pelo tribunal a quo; (ii) se limita a sinalizar que existe um meio de prova, v.g., testemunha, que diverge dos factos tidos como provados pelo tribunal a quo, pretendendo arrimar – sem mais – nesse meio de prova uma decisão de facto diversa da expressa pelo tribunal a quo.
Com efeito, o tribunal de primeira instância – no âmbito do contexto de justificação – elabora uma motivação-documento em que explicita as razões que permitem, ou não, aceitar os enunciados fácticos como verdadeiros. Nessa motivação, o juiz a quo valora o conjunto dos meios de prova que foram carreados para o processo, expressando uma convicção que tem que ser objectivável e intersubjectiva[28]. O standard de prova do processo civil é, na maioria dos casos, o da probabilidade prevalecente (“more-likely-than-not”) que se consubstancia em duas regras fundamentais: (i) entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais e (ii) deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa[29].
Assim sendo, cabe ao apelante – para efeitos de cumprimento do ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida – argumentar, de forma concretizada, no sentido de que os meios de prova produzidos no processo, apreciados em conjunto e de forma crítica, impõem uma convicção diversa quanto à reconstituição dos factos, atingindo essa diferente versão dos factos o patamar da probabilidade prevalecente, arredando - do mesmo passo - a versão aceite pelo tribunal a quo. Cabe ao apelante colocar-se na posição do juiz a quo e exercitar - ele próprio - a apreciação crítica da prova, hierarquizando a credibilidade dos meios de prova (enunciando os parâmetros que majoram ou diminuem a credibilidade de cada meio de prova), concluindo por uma versão alternativa dos factos. Deste modo, este exercício não se basta com a mera enunciação da existência de meios de prova em sentido oposto/diverso da versão dos factos tida como provada pelo tribunal a quo. A existência de sentidos díspares dos meios de prova é conatural a qualquer processo judicial pelo que o cumprimento do ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto não pode ter-se por observado com tal enunciação singela.
É incumbência do apelante actuar numa dupla vertente: (i) rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo, (ii) tentando demonstrar que a prova produzida inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente. Assim, não chega sinalizar a existência de meios de prova em sentido divergente, cabendo ao apelante aduzir argumentos no sentido de infirmar directamente os termos do raciocínio probatório adoptado pelo tribunal aquo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorrecto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente.
Em suma, não observa o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida o apelante que se abstém de desconstruir a apreciação crítica da prova, realizada pelo tribunal a quo na decisão impugnada, limitando-se a assinalar que existe um meio de prova em sentido diverso do aceite como prevalecente pelo mesmo tribunal.
Com refere Abrantes Geraldes[30] - As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se a final, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.
Tendo em mente a interpretação do art. 640º, que acima enunciamos, analisemos a pretensa impugnação da Apelante.
Descendo ao caso.
A Apelante sindica, no capítulo IV. das suas alegações/itens liii. e ss. das suas conclusões, a matéria de facto considerada pelo Tribunal recorrido.
Em primeiro lugar, defende que devem ser eliminados os factos mencionados no seu item liv., porque, alega, não são objecto do processo, nem são supervenientes, estando vedada ao Tribunal sua utilização nos termos do citado art. 988º, do C.P.C..
Sucede que todos esses factos dizem respeito ao historial da CC coligido nos autos e contextualizam aqueles que, de novo, foram apurados no âmbito do incidente em curso, estando o Tribunal, pelas razões já acima adiantadas e que aqui se dão por renovadas, de acordo com princípio do inquisitório que preside a este processo, habilitado, de acordo com o disposto no citado art. 986º, nº 2, do C.P.C., a usá-los no julgamento em apreço.
Improcede, por isso, esta impugnação.
Mais defende a Apelante que o facto inscrito no ponto 60. da decisão recorrida, é meramente conclusivo e deve ser considerado não escrito.
Entende que é matéria conclusiva e que, não obstante, deve ser considerada não provada.
Nesse ponto, foi julgado assente que, sic: 60. Neste aspecto a decisão do Tribunal é coadunante com a proposta do progenitor, Ministério Público e ATT e distinta da posição da progenitora que pretendia dividir o Domingo de Páscoa em dois momentos, um com cada um dos progenitores.
Contudo, não encontramos nesta afirmação qualquer conclusão cuja inclusão na matéria de facto a considerar seja proibida.
Com efeito, e recorrendo aqui por brevidade a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, expressa no seu Ac. de 2.7.2015[31], « A matéria de facto “não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica”, pelo que as questões de direito que constarem da selecção da matéria de facto devem considerar-se não escritas (embora o NCPC não contenha norma correspondente à ínsita no art. 646º, n.º 4, 1ª parte, do anterior CPC, chega-se à mesma conclusão interpretando a contrario sensu o actual art. 607.º, n.º 4, segundo o qual na fundamentação da sentença o juiz declara os “factos” que julga provados). Embora só acontecimentos ou factos concretos possam integrar a selecção da matéria de facto relevante para a decisão (“o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, por que tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste”), são ainda de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objecto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objecto de disputa das partes. Vale isto por dizer, também na expressão de Anselmo de Castro, que “a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa; o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são flutuantes”. Identicamente - e com o mesmo critério, como tem sido sustentado pela jurisprudência -, são de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam susceptíveis de influenciar o sentido da solução do litígio, ou seja, na expressão do Ac. de 09-12-2010 deste Supremo Tribunal, que invadam o domínio de uma questão de direito essencial.»
Ora, no caso, não estamos perante matéria de direito ou que tenha o condão de antecipar a decisão a proferir, razão pela qual julgamos improcedente esta particular pretensão da impugnante.
Mais adiante, a Recorrente, no capítulo V. das suas alegações/itens lxi. das conclusões, pede a ampliação do rol dos factos julgados provados nos termos expressos no ponto lxii. das suas conclusões.
Ora, embora a recorrente o não refira expressamente, situamo-nos no âmbito da impugnação da matéria de facto, prevista no art.º 640º, do Código de Processo Civil, impondo-se ao recorrente que pretenda impugnar aquela matéria, o cumprimento dos ónus ali referidos para que seja admissível o recurso da matéria de facto.
Efectivamente, nos termos do art.º 662º nº 2, alínea c), do Código de Processo Civil, a Relação deve, mesmo oficiosamente, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, quando repute deficiente, obscura ou contraditória aquela decisão sobre determinados pontos da matéria de facto, ou quando considere indispensável a sua ampliação, se do processo constarem todos os elementos que lhe permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto (os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente).
Mas como temos vindo a defender, cremos que no seguimento do entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência, se essa alteração da matéria de facto (mesmo em termos de ampliação) partir da iniciativa da parte, aquela terá de dar cumprimento aos ónus que a lei lhe impõe no art.º 640º, do C.P.C., ou seja, e no essencial, indicar os concretos pontos da matéria de facto (provados ou não provados) que pretende ver alterados, assim como os meios de prova nos quais se baseia para ver alterados aqueles pontos de facto em concreto.
Ora, partindo desse pressuposto, julgamos que foi aqui incumprido o disposto no nº 2, al. a), desse art. 640º, razão pela qual, de acordo com esta mesma norma, se rejeita esta ampliação.
De resto, julgamos que essa matéria não é determinante ou indispensável ao essencial desfecho da lide, constituindo um dado instrumental que, apesar de não constar do rol dos factos julgados provados, não deixa se ser atendível, se for caso disso.
Esta interpretação que agora seguimos é a adiantada por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa[32], quando afirmam que os factos instrumentais, para além de não carecerem de alegação, podem ser livremente discutidos e, atenta a sua função secundária, tendente a justificar simplesmente a prova dos factos essenciais, para além de, em regra, integrarem os temas da prova, nem sequer deverão ser objecto de um juízo probatório específico. “Em termos gerais, o seu relevo estará limitado à motivação da decisão sobre os restantes factos, designadamente quando a convicção sobre a sua prova resulte da assunção de presunções judiciais (…). Bastando que “sejam revelados ou expostos na motivação da decisão, no segmento em que o juiz, analisando criticamente as provas produzidas, exterioriza o percurso lógico que conduziu à formulação do juízo probatório sobre os factos essenciais.
Improcede, por tudo isto, a requerida ampliação.
3.3. FACTOS A CONSIDERAR
a) Factos provados.
1. CC nasceu a ../../2016 e é filha de AA e de BB.
2. Por decisão de 30 de Março de 2017 foi homologado o acordo relativo ao exercício das responsabilidades parentais da criança CC nos seguintes termos:
a. “I- RESPONSABILIDADES PARENTAIS. i. Residência da Criança e Atos da Vida Corrente: A criança fica à guarda e cuidados da mãe, com quem fica a residir, exercendo esta as responsabilidades parentais relativas aos actos de vida correntes da criança; ii. b) Questões de Particular Importância: As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança, nomeadamente, no que respeita à saúde e educação, serão exercidas por ambos os progenitores;
iii. DIREITO DE VISITAS E CONVIVIOS: 1. Regime de Convívios a vigorar até aos dois anos de idade da criança. a) O progenitor pode visitar livremente a criança, em casa da mãe, sem prejuízo dos horários de descanso da criança e mediante contacto prévia com a progenitora. b) O progenitor poderá estar ao sábado 3 (três) horas com a criança, mediante contacto prévio com a progenitora. 2. Regime de Convívios a vigorar depois dos dois anos de idade da criança. a. O progenitor pode visitar livremente a criança, em casa da mãe, sem prejuízo dos horários de descanso da criança e mediante contacto prévio com a progenitora. b. O pai poderá estar com a criança aos fins-de-semana de quinze em quinze dias, indo para o efeito buscar a criança às 11:00 horas de sábado e entregá-las às 17:00 horas de Domingo. 3. As festividades de Natal e Passagem de ano, serão passadas alternadamente com cada um dos progenitores sendo que no primeiro ano a criança passará o dia 24 de Dezembro com o pai e o dia 25 de Dezembro com a mãe e o dia 31 de Dezembro com a mãe e o dia 1 de Janeiro com o pai. 4. No aniversário da criança, esta tomará uma refeição principal com cada um dos progenitores. 5. No 1.º ano: o progenitor passará 3 dias de férias de Verão com a criança. 6. No 2.º ano: o progenitor passará 7 dias de férias de Verão com a criança. 7. No 3.º ano: o progenitor passará 15 dias de férias de Verão com a criança, em períodos interpolados, de 7 dias. iv. ALIMENTOS: 1. a) A título de alimentos devidos às crianças, o pai pagará mensalmente à mãe, até ao dia 8 de cada mês, a quantia de 175 € (cento e setenta e cinco euros), sendo tal quantia paga através de transferência bancária para o NIB da progenitora. 2. b) A actualização automática dos montantes das prestações para alimentos às crianças anteriormente previstos será realizada anualmente, com inicio em Janeiro de 2017, tendo em consideração a taxa de inflação que vier a ser publicada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), mas nunca inferior a 3%. 3. c) As despesas extraordinárias de saúde, médicas e medicamentosas e escolares, serão pagas a meias por ambos os progenitores, mediante a apresentação de factura ou documento.
v. VIAGENS AO ESTRANGEIRO. 1. O progenitor autoriza a progenitora a viajar para o estrangeiro com a criança.”
3. A 4 de Outubro de 2017 a progenitora de CC apresentou requerimento de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais (apenso A) alegando, em síntese, que a criança chorava quando era entregue ao progenitor e que este durante a semana não estabelecia qualquer contacto para ver ou saber da filha, sendo certo que, quando não era possível a visita do sábado o progenitor não procurava ver ou estar com a menor noutro dia, tendo requerido que:
a.As três horas que o progenitor passava com a criança fossem supervisionadas;
b. Para existir aproximação do progenitor à criança as visitas ocorressem também durante a semana e não apenas no fim de semana;
c. As questões de particular importância lhe fossem atribuídas.
4. A 18 de Outubro de 2017, antes de ter sido citado quanto ao supra pedido de alteração, o progenitor deu entrada de incidente de incumprimento (apenso B) onde alega, em síntese, que foi impedido de visitar a criança pela progenitora, com justificações, por parte desta, de doenças, festas de crianças e férias. Mais alegou que a progenitora baptizou a criança sem lhe dar conhecimento.
5. Realizada conferência no âmbito do apenso A (alteração da RERP), no dia 1 de Fevereiro de 2018, constatou-se que o progenitor já não estava com a filha desde Setembro de 2017 (cinco meses), tendo a progenitora requerido que a reaproximação da filha ao pai fosse gradual.
6. Foi obtido acordo quanto à alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais da criança CC ficando as visitas do progenitor à criança, a ser realizadas em horário a combinar entre o CAFAP e os progenitores e em frequência a agilizar pelo CAFAP.
7. Perante este acordo o progenitor desistiu do incidente de incumprimento (apenso B) suscitado.
8. Os convívios no CAFAP iniciaram-se no dia 13 de Março de 2018 e, após dez sessões, no dia 17 de Maio de 2018, esta entidade, dando conta do desenrolar positivo das sessões sugeriu o convívio entre CC e o pai em ambiente natural sem supervisão técnica, como sucedeu no passado, numa fase inicial e durante um período curto, alternadamente no CAFAP e em meio natural, com vista à monitorização e implementação da nova modalidade.
9. Em conferência realizada no dia 19 de Setembro de 2018 (no apenso A) os progenitores acordaram que:
a. “Durante os três próximos meses e até Janeiro de 2019, o pai poderá estar com a filha, de 15 (quinze) em 15 (quinze) dias, aos sábados, das 10:00 horas às 19:00 horas, com início no próximo dia 22 de Setembro de 2018, e, durante este período e até Janeiro de 2019, se mantinham os encontros no CAFAP, uma vez por semana…”, “mais acordam que, caso as visitas/convívios ocorram com normalidade durante o período acima referido, a partir de Janeiro de 2019, passará a vigorar o regime estabelecido nos autos principais de regulação das responsabilidades parentais.”
10. O progenitor, no dia 16 de Novembro de 2020, requereu alteração da RERP (apenso
D) solicitando o alargamento do período de convívios da criança consigo.
11. Foi a progenitora citada e apresentou alegações no dia 4 de Dezembro de 2020, onde se opôs ao requerido pelo progenitor.
12. No dia designado para a conferência, em 26 de Maio de 2021, no âmbito do referido processo de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais, a progenitora, através da sua Ilustre Mandatária, requereu a junção de uma informação escolar, datada de 29 de Março de 2021 e de e-mails datados de 04 e de 17 de Maio de 2021 da Sra. Educadora de Infância da menor, bem como uma foto, levantando, desta forma, suspeitas de maus-tratos infantis perpetrados pelo progenitor e sua companheira na pessoa da criança CC.
13. Atendendo à, alegada, gravidade dos factos denunciados foram suspensos os convívios da menor com o progenitor em meio natural de vida, dando lugar a convívios supervisionados pelo CAFAP de ..., bem como comunicação ao DIAP de ... para abertura do competente inquérito.
14. No dia 23 de Setembro de 2021 (apenso D) foi junta aos autos informação do CAFAP, onde se dá conta que desde 20 de Julho de 2021 até 23 de Setembro de 21 foram realizadas nove sessões de convívios de CC com o pai. A irmã germana de CC, DD, também participou em quatro das referidas nove sessões, apenas em alguns momentos das sessões (cerca de metade da sessão).
15. As sessões decorreram de uma forma muito agradável, sendo pautadas por momentos positivos e de cumplicidade entre pai e filha: “O pai continua a adoptar um comportamento atento às necessidades da CC, procurando proporcionar momentos agradáveis, nomeadamente na escolha de actividades que realizam durante as sessões e que são do interesse da filha. O pai age de forma muito serena e natural com a CC, sendo assertivo no discurso e contacto que estabelece com a filha. Demonstra interesse pelas actividades quotidianas da filha e ao nível pedagógico reforça de forma positiva o seu desempenho, bem como tenta fomentar a aprendizagem, estimulando e incentivando a CC cognitivamente. De referir que nas sessões em que a DD também participou, o pai revelou assertividade na gestão do tempo e na atenção dada a ambas as filhas, proporcionando momentos positivos entre as irmãs. É frequente nestas sessões o pai tirar fotos em conjunto às filhas, sendo que quer a CC quer a DD se divertem com esta actividade e demonstram contentamento em visualizarem as fotos no telemóvel.”
16. No dia 18 de Novembro de 2021 (apenso D) o progenitor, face ao relatório do CAFAP requereu que “fosse reposto o regime de visitas interrompido face às suspeitas, infundadas, suscitadas nos autos”.
17. Solicitada informação sobre o estado do inquérito a que deu origem a certidão remetida ao DIAP de ..., em 16 de Dezembro de 2021 apurou a secção que o inquérito tem o nº 2361/21.... aguardava agendamento para exame médico de avaliação psicológica à menor.
18. A CPCJ ... informou que ainda se encontrava a fazer avaliação diagnóstica.
19. Por tal motivo foram mantidos os convívios da criança com o progenitor no CAFAP.
20. No dia 27 de Dezembro de 2021 foi junto novo relatório do CAFAP de onde resulta que desde 23 de Setembro de 2021, “foram realizadas dez sessões de convívios da CC com o pai. A irmã germana da CC, DD, também participou numa das sessões acima mencionadas, sendo que nesse dia participou durante toda a sessão. De referir que tanto o pai como a mãe foram sempre assíduos e pontuais. Neste período de acompanhamento, foram canceladas duas sessões por parte da mãe, uma pelo facto de a CC estar doente e outra por se encontrar em isolamento profiláctico. A mãe faltou à sessão do dia 5-10-2021, sendo que após contacto da equipa técnica referiu que, por ser feriado, considerava que não haveria sessão. Tal como descrito nos relatórios anteriormente enviados, as sessões continuam a decorrer de uma forma muito agradável, denotando-se uma excelente interacção entre a CC e o pai. Na sessão em que a irmã germana, DD, também participou, verificou-se também uma boa relação e cumplicidade entre as irmãs. Continuamos a observar uma conduta adequada do pai no que se refere às necessidades e cuidados a assegurar à filha no decorrer das sessões, sendo que o pai se mostra atento às necessidades e vontades da CC (e. g. acede às escolhas da filha em relação à actividade a desenvolverem, questiona-a sobre as rotinas de vida diária, promove a aquisição de competências através da brincadeira ou jogo). Ao longo das sessões, foi também possível observar que o pai se tem revelado assertivo quer no discurso utilizado com a CC quer na imposição de regras, nomeadamente quando sensibiliza a filha ou a repreende por algum comportamento menos adequado (e. g. estragar brinquedos, ter cuidado com a bola quando jogam, entre outros). Quando a DD participou nas sessões, o pai revelou igualmente assertividade na gestão do tempo e na atenção que é dada a ambas as filhas, proporcionado bons momentos entre as duas. O pai continua a agir de uma forma natural e as sessões continuam a ser pautadas por manifestações espontâneas de afecto. No que se refere ao comportamento da CC durante as sessões de interacção com o pai, a mesma participa nas sessões sem mostrar qualquer resistência, interagindo de uma forma natural e espontânea quer com o pai quer com a irmã. Utiliza frequentemente um discurso fluido, mostrando à vontade no diálogo e contactos que estabelece. Em momento algum a CC recusou ou demonstrou receio em estar na presença do pai. Face ao exposto, consideramos que as sessões de convívio entre a CC ocorrem num ambiente muito positivo e harmonioso, assistindo-se a momentos muito positivos e de cumplicidade.”
21. Por email de 31 de Março de 2022 (apenso D) a CPCJ ... informou ter aberto processo de promoção e protecção e ter aplicado a medida de promoção e protecção de apoio junto da mãe a favor da criança CC.
22. Mais deu conta que entre as várias diligências foi efectuado um pedido de informação ao ACES ..., mais directamente ao psicólogo que acompanha a criança, de forma a que a Comissão tivesse conhecimento do acompanhamento que estava a ser realizado, no sentido de uma intervenção mais adequada. Refere-se, ainda, no email “Porém, a 28 de Março esta Comissão recebeu um contacto telefónico do pai a informar que, tinha sido chamado pelo Psicólogo de CC nesse mesmo dia ao Centro de Saúde, no local estaria também presente a mãe. Em atendimento, segundo o pai da criança, o Psicólogo Dr.º GG, referiu que deveriam retirar a autorização, que tinham prestado à CPCJ, de acesso aos dados clínicos, e não concordava com a intervenção nem da CPCJ nem do CAFAP. Esta Comissão, questionou o Sr. BB (pai da criança) se era de sua vontade retirar essa autorização, ao que o mesmo afirma que não era a sua pretensão, e concordava com a continuidade da autorização de acesso aos dados clínicos. Por consequência, neste mesmo dia, pelas 23h59, esta Comissão recebeu um email por parte de Sr.ª AA, mãe de CC, a informar que " (...) pedia a anulação da declaração de autorização para acessos a dados clínicos, uma vez que ambos estamos de acordo.”
23. Perante tal situação foi promovido pelo Ministério Público e ordenado pelo Tribunal, em 22 de Abril de 2022, a remessa do processo de promoção e protecção para apensação aos autos de RERP da criança CC, não por causa do entendimento do psicólogo clínico da ACES, mas porque face à posição assumida pela progenitora poderiam suscitar-se dúvidas quanto à verdadeira intenção desta (retirar, ou não, o consentimento à intervenção) pois retirando a progenitora o consentimento para a intervenção da CPCJ seria ilegal a intervenção daquela entidade.
24. Apenso o processo de promoção e protecção resulta que no decorrer da avaliação diagnóstica efectuada pela CPCJ apurou-se que os progenitores mantêm um histórico de comunicação disfuncional (praticamente inexistente) com recurso a acusações mútuas e registos díspares no que se refere ao historial familiar enquanto casal.
25. A progenitora alegou que desde o nascimento da criança, os convívios e participação do progenitor nos seus actos de vida têm sido escassos, resultando essencialmente em convívios em fins-de-semana alternados, acusava o progenitor de se mostrar ausente e desinteressado pelas questões vivenciais da menor.
26. Por seu turno, o progenitor, à CPCJ, disse que a sua participação sempre foi obstaculizada pela mãe da criança, não o informando de questões de saúde, desenvolvimento e educação, dando especial enfoque ao facto de o nome da menor ter sido decidido unilateralmente.
27. Ali os progenitores consentiram na intervenção da CPCJ ... e assinaram uma declaração autorizando que fosse fornecida a esta entidade informação clínica.
28. No relatório elaborado na sequência da remessa do processo de promoção e protecção a CPCJ ... volta a referir o pedido de informação ao psicólogo de CC e o ocorrido com os progenitores. Mais ali se refere que no dia 5 de Abril de 2022 a mãe da CC enviou um email com o seguinte teor “(…) Em reunião com o Dr. GG, psicólogo da CC, onde participei eu e o pai da CC, o Sr. Dr. explicou-nos que havia um pedido de relatório clínico, por parte da CPCJ. Ele informou-nos que aguardava o pedido deste mesmo relatório por parte do tribunal, pois este seria o órgão que deveria gerir a informação clínica da CC, até por uma questão de privacidade/ protecção da mesma. Uma vez que, dada a indicação do Dr. GG, nessa reunião, o pai estava de acordo que as informações clinicas deveriam ser prestadas ao tribunal e não à CPCJ, fomos às vossas instalações com a pretensão de pedir anulação da declaração para acesso a dados clínicos, tendo sido informados que o atendimento não era possível, pois não tínhamos agendado, mas que as gestoras do processo, entrariam em contacto com ambos. Como pessoalmente não conseguimos resolver a situação, ficou combinado que ambos enviaríamos por email essa mesma pretensão. Portanto tomei esta atitude, em consonância com o pai, pois nada tenho a opor que os registos clínicos da minha filha cheguem ao processo, para que constem dos autos. Fiz apenas aquilo que resultou da reunião com o Dr. GG e com o pai, embora este tenho adoptado posteriormente outra posição”.
29. Na diligência realizada no dia 12 de Julho de 2023, ambos os progenitores confirmaram terem sido chamados pelo psicólogo da ACES na sequência do pedido dos registos clínicos, por parte da CPCJ, referente à criança CC e terem sido aconselhados, por ele, a retirarem o consentimento para o envio destes registos e, também lhes disse, que não concordava com a intervenção da CPCJ e do CAFAP.
30. No dia 11 de Maio de 2022, foi junto novo relatório pelo CAFAP (apenso D).
31. Ali se dá conta que “Desde a última informação remetida, em Dezembro de 2021, foram realizadas quinze sessões de convívios da CC com o pai. À semelhança do que foi reportado em anteriores informações, durante este período de intervenção, a irmã germana da CC, DD, também participou em dez das sessões agendadas até ao momento. Mantem-se a periodicidade semanal das sessões com a duração de uma hora, às terças. Tanto a mãe como o pai sempre adoptaram uma atitude adequada e colaborante ao longo de todas as sessões. No dia da realização dos pontos de encontro familiar, os pais continuam a ser assíduos e pontuais cumprindo com o que foi estabelecido. Mais se informa que, no decorrer deste período, ocorreu um cancelamento a pedido do pai alegando motivos de saúde. Por sua vez, a mãe desmarcou três sessões, sendo que numa a CC se encontrava em isolamento profiláctico e nas outras duas pelo facto de a CC estar doente. Os pontos de encontro familiar entre a CC e o pai continuam a decorrer num contexto globalmente muito positivo, observando-se uma excelente interacção entre pai e filha. Durante os convívios denotou-se contentamento da CC em estar com o pai e com a sua irmã, DD. A este propósito, importa realçar que tanto a CC como a DD se mostraram à vontade na presença uma da outra assim como na presença do pai. Recorrentemente, a CC entra nas instalações muito bem-disposta dirigindo-se ao pai com o intuito de o cumprimentar ou à sua irmã sempre que esta participa nas sessões. No que concerne à conduta do pai, este tem evidenciado sempre uma postura assertiva e adequada com a CC. Por diversas vezes, foram visíveis manifestações de afectividade entre os dois particularmente quando se cumprimentam e também durante as actividades/brincadeiras. No que diz respeito ao comportamento da CC, a mesma continua a revelar grande descontracção e espontaneidade quer na interacção quer na comunicação que estabelece com o pai sobre as suas rotinas diárias (e.g. escola, saúde e actividades que costuma realizar nos seus tempos livres). Durante as sessões, ocorrem diversas actividades lúdicas (e.g. brincar ao jogo simbólico dos restaurantes, quinta e os animais, jogos de construções, jogo da apanhada, entre outros) sendo que a CC desempenha estas encenações de uma forma muito divertida juntamente com a sua irmã. Importa salientar que o pai participa nas actividades/brincadeiras sugeridas quer pela CC quer pela DD revelando grande entusiasmo em brincar com as filhas. Na sessão realizada no dia 22-02-2022, o pai trouxe um bolo com o intuito de festejar o seu aniversário com as filhas. Nessa sessão, a CC e a DD cantaram os parabéns e felicitaram o pai com um beijo e um abraço. Devido ao facto de a CC comemorar o seu aniversário no dia 14/04, o pai na sessão seguinte, trouxe bolo e sumo e um presente de aniversário para oferecer à CC. Nessa sessão, o pai fez-se acompanhar pela DD e em conjunto cantaram os parabéns. Em algumas sessões, o pai tirou algumas fotografias enquanto a CC e a DD brincavam. Houve momentos em que a CC recusou tirar fotografias escondendo o rosto alegando que “a mãe disse para não tirares fotografias nem fazeres vídeos”. Face ao comportamento adoptado pela CC o pai respeitou a sua vontade. Em suma, foi possível constatar que existe afecto e cumplicidade entre a CC e o pai e as sessões continuam a decorrer de uma forma muito positiva. É notório o contentamento da CC em conviver com o pai.”
32. Na sequência do acordo dos progenitores quanto à aplicação da medida protectiva sugerida foi o mesmo, no dia 27 de Setembro de 2022, homologado e aplicada à criança CC, nascida em ../../2016, a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, a executar na pessoa da mãe - art.º 35.º, nº. 1, al. a)
da LPCJP, pelo prazo de seis meses e com as seguintes obrigações durante a execução da medida:
a. - Os pais comprometeram-se a cumprir as orientações da técnica da Segurança Social, gestora do processo, bem como as orientações do plano de intervenção para a execução da medida, do qual lhes foi entregue uma cópia;
b. - O pai poderia estar com a CC dois fins de semana seguidos, interpolados por um fim de semana em que a criança ficava com a progenitora, ao que se segue outros dois fins de semana da criança com o pai e assim sucessivamente.
c. -A recolha seria à sexta feira no estabelecimento de ensino e entrega na segunda feira, no mesmo estabelecimento de ensino.
d. - Os progenitores aceitaram a intervenção do CAFAP, para restabelecerem a comunicação.
33. No dia 18 de Outubro de 2022 foi junto aos autos cópia do relatório de perícia médico legal à criança CC.
34. Deste relatório consta “um parecer pouco positivo quanto à sua credibilidade (do relato). A menor apresenta um discurso de rejeição face à figura paterna, percepcionando-se sugestionada por terceiros. No contacto com a menor não foi identificada sintomatologia clinicamente valorável, especificamente associada a qualquer situação abusiva ou de maus tratos. Não se apresenta evidências consistentes de maus tratos, a partir do brincar e de outros comportamentos não verbais. É possível, mas não possível demonstrar, a existência de vivências negativas em contexto familiar paterno, no entanto existem algumas referências por parte da menor pelas quais deverá ser dada atenção especial. No decorrer da avaliação foi totalmente perceptível uma relação de conflito entre os progenitores e que a menor tem sido exposta a estes conflitos. De referir que esta exposição no conflito interparental, poderá colocar a menor em risco de desajustamento. (…)”.
35. No dia 26 de Outubro de 2022 foi ordenada realização de perícias a ambos os progenitores tendo como objecto determinar as competências parentais de cada um dos progenitores e apurar da origem do discurso de rejeição da criança à figura paterna.
36. No dia 11 de Novembro de 2022, foi junta aos autos certidão do despacho de arquivamento, proferido no dia 04 de Novembro de 2022, no âmbito do inquérito 2361/21...., do DIAP de ....
37. No dia 18 de Janeiro de 2023, foi junto o relatório da perícia realizada aos progenitores pelo INML onde se pode ler: “AA mostra-se preocupada com as alegadas situações de maus-tratos que segundo a própria não são ainda esclarecidas. Apoia-se nesta situação para justificar a resistência às visitas e pernoitas com o progenitor. No seu discurso é notória a certeza da culpa do progenitor, não dando abertura para outra possibilidade, o que pode dificultar a reaproximação do progenitor com a menor”. “AA não compreende que a menor, não tendo vínculo com o progenitor, sofrendo com as visitas e não estando ainda apurado se foi ou não agressivo, possa conviver de forma equitativa com a CC. Nesse sentido, pensa que idealmente teriam visitas supervisionadas, sem pernoita, até ao final do apuramento dos alegados fatos.” “AA apresenta-se magoada e diz-se triste “estou triste porque ele não a protege, no período que ela está com ele, ele não a protege”. Existe no discurso, emocionalmente carregado, sinais de emoções ainda intensas de raiva, tristeza, percepção de abandono e mágoa relacionadas com o fim da relação.” “Relativamente à AA, os sentimentos supramencionados condicionam, muito possivelmente, os comportamentos em relação ao BB. Não confiando no progenitor como capaz de cuidar da menor…”
38. Ao quesito “o ocorrido à mãe durante a gravidez da criança condiciona de alguma forma o comportamento da progenitora?; 6) na afirmativa, qual ou quais? a perícia refere “Não é possível, de forma categórica, fazer uma associação directa entre os dois comportamentos. No entanto, sabe-se que o risco psicológico está relacionado com as sensações e percepções vividas pela mulher durante a gravidez. Nesse sentido, o fato de ser um projecto que passou a ser individual, desejado sobretudo pela progenitora e sem apoio do progenitor, colide com a idealização prévia de formação de família e pode condicionar a forma como é vista a relação pai-filha. “AA mostra-se determinada em conseguir perceber ou provar o que aconteceu à menor, que na sua visão foi da responsabilidade do progenitor. Nesse sentido, pode ser interpretado como comportamento obstinado, naquilo que acredita ser verdade.”
39. No inquérito com o número 2361/21...., do DIAP de ..., o despacho de arquivamento foi proferido no dia 04 de Novembro de 2022 e o primeiro exame a que a mãe foi submetida, no INML, para a realização da perícia, foi no dia 29 de Dezembro de 2022.
40. Já a progenitora tinha conhecimento do despacho de arquivamento, no entanto continuou, e continua, a imputar os mesmos factos ao progenitor (este nem constituído arguido foi).
41. No relatório de acompanhamento da execução da medida protectiva a Senhora Técnica gestora do processo defendeu a manutenção da medida de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe, por se manter a litigância entre a díade parental, pois embora se observe uma ligeira melhoria no que respeita à obtenção de acordos, (conseguiram encontrar consenso no que respeita à alternância de convívios da menor com os progenitores nas férias lectivas de Verão) a progenitora ainda tem dificuldade em aceitar e respeitar o direito da filha em conviver salutarmente com o progenitor e a família paterna.
42. Ao longo do período de execução da medida protectiva foi necessária a intervenção do CAFAP e da ATT para resolver as férias de Natal, da Páscoa, do aniversário da criança.
43. Quanto ao aniversário da CC lê-se no relatório da ATT, junto no dia 12 de Junho de 2023 que “o progenitor deu nota que apesar da progenitora ter rejeitado a hipótese proposta pelos técnicos em realizar a festa em conjunto, alegando que a festa de aniversário que a CC pediu muito, seria realizada em casa, no fim de semana seguinte, estando a CC em casa do pai, foi dado início aos preparativos da festa, de acordo com o pedido da criança. Esta muito entusiasmada partilhou com a mãe, ao telefone, os detalhes dos preparativos da festa, que ela mesmo tinha planeado (local, bolo, tema escolhidos e convites preenchidos por ela). Alguns amigos tinham já confirmado a presença, contudo em conversa com outros pais, o progenitor percebeu que estava a ser planeada uma festa de aniversário para a CC em segredo, levando a crer que essa festa iria ser substituída pela festa que a menor tinha planeado com o pai. Além de ter alterado toda a planificação inicial, a progenitora levou a que os pais dos amigos da CC fossem à sua festa e não à que inicialmente a menor tinha convidado. Na festa planeada pelo progenitor apenas compareceu uma amiga da CC. A menor questionou os motivos dos amigos não terem comparecido e revelou desilusão por não comparecerem à festa que ela mesma organizou.”
44. A progenitora de CC é assistente operacional no agrupamento de escolas ..., em ... e reside em ..., ..., com os avós maternos da criança e um tio desta.
45. Habitam residência de tipologia T3
46. O pai de CC trabalha na ..., em ... e reside em ....
47. Vive com a mulher e a filha, irmã germana de DD, em habitação que reúne as condições habitacionais necessárias às duas crianças e ao casal.
48. Por decisão de 28.7.2023 foi aplicada, a titulo cautelar, a favor da criança CC a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, tendo-se instituído a residência alternada, decisão essa confirmada pelo V.T. da Relação de Guimarães.
49. A 7.8.2023 a progenitora envia email ao processo dando nota que o pai foi buscar a criança CC em dia de férias de Verão que não teria sido o combinado, mas declara que nada tem a opor ao sucedido.
50. A progenitora continuou a levar a criança CC às consultas de psicologia no ACES apesar do progenitor ter dito que a tal se opunha expressamente já em 28.7.2023, o que era do seu conhecimento.
51. Só depois de 9.10.2023 é que a criança CC passou a ser seguida em psicologia no CAFAP de ... e após diligência realizada para esse efeito, em consonância com o parecer da ATT -
52. A 9.10.2023 foi determinado que a progenitora enviasse ao progenitor, em 48h, todos os endereços e passwords, relativos às questões e plataformas escolares.
53. A 17.10.2023 pela ATT foi, mais uma vez, solicitada a intervenção do Tribunal no sentido de voltar a determinar que a progenitora “…seja novamente alertada para a partilha das palavras-passe referentes aos diversos serviços utilizados pela CC, a saber, plataforma INOVAR, Email institucional, portal das finanças, segurança social directa e portal da saúde, considerando-se que o de maior urgência seja o email institucional, uma vez que é o meio de comunicação preferencial entre a escola e a família.”.
54. Por despacho de 25.10.2023 foi o estabelecimento escolar notificado para o supra, uma vez que a progenitora não enviou a totalidade da informação que estava na sua posse.
55. A criança CC não evidencia nenhuma alteração, escolar, nas semanas em que está com o pai ou com a mãe.
56. Ambos os progenitores estão inteirados da vida da menor, incluindo a companheira do pai, Sra. EE.
57. A criança CC expressa espontaneidade no discurso e satisfação pela convivência com a família materna e paterna, identificando relações positivas e de vinculação segura com todos os elementos que compõe os agregados (materno e paterno).
58. A medida de apoio junto dos pais, decidida a 28.7.2023 veio a ser aplicada, por acordo, em 11.3.2024.
59. O Tribunal, por despacho de 27.3.2024, teve de decidir a questão das férias da Páscoa, fixando que a criança CC iria gozar o Domingo de Páscoa com a progenitora.
60. Neste aspecto a decisão do Tribunal é coadunante com a proposta do progenitor, Ministério Público e ATT e distinta da posição da progenitora que pretendia dividir o Domingo de Páscoa em dois momentos, um com cada um dos progenitores.
61. CC foi encaminhada para a terapia da fala, tendo a progenitora, unilateralmente, decidido qual o estabelecimento onde a mesma seria assistida e a respectiva frequência.
62. Por requerimento de 25.6.2024 a progenitora comunica aos autos que no dia
22.6.2024, dia em que a criança CC estava aos cuidados do pai, teria ido buscar a filha a casa de uma vizinha do progenitor pois que a criança lá se teria deslocado, queixando-se ter sido posta de castigo pela companheira do pai, às escuras, no exterior da casa.
63. A criança CC, desde que a mãe a levou consigo, não mais foi à escola.
64. Tendo perdido a festa de final de ano.
65. A progenitora, contactada pelo CAFAP, em decorrência do sucedido e depois de sugestão nesse sentido pela Sr.ª Psicóloga que acompanha a criança, não levou CC para ser vista em contexto de acompanhamento psicológico.
b) Factos não provados.
Não se provou que:
66. O pai e a companheira deste tivessem batido na criança CC.
67. CC encontrava-se em casa da vizinha do pai por ter tocado à campainha pedindo ajuda porque “a EE a ia apanhar”.
68. CC estivesse com tremuras, inquieta e assustada.
69. A criança pediu à mãe para que não a deixasse ir para casa da EE, actual companheira do progenitor da CC.
70. A companheira do pai tenha obrigado a limpar a casa para que, em troca, a CC pudesse ir às comemorações do S. João.
71. A companheira do pai, EE, havia dado banho e vestido o pijama à criança CC.
72. A companheira do pai de CC tenha dito à criança que se esta não encontrasse o anel lhe iria puxar as orelhas e fechá-la no exterior da casa, no escuro.
73. Como não conseguiu encontrar o dito anel, EE pôs fora de casa a criança CC e disse-lhe que não entraria até que encontrasse o anel.
74. CC tivesse ficado apavorada.
75. Tenha saltado um muro de 2 metros de altura.
76. A GNR ... tenha, em decorrência do contacto da vizinha do progenitor, redigido auto de notícia de violência doméstica.
77. No dia 26.6.2024 a progenitora se tenha feito acompanhar de CC quando se deslocou a Tribunal.
78. Uma Sr.ª Oficial de Justiça tenha dito à progenitora que os factos por si relatados não eram merecedores de atendimento.
79. CC se recuse a estar com o pai e a ir à escola, por receio de ser recolhida pelo pai.
3.4. DO DIREITO APLICÁVEL
3.4.1. Do “erro de julgamento”
No capítulo VI. das suas alegações/itens lxiii. e ss. das suas conclusões, a Apelante invoca a existência de erro de julgamento que, após uma breve introdução doutrinária, não qualificou concretamente, bastando-se com a alegação de que da factualidade provada nos itens por si mencionados no ponto 108. das suas alegações, “designadamente a expurgada de factos inatendíveis à luz do caso julgado e que são conclusivos”, resulta matéria provada que se opõe de forma evidente à decisão que veio a ser tomada pelo tribunal.
Com base nessa singela alegação a Apelante considera, sem mais considerandos, que não estavam reunidas as condições para o Tribunal recorrido lançar mão do mecanismo do citado art. 37º, da L.P.C.J.P..
Sucede que essa alegação parte do pressuposto frustrado de que as precedentes conclusões, que propunham a retirada do processo da restante matéria de facto considerada, teriam sucesso, o que aqui não sucedeu, pelo que, não sendo função deste Tribunal substituir-se à Recorrente na antecipação desse cenário e/ou aperfeiçoamento das suas conclusões em conformidade, fica prejudicado o conhecimento destes argumentos (cf. arts. 608º, n.º 2, 663º, n.ºs 2 e 6, ambos do Código de Processo Civil) que desconsideram por completo toda a realidade retractada na decisão, quer nos dados resultantes dos factos constantes do rol mencionado em 3.3., supra, quer toda a que consta da motivação dessa decisão de facto da primeira instância.
3.4.2. Da alegada “violação dos princípios da intervenção mínima, da actualidade e proporcionalidade e inexistência dos pressupostos de que depende a aplicação de medida cautelar provisória”
Depois de um extenso rol de alegações em que invoca objectivamente normativos legais que alegadamente enquadram o caso em apreço, a Apelante conclui que o Tribunal recorrido deu como provada a factualidade referida em xciii. das suas conclusões e que dessa singela mas descontextualizada factualidade (já que mais uma vez desconsidera toda a restante que “foi dada como provada (ou pode ser dada como provada)”), decorre que a criança não se encontra, sequer, em perigo.
Mais insiste a Recorrente que o Tribunal se baseou numa realidade ultrapassada, o que viola o princípio da actualidade.
Adiante refere que “jamais” os factos permitiriam essa decisão, sem precisar quais.
Acrescenta que o Tribunal deve pautar-se pela “intervenção mínima”, que também não concretiza tendo em conta o cenário ou circunstâncias tidas em conta por este, reportando-se ao regime de residência alternada vigente que, usando a abordagem da Recorrente, é um facto ultrapassado pelas circunstâncias posteriores tidas em conta pelo Tribunal a quo.
E, por fim, conclui, exactamente como alegou, que o tribunal reconheceu que - “A criança CC expressa espontaneidade no discurso e satisfação pela convivência com a família materna e paterna, identificando relações positivas e de vinculação segura com todos os elementos que compõe os agregados (materno e paterno)” - e, apesar de tudo isto, decidiu afastar a criança da sua mãe, colocando assim em causa, para além dos princípios indicados, os princípios do primado da família e da responsabilidade parental também plasmados no artigo 4º do citado diploma.
Será assim?
Julgamos que não.
Desde logo, no que contende com a alegada inexistência de perigo para a criança, constatamos que a argumentação da Recorrente fica também aqui prejudicada pela frustração da sua intenção de reduzir os factos relevantes àqueles, inócuos, que agora invoca, a que acresce uma evidente fuga em frente na absoluta falta de discussão dos verdadeiros argumentos que sustentaram a decisão recorrida. A Apelante passa completamente ao largo da sua discussão e ficciona na sua impugnação uma decisão que não corresponde àquela que foi proferida, onde ficou abundantemente retractada, no plano factual, a renovada postura que teve nos autos e no exercício das suas responsabilidades parentais e que permitiu ao Tribunal concluir, além de mais, o seguinte: “Dos factos provados resulta, com clara evidência, que ao longo do tempo a progenitora tem vindo - e tinha, efectivamente, conseguido, é necessário que se diga com frontalidade - afastar CC do pai. Relembre-se o incumprimento suscitado pelo progenitor, a “bomba atómica” do processo crime que deu em nada - nem era preciso, a mera delonga é quanto basta para satisfazer os intentos daquele que pretende afastar um filho do outro progenitor (esquecer esta estratégia é subestimar os intentos indevidos e colocar-se em posição de ser instrumentalizado por esses intentos) - em conjugação com a dimensão da vontade da progenitora que é muito clara, ou seja, o pai não serve e logo se arranjará algo que corporize esta vontade são absolutamente reveladores que a mãe da criança assume uma posição frontal e de total hostilidade perante tudo o que não lhe apraz. De acção em acção a progenitora foi conseguindo perpetuar no tempo o afastamento de CC face ao seu pai, quiçá valendo-se na crença de que uma cristalização, de uma situação de facto, justificará uma decisão judicial que mantenha a criança consigo . Mas mais. Resulta da matéria dada como provada e da respectiva fundamentação que a progenitora sujeita CC, há anos(!), a violentação emocional consistente no denegrir a pessoa do pai. Ao ponto da criança verbalizar que chama BB ao pai porque a mãe assim quer e impõe (e aqui é irrelevante se é vitimizando-se ou se é através de comportamentos mais autoritários…tal só releva para caracterizar o tipo de violência). Sejamos claros: a progenitora, que parece não ter ultrapassado a separação, mantém a mono ideia de afastar a pessoa do pai da vida de CC. A progenitora pode até verbalizar coisa distinta (e continua hoje, como sempre, assim), mas os seus actos, as suas acções (facere e non facere) permitem concluir o contrário. Esta realidade é absolutamente violentadora da dimensão psicoemocional de CC e faz com que - como supra se explanou e resulta da própria matéria de facto provada - os laços entre pai e filha se fossem enfraquecendo - até que o Tribunal teve de intervir cautelarmente a 28.7.2023 - consubstanciando esta realidade o perigo para a criança. Perigo esse que, rememorando o exposto, é potenciador de graves lesões psicoemocionais. Volvido cerca de um ano vê-se o Tribunal perante, mais uma vez (e sempre!) de alegações de factos trazidos pela progenitora, alegações essas com base nas quais se autorizou (como sempre, unilateralmente) a retirar a criança ao pai e a não a entregar, conforme lhe competia. (…) Logo após a decisão de 28.7.2023, a qual teve por base o perigo que a progenitora constitui para a sua filha, aquela veio com email ao processo requerer nada, perscrutando o Tribunal apenas uma intenção belicista de confronto. Continua a imputar ao pai de CC e à companheira deste factos que alega - mas nunca, absolutamente nunca, prova - querendo com isso demonstrar a incapacidade de ser pai e o caracter agressivo da companheira deste. Relembre-se as suspeições e acusações que a progenitora levanta no CAFAP ao longo de todo este ano. No CAFAP a progenitora adopta posição de bloqueio no processo de mediação. A progenitora visita a filha na escola, nas semanas em que a mesma está com o pai, apesar de ter sido de tanto proibida pelo Tribunal; tendo, inclusive levado a ATT a pedir a intervenção do Tribunal para mais uma advertência expressa. Bloqueou, até onde pôde, o acesso total do pai às informações escolares (e não venha cá a progenitora juntar uma qualquer comunicação de comunicação parcial do que quer que seja e alegar que o demais não detinha pois que tal é inverídico); e fê-lo desrespeitando determinação expressa do Tribunal, ao ponto do Tribunal ter de ordenar que se notificasse o estabelecimento de ensino para prestar as informações e proibisse a alteração das credenciais de acesso. Revelador da intenção e propósito da progenitora foi a tentativa desta de, junto da professora, estabelecer um canal de comunicação paralelo que não o email institucional…para quê? Com que propósito? A progenitora não colabora com a ATT, fazendo política de cadeira vazia, mormente não respondendo às solicitações da Sr.ª Técnica. A progenitora age unilateralmente, sem consultar a Sr.ª Técnica gestora do processo, desde logo e sem obter o acordo do pai ou a autorização do Tribunal. Exemplo disso é a questão da terapia da fala em que a progenitora, sem obter o acordo do pai, sem lhe comunicar previamente, sem falar com a Sr. Técnica gestora do processo, sem obter autorização do Tribunal, decidiu em que estabelecimento a criança ia ser seguida, decidiu qual a frequência (e não venha a progenitora dizer que tal não depende de si e sim do médico, pois que a psicóloga da escola nada referiu em relação à necessidade semanal) e tudo quis impor, e impôs…e de tal quer se fazer prevalecer. Outro exemplo da decisão unilateral é o que ocorreu com o período de férias de Verão em que os progenitores lograram obter acordo em sede de CAFAP e depois, unilateralmente, a progenitora impôs outra coisa.
A progenitora bloqueia tudo o que não lhe satisfaz os propósitos:
- Não colabora com a Sr.ª Técnica gestora do processo; - Não colabora no CAFAP (estar presente não é colaborar…); - Não colabora com a psicóloga que acompanha CC (veja-se que se recusou a levar a criança à sua psicóloga…e não diga que não, pois recusou já que psicóloga lhe disse pessoalmente que seria adequado ver a criança. Sendo certo que qualquer mãe preocupada levaria logo a criança à psicóloga…a não ser que isso obstasse aos seus intentos). - Não colabora com a GNR porque sabe esta entidade a obrigaria a entregar a filha ao pai. Este é o último ano que a progenitora reputa como normal e pacífico: um turbilhão de desconformidades e permanentes tensões, agora imagine-se se a progenitora não estivesse condicionada pela residência alternada e pela pendência do presente processo de promoção e protecção cujo perigo fundamentador da intervenção estadual decorre dos comportamentos (acções positivas e negativas) da progenitora, relembre-se. O pináculo desta convulsão foi o sucedido a 22 de Junho, Sábado, e o que se lhe seguiu…às portas das férias judiciais de Verão. Em primeiro lugar importa atentar que tudo aconteceu no dia imediatamente a seguir a CC ter estado uma semana com a mãe. Em segundo lugar, e não de somenos importância, cumpre dizer o óbvio: se o que a progenitora verbaliza e alega fosse verdade tinha telefonado ao pai para este ir buscar a criança!!! Afinal, a mãe não tem nada contra o pai, é o que verbaliza e alega, mas não é o que os seus actos revelam. Não se olvide que a progenitora tem uma mono-ideia, a qual não ultrapassa: que CC não está bem com o pai. Mesmo depois de arquivado o processo crime e de todo o conteúdo do presente processo - onde resulta à saciedade que CC está bem com o pai, com a irmã e a família destes - a progenitora continua a propalar alegações - nunca comprovadas ou mesmo infirmadas - alimentando o seu mundo emocional que nenhuma correspondência tem com os factos apurados. Como decorre da matéria dada como provada e da respectiva fundamentação a progenitora de CC, pelo menos, aproveitou-se de uma situação para se fazer presente, não entregou a criança ao pai quando podia e tendo-se retirado em contrário com o judicialmente determinado e sem que qualquer razão justificativa para tal houvesse reteve CC 10 dias, isolando-a fisicamente do mundo: - Impediu que a criança fosse à escola, não tendo sequer participado na festa de fim de ano; - Impediu que a criança fosse vista pela psicóloga que a acompanha, não a tendo conduzido conforme solicitado; - Impediu que a criança fosse vista pela Sr.ª Técnica gestora do processo. (…)”.
Este é só um vislumbre da factualidade tida em conta pelo Tribunal a quo que a Apelante se absteve em absoluto de discutir, não cabendo a este Tribunal, repete-se, substituir-se-lhe na crítica à decisão que foi concretamente proferida, pelo que improcede aquela primeira conclusão.
No que contende como o segundo argumento acima exposto, renovamos aqui também aquilo que ficou acima dito: estamos perante uma decisão proferida em sede de jurisdição voluntária, com os contornos especiais que acima enunciámos que foram reconhecidos pela Apelante nas suas alegações, sendo perfeitamente normal, como atenta o Ministério Público na sua resposta, que o Tribunal considere nas suas decisões todo o historial da criança e, neste caso, da sua relação com os progenitores, cujo comportamento vem sendo, desde o início do processo, o motor deste autos já longos.
Com efeito, os princípios da proporcionalidade e actualidade, expressos na al. e, do art. 4º, da L.P.C.J.P., significam apenas que qualquer intervenção em sede de promoção e protecção deve acudir a uma situação de perigo concreta, ainda que eminente, e não hipotética ou passada e, por outro lado, deve ser restritiva e o menos invasiva da autonomia e privacidade da família e da criança ou jovem em questão.[33]
No caso, essa situação de perigo, apesar de persistir na actualidade, nos termos apurados e considerados pelo Tribunal a quo, em decorrência do incidente que foi julgado por último a pedido da própria Recorrente, constitui apenas mais um fruto do comportamento recorrente da mesma e, como é obvio, essa contextualização, bem como o retracto de uma reincidência persistente não podem ser ignorados pelo Tribunal na sua análise do melhor interesse da CC.
Improcede, portanto, este outro argumento.
Além disso, a Apelante entende que o Tribunal recorrido violou os princípios da intervenção mínima, do primado da família e da responsabilidade parental, inscritos no citado art. 4º, da L.P.C.J.P.: - (…) d) Intervenção mínima - a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja acção seja indispensável à efectiva promoção dos direitos e à protecção da criança e do jovem em perigo; - (…) f) Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem; - (…) h) Prevalência da família - na promoção dos direitos e na protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adopção ou outra forma de integração familiar estável; (…)
No que respeita a esse primeiro princípio, olhando à letra da lei, não vemos em que medida é que ocorreu neste caso violação desse princípio literalmente mencionado na citada al. d).
Aliás, em retrospectiva, do que nos recordamos neste caso é da oportuna necessidade de recorrer a agentes policiais para executar uma decisão do Tribunal que, de outra forma, com recurso a procedimentos menos invasivos e num ambiente pacífico (CAFAP), não foi possível devido à conduta da Recorrente e demais pessoas que acorreram ao local, e a recorrente presença ou intervenção de órgãos policiais motivadas pelas denúncias ou actos da progenitora, num cenário que infelizmente é muito comum nestes contextos, esquecendo completamente os progenitores o seu dever de proteger os filhos menores dessas situações!
No que toca aos princípios mencionados nas als. f) e h), há que relembrar que os mesmos não são absolutos e cedem necessariamente perante as exigências do caso concreto, nomeadamente perante o único princípio prevalecente nesta jurisdição que é do interesse superior da criança, neste caso da CC, plasmado na al. a), do mesmo art. 4º.
A esse respeito importa ter em conta que o Tribunal recorrido considerou, estar apurado que a progenitora coloca, pelo menos, a integridade psicoemocional de CC em causa e tem o vindo a fazer, há anos.
Essa afirmação e os factos que o denotam não foram postos em causa pelo recurso da Recorrente.
A legislação e a jurisprudência, nacionais e internacionais, têm afirmado a preponderância do interesse do menor na definição do regime parental das crianças.
Nesse sentido o citado art. 4º, estabelece que a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios: a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afecto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto; (…).
Algumas das normas que reflectem a importância deste princípio sãp, v.g.:
- O art. 3º, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito das Crianças, onde se impõe que (1.) todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança;
- O art. 22º, da Convenção de Haia de 1996, onde refere que, sic, a aplicação da lei indicada pelas disposições do presente capítulo apenas poderá ser recusada se esta aplicação for manifestamente contrária à ordem pública, tendo em consideração os melhores interesses da criança;
- O preâmbulo dessa Convenção, onde se afirma que os melhores interesses da criança devem constituir consideração primordial;
- O art. 1906º, nº 7, do Código Civil, onde se estabelece que o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
Em particular, estipula o dispositivo do art. 1906º, do Código Civil, (5) o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
Sendo certo que, o interesse do menor é um conceito jurídico indeterminado, é necessário recorrer a critérios de oportunidade, de acordo com o caso concreto, de modo a concretizar o seu conteúdo.
Neste âmbito, escopo fundamental da actividade do tribunal deve ser o de conseguir a melhor solução possível face às circunstâncias concretas do caso, procurando assegurar o mínimo de desestabilização e descontinuidade da vida do menor[34].
O interesse superior da criança, enquanto direito substantivo, constitui o direito das crianças a que o seu interesse superior seja avaliado e constitua uma consideração primacial quando estejam diferentes interesses em caus, nem como a garantia de que este direito será aplicado sempre que se tenha de tomar uma decisão que afecte uma criança, um grupo de crianças ou as crianças em geral.[35]
Por ideal que seja a prevalência da família [cfr. artigo 4.º, al. h), da L.P.C.J.P.], o essencial é sempre o interesse superior da criança ou do jovem [cfr. artigo 4.º, al. a), da LPCJP], devendo a medida a aplicar ser a necessária e a adequada a salvaguardar a criança ou o jovem do perigo em que se encontra no momento da aplicação da medida [cfr. artigo 4.º, al. e), da LPCJP].[36]
Na situação em apreço, julgamos, em sintonia com a decisão recorrida, que o momento é o de estancar a influência negativa que os apontados comportamentos da progenitora vêm tendo na saúde emocional da criança e na relação desta com o progenitor, pelo que improcedem estas conclusões da Apelante.
3.4.3. Violação do dever de imparcialidade v. erro de julgamento
Nos pontos ciii. e ss., das suas conclusões, a Apelante invoca o disposto no art. 203º, da Constituição da República Portuguesa, e outras normas para depois concluir que, em função do comportamento do juiz de primeira instância no julgamento, “é inequívoca a violação do dever de imparcialidade por parte do Tribunal em claro prejuízo da progenitora”.
Sucede que o presente processo de recurso de apelação visa apenas discutir a decisão produzida (art. 627º, do C.P.C.) por esse Tribunal e não a actuação do julgador isolada desse resultado da sua actuação: a sentença.
Conforme resulta do disposto no art. 639º, do C.P.C., para esse efeito é exigido que a Apelante identifique devidamente o erro de julgamento e aponte o sentido da decisão a proferir.
Porém, neste capítulo, a Recorrente, devidamente patrocinada, culmina estas suas conclusões com a referida imputação, sem contudo identificar qual o concreto erro de julgamento, referido genericamente no título destas suas alegações, que urge corrigir.
Isso talvez porque, verdadeiramente, essa falha apontada ao julgador deve antes ser apreciada no procedimento adequado, previsto, v.g., nos arts. 120º e ss., do Código de Processo Civil, e, repita-se, estando a Apelante devidamente patrocinada, deve ser controlada a cada momento pelas partes, no momento e local em que se verifique, não servindo, assim, de modo de impugnação da decisão recorrida.
Pelo expostos, não se conhece dessa matéria que, de resto, não concretiza qualquer erro de julgamento a apreciar nesta sete.
3.4.4. A interpretação do art. 88º, da L.P.C.J.P., nas decisões proferidas pelo Tribunal em 11.7.2024, 17.7.2024 e 18.7.2024
Embora inicie as suas alegações/conclusões com este tema, a Apelante formula essa pretensão de modo subsidiário e apenas para o caso de o seu recurso da decisão acima analisada não proceder (item 38.)
Verificando-se essa condição, vamos apreciar esta apelação subsidiária, apesar de todas a distorção processual que ela implica.
Em suma, a Apelante defende aqui que, sic: “A interpretação que o tribunal dá ao artigo 88º, nºs 1 e 3 da LPCJP e, em concreto, ao carácter reservado do processo previso no nº 1 da citada norma, no sentido de o mesmo impedir o acesso dos mandatários da mãe da menor a elementos probatórios que fundaram a convicção do tribunal e de impedir que na consulta dos autos possam os mandatários tomar apontamentos de quaisquer elementos dos autos para elaborarem o recurso, é materialmente inconstitucional, por tal interpretação violar claramente o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20º, nº 1 do CRP, bem como o direito constitucional a um processo justo e equitativo, consagrado no nº 4 do mesmo artigo 20º da CRP.”
Em resposta o Ministério Público conclui que as decisões em causa “não estão feridas de qualquer nulidade, não sento contrárias à lei”.
Compulsados os autos, constata-se que, depois de proferida a decisão de mérito que se discute supra, a fita do tempo do processo regista o seguinte.
Em 3.7.2024 o CAFAP envia ao processo a seguinte informação: Exmo. Sr. Juiz de Direito do Tribunal de Família e Menores de ... - Juiz .... Vimos por este meio informar e, na sequência da decisão ontem proferida no âmbito do processo 840/17...., referente a CC, que no dia de hoje, pelas 10h45, a mãe compareceu nas instalações do CAFAP para a concretização da entrega da criança ao pai. Contudo, observou-se resistência da criança e da mãe em entrar nas instalações do CAFAP para proceder à respectiva entrega. O pai já aguardava no interior das instalações antes da chegada da mãe com a filha. É importante referir que no exterior, a mãe estava acompanhada de várias pessoas nomeadamente a avó materna e o seu namorado, os quais apresentam uma postura hostil, com verbalizações desajustadas com os técnicos intervenientes e o Tribunal, manifestando a sua revolta com a decisão proferida e na presença da criança verbalizaram que "estão à espera que aconteça uma desgraça, só vão parar quando o pai matar a filha". Uma das pessoas que acompanhava a mãe, esteve a filmar em diversos momentos (eg.: momento em que a CC se abraçava à mãe dentro do carro recusando sair do mesmo, momento em que a CC se dirigia para a entrada do CAFAP já no colo da mãe). Inclusivamente, pretendia a mãe que esta pessoa que a acompanhava entrasse também para dentro das instalações no sentido de filmar a entrega. Uma vez que não foi autorizada a entrada dessa pessoa (foi sugerido à mãe que pudesse entrar também a avó materna mas recusaram essa possibilidade) pelo que a mãe manifestou intenção de solicitar a presença das autoridades policiais no sentido de tomarem conta da ocorrência alegando que pretende ter uma testemunha da entrega da criança ao pai. Por tudo o que foi exposto, solicitamos a Va. Exa. se digne tomar as medidas necessárias para a resolução desta situação.”
Na sequência do exposto, o Tribunal recorrido proferiu decisão na qual, além de mais, declarou o seguinte: “Os processos de promoção e protecção, bem como os processos tutelares cíveis, são de carácter reservado - cfr. art.º 88.º, n.º 1 da LPCJP e 33.º, n.º 2 do RGPTC. “Como resulta do nº 1 do art. 3º da LPCJP a intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo. O objetivo da intervenção do sistema de protecção é o de pôr termo a uma determinada situação de perigo e estabilizar a situação da criança e do jovem, seguindo-se a definição do seu projecto de vida. Um dos princípios a que deve obedecer a intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo é o da privacidade (al. b) do artigo 4.º da LPCJP, segundo o qual a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem deve ser efectuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada. O art. 88º da LPCJP concretiza o princípio da privacidade estabelecido no referido art. 4º, al. b) da LPCJP, em sintonia com o disposto no artigo 16º da Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90, publicada no DR nº 211/90, Série I, de 12.09 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 49/90, de 12.09. Em anotação ao art. 88º, escreve-se no Comentário à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, da Procuradoria-Geral Regional do Porto, Almedina, pág. 405, que “Concretiza-se, neste preceito, o princípio da privacidade, estabelecido no art. 4º al. b) como princípio orientador da intervenção, visando assegurar que a intervenção seja efectuada no respeito pela intimidade e reserva da vida privada da criança ou jovem, pelo seu direito ao bom nome e à imagem, como também no respeito pelo seu direito à segurança e tranquilidade”1. Daqui decorre que não só o processo não é livremente acessível, como do teor do mesmo não se pode, livremente, obter partes ou a totalidade, bem como não se pode publicitar a mera existência do mesmo, de molde a poder ser individualizado - área geográfica, Tribunal, Juízo, género da criança ou jovem, estabelecimento escolar que frequenta, nomes, profissões ou outros caracteres identificativos das pessoas envolvidas (sujeitos ou meros participantes processuais); sendo que tal se refere a qualquer forma de actuação, directa ou indirecta, pelos sujeitos processuais ou meros participantes, por procuradores, com ou sem poderes de representação, ou mesmo meros núncios. De tal forma esta protecção é pretendida que o legislador estabeleceu que os órgãos de comunicação social, sempre que divulguem situações de crianças ou jovens em perigo, não podem identificar, nem transmitir elementos, sons ou imagens que permitam a sua identificação, sob pena de os seus agentes incorrerem na prática de crime de desobediência - cfr. art.º 90.º n.º 1 da LPCJP. Sendo certo que tal crime, por via do que será a ilicitude na comparticipação - cfr. art.º 28.º, n.º 1 do C.Penal - abrangerá todos aqueles que (directa ou indirectamente, por procurador, com ou sem poderes de representação ou mero núncio), independentemente da qualidade do agente do crime, permitirem o acesso não devido às informações por banda dos órgãos de comunicação social. Mais se determina que sejam os progenitores notificados, pessoalmente, através da entidade policial territorialmente competente para darem cumprimento ao disposto no art.º 88.º e 90.º da LPCJP, devendo abster-se de, por qualquer meio, por si ou por entreposta pessoa, se referirem a quaisquer factos do presente processo.”
Em 3.7.2024 a Apelante formulou o seguinte requerimento: “AA, com sinais nos autos epigrafados e aí melhor identificada, vem, muito respeitosamente, requerer a V/ Exa. a disponibilização da gravação de todos os depoimentos prestados na diligência do dia 02/07/2024. Para tanto solicita o envio das referidas gravações para o seguinte e-mail ..........@...... Se assim não se entender, a Mandatária deslocar-se-á a esse Juízo de Família e Menores com um CD.”
Em 4.7.2024, a Apelante esclareceu que pretendia com isso interpor recurso da decisão proferida em 2.7.2024.
Em 6.7.2024 Tribunal despachou nos seguintes termos: “Autoriza-se o acesso às gravações única e tão só para efeitos de interposição de recurso - cfr. art.º 88.º da LPCJP. Adverte-se a Il. Mandatária da progenitora que, em tempo algum, este Tribunal autoriza o uso das gravações ou a sua partilha que não para o fim supra - cfr., ainda, o art.º 93.º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados.”
Em 8.7.2024, consta do processo a seguinte cota: “Em 08-07-2024, tratando-se de um PPP com acesso confidencial a única maneira possível de dar acesso à gravação é remeter por email. No entanto, tal não foi possível uma vez que os ficheiros da gravação ultrapassam a capacidade para o seu envio, pelo que, através de contacto telefónico, informei as ilustres mandatárias das partes de que a gravação se encontra disponível, pelo que deverão fazer-se acompanhar de uma PEN para o efeito. Nesta data foi-me ordenado pelo Sr. Juiz o apenso por linha da PEN facultada na audiência do dia 02/07/2024, ficando a mesma com acesso confidencial, o que foi feito.” Essa entrega ocorreu em 9.7.2024, conforme cota com a mesma data.
Entretanto, em 8.7.2024 a Apelante havia solicitado a disponibilização das gravações da diligência de 11.3.2024.
O Tribunal emitiu despacho em 11.7.2024, com o seguinte teor: “Requerimento do progenitora (acesso a gravações do dia 11.3.2024). Este Tribunal, por despacho de 3.7.2023 já deixou bem explícito o teor do regime de acesso aos autos e obtenção de cópias do mesmo. Como tal, indefere-se o pretendido.”
Em 15.7.2024 a Apelante formulou o seguinte requerimento: “AA, com sinais nos autos epigrafados e aí melhor identificada, tendo sido notificada do despacho sob a referência ...04, vem, muito respeitosamente expor para a final requerer a V. Exa. o seguinte: 1. Atento o teor do douto despacho, a progenitora requer a V. Exa. se digne autorizar a consulta das referidas gravações (da diligência de 11/03/2024), na secretaria desse Juízo, 2. Comprometendo-se a deslocar-se ao Tribunal com os necessários equipamentos técnicos para a referida consulta. 3. Mais requer a V. Exa. a consulta dos autos pela sua Mandatária, na secretaria do Tribunal com carácter de extrema urgência.”
Em 16.7.2024 o Tribunal declarou o seguinte: “Face ao já explicitado por este Tribunal e considerando o disposto no art.º 88.º da LPCJP - ou seja, que em tempo algum há lugar à reprodução parcial ou total do processo - determina-se que a progenitora seja notificada para esclarecer a razão pela qual pretende a consulta das gravações da diligência de 11.3.2024.” No mesmo dia a Apelante retorquiu nos seguintes termos: “1. Não obstante as partes não terem que dar qualquer satisfação ao Tribunal relativamente quer às estratégias processuais adoptadas ou a adoptar, quer às razões pelas quais legitimamente pretendem aceder a elementos processuais a cujo acesso têm direito – veja-se o art. 88.º, n.º 3 da LPCJP -, 2. Ainda assim, informa-se que, da mesma forma que o Tribunal sustenta uma decisão proferida no âmbito dos autos de promoção e protecção com base em todo o historial do processo, dos presentes autos e de todos os seus apensos, 3. O eventual recurso da decisão evidentemente levará a que a exponente exerça o seu legítimo direito de defesa, com a mesma amplitude com que o Tribunal decidiu. 4. Nesta medida, reitera-se o pedido de acesso à gravação da diligência do dia 11/03/2024, na secretaria do Tribunal, bem como a consulta do respetivo processo na sua integralidade, 5. Sendo que quanto a este último pedido o Tribunal nem sequer se dignou a responder.” O Tribunal despachou do seguinte modo, em 17.7.2024:
“A progenitora, nos termos do disposto no art.º 88.º, n.º 3 do C.P.Civil pode consultar os autos, o que se autoriza, com a expressa advertência do já decidido: não há lugar à obtenção de partes do processo, ainda que por mera reprodução por apontamento.”
Em 17.7.2024 consta do processo a seguinte Cota: “Em 17-07-2024, comparecerem nesta secretaria os Srs Drs. HH e II Maioto exibindo substabelecimento para consulta do processo, o qual digitalizei e juntei aos autos facultando-lhe o processo para consulta, nos termos ordenados no despacho datado de 17/07/2024.”
Em 17.7.2024 a progenitora juntou aos autos requerimento manuscrito no qual anuncia pretender: a imediata a consulta dos autos; a audição da gravação da diligência de 11.3.2024 e a visualização do vídeo apresentado pelo progenitor, na diligência de 2.7.2024, que a secretaria lhe negou por dúvidas na interpretação do despacho do dia 17.
Na mesma data, alegadamente confrontado com a limitação decorrente do despacho de 11.7.2017, executada pela secção de processos, o Mandatário da Apelante formulou requerimento manuscrito, pedindo a permissão do acesso ao processo sem “condicionamentos” e a tomada de anotações que se considerem pertinentes.
Em 18.7.2024 foi proferido o seguinte despacho:
“Consulta dos autos e obtenção de partes do mesmo. Os presentes autos pendem, em Tribunal, desde ../../2022. Logo em 28.9.2022 foi por este Tribunal deixado expresso o teor do disposto no art.º 88.º da LPCJP, do que a progenitora foi notificada na pessoa da sua mandatária. Em 25.1.2023 foi a progenitora, mais uma vez, notificada para consultar os relatórios juntos aos autos, em virtude da limitação decorrente do art.º 88.º da LPCJP. De igual sorte a 28.6.2024 foi tal posição assumida expressamente. Por via do comunicado aos autos, em decorrência da altercação ocorrida quando a progenitora tinha de entregar a criança CC ao pai, este Tribunal teve, mais uma vez de, para o que ora releva, determinar a notificação dos progenitores, desta feita pessoalmente, do que decorre do disposto no art.º 88.º da LPCJP - cfr. despacho de 3.7.2024. Para efeito do recurso, este Tribunal pronunciou-se sobre a pretensão da progenitora, a 6.7.2024, 11.7.2023 e a 17.7.2023. Veio agora a progenitora, mais uma vez, suscitar a questão que já foi alvo de pronúncia por este Tribunal. Cumpre apreciar. Há anos que a progenitora sabe qual o regime de acesso aos autos, tendo inclusive apresentado recurso a 14.8.2023, de medida de idêntica natureza à que alega ir agora recorrer, tendo sempre se conformado com o referido regime e nunca o questionado, pelo que tal fez caso julgado formal. Daqui decorre que a progenitora não pode discutir algo que é pacífico nos autos, por ter formado caso julgado, e bem assim não pode a progenitora, constantemente estar a provocar a intervenção do Tribunal sobre algo que está já decidido. Tal actuação é consubstanciadora de um incidente anómalo e como tal será entendido se a progenitora persistir com o seu comportamento.
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Do vídeo junto aos autos na diligência do dia 2.7.2024. É inverídico que a progenitora tenha alguma vez requerido o acesso ao vídeo supra referido. Como decorre do anteriormente decidido o vídeo em causa pode ser, como sempre pôde, consultado na secção de processos, sendo que para além do que decorre do art.º 88.º da LPCJP, atento o teor do referido vídeo, o acesso ao mesmo põe em causa a dignidade dos intervenientes e a intimidade privada e familiar dos mesmos pelo que é o dito acesso limitado. Notifique.”
Em 18.7.2024, ficou nos autos a seguinte Cota: “Em 18-07-2024, compareceu nesta secretaria a mandatária da progenitora, Drª JJ, exibindo um CD a solicitar a gravação da diligência do dia 02/07/2024, o que fiz, cfr. despacho de 06/07/2024.”
Apreciando…
Antes de mais, renovando argumentos acima expendidos, esclareça-se que nesta instância se aprecia recurso de apelação enquanto procedimento que tem em vista a impugnação de determinada decisão e nada mais.
Nesta medida, a análise que se segue respeita apenas às decisões assim impugnadas, de acordo com o requerimento em apreço, ou seja, das decisões proferidas por despacho em 11 de Julho de 2024 (referencia ...52); 17 de Julho de 2024 (referencia ...84), 18 de Julho de 2024 (referencia ...61).
A primeira decisão em crise é a proferida nesse dia 11.7.2024.
Dita o art. 88º, da L.P.C.J.P., para o que aqui releva que (1) O processo de promoção e protecção é de carácter reservado. (…) (3) Os pais, o representante legal e as pessoas que detenham a guarda de facto podem consultar o processo pessoalmente ou através de advogado.
No despacho em causa o Tribunal recorrido, pelo que se percebe, remete para a decisão anterior, acima reproduzida, em que se pronunciou sobre a interpretação a dar a estas normas no caso em apreço.
Essa decisão de 3.7.2024, para além de não ter sido impugnada e ter transitado (art. 620º, do C.P.C.), não contém qualquer dissonância com o disposto nessa norma que estabelece o carácter reservado do processo.
Conforme vem sendo entendido (art. 8º, nº 3, do C.C.): “Ao estabelecer o carácter reservado ao processo judicial de promoção e protecção nos termos referidos no art.º 88.º, acima transcrito, foi propósito do legislador salvaguardar os princípios orientadores do superior interesse da criança e do jovem e a sua intimidade, direito à imagem e reserva da vida privada, que também fixou como princípios orientadores da intervenção no art.º 4.º, als. a) e b), da LPCJP. Aquela norma atribui, assim, natureza reservada ao processo judicial de promoção e protecção, cingindo o acesso e a consulta apenas a um conjunto restrito de interessados, nos termos nela referidos. Não há dúvida de que, nos termos do seu n.º 3, os pais “podem consultar o processo pessoalmente ou através de advogado”. Coloca-se a questão de saber qual é o verdadeiro sentido do direito à consulta, ínsito no citado art.º 88.º, ou seja, se deve entender-se que abrange apenas o processo físico (como, aliás foi reconhecido ao recorrente) ou se também abrange a consulta electrónica. Apesar de não ser unânime o entendimento sobre esta questão, consideramos que o direito à consulta, detalhadamente regulado no citado art.º 88.º, é stricto sensu, estando confinado ao acesso físico do processo na própria secretaria judicial, como, aliás, foi decidido no acórdão recorrido e no despacho que apreciou, seguindo e adoptando a orientação jurisprudencial constante do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12/1/2010, proferido no processo n.º 487/08.3TMLSB.L1-7, disponível em www.dgsi.pt.”[37]
Nesse sentido, vide Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13.10.2020[38], no qual, em suma, ficou dito: 1. O art. 88º da LPCJP concretiza o princípio da privacidade estabelecido no referido art. 4º, al. b) da LPCJP. 2. O princípio da privacidade pode determinar que mesmo a consulta do processo autorizada nos termos dos nºs 3, 4 e 5 do art. 88º da LPCJP se faça em termos limitados, tendo em conta o superior interesse da criança.
Esclarecedor é também o sumário do Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 6.6.2024[39]: I - Da articulação do regime especial previsto no art. 88.º da LPCJP, em concretização do princípio da privacidade consagrado no art. 4.º, al. b), do mesmo diploma, com o regime legal previsto nos arts. 165.º e 170.º do Cód. Proc. Civil (aplicável subsidiariamente dada a natureza do processo como processo de jurisdição voluntária – art. 100.º da LPCJP e art. 549.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil) e com o disposto nos arts. 16.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1, e 26.º, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP) resulta afastado o entendimento da inadmissibilidade legal, tout court, de passagem de certidões do processo. III - O que se encontra excluída é a possibilidade de extracção de certidões sem controlo judicial, impondo-se uma ponderação dos motivos invocados para justificar o pedido de passagem de certidão, sendo a mesma admissível se subjacente ao requerimento estiver um interesse ou direito legítimo, sempre e apenas na medida do estritamente necessário para salvaguardar tal interesse e tendo ainda sempre presente a necessidade de protecção da reserva de intimidade da vida privada da criança.
No Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2.5.2017, ficou ainda dito que: I-O processo de promoção e protecção de menores tem, de hoje em dia, carácter reservado, a significar que apenas as pessoas enunciadas na lei o podem consultar, entre elas figurando os pais do menor. II - Pode, assim, afirmar-se o princípio segundo o qual as restrições de acesso e consulta do processo não abrangem os pais do menor que, à partida, o podem consultar sem restrições. III - Esse acesso livre sofre, como única limitação, o segredo que a lei manda preservar, no âmbito de aplicação da medida de confiança a pessoa seleccionada para adopção ou a instituição com vista a futura adopção, quanto à identidade dos adoptantes e dos pais biológicos do adoptado.
Deste modo, o citado artigo 88.º dita que o acesso ao processo pelas pessoas nele identificas no seu nº 3, se fará através de consulta e que esta terá de ser realizada pessoalmente no tribunal, encontrando-se vedada a confiança do processo que é comum nos demais processos de natureza cível.
Conforme afirma Beatriz Borges[40]:
“No processo protectivo de natureza reservada encontra-se vedada a confiança do processo bem como a extracção de cópias e certidões sem sujeição a controle judicial. Também a consulta por parte dos pais, do representante legal e das pessoas detentoras da guarda de facto, pessoalmente, ou através de advogado, poderá ser limitada. A regra, neste caso é, contudo, a consulta livre por parte daquelas pessoas. Se esse acesso for limitado por parte do tribunal configurará um acto excepcional e deverá ser devidamente fundamentado. Tal poderá ocorrer, nomeadamente, quando a criança tiver sido vítima de abuso sexual por parte dos progenitores e, no interesse da criança, ser necessário manter sigiloso o seu paradeiro ou, até, impedir o acesso a informações que possam encontrar-se em segredo de justiça no processo crime. A posição defendida, com a qual concordamos, é reforçada pelo disposto nos artigos 165.º e 170.º, n.º 2, do CPC que limita a publicidade e consequentemente a extracção de cópia e certidões, em determinados processos, como as acções de divórcio e as impugnações de paternidade e, a nosso ver, também as acções de regulação do exercício das responsabilidades parentais e respectivos apensos. Inexiste, contudo, uma proibição absoluta de passagem de cópias ou certidões. Ocorrendo motivos justificados para aquela emissão o tribunal deverá proferir despacho determinando a mesma. Duas ordens de razão sustentam esta opção. A primeira, por comparação com o regime no processo civil para a passagem de certidões nos processos de divórcio, impugnação ou estabelecimento da paternidade, por não existirem razões mais ponderosas para garantir a reserva daqueles processos, comparativamente com o processo protectivo. Por outro lado, se, também, no processo adoptivo, de natureza secreta, se encontra legalmente prevista a emissão de certidão não seria justificada essa não emissão em processos, tão só, de natureza reservada. O acesso às gravações realizadas no debate judicial ou mesmo durante a instrução também, só em casos devidamente justificados, deverá ser facultado, mas, em princípio, apenas aos advogados e para fins de interposição de recurso.”
Descendo novamente ao caso, o despacho de 11.7.2024, limitou-se aplicar o entendimento acima enunciado e resultante dos despachos que o precederam, nos quais ficou renovado o entendimento de estarmos perante processo reservado em relação ao qual o acesso, v.g., às solicitadas gravações, deveria ser justificada para ser fundamentadamente deferido em caso de ser admissível, inexistindo neste caso qualquer limitação ilegal ou inconstitucional do direito ao contraditório por parte da Recorrente mas sim a adequação ou limitação desse direito de acordo com o interesse superior da criança que só não foi prontamente satisfeito porque a Requerente, devidamente patrocinada, não justificou devidamente o seu pedido.
Aliás, na sequência do exposto e perante insistência da Recorrente (acesso na secretaria), foi deferido em 17.7.2024 a consulta dos autos, sem qualquer restrição, concretizada na mesma data, de acordo com a citada Cota da mesma data.
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso desta decisão do dia 11.7.2024.
No que toca a esse despacho de 17.7.2024, o recurso apenas se reportará, entendemos, à limitação aí expressa relativa à obtenção de apontamentos (art. 631º, nº 1, do C.P.C.).
E nesta sede julgamos que assiste razão à Apelante.
Pedindo aqui emprestado o que ficou dito no Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães e Secção, no recente dia 16.5.2024[41], diremos o seguinte.
O art. 3º do CPC insere-se no título das disposições e dos princípios fundamentais.
Nos termos do nº 3 do art. 3º do Código de Processo Civil, o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Consagrando a Constituição da República Portuguesa, no seu art. 20º, nº 4, a garantia de processo equitativo, daí decorre que a medida de tutela final (no caso, judicial) seja produzida com participação dos titulares da relação litigiosa.
Com efeito, dita esse normativo fundamental que: 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.
Igualmente determina o artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (a Convenção) que “qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativa”(mente).[42]
Os preceitos constitucionais respeitantes a direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis, vinculando as autoridades públicas e privadas (artº 18º da Constituição), devendo os juízes recusar a aplicação de normas que infrinjam a Constituição e reprimir os actos que a violem (artigos 204º e 202º, nº 2, da Constituição)
De há muito que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH)[2] estabeleceu que da Convenção não resultam para os Estados Membros apenas obrigações de não ingerência mas também, porque a Convenção visa proteger direitos não teóricos ou ilusórios mas concretos e efectivos, obrigações positivas de adoptar as medidas adequadas a assegurar a efectividade os direitos garantidos pela Convenção. A Convenção impõe aos Estados Membros uma tripla obrigação: de respeito (não violar o direito), de acção (tomar as medidas necessárias para assegurar a efectividade do direito) e de garantia (tomar as medidas adequadas para impedir que terceiros violem o direito).
Pelo que se entende ser do conhecimento oficioso a violação do direito a um julgamento equitativo e a sua eventual reparação.
O conceito de processo equitativo é um conceito amplo, susceptível de diversificada concretização, cuja densificação decorre sobretudo da jurisprudência sobre a matéria, em particular a do THDH relativamente ao artigo 6º da Convenção. Mas tem como significado básico a “conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva”].
O conceito de processo equitativo é um princípio fundamental de qualquer sociedade democrática, profundamente imbricado com o Estado de Direito (rule of law), não havendo fundamento para qualquer interpretação restritiva e que visa, acima de tudo, defendendo os interesses das partes e os próprios da administração da justiça, que os litigantes possam apresentar o seu caso ao tribunal de uma forma efectiva; tem como significado básico que as partes na causa têm o direito de apresentar todas as observações que entendam relevantes para a apreciação do pleito as quais devem ser adequadamente analisadas pelo tribunal, que tem o dever de efectuar um exame criterioso e diligente das pretensões, argumentos e provas apresentados pelas partes e que a justeza (fairness) da administração da justiça, além de substantiva, se mostre aparente (justice must not only be done, it must also be seen to be done).
Deste modo, reportando-nos ao caso em apreço, constitui limitação desse direito fundamental e legalmente consagrado nas normas acima citadas determinar que neste processo em particular as pessoas que têm acesso ao mesmo, nos termos dos citados nºs 1 e 3, do art. 88º, da L.P.C.J.P., a fim de se cumprir o contraditório previsto na lei fundamental e ordinária e, neste caso, também o que, em particular, está expresso no art. 104º, nº 3, da mesma Lei, estejam impedidas de, na consulta que fazem do processo físico, na secção de processos, tirar notas ou apontamentos para melhor coligirem os dados necessários à anunciada e eventual interposição de recurso.
A interpretação diversa que ficou plasmada no despacho de 17.7.2018 e se renovou implicitamente no despacho de 18.7.2018 é ilegal, porque vai além da letra e do espirito da norma contida no art. 88º (cf. art. 9º, do Código Civil) e é inconstitucional, na medida em que limita de modo injustificado esse direito ao processo equitativo e à tutela efectiva.
Obter “cópias” fotográficas, analógicas ou digitais, dos elementos do processo não é, convenhamos, o mesmo que registar, por apontamento, elementos relevantes do mesmo que permitam o exercício mínimo do contraditório exigido em qualquer processo. Se assim fosse, convenhamos, o Tribunal a quo deveria impedir que, v.g., nas diligências presenciais que ocorrem no processo, as partes, nomeadamente os seus mandatários, registem por apontamento qualquer dado que resulte, v.g., da produção de prova!
Acresce que essa limitação, arguida pela Apelante e que aqui classificamos ao abrigo do disposto no art. 5º, nº 3, do Código de Processo Civil, pode, neste caso, considerar-se que constitui irregularidade que influi no exame ou na decisão da causa em apreço, o que, de acordo com o disposto no art. 195º, nº 1, do Código de Processo Civil, constitui nulidade e importa a anulação dos actos subsequentes que dele dependem absolutamente (cf. o seu nº 2).
Essa anulação, ainda de acordo com o referido princípio do processo equitativo e o disposto no art. 6º, do C.P.C., deve ocorrer a partir do processado posterior a 15.7.2017, devendo considerar-se aí (dia 15) interrompido o prazo em curso (ou seja, deve a partir dessa data contar-se o restante tempo disponível para o recurso) para eventual novo recurso sobre questões não discutidas supra, já que relativamente às questões acima decididas julgamos que não existe dependência absoluta dessa anulação, ao contrário do que sucederá, v.g., para o direito ao recurso em sede de matéria de facto e eventual reflexo em sede de julgamento de direito.
Este desfecho, ditado pela actuação limitativa do Tribunal a quo e pela forma (subsidiária) como a Apelante suscitou estas questões, constitui a forma que encontrámos de voltar a assegurar, de modo reparador, a justiça formal destes autos, tendo em vista uma decisão que se assente num processo equitativo.
No que diz respeito às restantes limitações que a Apelante invoca, julgamos que não lhe assiste razão.
No despacho de 17.7.2024 foi deferido o acesso a todo o processo, apenas com a referida limitação respeitante a apontamentos, pelo que se deve entender que nessa data foi deferido o acesso às gravações de 11.3.2024, conforme então solicitado (ou seja, na secretaria) e se dúvidas houvessem no acesso ao referido vídeo junto em 2.7.2024, o despacho de 18.7.2024 deixou claro que esse acesso era possível nos moldes aí estipulados.
Nesta leitura estamos a pressupor, até pelo que resulta dos despachos em crise, que o Tribunal a quoestá ciente de que o acesso das partes a determinadas componentes do processo, v.g., gravações áudio e outros elementos, pode, como aqui ocorreu, ser concedido em tempo útil às partes mediante certidão ou cópia, após requerimento devidamente fundamentado, nomeadamente para fins de recurso, a fim de que não se renovem as irregularidades aqui detectadas e se prejudique o normal processamento dos autos. Nesta medida, decide-se julgar procedente o recurso em apreço, apenas e só relativamente aos assinalados despachos de 17 e 18 de Julho de 2024, na parte em que limitam o acesso aos elementos de prova contidos no processo impedindo os referidos apontamentos.
As custas da apelação serão suportadas na proporção de 70% e 30%, pela Apelante e pelo Apelado progenitor (art. 527º, do C.P.C.), ponderado o desfecho infra assinalado.
4. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar
- Improcedente a apelação na parte em que impugnava a decisão proferida em 2.7.2024;
- Improcedente a apelação respeitante à decisão de 11.7.2024;
- Parcialmente procedente a apelação das decisões proferidas nos dias 17 e 18 de Julho de 2024;
- Revogar estas últimas na parte em que, expressa ou implicitamente excluem a possibilidade de os requerentes tomarem “apontamentos” da deferida consulta ao processo em curso;
- Manter, no restante, essas decisões proferidas nos dias 17 e 18 de Julho de 2024;
- Autorizar que nas consultas do processo por parte da Apelante e/ou seu mandatário nos autos, este possam tomar as notas manuscritas que bem entendam para o devido exercício do contraditório;
- Em conformidade com este último dispositivo, anular o processado posterior ao requerimento formulado pela Apelante em 15.7.2024, determinando em conformidade que se considere aí interrompido o prazo para eventual novo recurso sobre questões não discutidas supra, nos termos e para os efeitos supra expostos;
- Manter, no restante, essas decisões proferidas nos dias 17 e 18 de Julho de 2024.
Condena-se a Apelante e o Apelado progenitor nas custas da apelação, na proporção de respectivamente, 70% e 30%.
Em processo de protecção de criança, regulado na Lei nº 147/99 (L.P.C.J.P.), em decisão proferida na sequência de incidente suscitada por um dos progenitores com esse objectivo, inexiste excesso de pronúncia na decisão que, na sequência de uma medida homologada por acordo, constata que subsiste o perigo em causa e ou se detecta, ex novo, alguma circunstância que motive a alteração do regime assim estabelecido. A consideração, nesta decisão, de factos anteriormente ocorridos e/ou julgados no mesmo processo ou seus apensos, não constitui, sem mais, violação de caso julgado, prevista no art. 619º, do Código de Processo Civil, antes uma faculdade do juiz num processo que se considera ser de jurisdição voluntária, ao abrigo, v.g., do disposto no art. 986º, nº 2, do mesmo Código. Carece de sustento a arguição da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil, relativamente a decisão profusamente fundamentada e cujos diversos argumentos são exaustivamente rebatidos pela apelante, só porque se discorda do seu mérito. O alegado erro de julgamento da matéria de facto e o vício formal de nulidade da sentença, previsto no art. 615º, nº 1, al. c), do C.P.C., são inconfundíveis. Não merece censura, nos moldes suscitados pela apelante, o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal recorrido, pelo que a mesma deve ser mantida, com prejuízo para o conhecimento do recurso do mérito da decisão que assentava nessa pretensão instrumental e que a aborda sem considerar o que nela verdadeiramente foi tido em conta. Os princípios da proporcionalidade e actualidade, expressos na al. e, do art. 4º, da L.P.C.J.P., significam apenas que qualquer intervenção em sede de promoção e protecção deve acudir a uma situação de perigo concreta, ainda que eminente, e não hipotética ou passada e, por outro lado, deve ser restritiva e o menos invasiva da autonomia e privacidade da família e da criança ou jovem em questão, não se sobrepondo ao princípio fundamental do interesse superior da criança em perigo e às necessidades que este determine. O mesmo sucede com os princípios da responsabilidade parental e do primado da continuidade das relações psicológicas profundas, previstos nas als. f) e g), do citado art. 4º, nomeadamente quando perigo notado advém do comportamento da progenitora da criança. A invocação da violação do dever de imparcialidade do juiz em sede de recurso de apelação, sem qualquer argumentação ou concretização que contenda com o mérito da decisão impugnada, carece de relevo nesta sede. O acesso às gravações de prova na pendência de processo regulado na L.P.C.J.P. não está vedado às pessoas referidas no seu art. 88º, nº 3, desde que devidamente justificado e, nomeadamente, para exercício de recurso da decisão proferida. Deste modo, deve manter-se decisão que indeferiu esse acesso perante requerimento que não justificou o pedido de disponibilização dessas gravações. O art. 88º, nº 3, da L.P.C.J.P., interpretado à luz do que dita o art. 9º, do Código Civil, e luz dos preceitos fundamentais, insertos na Constituição da República Portuguesa e em convenções internacionais que informam o nosso sistema jurídico, não impede que as pessoas nessa norma mencionadas tomem apontamentos da consulta do processo físico na secção de processos onde o mesmo é disponibilizado para esse feito. A interpretação diversa que ficou plasmada em decisões que impediram, sem mais, a tomada de apontamentos nessas circunstâncias é ilegal, porque vai além da letra e do espirito da norma contida no art. 88º (cf. art. 9º, do Código Civil) e é inconstitucional, na medida em que limita de modo injustificado esse direito ao processo equitativo e à tutela efectiva. Obter “cópias” fotográficas, analógicas ou digitais, dos elementos do processo não é mesmo que registar, por apontamento, elementos relevantes do mesmo que permitam o exercício mínimo do contraditório exigido em qualquer processo. Essa limitação pode ser classificada como irregularidade que influi no exame ou na decisão da causa em apreço, o que, de acordo com o disposto no art. 195º, nº 1, do Código de Processo Civil, constitui nulidade e importa a anulação dos actos subsequentes que dele dependem absolutamente (cf. o seu nº 2).
* Guimarães, 19-09-2024
[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106. [2] Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, SimasSantos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13. [3] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107. [4] Cf. Abrantes Geraldes e outros, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, p. 458 a 460 [5] Cf. Comentário à L.P.C.J.P., da Procuradoria Geral Regional do Porto, p. 202 [6] In Código de Processo Civil Anotado, V Volume, p. 140 [7] No mesmo sentido, vejam-se Acórdão da Relação de Coimbra de 14.4.93, Ruy Varela, BMJ nº 426, p. 541, Acórdão da Relação do Porto de 6.1.94, António Velho, CJ 1994- I, p. 197, Acórdão da Relação de Évora de 22.5.97, Laura Leonardo, CJ 1997-II, p. 266, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.2004, Oliveira Barros, acessível em www.dgsi.pt/jstj, RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, III Vol., LEBRE DE FREITAS e OUTROS, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2001, p. 669. [8] In Da Sentença Cível, p. 39 [9] cfr. Acórdãos da Relação de Coimbra de 11.1.94, Cardoso Albuquerque, BMJ nº 433, p. 633, do STJ de 13.2.97, Nascimento Costa, BMJ nº 464, p. 524 e de 22.6.99, Ferreira Ramos, CJ 1999 – II, p. 160 [10] cfr. LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum, 2000, pg. 298 [11] cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.3.2001, Ferreira Ramos, acessível em www.dgsi.jstj/pt [12] In Código de Processo Civil Anotado, V Volume, p. 151 [13] cf. Ac. Da RC de 7.6.94, Cardoso Albuquerque, BMJ nº 438, p. 569. [14] cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.9.2006, Sebastião Póvoas, acessível em www.dgsi.pt/jstj [15] MIGUEL PIMENTA DE ALMEIDA, in A INTANGIBILIDADE DO CASO JULGADO NA CONSTITUIÇÃO (BREVÍSSIMA ANÁLISE), p. 18
AUTOR: [16] Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, p. 306. [17] Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 2ª Ed., p. 705 [18] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Ed., p. 155 e ss. [19] Cf. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.2.2015, relatado por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza :II - A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação. III - Não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado. IV - A apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do NCPC (2013). V - O incumprimento de tais ónus – prescritos para a delimitação e fundamentação do objecto do recurso de facto – impedem a Relação de exercer os poderes-deveres que lhe são atribuídos para o respectivo conhecimento. – in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/83d97510a180fd5f80257df1005b598c?OpenDocument [20] Com se refere no Ac. do Supremo Tribunal de Justiçam, de 27.9.2018, infracitado: “Por outro lado, não basta transcrever os depoimentos que se invocam para alterar as respostas dadas. É necessário dizer porquê. Qual a razão pela qual deve ser num sentido e não noutro. Essa análise crítica também não foi feita pela Recorrente”. [21] E, como acentua o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça infra citado, do princípio da cooperação, pretendendo-se que, por essa via, a 2ª instância facilmente aceda à informação tida pelo recorrente como interessante, em lugar de despender tempo nessa actividade – “há um mínimo de exigência e rigor a impor ao recorrente que impugna a matéria de facto, sob pena de, perante a ambiguidade, inconcludência e prolixidade na elaboração da peça recursória, transferir para a 2ª instância tarefas funcionais desmesuradas, exorbitantes e desproporcionadas que, nos termos legais, àquele cabem. [22] In http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/9484dd49e64d74d28025863a00574f6a?OpenDocument [23] No mesmo sentido vide Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLSB.L1.S1, relatora Ana Luísa Geraldes; Ac. 07.07.2016, proc. 220/13.8TTBCL.G1.S1, relator Gonçalves Rocha; Ac. STJ de 16.05.2018, proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1, relator Ribeiro Cardoso; Ac. STJ de 06.06.2018, proc. 552/13.5TTVIS.C1.S1, relator Pinto Hespanhol; Ac. STJ de 31.10.2018, proc. 2820/15.2T8LRS.L1.S1 e Ac. STJ de 06.11.2019, proc. 1092/08.0TTBRG.G1.S1, ambos relatados por Chambel Mourisco, todos acessíveis em www.dgsi.pt. [24] Nesse sentido ainda o recente Ac. do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 27.9.2018, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9cd6ef26b3a23d8f8025831500549377?OpenDocument : I - Como decorre do art. 640.º do CPC o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objecto do recurso. II - Também não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida, devendo ainda especificar a decisão concreta a proferir sobre cada um dos diversos pontos da matéria de facto impugnados. – “Ora, é a própria recorrente que admite que não constam – como se lhe impunha – expressamente das conclusões os pontos concretos da matéria de facto não provada e impugnado (…). “Ora, quando se verifica uma falta de conclusões sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, quando existe uma falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que a recorrente considera incorrectamente julgados e quando se verifica também uma falta de especificação dos concretos meios probatórios e uma falta de posição expressa sobre o resultado pretendido, uma análise crítica da prova, as conclusões são deficientes impondo-se a rejeição do recurso (quanto á pretendida impugnação da decisão sobre a matéria de facto).” [25]“Acresce que, na definição do sentido decisório a ser tomado, a recorrente manteve, em especial, nos pontos em que ocorreu rejeição liminar do recurso, clara ambiguidade e incerteza, isto mesmo no corpo alegatório em que sugere um conteúdo ou qualquer outro diferente do que foram assumido pela 1ª instância.”, assim se considerando frustrado o propósito legislativo subjacente à previsão da al. a), do nº 2, do art. 640º do Código de Processo Civil, “já que prática, transpôs para a Relação o ónus de discernir, em concreto, quais os meios probatórios e real sentido decisório relativamente aos blocos de questões que agrupou, sem os relacionar com cada facto concreto, como seria ajustado.” / “Era mister que, perante tais circunstâncias, fosse precisa e concisa na indicação dos factos concretos, com reporte directo aos meios probatórios, análise crítica dos mesmos e expressa definição do sentido decisório que caberia a cada um desses factos. [26] Salienta-se que “a recorrente não se afadigou em fazer corresponder a cada uma das pretendidas alterações da matéria de facto o (s) segmento(s) dos depoimentos testemunhais e a parte concreta dos documentos que fundou as mesmas” (…) concluindo que é inviável estabelecer uma concreta correlação entre estes e aquelas. [27] In http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8e86daac001d58518025799f00505946?OpenDocument [28] cf. LUÍS FILIPE SOUSA, in Prova Testemunhal, 2013, pp. 319-330 [29] cf. LUÍS FILIPE SOUSA, in Prova por Presunção no Direito Civil, 2017, 3ª ed., pp. 165-180. [30] Ob.cit., p. 159 [31] In http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ebc2ec4fca514cef80257e7a005507cb?OpenDocument [32] In Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª Ed., p. 744 [33] Cf. Comentário à L.P.C.J.P., da Procuradoria Geral Regional do Porto, p. 59/60 [34] Maria de Fátima Duarte, O Poder Paternal: Contributo para o Estudo do seu Actual Regime, AAFDL, pág.176- [35] Cf. Comentário à L.P.C.J.P., da Procuradoria Geral Regional do Porto, p. 57 [36] Cf. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.5.2021, in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d6c36cc58a545476802586e6003a73c7?OpenDocument [37] Cf. Ac, do Supremo Tribunal de Justiça, de 23.2.2021, in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ad62fdeb0f15610e802586b6004e86e1?OpenDocument [38] In https://jurisprudencia.pt/acordao/195773/ [39] In https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/31c6a9d7abfc10b080258b550045f7dd?OpenDocument [40] In PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO: PERSPETIVAS FUTURAS DO MODELO JUDICIAL - JULGAR - N.º 24 – 2014, p. 13/14, in https://julgar.pt/wp-content/uploads/2014/09/11-Beatriz-M-Borges-Promo%C3%A7%C3%A3o-e-protec%C3%A7%C3%A3o-perspectivas-de-futuro.pdf [41] In http://www.gde.mj.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/19af7f0bab69a5ee80258b3300356993?OpenDocument [42] Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16.2.2016, in https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/F2DF5C9FEEF843ED80257FDF006B80CD [43] Da responsabilidade do relator – cf. art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.