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CASO JULGADO
EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
Sumário
- Sem se configurar um verdadeiro caso julgado, com a tríplice exigência dessa excepção dilatória, ou seja, sem haver verdadeira e completa repetição da causa, nos termos do art. 581º, do C.P.C., não pode o Tribunal abster-se de conhecer do mérito da causa por via desse instituto ou da sua “autoridade”; - Ocorrendo autoridade de caso julgado prejudicial, com um efeito positivo externo, que consiste na vinculação da decisão de mérito a proferir nesta instância ao que foi decidido no processo prejudicial onde surgiu esse caso julgado, devem os presentes autos prosseguir considerando-se o julgado no mesmo para o que aqui for relevante do seu mérito.
Texto Integral
Relator – Des. José Manuel Flores 1ª - Adj. Des. Sandra Melo 2ª - Adj. Des. Fernanda Proença Fernandes
ACORDAM OS JUÍZES NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
AA veio intentar acção declarativa de processo comum contra EMP01..., S.A.
Peticionou a condenação da ré no pagamento da quantia de € 47500,00, alegando para tanto e em síntese, que é ex-trabalhador da sociedade “EMP02..., Lda.” e, enquanto trabalhador, sofreu um acidente de viação, cuja culpa atribui ao veículo com a matrícula LU......, conduzido por BB, que não terá parado num sinal de Stop, sendo que tal veículos e encontra seguro na ré.
Após citação a ré contestou, alegando em síntese, que o acidente de viação foi simultaneamente de trabalho; a entidade patronal do autor, após indemnizar o mesmo pelos seus direitos laborais, ficou sub-rogada nos direitos daquele e com fundamento no art. 17º da LAT, intentou acção judicial contra a ora ré, que correu termos sob o nº 1514/22...., pelo Juiz ... do Juízo Local Cível de ..., tendo sido proferida sentença na qual se reconheceu a culpa exclusiva do aqui autor no acidente de viação, tendo a ora ré sido absolvida do pedido.
Entendia a ré, que transitada em julgado a referida sentença, há lugar à excepção dilatória de autoridade de caso julgado, devendo ser absolvida a ré do pedido.
Após audiência prévia e o devido contraditório, foi proferida decisão que culminou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, o Tribunal julga verificada a excepção dilatória inominada de autoridade de caso julgado e, em consequência, absolve a ré da instância, nos termos dos arts. 576º, nºs 1 e 2, 577º, a contrario sensu, 578º e 278º, nº 1, alínea e) do CPC. Custas pelo autor – art. 527º do Código de Processo Civil. Fixo à causa o valor de € 47.500,00 – cfr. art. 297º, nº 1 do CPC.”
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Inconformado com tal decisão, dela interpôs o Autor o presente recurso de apelação, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto da sentença preferida pela Mma. Juiz de Direito do Tribunal a quo, que julgou “verificada a excepção dilatória inominada de autoridade de caso julgado e, em consequência, absolveu a ré da instância, nos termos dos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, a contrario sensu, 578.º e 278.º, n.º 1, alínea e) do CPC.” II. Entende o Recorrente que o Tribunal a quo apreciou incorrectamente alguns dos factos respeitantes à acção, mormente atendendo à prova produzida. III. Com efeito, o Tribunal a quo “verificou a seguinte factualidade”: “Ora, compulsadas as certidões judiciais juntas aos autos a fls. 83 e ss. e extraídas dos autos com o n.º 1514/22...., que correram termos no Juízo Local Cível de ... – Juiz ..., e 2733/20...., que correram termos no Juízo do Trabalho de ... – Juiz ..., constata-se que: 1. Nos autos com o n.º 2733/20...., constou como sinistrado AA, ora autor, como entidade patronal: “EMP02..., Lda.” e como entidade responsável: “Companhia de Seguros EMP03..., S.A.”; 2. No dia 01.07.2021 houve lugar a tentativa de conciliação nos autos referidos em 1) (autos de acidente de trabalho), tendo havido lugar a acordo entre AA e EMP02..., Lda., no qual esta última aceitou o acidente em causa como sendo de trabalho e aceitou pagar determinadas quantias (melhor descritas na ata de fls. 112 a 114) ao primeiro; 3. Nos autos com o n.º 1514/22...., consta como autora a empresa “EMP02..., Lda.” e como ré a “Companhia de Seguros EMP01..., S.A.”; 4. Nos referidos supra mencionados autos, discutiram-se factos relativos à dinâmica do acidente que está em causa nos presentes autos (que além de acidente de trabalho, foi, também, de viação); 5. A empresa “EMP02..., Lda.” peticionou à ré (que também é ré nos presentes), o pagamento das quantias que teve que pagar ao ora autor no âmbito do processo de acidente de trabalho descrito em 1); 6. A ré declinou a sua responsabilidade no pagamento de tais quantias, atribuindo a culpa exclusiva na produção do acidente ao ora autor; 7. Por sentença transitada em julgado no âmbito do processo n.º 1514/22...., julgou-se a acção totalmente improcedente, por não provada (sublinhado nosso).” IV. Ora, a razão do presente recurso reside precisamente no ponto 7 suprarreferido (“Por sentença transitada em julgado no âmbito do processo n.º 1514/22...., julgou-se a acção totalmente improcedente, por não provada”). V. Pois a sentença proferida no âmbito do processo n.º 1514/22.... não transitou em julgado, uma vez que foi apresentado recurso pela aí Autora “EMP02..., Lda.”. VI. O que transitou em julgado, isso sim, foi o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido nesse mesmo processo, na sequência do recurso interposto pela aí Autora “EMP02..., Lda.”, conforme se referiu. VII. Isso mesmo se retira da certidão judicial junta aos autos a fls. 83 e ss. e notificada às partes em 15.11.2023 (certidão judicial do processo n.º 1514/22.... do Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo Local Cível de ... - Juiz ...). VIII. Assim, se por sentença proferida nesses autos - processo n.º 1514/22.... – se julgou a acção totalmente improcedente, por não provada, tendo a aí (e aqui) Ré “Companhia de Seguros EMP01..., S.A.” sido absolvida, IX. Pelo acórdão proferido nesse mesmo processo, com data de 25 de maio de 2023, transitado em julgado em 14.06.2022, foi a Ré condenada nos seguintes termos: “Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e em consequência condenar a ré a pagar à autora a quantia de 15.916,71 € (quinze mil novecentos e dezasseis euros e setenta e um cêntimos), e o valor que se vier a liquidar quanto à reparação do telemóvel marca ....” X. Com efeito, a sentença ora proferida encontra-se em contradição com o acórdão proferido no processo n.º 1514/22.... do Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo Local Cível de ... - Juiz .... XI. Posto isto, o Tribunal a quo deveria ter considerado verificada a seguinte factualidade: - “Por sentença no âmbito do processo n.º 1514/22...., julgou-se a acção totalmente improcedente, por não provada”, e - “Pelo acórdão, transitado em julgado, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães no âmbito do processo n.º 1514/22...., foi a ré condenada a pagar à autora a quantia de 15.916,71 € (quinze mil novecentos e dezasseis euros e setenta e um cêntimos), e o valor que se vier a liquidar quanto à reparação do telemóvel marca ....” XII. Ou seja, relativamente à factualidade verificada pelo Tribunal a quo, o ponto 7 (“Por sentença transitada em julgado no âmbito do processo n.º 1514/22...., julgou-se a acção totalmente improcedente, por não provada”) deverá ser revogado e substituído por outro que refira que “Por sentença no âmbito do processo n.º 1514/22...., julgou-se a acção totalmente improcedente, por não provada”, XIII. Devendo, ainda, acrescentar-se um outro ponto (8) que refira que “Pelo acórdão, transitado em julgado, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães no âmbito do processo n.º 1514/22...., foi a ré condenada a pagar à autora a quantia de 15.916,71 € (quinze mil novecentos e dezasseis euros e setenta e um cêntimos), e o valor que se vier a liquidar quanto à reparação do telemóvel marca ...”, XIV. O que levaria necessariamente a outra conclusão. XV. Neste sentido, deverá a douta Sentença ser revogada, proferindo o Tribunal a quo despacho nos termos supramencionados, XVI. Não podendo ainda, consequentemente, a Ré ser absolvida da instância. XVII. No mais, não se discute no presente recurso a verificação da excepção dilatória inominada de autoridade de caso julgado, que não se contesta. XVIII. Por conseguinte, também não se discute no presente recurso factos relativos à dinâmica do acidente que está em causa nos presentes autos. XIX. Com efeito, no que toca à dinâmica do acidente que está em causa nos presentes autos, deve precisamente a decisão proferida neste processo acatar aquela que sobre essa matéria foi ditada na primeira acção - processo n.º 1514/22.... do Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo Local Cível de ... - Juiz .... XX. A dinâmica do acidente não deve ser incluída nos temas de prova, em virtude de tal matéria já ter sido discutida no âmbito do processo n.º 1514/22.... do Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo Local Cível de ... - Juiz ..., estando a mesma abrangida pela autoridade de caso julgado. XXI. Posto isto, deve ser proferido nos presentes autos despacho que reconheça a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado pela Ré “Companhia de Seguros EMP01..., S.A.” no acidente de viação. XXII. Assim, em conclusão, e na nossa modesta opinião, deverá a douta Sentença ser revogada, proferindo o Tribunal a quo despacho nos termos supramencionados, designadamente que: a) Relativamente à factualidade verificada, o ponto 7 (“Por sentença transitada em julgado no âmbito do processo n.º 1514/22...., julgou-se a acção totalmente improcedente, por não provada”) deverá ser revogado e substituído por outro que refira que “Por sentença no âmbito do processo n.º 1514/22...., julgou-se a acção totalmente improcedente, por não provada”; b) Acrescentar-se um outro ponto (8) que refira que “Pelo acórdão, transitado em julgado, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães no âmbito do processo n.º 1514/22...., foi a ré condenada a pagar à autora a quantia de 15.916,71 € (quinze mil novecentos e dezasseis euros e setenta e um cêntimos), e o valor que se vier a liquidar quanto à reparação do telemóvel marca ....” c) Não absolva a Ré da instância; d) Fixe os temas de prova, nos quais se deve incluir a dinâmica do acidente nos precisos termos em que foi decidido no processo n.º 1514/22.... do Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo Local Cível de ... - Juiz ... e reconheça a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado pela Ré “Companhia de Seguros EMP01..., S.A.” no acidente de viação, XXIII. Devendo os presentes autos prosseguir para julgamento. Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar-se a douta sentença e ser proferido despacho nos termos peticionados,
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
II – Delimitação do objecto do recurso e questões prévias a apreciar:
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas[2] que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[3]
No caso, as questões enunciadas pela recorrente prendem-se com a modificação da decisão da matéria de facto, verificação da excepção de autoridade de caso julgado nos específicos moldes expostos pelo Recorrente e os seus efeitos nos autos.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
III – Fundamentos
1. Impugnação da decisão da matéria de facto
Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
No caso, cumprindo esses ónus, o Recorrente pretende a modificação do item 7. dos factos provados, nos termos expostos no ponto XI. das suas conclusões, e o aditamento da matéria contida no ponto 8. inscrito nessa mesma 11ª conclusão.
Indica para o efeito como prova relevante a certidão judicial junta aos autos a fls. 83 e ss. e notificada às partes em 15.11.2023 (certidão judicial do processo n.º 1514/22.... do Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo Local Cível de ... - Juiz ...).
E na verdade, da certidão junta aos autos por ofício, em 14.11.2023, ref. ...91, resulta expresso que após ser proferida sentença em 27.1.2023, foi interposto recurso julgado no acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães e Secção, transitado em 14.6.2022, cujo dispositivo relevante dita o seguinte: “Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e em consequência condenar a ré pagar à autora a quantia de 15.916,71€ (quinze mil novecentos e dezasseis euros e setenta e um cêntimos), e o valor que se viera a liquidar quanto à reparação do telemóvel marca ....”
Em face do exposto, deve proceder a impugnação em apreço, devendo ser reflectida, na matéria de facto a considerar, essa decisão.
Acresce a necessidade de aditar à matéria de facto provada a seguinte factualidade (art. 662º, nº 1, do C.P.C.):
Nesse processo n.º 1514/22.... a EMP02..., Lda., formulou contra a Companhia de Seguros EMP01..., S.A., os seguintes pedidos:
a) A pagar a quantia de € 1 1 .282,49 (onze mil duzentos e oitenta e dois euros e quarenta e nove cêntimos) referente ao capital remição e restantes valores já pagos no processo de trabalho referentes a IT 'S no valor de € 2.548,51 (dois mil quinhentos e quarenta c oito euros e cinquenta c um cêntimos), € 40,00 (quarenta euros) referentes a transporte, de juros já pagos no valor de € 495,81 (quatrocentos e noventa e cinco curos c oitenta e um cêntimos), acrescido dc custas processuais no valor dc 132,00 € (cento c trinta c dois euros) e honorários da mandatária no valor de 500,00 € (quinhentos euros), num montante global pago de € 14.998,71 (catorze mil novecentos e noventa c oito euros e setenta e um cêntimos)•
b) A pagar a quantia de danos da reparação da mota cujo valor ascende ao valor de €
1.550,00 (mil quinhentos e cinquenta euros), acrescido do valor de parqueamento desde o dia ../../2020 até ao dia ../../2021 no valor de C 1.260,00 (mil duzentos e sessenta euros), sem prejuízo do valor que possa ser apurado até integral resolução da situação;
c) A pagar a quantia de privação de uso, nunca em valor inferior a C 2500,00 (dois mil c quinhentos euros), desde a data do sinistro até integral resolução;
d) A pagar a quantia de € 2.500,00 (dois c quinhentos euros) a título dc danos não patrimoniais.
e) A pagar a quantia de € 1.279,00 (mil duzentos e setenta e nove euros) referente ao telemóvel, que não é susceptível de reparação.
Para tanto, no essencial, alegou a ocorrência de um acidente de viação, no dia 17 de Agosto de 2020, da responsabilidade do segurado da ré e causador dos danos patrimoniais e não patrimoniais invocados.
No Acórdão referido supra, foram julgados e considerados os seguintes factos:
“Factos Provados: l- A autora dedica-se a pastelaria, panificação, casas de chá e snack-bar, comércio a retalho e retalho de produtos relacionados e ainda serviço de entrega de refeições e pizzaria; 2- No exercício da sua atividade, o trabalhador da Autora, no exercício das funções que lhe competiam na distribuição de pizzas, foi interveniente num acidente de viação; 3- No dia 17 de Agosto de 2020, o veículo motociclo ... conduzido por AA, circulava na Estrada ..., ..., ..., ...; 4- Ocorreu um embate entre o motociclo ... e o veículo LUI ......; 5- O condutor da viatura de matrícula LUI ....6 transferiu a responsabilidade civil do ramo automóvel para a Ré pela apólice no ...74; 6- Em consequência do embate, o veículo sofreu danos, implicando a sua perda total, designadamente danos na sua estrutura frontal, quer no quadro e mecânica, inviabilizando o seu uso desde a data do sinistro; 7- O trabalhador da autora também sofreu danos no membro superior esquerdo: amputação do 40 dedo pela articulação interfalângica proximal; presença de cicatriz linear, a avermelhada, com 2 centímetros de comprimento, no coto de amputação, referida como dolorosa à palpação, na sua porção mais medial — fls. 11-13 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 8- E sofreu danos no membro inferior direito: dor no movimento passivo de inversão do tornozelo, ao nível da região prémaleolar lateral — fls. 11-13 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 9- Foi arbitrado e pago pela Autora ao seu trabalhador o valor global de € 14.366,71 (catorze mil trezentos e sessenta e seis euros e setenta e um cêntimos), correspondente a indemnização pelas incapacidades temporárias (IT 's) no montante global de € 2.548,54; - a pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, de € 648,68, com início em 08-12-2020 no total de 11.282,49 €(onze mil duzentos e oitenta e dois euros e quarenta e nove cêntimos); - a quantia de €40,00 de transportes; - juros à taxa legal de 4% desde a data do vencimento até à data do efetivo pagamento; 10- Com a queda do trabalhador foi danificado o telemóvel da marca ..., propriedade da aqui Autora e usado por aquele, para auxílio no desempenho das suas funções; 11- O valor da reparação dos danos da mota ascende a € 1.550,00 (mil quinhentos e cinquenta euros); 12- Na altura do acidente anoitecia e fazia já escuro; 13- O veículo seguro, o ... com a matrícula LUI ....6, circulava na Avenida ..., ...; 14- O veículo LU entrou na hemi-faixa de rodagem da EN ...03 (atento o sentido ...), sem parar no sinal vertical de STOP; 15- Com a intenção de mudar para a esquerda, para ...; 16- O condutor do veículo LU entrou nesta via no momento em que pela mesma circulava o motociclo ... de matrícula ... que seguia no sentido ... — ... de ..., barrando-lhe a passagem; 17- O motociclo momentos antes havia concluído a manobra de ultrapassagem de um veículo automóvel que circulava com o mesmo sentido de marcha; 18- O embate dá-se entre a lateral esquerda do veículo LU e frente do motociclo; 19- O local do acidente situava-se dentro de uma localidade, a de ..., sendo ladeado de casas de habitação e comércio; 20- Circulando, na altura, em deslocação para entrega de uma pizza ao domicílio.
Factos Não Provados:
- A autora tentou reparar o telemóvel, mostrando-se inviável a sua reparação, sendo que o seu custo foi de 1.279,00 € (mil duzentos e setenta e nove euros). - O valor de parqueamento desde o dia ../../2020 até ao dia ../../2021 ascende ao valor de 1.260,00€ (mil duzentos e sessenta euros). - A privação do uso do veículo causou e continua a causar danos múltiplos ao Autor. - Com a privação do uso do veículo o Autor sofreu incómodos e intenso nervosismo. Toda esta situação lhe causou, intenso desconforto, nervosismo, insatisfação, angústia e, até, insónias. - Chovia e o piso estava molhado. - Ao chegar ao entroncamento daquela nesta via parou. - E o seu condutor olhou para a esquerda e para a direita. - Como da direita não viesse nenhum trânsito e da esquerda apenas se aproximasse, a baixa velocidade, um veículo automóvel a cerca de 50 metros de distância. - A circular a uma velocidade muito superior a 50 km/h, não inferior a 70 a 80 km/h. - Com o farol da frente desligado, e sem, pois, quaisquer luzes. - E isto apesar de o seu condutor ter visto a sobredita manobra do Megane. (…).”
Esta matéria assenta também no documento autêntico – certidão judicial junta aos autos por ofício, em 14.11.2023, ref. ...09.
2. Factos(cf. art. 662º, do Código de Processo Civil)
1. Nos autos com o nº 2733/20...., constou como sinistrado AA, ora autora, como entidade patronal: “EMP02..., Lda.” e como entidade responsável: “Companhia de Seguros EMP03..., S.A.”;
2. No dia 01.07.2021 houve lugar a tentativa de conciliação nos autos referidos em 1) (autos de acidente de trabalho), tendo havido lugar a acordo entre AA e EMP02..., Lda., no qual esta última aceitou o acidente em causa como sendo de trabalho e aceitou pagar determinadas quantias (melhor descritas na acta de fls. 112 a 114) ao primeiro;
3. Nos autos com o nº 1514/22...., consta como autora a empresa “EMP02..., Lda.” e como ré a “Companhia de Seguros EMP01..., S.A.”;
4. Nos referidos supramencionados autos, discutiram-se factos relativos à dinâmica do acidente que está em causa nos presentes autos (que além de acidente de trabalho, foi, também, de viação);
5. A empresa “EMP02..., Lda.” peticionou à ré (que também é ré nos presentes), o pagamento das quantias que teve que pagar ao ora autor no âmbito do processo de acidente de trabalho descrito em 1);
6. A ré declinou a sua responsabilidade no pagamento de tais quantias, atribuindo a culpa exclusiva na produção do acidente ao ora autor;
7.Por sentença no âmbito do processo nº 1514/22...., julgou-se a acção totalmente improcedente, por não provada.”
8. – Interposto recurso, pelo acórdão que se pronunciou sobre essa sentença, transitado em julgado em 14.6.2022, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães no âmbito do processo n.º 1514/22...., foi a ré condenada a pagar à autora a quantia de 15916,71 € (quinze mil novecentos e dezasseis euros e setenta e um cêntimos), e o valor que se vier a liquidar quanto à reparação do telemóvel marca ....”
9. Nesse processo n.º 1514/22.... a EMP02..., Lda., formulou contra a Companhia de Seguros EMP01..., S.A., os seguintes pedidos: a) A pagar a quantia de € 1 1 .282,49 (onze mil duzentos e oitenta e dois euros e quarenta e nove cêntimos) referente ao capital remição e restantes valores já pagos no processo de trabalho referentes a IT 'S no valor de € 2.548,51 (dois mil quinhentos e quarenta c oito euros e cinquenta c um cêntimos), € 40,00 (quarenta euros) referentes a transporte, de juros já pagos no valor de € 495,81 (quatrocentos e noventa e cinco curos c oitenta e um cêntimos), acrescido dc custas processuais no valor dc 132,00 € (cento c trinta c dois euros) e honorários da mandatária no valor de 500,00 € (quinhentos euros), num montante global pago de € 14.998,71 (catorze mil novecentos e noventa c oito euros e setenta e um cêntimos)• b) A pagar a quantia de danos da reparação da mota cujo valor ascende ao valor de € 1.550,00 (mil quinhentos e cinquenta euros), acrescido do valor de parqueamento desde o dia ../../2020 até ao dia ../../2021 no valor de C 1.260,00 (mil duzentos e sessenta euros), sem prejuízo do valor que possa ser apurado até integral resolução da situação; c) A pagar a quantia de privação de uso, nunca em valor inferior a C 2500,00 (dois mil c quinhentos euros), desde a data do sinistro até integral resolução; d) A pagar a quantia de € 2.500,00 (dois c quinhentos euros) a título dc danos não patrimoniais. e) A pagar a quantia de € 1.279,00 (mil duzentos e setenta e nove euros) referente ao telemóvel, que não é susceptível de reparação. Para tanto, no essencial, alegou a ocorrência de um acidente de viação, no dia 17 de Agosto de 2020, da responsabilidade do segurado da ré e causador dos danos patrimoniais e não patrimoniais invocados.
10. No Acórdão referido em 8., supra, foram julgados e considerados os seguintes factos: “Factos Provados: l- A autora dedica-se a pastelaria, panificação, casas de chá e snack-bar, comércio a retalho e retalho de produtos relacionados e ainda serviço de entrega de refeições e pizzaria; 2- No exercício da sua atividade, o trabalhador da Autora, no exercício das funções que lhe competiam na distribuição de pizzas, foi interveniente num acidente de viação; 3- No dia 17 de Agosto de 2020, o veículo motociclo ... conduzido por AA, circulava na Estrada ..., ..., ..., ...; 4- Ocorreu um embate entre o motociclo ... e o veículo LUI ......; 5- O condutor da viatura de matrícula LUI ....6 transferiu a responsabilidade civil do ramo automóvel para a Ré pela apólice no ...74; 6- Em consequência do embate, o veículo sofreu danos, implicando a sua perda total, designadamente danos na sua estrutura frontal, quer no quadro e mecânica, inviabilizando o seu uso desde a data do sinistro; 7- O trabalhador da autora também sofreu danos no membro superior esquerdo: amputação do 40 dedo pela articulação interfalângica proximal; presença de cicatriz linear, a avermelhada, com 2 centímetros de comprimento, no coto de amputação, referida como dolorosa à palpação, na sua porção mais medial — fls. 11-13 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 8- E sofreu danos no membro inferior direito: dor no movimento passivo de inversão do tornozelo, ao nível da região prémaleolar lateral — fls. 11-13 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 9- Foi arbitrado e pago pela Autora ao seu trabalhador o valor global de € 14.366,71 (catorze mil trezentos e sessenta e seis euros e setenta e um cêntimos), correspondente a indemnização pelas incapacidades temporárias (IT 's) no montante global de € 2.548,54; - a pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, de € 648,68, com início em 08-12-2020 no total de 11.282,49 €(onze mil duzentos e oitenta e dois euros e quarenta e nove cêntimos); - a quantia de €40,00 de transportes; - juros à taxa legal de 4% desde a data do vencimento até à data do efetivo pagamento; 10- Com a queda do trabalhador foi danificado o telemóvel da marca ..., propriedade da aqui Autora e usado por aquele, para auxílio no desempenho das suas funções; 11- O valor da reparação dos danos da mota ascende a € 1.550,00 (mil quinhentos e cinquenta euros); 12- Na altura do acidente anoitecia e fazia já escuro; 13- O veículo seguro, o ... com a matrícula LUI ....6, circulava na Avenida ..., ...; 14- O veículo LU entrou na hemi-faixa de rodagem da EN ...03 (atento o sentido ...), sem parar no sinal vertical de STOP; 15- Com a intenção de mudar para a esquerda, para ...; 16- O condutor do veículo LU entrou nesta via no momento em que pela mesma circulava o motociclo ... de matrícula ... que seguia no sentido ..., barrando-lhe a passagem; 17- O motociclo momentos antes havia concluído a manobra de ultrapassagem de um veículo automóvel que circulava com o mesmo sentido de marcha; 18- O embate dá-se entre a lateral esquerda do veículo LU e frente do motociclo; 19- O local do acidente situava-se dentro de uma localidade, a de ..., sendo ladeado de casas de habitação e comércio; 20- Circulando, na altura, em deslocação para entrega de uma pizza ao domicílio.
Factos Não Provados:
- A autora tentou reparar o telemóvel, mostrando-se inviável a sua reparação, sendo que o seu custo foi de 1.279,00 € (mil duzentos e setenta e nove euros). - O valor de parqueamento desde o dia ../../2020 até ao dia ../../2021 ascende ao valor de 1.260,00€ (mil duzentos e sessenta euros). - A privação do uso do veículo causou e continua a causar danos múltiplos ao Autor. - Com a privação do uso do veículo o Autor sofreu incómodos e intenso nervosismo. Toda esta situação lhe causou, intenso desconforto, nervosismo, insatisfação, angústia e, até, insónias. - Chovia e o piso estava molhado. - Ao chegar ao entroncamento daquela nesta via parou. - E o seu condutor olhou para a esquerda e para a direita. - Como da direita não viesse nenhum trânsito e da esquerda apenas se aproximasse, a baixa velocidade, um veículo automóvel a cerca de 50 metros de distância. - A circular a uma velocidade muito superior a 50 km/h, não inferior a 70 a 80 km/h. - Com o farol da frente desligado, e sem, pois, quaisquer luzes. - E isto apesar de o seu condutor ter visto a sobredita manobra do Megane. (…).”
3. Direito
A discussão em causa prende-se com a excepção da autoridade do caso julgado.
Antes de prosseguirmos devemos salientar, porém, que a existência da mesma deve considerar-se um dado adquirido ou indiscutível, tendo em conta que a decisão recorrida não foi, nesse aspecto contestado pelas únicas alegações de recurso em apreço.
Pelo contrário, o Apelante sublinha isso no ponto XVII. das suas conclusões, sem reparo da outra parte, pelo que devemos aqui acatar o que resulta do disposto no art. 635º, nº 5, do Código de Processo Civil: Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo.
Neste conspecto, modificada a decisão da matéria de facto nos moldes requeridos pelo Apelante, cumpre, em primeira linha, ponderar os efeitos que a o Recorrente pretende extrair desse instituto, com base nessa mesma factualidade.
Vejamos…
Como já dizia o Código Civil de Seabra de 1867, no seu art. 2502º (Do Caso Julgado), caso julgado é o facto ou o direito, tornado certo por sentença de que não há recurso.
O actual Código de Processo Civil, dita nessa linha, no seu art. 619º, que (1) Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º..
Esse art. 580º, esclarece que (1) as excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado. (2) Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
Concretiza-se nesse art. 581º (1) repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. (2) Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. (3) - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. (4) Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.
Por sua vez, o seu artigo 621.º, reportando-se ao seu alcance, estipula que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.
Trata-se de um instituto com raízes no direito fundamental, constitucional. O caso julgado está intimamente ligado ao princípio do Estado de Direito Democrático e uma garantia basilar dos cidadãos onde deve imperar a segurança e a certeza. Não obstante, o respeito pelas decisões no poder judicial, já anteriores à república, e que se encontram presentes na actualidade consubstanciam ao valor máximo de justiça aliado ao princípio da separação de poderes[4].
O fundamento do caso julgado reside, por um lado, no prestígio dos tribunais, o qual «seria comprometido em alto grau se mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente» e, por outro lado, numa razão de certeza ou segurança jurídica, pois «sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa. (…) Seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu.“.[5] “Se assim não fosse, os tribunais falhariam clamorosamente na sua função de órgãos de pacificação jurídica, de instrumentos de paz social”.[6]
Dito isto, há que salientar que a abrangência do instituto do caso julgado tem sofrido evoluções jurisprudenciais e doutrinais potencialmente relevantes para o caso que aqui nos traz o Apelante.
Como salienta o Conselheiro Tomé Gomes, relator do recente Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.6.2017[7], desde há muito que tanto a doutrina[8] como a jurisprudência têm distinguido duas vertentes:
a) – uma função negativa, reconduzida a excepção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em acção futura; b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução neste compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.
Quanto à função negativa ou excepção de caso julgado, é unânime o entendimento de que, para tanto, tem de se verificar a tríplice identidade estabelecida no artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir. Já quanto à autoridade do caso julgado, existem divergências. Para alguns, entre os quais Alberto dos Reis, a função negativa (excepção de caso julgado) e a função positiva (autoridade de caso julgado) são duas faces da mesma moeda, estando uma e outra sujeitas àquela tríplice identidade[9]. Segundo outra linha de entendimento, incluindo a maioria da jurisprudência, a autoridade do caso julgado não requer aquela tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado[10].
No que respeita à tríplice identidade mencionada no citado art. 581º, menciona o mesmo texto que quanto à identidade de sujeitos, o que é essencial não é a sua identidade física, mas a mesmidade da posição ou da qualidade jurídica na titularidade direitos e obrigações contemplados pelo julgado[11]. Todavia, a relatividade subjectiva do caso julgado não obsta a que este se possa estender a terceiros, mormente nos casos em que da lei resulte tal extensão[12]. Também, no que respeita à identidade do pedido e da causa de pedir, importa aferi-la não de um modo global, mas sim em função de cada pretensão parcelar em que se possa decompor o objecto das causas em confronto e dos correspectivos segmentos decisórios. (…).
Importa ainda, com especial relevo para este caso, e como refere Rui Pinto,[13]distinguir consoante aquela vinculação se refere ao objecto processual e aos sujeitos da própria decisão (efeito positivo interno) ou se se refere a objectos processuais que estejam em relação conexa com o objecto da decisão. O primeiro designamos por efeito positivo interno e pode ser feito valer por meio de execução de sentença; o segundo por efeito positivo externo e pode ser feito valer como facto constitutivo ou como excepção peremptória.
No caso em apreço, considerando assente a existência da apontada autoridade de caso julgado, nos termos expostos pela decisão recorrida ou naqueles que agora o Apelante formula, nunca estaríamos perante uma excepção dilatória inominada mas sim perante um reflexo material ou substantivo, externo, da sentença proferida naquele outro processo nº ...2, que, nas circunstâncias desenhadas pela factualidade exposta supra em 2.10., é constitutivo do direito do Autor nesta acção, tendo em conta, nomeadamente, o que se apurou sobre a dinâmica do acidente, com reflexos na imputação de responsabilidades pelo mesmo.
Nunca, por isso, sem se configurar um verdadeiro caso julgado, com a tríplice exigência dessa excepção dilatória, ou seja, sem haver repetição da causa, poderia o Tribunal a quo se ter abstido de conhecer do mérito desta demanda.
Deste modo, carece de sustento a decisão de absolvição da instância, decretada pelo Tribunal a quo, que deve, por isso, ser revogada, assim procedendo, nessa parte, as conclusões do Apelante.
Em consonância com esse silogismo e conforme pretende o Apelante, estando nós perante autoridade de caso julgado prejudicial em relação à presente demanda que tem sobre esta instância um efeito positivo externo, que consiste na vinculação da decisão de mérito a proferir nesta à decisão proferida no mencionado Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, devem os presentes autos prosseguir considerando-se o julgado no processo nº ...2, no que aqui for relevante.
Contudo, a pretensão de se fixar desde já nesta decisão os temas da prova e a culpa responsável do acidente é inviável. O que está aqui em causa é apenas e só uma decisão que se limitou a apreciar a referida excepção de autoridade do caso julgado, não competindo a esta instância substituir-se à primeira instância nos procedimentos à adoptar nos ulteriores termos do processo, até para que não seja assim eliminada esta instância de recurso.
As custas da decisão da primeira instância devem ser alteradas, tendo em conta o desfecho acima desenhado, de modo a que se impute desde já à Ré, a condenação em 1/3 das custas devidas, tendo em conta o valor da acção (cf. art. 527º, do C.P.C.).
No que diz respeito às custas da Apelação, não serão devidas, tendo em conta o que lhe deu causa (art. 527º, do C.P.C.).
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida na parte em que declara a absolvição da Ré da instância e condena o Autor em custas e, em sua substituição, determinando assim o prosseguimento dos autos com a consideração daquilo que ficou provado no Acórdão referido supra em 2.8..
Condena-se desde já, nas custas da acção, na proporção de 1/3, tendo por referência o valor da acção, a Ré.
Sem custas nesta instância de apelação, sem prejuízo das custas de parte a haver.
N.
*
Sumário[14]: - Sem se configurar um verdadeiro caso julgado, com a tríplice exigência dessa excepção dilatória, ou seja, sem haver verdadeira e completa repetição da causa, nos termos do art. 581º, do C.P.C., não pode o Tribunal abster-se de conhecer do mérito da causa por via desse instituto ou da sua “autoridade”; - Ocorrendo autoridade de caso julgado prejudicial, com um efeito positivo externo, que consiste na vinculação da decisão de mérito a proferir nesta instância ao que foi decidido no processo prejudicial onde surgiu esse caso julgado, devem os presentes autos prosseguir considerando-se o julgado no mesmo para o que aqui for relevante do seu mérito.
Guimarães, 19-09-2024
[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106. [2] Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efectivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, SimasSantos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13. [3] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107. [4] MIGUEL PIMENTA DE ALMEIDA, in A INTANGIBILIDADE DO CASO JULGADO NA CONSTITUIÇÃO (BREVÍSSIMA ANÁLISE), p. 18
AUTOR: [5] Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, p. 306. [6] Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 2ª Ed., p. 705 [7] Inhttp://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/538df581632b09588025814c0049be53?OpenDocument [8]Vide, entre outros, Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, pp. 38-39; Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 572; Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2008, p. 354. [9] In Código de Processo Civil anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 1981, pp. 92-93. [10] Vide, entre outros, os seguintes acórdãos do STJ: de 13/12/2007, relatado pelo Juiz Cons. Nuno Cameira no processo n.º 07A3739; de 06/3/2008, relatado pelo Juiz Cons. Oliveira Rocha, no processo n.º 08B402; de 23/11/2011, relatado pelo Juiz Cons. Pereira da Silva no processo n.º 644/08.2TBVFR.P1.S1, acessíveis na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj. [11]Neste sentido, vide, entre outros, Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 1981, pp. 97-99. [12]Vide Alberto dos Reis, ob. cit. p. 99. [13] In Excepção e autoridade de caso julgado – algumas notas Provisórias, Julgar Online, novembro de 2018, P.17/18 [14] Da responsabilidade do relator – cf. art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.