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SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
EXECUÇÃO FISCAL
JUROS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário
1 – A suspensão da instância por existência de causa prejudicial cessa sem necessidade de qualquer despacho, com o trânsito em julgado da decisão que naquela causa prejudicial for proferida. 2 – Não tendo ocorrido o trânsito em julgado da decisão proferida na causa prejudicial, a suspensão da instância não cessou e, assim, a sentença proferida na instância suspensa é nula porque o Tribunal conheceu de questão que não podia, ainda, conhecer. 4 – Nada obsta, porém, a que o Tribunal de recurso aprecie os demais fundamentos da apelação se, nesta data, já se verifica o trânsito em julgado da decisão que foi proferida na causa prejudicial e cessou, assim, a suspensão da instância. 5 – Ainda que em sede de contestação aos embargos, tal como alegado pelos executados, a exequente reconheça que apenas são devidos três anos de juros de mora e não a totalidade dos que indicou no requerimento executivo, não tendo havido redução do pedido, reconhecendo o Tribunal que apenas aqueles são devidos, terá de julgar os embargos deduzidos parcialmente procedentes. 6 – Sendo este o entendimento do Tribunal, a sentença que julga os embargos improcedentes é nula por oposição entre a decisão e os seus fundamentos. 7 - Os bens hipotecados respondem pela obrigação garantida, nos exatos termos que constam do respetivo registo, ainda que o crédito exequendo resulte de aditamentos aos contratos iniciais, acordados em data posterior à venda dos bens hipotecados a terceiro. 8 – A alegação de que se desconhece se é devida a quantia exequenda não configura qualquer oposição válida em sede de embargos de executado. 9 – Se, em sede de embargos de executado, apenas foi invocada a prescrição dos juros de mora, não há que apreciar em sede de recurso de apelação a eventual prescrição da obrigação principal. 10 – Ainda que o não pagamento das prestações acordadas se tenha verificado em 2012, não existe abuso de direito do credor que, apenas em 2021, instaura execução contra o proprietário dos bens hipotecados que garantem o pagamento da obrigação, se, em 2012, já havia reclamado o seu crédito em execução fiscal em que tais bens foram penhorados, que se mantém pendente, tendo ainda existindo uma ação judicial em que foi colocado em causa o negócio de venda aos executados dos bens penhorados, na qual o credor defendeu a validade da hipoteca. 11 - O vencimento antecipado da obrigação não é um facto que possa ser confessado, ocorrendo apenas quando se demonstrem os factos que permitam extrair tal conclusão. 12 – Uma execução fiscal, ainda que pendente perante a autoridade tributária, pode considerar-se processo judicial para aplicação do regime de interrupção da prescrição do art.º 323.º do C. Civil. 13 – A citação ficcionada, nos termos do n.º 2 desta norma, em processo de reclamação em execução fiscal não interrompe a prescrição quanto a juros de mora se a reclamação foi apresentada quando ainda não se tinha verificado o vencimento antecipado da obrigação.
Texto Integral
Relatora: Paula Ribas
1.º Adjunto: José Manuel Flores
2.ª Adjunta: Maria Amália Santos
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I – Relatório: AA e mulher BB, executados nos autos principais de que os presentes embargos constituem apenso e onde figuram como embargantes, deduziram oposição à execução que lhe foi movida por EMP01...-STC,SA.
Esta exequente embargada deduziu oposição nestes embargos.
Findos os articulados, foi proferido despacho que, em 23/03/2022, ordenou que as partes se pronunciassem sobre a intenção do Tribunal de dispensar a realização da audiência prévia, apesar de entender que os autos permitiam que fosse de imediato proferida decisão sobre o mérito da causa.
Tendo-se as partes pronunciado, foi proferido novo despacho, em 18/05/2022, que ordenou nova notificação das partes para que se pronunciassem sobre a intenção do Tribunal de suspender desta instância por existência de causa prejudicial, entendendo como tal o apenso B, em que os executados devedores CC e DD se opunham também à execução que constitui os autos principais.
Considerou-se então que, estando invocada nesse apenso a prescrição do crédito decorrente do contrato de mútuo oferecido à execução, se tal exceção fosse julgada procedente, tal implicaria a extinção da obrigação de garantia pela qual os aqui embargantes AA e BB estavam a ser naquela execução demandados – a hipoteca.
Ambas as partes se pronunciaram sobre tal suspensão, que veio a ser determinada por despacho de 06/06/2022.
Nestes autos de embargo foi posteriormente proferida decisão final, em 09/11/2022, que julgou estes embargos – Apenso A – totalmente improcedentes.
Inconformados, os embargantes AA e BB vieram interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões:
“1.ª EMP01... – Stc. SA, invocando a qualidade de cessionária de créditos originariamente do Banco 1..., a quem sucedeu, interpôs a presente ação executiva contra CC e mulher DD, e contra os aqui embargantes AA e mulher BB, os primeiros como mutuários e devedores, os segundos como proprietários de dois prédios onerados com hipoteca constituída a favor da originária credora, alegando, em suma, o seguinte: a) Que a originária credora celebrou com os referidos CC e mulher DD, um contrato de mútuo, em 30/11/2005, e um contrato de abertura de crédito em conta corrente, em 11/11/2011; b) Que através do referido contrato de mútuo, os mutuários confessaram-se devedores à mutuante da quantia de 350.000,00€, que devia ser reembolsada no prazo de 10 anos, ou seja, até 2015, em 120 prestações mensais, tendo os mutuários obtido sucessivas prorrogações e modificações do contrato inicial, por alegada carência, através de sucessivos adicionais (em 30/07/2009, em 21/07/2010, em 30/01/2010, em 02/11/2010, em 15/01/2011 e em 30/11/2011); c) Que os mutuários deixaram de cumprir a obrigação de reembolso dos valores devidos quer em função do contrato de mútuo, quer em função do contrato de abertura de crédito em conta corrente, aquele em 01/07/2012, este em 12/07/2012 (isto é, há cerca de 10 anos), jamais desde então tendo pago quaisquer prestações, situação que se mantém até ao presente; d) Que em 30/11/2005 os mutuários CC e mulher DD outorgaram uma escritura de hipoteca, voluntária e unilateral, a favor do Banco 1..., para pagamento das quantias que por força dos referidos contratos devessem ou viessem a dever, sobre dois imóveis – atualmente propriedade dos aqui recorrentes –, consignando aí que a hipoteca foi constituída para pagamento da quantia de 450.000,00€, mutuada aos outorgantes, e proveniente dos dois referidos contratos, estabelecendo-se como limite global máximo de garantia de cobertura de responsabilidades o de 450.000,00€, e ainda que o montante máximo de capital e acessórios garantido é de 689.625,00€; e) Que esses mutuários se apresentaram à insolvência em 27/02/2013, que foi declarada por sentença de 06/03/2013, transitada em julgado em 28/03/2013, insolvência essa na qual o banco 1... reclamou aqueles créditos, tendo o processo sido encerrado por despacho de 28/11/2013, sem que a mutuante tivesse obtido qualquer pagamento; f) Que os referidos prédios foram comprados aos indicados mutuários, por AA, casado com BB, através de escritura de compra e venda celebrada em ../../2010; g) Que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, ..., uma ação em que era autora a Massa Insolvente de EE e FF, e réus, entre outros, AA e mulher BB, na qual a autora pedia a condenação dos réus a reconhecerem que era ela e não o referido comprador AA, a proprietária desses imóveis, porquanto aquela transmissão devia ser declarada nula por simulação, e, subsidiariamente pedia a condenação dos réus a reconhecerem o direito de propriedade dessa autora sobre esses imóveis, e que a posse dos réus era abusiva e ilegítima, devendo, por isso, ser-lhe restituídos – ação essa em que o banco 1... deduziu intervenção espontânea – tendo a ação sido julgada improcedente e não provada por sentença transitada em julgado em 08/03/2017; h) Que o banco 1... reclamou esses seus créditos em 31/07/2012 num processo de execução fiscal movido a CC, pendente de verificação de créditos, à data da entrada da execução, na Repartição de Finanças ...; 2.ª Os ora recorrentes, bem como os devedores, foram citados para o processo, e, em consequência para pagar a quantia exequenda, juros e custas, ou deduzir oposição à execução por embargos de executado ou deduzir oposição à penhora, tendo uns e outros deduzido embargos de executado e oposição à penhora, alegando cada um o seguinte: 2.1 Os executados AA e mulher BB, através do presente Apenso A, que: a) Sendo meros proprietários dos prédios hipotecados, que adquiriram em ../../2010, apenas poderiam, abstratamente, responder pelas dívidas exequendas na estrita medida em que elas constam do registo predial, pelo que nunca poderiam responder pelas dívidas emergentes dos sucessivos aditamentos aos contratos celebrados, que não constam do registo, e em relação aos quais são terceiros; b) Nunca lhes poderiam ser oponíveis nem a dívida de capital, nem a dívida de juros de qualquer desses contratos, porquanto a exequente agiu em manifesto abuso de direito, quer por ter deixado passar um prazo intoleravelmente longo sem exigir qualquer cumprimento e sem ter tido sequer o cuidado de exigir o cumprimento aos devedores proprietários, quer por ter celebrado com os devedores 6 aditamentos, em novos contratos sucessivos, modificando os contratos iniciais, até 2011, agravando permanentemente a responsabilidade debitória, sempre sem intervenção nem conhecimento dos embargantes; c) Incorrendo, como incorreu, a exequente em mora, por não ter praticado – nem ela, nem os antecessores titulares do crédito – quaisquer atos necessários ao cumprimento da obrigação, o devedor proprietário só poderia responder quanto ao objeto da prestação se agisse com dolo, conforme prescreve o art. 814º do CC – o que nem sucedeu, nem sequer foi alegado; d) A serem devidos juros, e como só podem ser-lhes exigidos os relativos aos 3 primeiros anos posteriores ao vencimento dos primeiros juros convencionados, estes estariam necessariamente prescritos na totalidade (acórdão do STJ de 05/11/1980, BMJ 301, 395 e acórdão da Relação de Lisboa de 05/03/1992, BMJ 415, 712). 2.2 Os executados CC e mulher DD deduziram também oposição à execução, através do Apenso B, com fundamento em que: a) A cessão de créditos invocada pela exequente não lhes foi notificada, nem por esta, nem pelo Banco 1..., e essa notificação é indispensável para assegurar a sua legitimidade ativa, conforme tem sido decidido por vários acórdãos que citaram; b) O crédito invocado, uma vez que os executados deixaram de pagar as prestações vencidas desde 01/07/2012, e tendo então o banco 1... considerado vencidas todas as demais prestações futuras, sem que, porém, jamais tenha depois dessa data promovido qualquer diligência judicial tendente a reclamar o crédito, encontra-se prescrito pelo menos desde o dia 27/11/2018 (acórdão da Relação de Lisboa de 23/05/2019, Proc. 316/18.0T8PDL.L1-6, disponível em www.dgsi.pt); c) O contrato de abertura de crédito carece de título executivo, uma vez que para titular o valor que viesse a estar em débito as partes convencionaram a entrega pelos devedores de uma livrança em branco por si subscrita, e a ser preenchida pelo saldo devedor, mas encerrada a conta corrente, jamais a entidade exequente se subsidiou de qualquer livrança. 3.ª Ante a existência dessas duas oposições, e considerando que invocando os devedores do Apenso B a prescrição do crédito, a eventual procedência dessa exceção levaria necessariamente à extinção da execução respeitante ao contrato de mútuo, extensível aos proprietários dos imóveis hipotecados, essa causa seria de considerar prejudicial em relação a esta, o tribunal determinou, por despacho transitado em julgado (referência ...87), a suspensão da instância no Apenso A, até à decisão com trânsito em julgado que viesse a merecer a oposição no Apenso B. 4.ª Porém, sem que nada mais fosse decidido, nem notificado aos embargantes deste Apenso A, vieram estes a ser notificados em 10/11/2011, da decisão em sede de despacho saneador, na qual, com surpresa, se deu por provado que o Apenso B de embargos de executado já estava decidido com trânsito em julgado e no sentido da improcedência, decisão que, aliás, só puderam confirmar após terem requerido a consulta eletrónica do processo, visto que antes tampouco lhes fora permitido consultar o processo. 5.ª No entanto, a sentença produzida no Apenso B não podia deixar de ter sido notificada também aos embargantes deste Apenso A, porquanto, sendo produzida em ação que fora julgada previamente causa prejudicial em relação à presente, e sendo-lhes desfavorável, como foi, teriam o direito de dela recorrer, e nunca neste Apenso A podia ser produzida qualquer sentença sem que formalmente fosse produzido despacho a ordenar o levantamento da suspensão, pelo que a decisão do despacho saneador recorrido viola o caso julgado formado pela decisão que determinou a suspensão do processo, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 269º do CPC, e que só pode cessar nos termos do art. 276º n.º1 alínea c) quando estiver definitivamente julgada a oposição do Apenso B, e após despacho formal a levantar a suspensão (art. 269º n.º1 alínea c) e 276º n.º1 c) do CPC), o que integra duas nulidades, ambas por violação do art. 615º n.º 1 alínea d) do CPC, a primeira por ter sido conhecida questão – o prosseguimento do processo para decisão – de que não podia tomar-se conhecimento, a segunda por ter sido produzida sentença quando o processo estava suspenso, cujo conhecimento implica a declaração da nulidade da decisão e a notificação em regra aos aqui embargantes da decisão produzida no Apenso B. 6.ª Uma outra nulidade foi cometida pelo saneador-sentença recorrido, porquanto, embora referindo que a própria embargada reconhece que os embargantes só podem ser responsabilizados por 3 anos de juros, nos termos do art. 693º n.º 1 e 2 do CC, condenou os mesmos embargantes no pagamento de todos os juros peticionados, nulidade essa por julgamento ultra petita, ou seja, por ir além do pedido, e cuja reparação implica, na pior das hipóteses para os recorrentes, que a sua condenação no pagamento de juros não possa em caso algum ultrapassar 3 anos. 7.ª O saneador-sentença sob crítica decidiu, o que os recorrentes não podem aceitar, quer quanto à matéria de facto fixada, quer quanto ao direito que aplicou que: a) A hipoteca é necessariamente aplicável aos embargantes proprietários, garantindo toda a dívida dos embargantes devedores, não obstantes aqueles não terem assumido qualquer obrigação pessoal, por efeito tão só da constituição da hipoteca, sendo indiferente que o bem onerado pertença ao devedor ou a qualquer terceiro, porque a hipoteca “mantém-se inerente, grudada ao imóvel”, sendo, por isso, oponível aos proprietários também no que respeita aos sucessivos aditamentos aos contratos iniciais, não obstante não constarem do registo; b) Não é configurável qualquer situação de abuso de direito da exequente ou das suas antecessoras, porque nem uma, nem outra excederam os limites da boa fé, e até, ao concederem um financiamento aos devedores em 11/11/2011, com vista a pagar as dívidas anteriores, agiram por forma a melhor garantirem o cumprimento; c) Ainda que se considerasse qualquer prazo de prescrição da dívida (capital e juros), ele teria sempre de considerar interrompido, quer pela reclamação de créditos no processo de insolvência dos primeiros executados (encerrado em 08/11/2013) no qual não obtiveram qualquer pagamento, quer pela intervenção que requereram num processo que correu termos no Tribunal de ..., no qual se discutia se a propriedade dos prédios era dos aqui primeiros executados ou dos aqui segundos executados, decidido por sentença transitada em julgado em 08/03/2017, quer porque o banco 1... reclamou estes créditos, em 31/07/2012, num processo de execução fiscal ainda pendente na Repartição de Finanças ..., pelo que o prazo de prescrição dos créditos nem sequer começou ainda a correr; 8.ª No que respeita à matéria de facto, os recorrentes impugnaram a redação dos factos 20 e 22, e peticionaram o adicionamento de um outro facto, no que respeita à redação daqueles factos 20 e 22 porque, quanto ao primeiro, devia da respetiva redação constar que o processo aí referido está pendente na Repartição de Finanças ... (o que o torna, porque não é um processo judicial, mas meramente administrativo e dele nada foi notificado aos embargantes, inaproveitável para justificar qualquer interrupção do prazo prescricional, que o despacho decidiu) e quanto ao segundo porque não pode nele consignar-se que a decisão do Apenso B transitou em julgado porque a decisão é ainda recorrível pelos aqui embargantes, e quanto ao facto cujo adicionamento se pediu porque se encontra provado por confissão (factos 14 e 15 da petição inicial da ação executiva e 25 e 26 da contestação aos embargos apresentada pela exequente) que o incumprimento dos mutuários teve lugar em 01/07/2012 e 12/07/2012, e que daí decorreu o vencimento imediato e total de cada uma dessas dívidas, naquelas datas, o que é relevante para a decisão, pelo que a matéria de facto deve ser corrigida e aditada nos termos propugnados. 9.ª A decisão recorrida, quanto ao direito que aplicou, com ou sem alteração da matéria de facto, não pode, porém, manter-se, de qualquer modo, pelas razões que sucintamente se passam a enunciar: a) Embora a hipoteca seja um acessório do crédito e vincule os bens sobre que recai ao cumprimento da obrigação que titula, o proprietário do imóvel que não é responsável pessoalmente pela dívida é terceiro em relação aos outorgantes no contrato de mútuo e no contrato de abertura de crédito, pelo que só pode responder pelas obrigações inerentes à hipoteca que constem do registo predial, o que significa que nunca lhe poderiam ser oponíveis negócios ou alterações ao negócio inicial a que sejam alheios ou em que não tenham participado, não podendo invocar-se ex adverso a aplicação do regime da fiança, que a sentença cita, porque não há paridade alguma entre o regime legal da hipoteca e o regime legal da fiança, prescrito pelo art. 631º do CC, que foi aplicado. b) A hipoteca constitui um direito real de garantia que atribui ao respetivo titular poderes diretos e imediatos sobre coisas certas e determinadas, sendo oponível erga omnes, o que a distingue dos direitos meramente obrigacionais, eficazes apenas inter partes, pelo que os 6 aditamentos ao contrato de mútuo celebrados entre o banco 1... e os mutuários, sem intervenção nem conhecimento dos proprietários dos imóveis hipotecados, em 30/06/2009 (antes da compra do prédio pelos embargantes, que ocorreu em ../../2010), e em 21/07/2010, 30/01/2010, 21/11/2010, 15/01/2011 e 30/12/2011 (todos depois da compra dos prédios pelos embargantes) e nenhum deles transcritos para o registo predial, não podem ser oponíveis aos embargantes proprietários; c) A propositura da ação executiva (em 01/10/2021) pela exequente muito depois de 3 anos após a data da declaração de insolvência do devedor (por sentença transitada de 28/02/2013, ou seja, 7 anos antes), o facto de o credor ou o cessionário do crédito deixar decorrer anos a fio até ao momento em que propôs a ação, sem qualquer manifestação de querer cobrar o seu crédito levada ao conhecimento do obrigado, mostra a sua indiferença perante o exercício do direito, criando no proprietário a convicção fundamentada de que o direito já não seria exercido, e revelando manifestamente uma conduta contraditória eivada de abuso de direito na modalidade do venire contra factum proprium ou da supressio (cfr. o parecer de Heinrich Ewald Hörster e Maria Emilia Teixeira na Revista de Direito Comercial, sobre Aval e Prescrição, em 23/01/2022) e são circunstâncias que impedem e paralisam o exercício do direito que a exequente pretende efetivar. d) A disciplina da prescrição do crédito e sua interrupção é a que resulta do art. 310º alínea e) do CC, o que significa que se encontram prescritos quer os juros de mora pedidos, quer o capital, porque uns e outro foram incorporados em cada uma das sucessivas prestações vencidas, e foi declarado o vencimento integral de todas elas com efeitos a partir de 01/07/2012 e 12/07/2012, e é hoje inequívoco que “no caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de 5 anos, nos termos do art. 310º alínea e) do CC, em relação ao vencimento de cada prestação” e “ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos teros do art. 781º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo a quo na data desse seu vencimento em relação a todas as quotas assim vencidas” (cfr. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 06/2022 de 30/06/2022, in DR 1ª Série, n.º 184, de 22/09/2022). e) Aplicando-se ao caso o art. 310º alínea e) do CC, em cujos termos prescrevem que no prazo de 5 anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, e determinando art. 323º n.º 1 e 4 do mesmo diploma que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima direta ou indiretamente a intenção de exercer o direito, sendo equiparada a citação ou a notificação qualquer meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido, só seria possível configurar uma situação de interrupção da prescrição se ocorresse um ato judicial, notificado ao próprio interessado, não sendo equiparável à notificação o conhecimento dado a qualquer outra pessoa, e se o credor manifestar nessas comunicações judiciais, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito. f) Ora, considerando, por um lado, que a interrupção do prazo prescricional só pode dar-se por iniciativa do titular do direito, e através de um ato judicial, que revele a intenção inequívoca do exercício do direito e que seja levado ao conhecimento do devedor, é manifesto que, para além de nenhuma das ocorrências que foi considerada interruptiva da prescrição foi levada ao conhecimento dos embargantes, nenhuma delas é idónea para interrupção do prazo de prescrição dos direitos ajuizados, pois nem o envio de cartas, mais ou menos insistentes, nem a reclamação de créditos no processo de insolvência dos executados-devedores, aliás encerrado por despacho de 28/11/2013 (há mais de 8 anos) nem a ação movida no Tribunal de ..., porque nela não se discutia a validade da hipoteca, mas apenas a propriedade dos prédios (aliás, julgada por sentença transitada em julgado em 08/03/2017), nem a pendência no Serviço de Finanças ... de um processo executivo contra os primitivos devedores, onde o Banco credor reclamou créditos em 31/07/2010 (porque não se trata de um ato judicial e só se o fosse podia interromper a prescrição), podem ser considerados meios idóneos de interrupção da prescrição. 10.ª Por último, e sem prescindir o despacho saneador recorrido, atenta a posição que assumiu quanto aos pedidos formulados, não se pronunciou sobre o alegado na petição em termos de juros (no sentido de que estes, conforme o art. 693º do CC não podem abranger mais do que 3 anos, respeitando estes 3 anos aos juros que se seguem imediatamente ao vencimento dos primeiros juros, de onde resultaria sempre que nenhum juros eram devidos pelos proprietários dos imóveis – cfr. o acórdão do STJ de 05/11/1980, BMJ 301,395 e da Relação de Lisboa de 05/03/1992, BMJ 415,712) assim como não se pronunciou sobre as consequências da mora do credor (art. 813º do CC e a doutrina citada supra, designadamente quanto à impossibilidade de responsabilização do devedor se este não agir com dolo), nem sobre a alegação dos embargantes de que os cálculos de juros estavam incorretamente efetuados, de onde resultaria a iliquidez da obrigação exequenda e essas questões, na hipótese de o acima alegado não ser inteiramente procedente, podem e devem ser analisadas, nos termos e com as consequências que foram indicadas na motivação supra. Termos em que, na procedência do recurso de apelação aqui interposto: a) Deve o despacho saneador recorrido ser julgado nulo e de nenhum efeito, por ter sido produzido estando a instância suspensa por despacho transitado em julgado e antes do trânsito em julgado do despacho equivalente, que determinara a suspensão do processo, produzido no Apenso A; Mas quando assim se não entenda: b) Deve julgar-se procedente o recurso, corrigindo-se a matéria de facto nos termos propugnados, e, ainda que assim se não entenda, c) Deve ser revogada a decisão recorrida, e o pedido ser julgado inteiramente procedente e provado, com a consequência de se julgar extinta a execução, por os embargantes, na qualidade de simples proprietários dos bens hipotecados, não responderem nem pela dívida de capital, nem pela dívida de juros, nem pelas dívidas resultantes da modificação convencional das obrigações originais, sem reflexo no registo, e por, de qualquer modo, essas dívidas se encontrarem prescritas”.
Foram apresentadas contra-alegações, concluindo a exequente nos seguintes termos:
“A. As presentes contra-alegações surgem em resposta ao recurso interposto pelos Executados/Embargantes do douto Saneador- Sentença que julga totalmente improcedente a oposição à execução mediante embargos de executado e, em consequência, ordena o normal prosseguimento dos autos principais de execução; B. Os Apelantes, por um lado, apontam alegadas nulidades do qual o douto saneador-sentença padece na sua base e, por outro, não concordam com a interpretação e aplicação da lei pelo tribunal a quo quanto às questões concretas a que se propõe decidir; C. Alegam os ora Recorrentes que a decisão proferida no Apenso A integra três nulidades, - duas previstas no artigo 615.º/1 alínea d) do CPC, ou seja, por conhecer de questões que não podia tomar conhecimento e uma terceira por, alegadamente, condenar os ora Recorrentes em quantidade superior do que podia, nos termos da alínea e) do mesmo artigo 615.º, embora tal norma legal não seja indicada no recurso a que ora se responde; D. Relativamente à alegação que nunca poderia ter sido proferido no Apenso A qualquer sentença, sem que formalmente fosse proferido despacho a ordenar o levantamento da suspensão decretada, há que relembrar que a suspensão em causa foi decretada nos termos do artigo 272.º/1, ex vi da alínea c) do n.º 1 do artigo 269.º, ambos do CPC, e o próprio artigo 276.º/1 alínea c), também do CPC, prevê logo que tal suspensão cessa quanto estiver definitivamente julgada a causa prejudicial; E. No despacho de suspensão em causa pode ler-se o seguinte: “Nos termos e com os fundamentos expendidos no nosso anterior despacho, considerando ainda a posição das partes, ordeno a suspensão da presente instância por causa prejudicial, nos termos do artigo 272º, nº1, do Código de Processo Civil, até ao trânsito da sentença que vier a ser proferida no apenso B.” (sublinhado nosso); F. Pelo que não restam dúvidas que o levantamento da suspensão opera automaticamente, aquando da ocorrência de uma das duas circunstâncias previstas nessa alínea – neste caso, o trânsito em julgado da decisão relativa à causa prejudicial, ou seja, o trânsito em julgado da sentença proferida no Apenso B – sem necessidade da prolação de novo despacho apenas para esse efeito; G. Quanto à alegação de que a decisão proferida no Apenso B deveria ter sido notificada aos ora Recorridos – que não são parte no Apenso em questão – naturalmente que tal questão não poderá ser apreciada no presente recurso, devendo ser suscitada no correspondente Apenso; H. Não obstante, por cautela de patrocínio, apenas se dirá que desde o despacho de suspensão do presente apenso por causa prejudicial que os ora Recorrentes sabiam que o desfecho do Apenso B poderia teria impacto no desfecho do Apenso A, pelo que, se tinham interesse em conhecer das decisões que aí fossem sendo tomadas e, eventualmente, das mesmas reclamar/impugnar/recorrer, deveriam ter-se acautelado e requerido, oportunamente, a sua intervenção espontânea, o que não aconteceu, não cabendo tal ónus ao tribunal; I. Acrescenta-se que cópia de tal sentença consta, também, dos autos principais, dos quais os ora Recorrentes fazem parte, desde ../../2022, pelo que apenas se pode concluir, uma vez mais, pelo seu desinteresse e a falta de diligência, características do seu comportamento desde o início - desde a compra de imóveis hipotecados a terceiros sem se inteirarem da real situação quanto a esses créditos; J. Relativamente à alegação que o Tribunal a quo condenou os ora Recorrentes no pagamento de todos os juros peticionados, e que tal decisão será nula visto estes só serem responsáveis, no máximo, pelos juros relativos a 3 anos, transcreve-se o exposto no saneador-sentença “A Embargada concede, contudo que enquanto proprietários da garantia hipotecária, os ora Embargantes não são responsáveis diretos pela dívida junto da Exequente, só respondendo, naturalmente, na medida da hipoteca e, por conseguinte, apenas por 3 anos de juros, nos termos do artigo 693.º/ 1 e 2 do Código de Civil, realçando que o pedido executivo engloba todos os juros já que os devedores também foram executados.”; K. Conclui-se assim que os ora Recorrentes só foram, naturalmente, condenados, quanto ao pedido contra si (re)formulado pela Exequente, ora Recorrida, aquando da Contestação enviada ao presente Apenso A, que já teve em consideração a proporção da sua responsabilidade, o que equivale ao valor da hipoteca e 3 anos de juros, nos termos do artigo 693.º/ 1 e 2 do Código de Civil, e que equivale ao valor global de € 493.234,56, não existindo nenhuma condenação em excesso e, por conseguinte, nenhuma nulidade a apontar à decisão recorrida; L. No que respeita à matéria de facto, os Recorrentes impugnaram a redação dos factos 20 e 22 e peticionaram o adicionamento de um outro facto. M. Os recorrentes sugerem que da redação do facto 20 deveria constar que o processo aí referido está pendente na Repartição de Finanças ... – o que já acontece, sendo, portanto, esta alteração completamente desnecessária, na medida em que não acrescenta nada que já não esteja previsto na matéria de facto elencada pelo douto tribunal a quo, pois já resulta claro da conjugação dos factos 20 e 15 (o segundo remete para o primeiro) que o processo em questão é um processo de execução fiscal, tramitado no 1.º Serviço de Finanças .... N. Situação diferente é a consequência que os recorrentes querem retirar deste facto: “não é um processo judicial, mas meramente administrativo e dele nada foi notificado aos embargantes, inaproveitável para justificar qualquer interrupção do prazo prescricional, que o despacho decidiu”, mas que em nada tem que ver com a alteração proposta à redação do ato em si. O. Quanto ao Facto 22, uma vez mais, e tal como já afirmado nas presentes contra-alegações, é entendimento da ora Recorrida que eventuais discordâncias quanto ao trânsito em julgado da sentença proferida no Apenso B, deverão ser suscitadas, discutidas e julgadas em tal Apenso, não podendo ser apreciadas no presente recurso por uma questão de delimitação processual e segurança jurídica, pois nunca um decisão tomada num processo/apenso, poderá ser revogada por outra decisão – ainda que da autoria de um tribunal superior – tomada num outro processo/apenso, no qual as partes nem sequer coincidem. P. Quanto ao Aditamento de um facto onde conste que “o incumprimento dos mutuários teve lugar em 01/07/2012 e 12/07/2012, e que daí decorreu o vencimento imediato e total de cada uma dessas dívidas”, não pode concordar a Recorrida visto na sentença ter sido decidido que “(…) os Embargantes foram declarados insolventes, no processo de insolvência n.º 618/13.... que correu termos no ... Juízo Cível do Tribunal Judicial de ..., cuja sentença foi proferida em 06/03/2013, tendo-se vencido, em consequência dessa declaração de insolvência a totalidade do crédito. Com efeito, prevê o art. 91.º, n.º 1, do CIRE, que, com a declaração judicial de insolvência, a dívida a prazo vence-se antecipadamente, sem necessidade de interpelação do credor ao devedor: dá-se o vencimento automático antecipado.” Q. Pelo que o aditamento de tal facto seria apenas uma forma mascarada dos Recorrentes tentarem enxertar nos presentes autos conclusões que não foram decididos pelo douto Tribunal a quo e, por outro lado, os Recorrentes também não impugnaram diretamente; R. No Saneador-Sentença ora recorrido o douto Tribunal a quo decidiu, e bem, que a hipoteca registada a favor da ora Recorrida nos imóveis penhorados nos autos principais é oponível aos ora Recorrentes; que não poderá proceder a alegação de abuso de direito relativamente à pretensão da Exequente em ser ressarcida dos empréstimos garantidos por hipoteca registada e, por último, que os juros de mora não se encontram prescritos; S. Os Recorrentes insistem na alegação que a hipoteca não lhes é oponível, ou - como parecem fazer crer - só parte da mesma é que lhes será oponível, algo absolutamente inédito e inconcebível atendendo à indivisibilidade do direito de hipoteca consagrada no artigo 696.º do Código Civil; T. A Recorrida vê-se obrigada a relembrar os ora Recorrentes que estes adquiriram, livremente, os dois imóveis ora penhorados e que o registo predial se destina exatamente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário, conforme disposto no artigo 1º do Código de Registo Predial (CRP). U. Aquando dessa aquisição, e conforme se pode constatar pelas certidões prediais, já se encontravam registados, nos prédios em questão, diversos ónus, sendo, portanto do pleno conhecimento dos ora Recorrentes a existência da hipoteca constituída a favor do credor original Banco 1..., S.A., posteriormente cedida à ora Recorrida; V. Pelo que não se entende como é que, confessando os Embargantes ter adquirido os imóveis em questão, dados em garantia através da constituição das hipotecas executadas nos autos principais, podem depois afirmar que as mesmas não lhes são oponíveis, não tendo, no entretanto, ocorrido nos presentes autos qualquer causa de expurgação da hipoteca prevista no artigo 721º do CC. W. Não sendo parte nos contratos em questão, não tiveram, porque não tinham de conhecer, o conteúdo dos mesmos e seus adicionais, visto que estes em nada modificaram as condições das garantias hipotecárias anteriormente estabelecidas, que, ainda apara mais, se referem a hipotecas dita “genéricas” ou seja, hipotecas que garantem todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir de que os devedores, isoladamente, em conjunto ou solidariamente com terceiros, sejam devedores, neste caso, até ao limite de capital de € 450.000,00. X. Pelo que a alegação dos Embargantes de inoponibilidade das hipotecas, ou parte delas não poderá proceder, por total falta de fundamento legal, não merecendo, assim, qualquer reparo, o douto saneador-sentença que conclui, como não podia deixar de ser, pela oponibilidade da hipoteca aos Embargantes, ora Recorrentes; Y. Relativamente ao alegado abuso de direito, como o douto Tribunal a quo decidiu, e bem, não se vislumbra como é que a atuação da Exequente, ora Recorrido, que, ao longo do tempo sempre reclamou e acionou os seus créditos/direitos, criou uma expectativa nos ora Recorrentes, que a presente dívida/hipoteca não seria acionada, quando, ao longo dos anos, a ora Recorrente demonstrou exatamente o contrário; Z. Desde logo quando reclamou créditos no processo de insolvência n.º 618/13.... dos Mutuários, que correu termos no ... Juízo Cível de ..., provenientes dos contratos em causa nestes autos. AA. Depois, quando, espontaneamente, requereu a sua intervenção no Proc. n.º 578/13...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, ... - Inst. Central - ... Secção Cível - J..., nos quais os Recorrentes e os mutuários, co-executados figuraram como réus, onde se discutiu a propriedade dos imóveis penhorados e cuja sentença só foi proferida a 08.03.2017; BB. Assim sendo, não merecerá qualquer reparo, também, a parte do douto despacho-saneador que concluiu “não resultar evidenciado qualquer comportamento da credora hipotecária que possa ofender o sentimento de justiça dominante na comunidade social, nem mesmo se denota qualquer neglicência desta na cobrança do crédito, muito menos que os Embargantes possam ter legitimamente criado a expectativa de que a hipoteca não seria acionada.” CC. Por fim, insistem os Recorrentes na prescrição dos juros, alegando que nenhuma das circunstâncias ocorridas e valoradas pelo douto Tribunal a quo como interruptivas da prescrição, o são; DD. De acordo com o disposto no artigo 306.º, n.º 1, do C.C., o prazo de prescrição começa a contar quando o direito puder ser exercido e decorre do artigo 323.º, do C.C. que não basta o exercício extrajudicial do direito para interromper a prescrição, é necessária a prática de atos judiciais que, direta ou indiretamente, deem a conhecer ao devedor a intenção de o credor exercer a sua pretensão. EE. O n.º 2 do mesmo artigo 323.º do CC esclarece que se a citação ou a notificação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram esses dias. FF. Ora, é facto assente que os Mutuários foram declarados insolventes, no processo de insolvência n.º 618/13.... que correu termos no ... Juízo Cível do Tribunal Judicial de ..., cuja sentença foi proferida em 06/03/2013, o Cedente Banco 1... aí reclamou os seus créditos e que tal processo em questão foi encerrado a 02.12.2013, por insuficiência da massa; GG. Começando, nessa data, a contar nova prazo de prescrição; HH. É também facto assente também que o Banco 1..., reclamou, a 31.07.2012, os mesmos créditos ora peticionados, nos termos do 240.º/1 do CPPT no processo de execução fiscal n.º ...60 que corre termos no 1.º Serviço de Finanças ..., ...-01-003 ... onde está primeiramente penhorado o prédio urbano também penhorado nos presentes autos; II. Resulta também provado que essa penhora mantém-se ativa e o respetivo processo em curso, conforme certidão fiscal onde se inclui a reclamação de créditos recebida pelo Serviço de Finanças em questão, a 31.07.2012, à data apresentada pelo Cedente Banco 1... S.A., no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...60, comprovando-se, deste modo, o facto interruptivo da prescrição; JJ. Pois embora os Executados não tenham sido notificados, ainda, dessa reclamação de créditos, sempre será de aplicar o disposto no n.º 2, do art. 323.º do CC, tendo-se, assim, a prescrição por interrompida em 05/08/2012. KK. Esta é a posição assumida pelo douto tribunal a quo, que seguiu a tendência da jurisprudência maioritária da qual é exemplo o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 03/02/2021, “A reclamação do crédito pelo credor em processo de execução fiscal instaurado contra o devedor constitui meio eficaz de interrupção do prazo prescricional., disponível em www.dgsi.pt; LL. Pelo que também não poderá proceder a exceção invocada, devendo manter-se a sentença recorrida nos exatos termos em que foi proferida; MM. Carecem, assim, os Recorrentes de qualquer fundamento válido para as pretensões formuladas no recurso interposto, pois que não lhes assiste qualquer razão de facto ou de Direito, primando o douto Saneador-Sentença recorrido pelo sentido de justiça, coerência, bom senso e rigor técnico que sempre são expectáveis numa boa decisão judicial NN. E, seguramente por isso, não deixará este Venerando Tribunal de deliberar pela manutenção do douto despacho Saneador-Sentença proferido pelo Tribunal a quo, assim não concedendo provimento ao presente recurso”.
O recurso foi admitido por despacho de 10/01/2023, pronunciando-se a Mm.ª Juiz a quo nos seguintes termos:
“Coligida devidamente a decisão proferida e salvo melhor opinião, não se vislumbra que a sentença padeça das nulidades arguidas pelos Embargantes/recorrentes, pelo que, quanto a este particular, considero não haver motivos para reparar o decidido. Cumpre destacar que, no que se refere à alegada prolação da sentença sem prévio despacho a declarar finda a suspensão da instância, nos parece a mesma inconsequente. Na verdade, já por despacho de 23-03-2022 o Tribunal notificou as partes de que era seu entendimento que os autos reuniam os elementos suficientes para conhecer imediatamente do mérito da causa, nos termos do disposto no art.º 595º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil), afigurando-se-nos dispensável a realização de audiência. Nessa altura Embargantes e Embargada concordaram com o entendimento do Tribunal. Sucede que, estando os autos conclusos para saneador-sentença, entendeu o Tribunal, após melhor estudo de todo o processo e apensos, que haveria de suspender-se a presente instância por causa prejudicial, nos termos do artigo 272º, nº1, do Código de Processo Civil enquanto não fosse decididos, com trânsito em julgado, os Embargos de Executado deduzidos pelos Co-Executado(a)(s) /devedores (apenso B), suspensão essa que foi ordenada, após se ouvirem as partes, por despacho de 06-06-2022. Assim, os presentes autos apenas foram conclusos quando a sentença proferida no apenso B. E embora não se tenha expressamente declarado finda a suspensão da instância, nos factos provados na sentença é afirmado precisamente o trânsito em julgado da sentença proferida no apenso B, sendo certo que, uma vez cessada a suspensão da instância os autos retomaram na fase em que se encontravam antes do despacho de que a ordenou, isto é, a prolação de sentença. Sucede que os ora Recorrentes sustentam que deveriam ter sido notificados da sentença proferida no apenso B, trata-se de argumento que os ora Embargantes já aduziram no âmbito do recurso que apresentaram nesses Embargos de Executado, estando pendente a reclamação do despacho que não admitiu esse recurso. Ora a ser procedente tal reclamação a verdade é que tal terá implicações na sentença proferida nestes autos, pois que nesse caso não poderá considerar-se transitada em julgado a sentença proferida no apenso B a qual como já se afirmou constitui causa prejudicial. Pelo que deverá aguardar-se pela decisão que vier a ser proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães quanto à reclamação apresentada pelos aqui Embargantes e, na sua procedência, quanto ao recurso da sentença desse processo”.
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Releva ainda para a apreciação desta apelação a tramitação do apenso B.
Nesses embargos de executado, os devedores executados deduziram oposição que veio a ser julgada improcedente por decisão de ../../2022, não tendo aqueles executados apresentado recurso.
Tal recurso foi apresentado pelos embargantes deste apenso A, em 28/11/2022, não tendo o mesmo sido admitido pela Mm.ª Juiz que proferiu a decisão (despacho de não admissão de 16/12/2022), reconhecendo-se aos embargantes do apenso A legitimidade para interpor recurso, mas considerando que o mesmo havia sido apresentado fora do prazo.
Tal despacho de não admissão de recurso foi objeto de reclamação por parte dos embargantes recorrentes, tendo sido proferida decisão que admitiu o recurso apresentado, considerando-o tempestivo.
Admitido o recurso, foi o mesmo julgado improcedente por Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 12/10/2023, não tendo sido admitido recurso de revista excecional (Acórdão de 07/02/2024).
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A apelação apresentada nos presentes autos ficou no Juízo de Execução enquanto esteve em apreciação o recurso apresentado pelos ora embargantes à decisão proferida nos embargos que constituem o apenso B, só sendo ordenada a sua remessa a este Tribunal da Reação após o seu trânsito em julgado.
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IV - Questões a decidir:
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por C. P. Civil) -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:
1 - Se a sentença proferida é nula.
2 - Se existe fundamento para alterar a matéria de facto considerada provada
3 - Se, alterada ou não a decisão sobre a matéria de facto, deve ser alterada a decisão de direito.
V – Fundamentação de facto:
Na decisão proferida nestes autos foram dados como provados os seguintes factos:
“1. A EMP02... - Stc, SA instaurou, em 01/10/2021, a execução para pagamento da quantia de 692.034,12 € (Seiscentos e Noventa e Dois Mil e Trinta e Quatro Euros e Doze Cêntimos), contra os ora Embargantes AA e BB e ainda contra CC e DD e outros – cfr. requerimento executivo junto aos autos principais. 2. Como título executivo foram juntos: a) - o documento particular designado de contrato de Mútuo n.º ..., datado de 30 de novembro de 2005, e respetivos adicionais – cfr. doc. 5 junto com o requerimento executivo; b) - o documento particular denominado Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente n.º ..., celebrado a ../../2011 – cfr. doc. 6 junto com o requerimento executivo. 3.O primitivo credor Banco 1...(Banco 1...), no âmbito da sua atividade comercial, celebrou a 30 de novembro de 2005, com os Executados CC e DD, na qualidade de mutuários, um Contrato de Mútuo com o n.º ..., e, posteriormente, seis adicionais ao mesmo, conforme contrato e respetivos adicionais juntos com o requerimento executivo como Documento n.º 5 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. 4. Nos termos da Cláusula 1º do Contrato de Mútuo, os mutuários CC e DD confessaram-se solidariamente devedores ao Banco 1... da quantia de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), sendo que o empréstimo em causa foi concedido pelo prazo de 10 anos, devendo ser reembolsado em 120 prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, tendo os mutuários pedido sucessivas carências, a última das quais na data de 30/11/2011, na qual ficou estabelecida introdução de uma carência de capital e juros por um período de 6 meses, após a qual os devedores teriam de reembolsar o empréstimos em 43 prestações mensais constantes e sucessivas de capital e juros. 5. Entre as partes referidas em 3 foram celebrados os seguintes adicionais a esse contrato de mútuo: a) Em 30 de julho de 2009, aí tendo sido convencionado a introdução, a contar dessa data, de um período de carência de capital, pelo período de 6 meses. b)Em 21 de julho de 2010, aí tendo sido convencionado a introdução, a contar de 30 de junho de 2010, de um período de carência de capital, pelo período de 3 meses; c) Em 30 de janeiro de 2010, aí tendo sido convencionado a introdução, a contar dessa data, de um período de carência de capital, pelo período de 3 meses; d) Em 2 de novembro de 2010, aí tendo sido convencionado a introdução, a contar dessa de 30 de Setembro de 2010, de um período de carência de capital, pelo período de 3 meses; e) Em 15 de janeiro de 2011, aí tendo sido convencionado a introdução, a contar de 30 de Dezembro de 2010, de um período de carência de capital, pelo período de 6 meses; f) Em 30 de novembro de 2011, aí tendo sido convencionado a introdução, a contar dessa data, de um período de carência de capital, pelo período de 6 meses; 6.Os mutuários não procederam ao pagamento da prestação vencida em 01/07/2012 no âmbito do Contrato de Mútuo (doc. 5) nem da prestação vencida em 12/07/2012 no âmbito do Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente, nem das prestações subsequentes, situação que se mantém até à presente data. 7. Por escritura pública lavrada a 30 de novembro de 2005, denominada de «HIPOTECA VOLUNTÁRIA UNILATERAL» CC e DD declararam pretender constituir hipoteca a favor do Banco 1..., para garantia do integral pagamento das quantias de que o referido Banco venha a ser credora, sobre os imóveis seguintes: a) prédio rústico denominado “...”, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º...99,inscrito na matriz sob o artigo 466, e sito no lugar do Monte, freguesia ..., concelho ...; b) prédio urbano composto de casa de habitação de três andares e quintal, descrito naConservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...04, inscrito na matriz sob o artigo ...1, e sito no lugar ..., freguesia ..., concelho .... 8. Da cláusula 1ª dessa escritura de «HIPOTECA VOLUNTÁRIA UNILATERAL» ficou a constar: «1. A presente hipoteca é constituída para garantia do pagamento da quantia de QUATROCENTOS E CINQUENTA MIL EUROS, que o dito Banco 1... emprestou aos outorgantes, proveniente de dois contratos, sendo um de mútuo e outro de abertura de crédito, em conta corrente, celebrados por documentos particulares na data de hoje (…). A hipoteca garante ainda, até ao limite global máximo de quatrocentos e cinquenta mil euros, todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir por eles outorgantes, concretamente: (…) 2- O montante máximo de capital e acessórios garantido pela hipoteca é de seiscentos e oitenta e nove mil seiscentos e vinte e cinco euros.» 9. Os mutuários, CC e DD apresentaram-se à insolvência, em 27 de fevereiro de 2013, tendo a mesma sido declarada por sentença proferida em 06 de março de 2013, transitada em 28-03-2013, no âmbito do processo n.º 618/13...., que correu termos no ... Juízo Cível de ... – cfr. certidão junta com a p.i. de Embargos de Executado como doc. 1. 10. O banco 1... (Banco 1...) reclamou créditos na insolvência referida em 9, no valor global de €442.654,24 provenientes dos contratos referidos em 2 – cfr. lista de créditos reconhecidos apresentada nesses autos de insolvência apenso A e que se consultaram eletronicamente. 11. No âmbito do processo de insolvência dos Embargantes foi proferido, em 18-04-2013, despacho de indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante – cfr. certidão junta com o requerimento executivo como doc. 13. 12. Por despacho de 28-11-2013, foi declarado encerrado o processo de insolvência dos Embargantes, por insuficiência da massa - cfr. certidão junta com a p.i. de Embargos de Executado que constitui o apenso B como doc. 1. 13. Os imóveis referidos em 7, foram os indicados à penhora, e penhorados no âmbito da execução de que estes autos são apenso. 14. Sobre esses imóveis estão inscritas, ao que ora releva: - pela AP. ...6 de 2005/12/02 - Hipoteca Voluntária, de MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO: 689.625,00 Euros, a favor do Banco 1..., «FUNDAMENTO: garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir, concretamente: a ) pagamento de toda e qualquer letra, livrança, cheque ou extrato de fatura de que o banco 1... seja portadora e em que os devedores, isoladamente, em conjunto ou solidariamente com terceiros , se hajam obrigado por aceite, subscrição, saque, aval ou endosso e ainda que por atos diferentes; b) pagamento de toda e qualquer quantia que o referido Banco tenha emprestado ou venha a emprestar, através de mútuo, abertura de crédito, saldos devedores ou descobertos em contas de depósito de que os devedores, isoladamente, em conjunto ou solidariamente com terceiros, sejam devedores, e, ainda de qualquer crédito concedido pelo mesmo Banco proveniente de contrato de locação financeira mobiliária , de contrato de desconto ou de aceite em títulos de crédito do qual sejam sacadores os devedores, por forma isolada, solidária ou conjunta; c) reembolso de quaisquer quantias que a mesmo banco 1... tenha despendido ou venha a despender por quaisquer garantias bancárias já prestadas ou a prestar, de que sejam ordenadores os devedores, até ao limite do valor de : 450 000,00€: JURO ANUAL: 13,75% acrescido de 4% em caso de mora.» - pela Ap. ...29 de 2010/05/12 10:15:28 UTC – Aquisição, a favor dos ora Embargantes AA casado/a com BB, por compra aos Co-Executado(a)(s) CC E MULHER; - pela AP. ...56 de 2012/10/23 16:27:09 UTC – Ação instaurada pela Massa insolvente de EE e FF, contra os ora Embargantes, contra os Co-Executado(a)(s) e contra Sociedade EMP03... SA. (Proc. nº 5160/08.... - ... Juízo Cível do Tribunal Judicial de ...) cfr. averbamento OF. de 2012/12/04; - AVERB. - AP. ...86 de 2019/07/31 09:44:12 UTC - Transmissão de Crédito, .... 36 de 2005/12/02 - Hipoteca Voluntária a favor da Exequente, ora Embargada EMP01...-STC, S.A.. 15. Sobre o imóvel urbano referido em 6. b), encontra-se ainda inscrita pela AP. ...69 de 2010/05/11 12:23:50 UTC – Penhora, a favor da FAZENDA NACIONAL - SERVIÇO DE FINANÇAS DE ... – 1, no âmbito do PROCESSO Nº ...60... Serviço de Finanças ... - 1ª – cfr. certidão predial junta aos autos de execução em 13/10/2021 sob a ref.ª ...66. 16. Esteve em curso o Proc. n.º 578/13.... (anterior Proc. nº 5160/08.... - ... Juízo Cível do Tribunal Judicial de ...) que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, ... - Inst. Central - ... Secção Cível - J..., em que era Autora a Massa insolvente de EE e FF, representada pela Administradora GG, e Réus 1º -EE e FF; 2º- CC e DD (Co-Executado(a)(s); 3º- AA e BB (ora Embargantes); 4º-Sociedade EMP03... SA.;17. Nessa ação foi peticionado: «1º sejam os Rs. condenados a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre os bens imóveis identificados» - imóveis esses que correspondem aos referidos em 6; 2ºsera “escritura pública de compra e venda outorgada em 18.01.2002 no Segundo Cartório Notarial de ... em que CC e mulher, DD adquiriram à sociedade anónima SOCIEDADE EMP04..., S.A. os imóveis identificados no ponto primeiro do pedido, quer a escritura pública de compra e venda em que os supra citados 2.ºs RR./CC e mulher, DD venderam aos aqui 3ºs Rs. os citados bens imóveis, encontrando-se atualmente aqueles bens registados em nome destes sob a Ap. ...29 de 12.05.2010 declarados NULOS”; 3º ser declarada a NULIDADE, por SIMULAÇÃO, quer da compra e venda objeto da escritura pública de compra e venda outorgada em 18.01.2002 no ... Cartório Notarial ... em que CC e mulher, DD adquiriram à sociedade anónima SOCIEDADE EMP04..., S.A. os imóveis identificados no ponto primeiro do pedido, quer da compra e venda objeto da escritura pública de compra e venda em que os supra citados 2ºs Rs. CC e mulher, DD venderam aos aqui 3ºs Rs. os citados bens imóveis; 4º serem declarados nulos quaisquer registos que tenham por objeto os atos simulados reportados aos bens imóveis objeto da presente ação; 5º subsidiariamente – nos termos do disposto no art.º 469.º do C. P. Civil vigente – e na hipótese cautelar de não admissibilidade do pedido anterior serem os Rs. condenados a, solidariamente, reconhecerem o direito de propriedade que assiste à A. relativamente aos imóveis identificados no ponto primeiro do pedido; 6º “serem os Rs. a reconhecer que os atos que praticam sobre os imóveis que detém pertença da A. é abusiva e ilegítima”; 7º serem os Rs. condenados a restituir à A. os imóveis identificados no ponto primeiro do pedido e que ilegitimamente ocupam, devendo, para o efeito, desocupar os citados prédios bem assim como o ali edificado.» 18. Resulta da sentença proferida nesses autos, em 31/01/2017, que «Por requerimento de fls. 538, veio o banco 1... deduzir incidente de intervenção espontânea, alegando ter celebrado com os 2ºs Rs. contratos de mútuo, tendo sido constituída garantia de hipoteca sobre os imóveis em causa nesta ação em seu benefício, devidamente registada, sendo-lhe inoponível a nulidade ou anulabilidade dos negócios realizados, sendo considerada terceira de boa-fé. Requereu assim a improcedência da ação e, subsidiariamente, caso tal não acontecesse, que fosse ordenada a manutenção da hipoteca constituída para garantia dos das obrigações decorrentes dos contratos celebrados.»; 19. Sentença essa que veio a julgar a ação improcedente, tendo transitado em julgado em 08.03.2017 – cfr. certidão junta como doc. 14 da contestação aos presentes Embargos de Executado que constituem o apenso B. 20. O banco 1... (Banco 1...), a 31 de julho de 2012, reclamou os seus créditos – os mesmos ora peticionados – nos termos do 240º nº1 do CPPT no processo de execução fiscal referido em 15 – cfr. certidão junta aos Embargos de Executado que constituem o apenso B em 01-06-2022; 21. Tal reclamação encontra-se pendente de verificação e graduação de créditos, que apenas será objeto de apreciação após a venda do imóvel em causa, não tendo sido a mesma notificada aos aí Executado(a)(s), ora Embargantes. 22. Por sentença proferida no Apenso B, de Embargos de Executado deduzidos pelos devedores Co-Executados foi proferida sentença, já transitada em julgado, que julgou os mesmos improcedentes, ordenando o normal prosseguimento da execução para cobrança do crédito exequendo”.
Não foram considerados como não provados quaisquer factos.
VI - Fundamentação de direito:
1. Começaram os embargantes por arguir a nulidade da sentença proferida.
1.1. Alegam, por um lado, que a sentença proferida no apenso B não se encontrava transitada em julgado no momento em que foi proferida a sentença destes autos, e que, por outro lado, por essa mesma razão, se mantinha suspensa esta instância precisamente porque a sentença proferida naquela causa prejudicial não havia ainda transitado em julgado.
Entendem ainda que teria de ser proferido despacho expresso que desse conhecimento do referido trânsito em julgado da sentença proferida no apenso B e ordenasse a tramitação deste apenso A.
Invocam assim a violação do disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea d), do C. P. Civil porque foi conhecida questão de que não se podia – ainda – tomar conhecimento e porque foi proferida sentença quando esta instância estava ainda suspensa.
Não é objeto de recurso o fundamento da suspensão da instância por existência de causa prejudicial.
O que se discute é apenas se estava ou não cessada a suspensão da instância e as condições em que poderia ser proferida a decisão de mérito que o Tribunal havia entendido já estar em condições de proferir.
Quando se pronunciou sobre as nulidades invocadas, e apesar de entender que as mesmas não se verificavam, logo referiu a Mm.ª Juiz que o desfecho da reclamação apresentada pelos aqui embargantes perante a não admissão do recurso da sentença proferida o apenso B teria relevo para estes autos, “pois que nesse caso não poderá considerar-se transitada em julgado a sentença proferida no apenso B a qual como já se afirmou constitui causa prejudicial”.
Ora, como resulta da tramitação daquele apenso B e está referida no relatório deste Acórdão, o recurso ordinário que os aqui embargantes apresentaram naqueles autos acabou por ser admitido, entendendo este Tribunal da Relação que o mesmo era tempestivo.
Citando aquela que foi a decisão proferida neste Tribunal da Relação de Guimarães no apenso C de reclamação pela não admissão do recurso: “ora, sendo certo que o julgamento definitivo dos embargos B constituía – e assim foi previsto expressamente no despacho de suspensão – como o evento condicionante do levantamento desta, por força da alínea c), do nº 1, do artº 272º, CPC, não o é menos que nenhum despacho declarativo da sua ocorrência nem a notificação da mesma aos embargantes do A, constam como necessários ou devidos no regime da suspensão/cessação da instância. Tal efeito é, sem dúvida, automático, ope legis, não carece, para ele se produzir, de qualquer intervenção constitutiva, sequer declarativa do juiz”.
Concorda-se em absoluto com este entendimento e, assim, entendemos que a cessação da suspensão da instância por existência de causa prejudicial não carece de ser declarada em qualquer despacho, não existindo qualquer omissão de uma formalidade que a lei impusesse na situação em apreço.
Porém, como aí foi decidido, necessário se tornava dar conhecimento da sentença proferida naquela que era a causa prejudicial destes autos, aos aqui embargantes, precisamente porque se entendeu que tinha tal natureza e poderia afetar a pretensão que nestes autos deduziram.
Como logo admitiu - e bem - a Mm.ª Juiz que admitiu o recurso, a admissão do recurso da sentença proferida no apenso B tinha consequências para estes autos, pois que dela resultava que a sentença proferida não estava, afinal, transitada em julgado, nos termos em que haviam sido por si considerados.
Com efeito, nos termos do art.º 628.º do C. P. Civil, considera-se transitada em jugado a decisão que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.
Tendo sido entendido que o recurso ordinário interposto pelos aqui embargantes em 28/11/2022, perante a decisão proferida no apenso B em ../../2022, era tempestivo, daí decorre que, quando em 09/11/2022 foi proferida a sentença deste apenso A, aquela decisão não tinha ainda transitado em julgado.
E se a decisão da causa prejudicial – proferida no apenso B – não tinha ainda transitado em julgado, a instância destes autos mantinha-se suspensa e não podia, por isso, proferir-se a sentença, pois que no decurso da suspensão podem apenas praticar-se os atos referidos no art.º 275.º do C. P. Civil, não sendo a prolação da decisão final um deles.
Nos termos do art.º 615.º, n.º1, alínea d), do C. P. Civil é nula a sentença em que o Juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento.
É o que acontece quando o Tribunal profere decisão de mérito quando a instância está, ainda, suspensa, por existência de causa prejudicial na qual, tendo sido proferida sentença, a mesma ainda não transitou em julgado.
Cumpre, pois, julgar procedente o recurso interposto e reconhecer a nulidade da sentença proferida pois que, na data em que a mesma foi proferida, a instância se mantinha suspensa por existência de causa prejudicial – a que corra termos no apenso B –, na qual havia já sido proferida decisão, mas que não estava ainda transitada em julgado.
Dispõe, porém, o art.º 665.º do C. P. Civil que, ainda que declare nula a decisão, deverá o Tribunal conhecer do objeto da apelação.
É certo que, tendo este recurso sido admitido em 10/01/2023, se o mesmo tivesse subido imediatamente, não poderia este Tribunal da Relação apreciar os demais fundamentos do recurso enquanto a decisão proferida no apenso B não estivesse efetivamente transitada em julgado, pois que se manteria a suspensão da instância.
Porém, como resulta da tramitação destes autos, esta apelação foi remetida para este Tribunal da Relação apenas após o trânsito em julgado da decisão proferida no apenso B, precisamente aquela que apreciou o recurso apresentado pelos aqui embargantes, julgando-o improcedente.
Ou seja, quando estes autos foram remetidos a este Tribunal da Relação de Guimarães, já havia cessado a suspensão da instância declarada neste apenso A, atento o trânsito em julgado da decisão proferida na causa prejudicial (apenso B).
Note-se que os embargantes recorrentes requerem precisamente que lhes seja notificada a decisão proferida no apenso B, para que dela possam recorrer, quando é certo que, nesta data, tal direito já lhes foi reconhecido naquele apenso e foi apreciado o recurso que interpuseram.
Assim, considerando o disposto no art.º 665.º do C. P. Civil, nada obsta a que, apesar de ser nula a sentença proferida, este Tribunal de recurso profira decisão em que aprecie os demais fundamentos do recurso, pois que, nesta data, a sentença proferida no apenso B – causa prejudicial – já se encontra transitada em julgado.
1.2. Alegam também os recorrentes que a decisão é também nula porque julga os embargos totalmente improcedentes, mesmo quanto à possibilidade de contabilização dos juros de mora, embora refira que apenas podem ser considerados os juros referentes a três anos, tal como a exequente admite na contestação apresentada nestes embargos.
Entendem assim que a sentença é nula, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alínea e), do C. P. Civil, pois que é manifestamente ultra petita.
Nos termos desta norma, é nula a sentença que condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
A alegação dos recorrentes assume que a exequente apenas está apenas a reclamar destes embargantes o pagamento de três anos de juros, considerando, assim, que o Tribunal está a condenar os executados embargantes a pagar quantia superior à que estava a ser exigida.
Não é esta a alegação da exequente.
Como resulta do requerimento executivo, sem que tenha feito qualquer distinção relativamente a qualquer um dos executados demandados, a exequente indicou no requerimento executivo estar em dívida a quantia de 405.382,62 euros de capital (estando em causa, naturalmente, as prestações devidas, nelas se contêm, capital e juros) e de 286.651,50 euros a título de juros de mora, indicando como períodos de contagem: 01/07/2012 a 07/07/2021, reclamando o valor de 169.902,18 euros e 12/07/2012 a 07/07/2021, reclamando o valor de 116.749,32 euros.
Nos embargos deduzidos alegaram os recorrentes que seriam apenas devidos os juros relativos aos três primeiros anos (01/07/2012 a 01/07/2015 e de 01/07/2012 a 01/07/2015) – art.º 41.º do articulado.
Na sua contestação, sobre esta matéria, a exequente alegou que “enquanto proprietários da garantia hipotecária, os ora Embargantes não são responsáveis diretos pela dívida junto da Exequente, só respondendo, naturalmente, na medida da hipoteca e, por conseguinte, apenas por 3 anos de juros, nos termos do artigo 693.º/ 1 e 2 do Código de Civil. Nota-se, contudo, que não podia o Exequente deixar de peticionar o valor em dívida nos termos em que o fez, na medida em que são também demandados os Mutuários, responsáveis pela totalidade quantia exequenda. Ora, resultando a legitimidade de acionar os Embargantes do disposto no artigo 54º/2 do CPC, da mera aplicação legal resultariam sempre dois limites: • Limite da contabilização de 3 anos de juros, nos termos do artigo 693.º nº1 e 2 do Código Civil; • Limite do montante máximo garantido pela hipoteca, in casu, € 689.625,00; Para clareza de exposição, dir-se-á que que, relativamente aos ora Embargantes, o valor global da dívida que lhe pode ser assacado seria € 493.234,56 (quatrocentos e noventa e três mil, duzentos e trinta e quatro euros e cinquenta e seis cêntimos), nos seguintes termos: A) Contrato de Mútuo n.º ...: € 291.500,23 Capital: € 240.089,14 Juros de mora contabilizados desde 2012/07/01 a 2015/07/01 à taxa contratual, conforme nota débito já junta com o requerimento executivo: € 51.411,09 B) Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente n.º ...: € 201.734,33 Capital: € 165.293,48 Juros de mora contabilizados desde 2012/07/12 a 2015/07/0101 à taxa contratual, conforme nota débito já junta com o requerimento executivo: € 35.039,29”.
Resulta claro desta transcrição que a própria embargada exequente aceita que, perante os aqui executados embargantes, os juros que peticionou de 169.902,18 euros e 116.749,32 euros não são devidos, sendo apenas devidos os montantes de 51.411,09 euros e 35.039,29 euros, respetivamente, pois que serão considerados apenas três anos de juros.
Apesar, porém, desta sua alegação, nenhuma redução efetuou a exequente ao pedido exequendo e, assim, este manteve-se nos exatos termos em que foi efetuado.
Não colhe o argumento apresentado pela embargada no sentido de o pedido exequendo ter de ser feito desta forma, atenta a responsabilidade dos demais devedores. Nada impedia a exequente de indicar o valor de juros de mora que entendia ser devido por cada conjunto de executados, tendo sido sua a opção de peticionar juros de mora para além do prazo de três anos que, afinal, acabe por entender ser devido.
Quer isto dizer que, ao julgar os embargos totalmente improcedentes, como decidiu, o Tribunal a quo implicitamente afirmou que a totalidade dos juros de mora peticionados era devida, também em relação aos executados aqui embargantes e que, não sendo devedores da quanta exequenda, respondem por ela por serem proprietários dos imóveis sobre os quais foi constituída a garantia real de hipoteca.
Não existe assim qualquer condenação em quantidade superior à peticionada nos autos de execução, apesar da posição que, nesta matéria, a exequente assumiu na contestação apresentada nestes embargos.
É, no entanto, claro que, tal como referem os recorrentes, não é este o sentido da decisão.
Sobre esta matéria, escreveu-se na decisão de 1.ª Instância:
“A Embargada admite expressamente no art.º 34 da contestação que «enquanto proprietários da garantia hipotecária, os ora Embargantes não são responsáveis diretos pela dívida junto da Exequente, só respondendo, naturalmente, na medida da hipoteca e, por conseguinte, apenas por 3 anos de juros, nos termos do artigo 693.º/ 1 e 2 do Código de Civil.» Ou seja, as partes não dissentem nos seguintes pontos: - 1º em que os ora Embargantes não são devedores, mas apenas e tão só os titulares registados dos imóveis sobre os quais incide a garantia hipotecária dos créditos exequendos; - 2º que os imóveis hipotecados só poderão responder pela dívida exequenda na medida da hipoteca constituída e apenas por 3 anos de juros”.
Ou seja, o Tribunal dá por adquirido que, tal como consta dos embargos deduzidos e está aceite pela embargada exequente, no que a estes embargantes se reporta, apenas são devidos três anos de juros, pois que estão a ser demandados apenas como proprietários dos imóveis sobre os quais foi constituída a hipoteca que garante esta dívida, como resulta claro do disposto no art.º 693.º do C. Civil, estando embargantes e exequente de acordo que se considerem apenas os primeiros três anos do período indicado no requerimento executivo.
Assim, percebe-se que estão todos de acordo: Tribunal de 1.ª Instância, embargantes e exequente.
Mas este entendimento não é coerente com o dispositivo da decisão proferida.
Não tendo havido qualquer redução do pedido exequendo, daqui decorre claramente que a consequência lógica da decisão seria julgar os embargos deduzidos parcialmente procedentes, precisamente no que se refere aos juros vencidos e vincendos e que excedem os referidos três anos iniciais.
A decisão proferida é, pela circunstância alegada pelos recorrentes, nula, não porque o Tribunal tenha excedido os limites da condenação, mas porque a sua fundamentação implicaria a procedência parcial dos embargos deduzidos, precisamente por apenas puderem ser exigidos destes embargantes (proprietários dos imóveis hipotecados) três anos de juros, estando assim a sua fundamentação em oposição com o que, nessa matéria, foi decidido.
Este Tribunal não está vinculado ao enquadramento jurídico alegado pelos recorrentes, reconhecendo a nulidade invocada não com fundamento na alínea e) do n.º1 do art.º 615.º do C. P. Civil, mas na sua alínea c).
As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (vide, neste exato sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04/10/2018, da Juiz Desembargadora Eugénia Cunha, proc. 1716/17.8T8VNF.G1 inwww.dgsi.pt).
Em relação à nulidade referida, como se escreveu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 29/05/2024, do Juiz Desembargador Gonçalo Magalhães, proc. 1766/20.7T8VCT-AK.G1, no site já citado, há um “vício lógico no próprio silogismo judiciário em que se estrutura a fundamentação da decisão, exigido pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º, porquanto a decisão não é a conclusão lógica daqueles fundamentos, sejam estes as normas aplicadas (premissa maior) ou os factos provados (premissa menor)” (Rui Pinto, “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC)”, Julgar Online, maio de 2020, pp. 18-19”.
Impõe-se, assim, declarar a nulidade da sentença proferida, e, em conformidade, adequar a decisão à sua fundamentação, julgando parcialmente procedentes os embargos deduzidos, na parte relativa aos juros peticionados, vencidos e vincendos, que são reclamados para além dos três anos iniciais (a partir de 01/07/2015 e 07/07/2015).
Sem prejuízo, considerando o disposto no art.º 665.º do C. P. Civil, nada obsta à apreciação dos demais fundamentos da apelação.
2. Em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, insurgem-se os recorrentes quanto aos factos 20 e 22 que foram dados como provados, sugerindo ainda o aditamento do facto 23.
Facilmente se percebe que a impugnação dos recorrentes se prende mais com a concreta redação dos factos dados como provados perante os factos alegados e os documentos juntos, pois que, tendo sido proferido despacho saneador sentença, aqueles foram elencados sem que tenha sido realizada audiência de julgamento, considerando, por isso, apenas a posição de cada parte perante a alegação da parte contrária e a prova documental apresentada.
Assim, apenas tal ponderação terá de ser realizada, tendo em vista tal reapreciação.
No que se refere ao facto 20, insurgem-se os recorrentes quanto ao facto de não constar da decisão que o mesmo se encontra ainda pendente na respetiva repartição de finanças, sugerindo que tal indicação seja aditada na sua redação.
Fez-se constar nos factos 20 e 21: 20. O banco 1... (Banco 1...), a 31 de julho de 2012, reclamou os seus créditos – os mesmos ora peticionados – nos termos do 240º nº1 do CPPT no processo de execução fiscal referido em 15 –cfr. certidão junta aos Embargos de Executado que constituem o apenso B em 01-06-2022; 21. Tal reclamação encontra-se pendente de verificação e graduação de créditos, que apenas será objeto de apreciação após a venda do imóvel em causa, não tendo sido a mesma notificada aos aí Executado(a)(s), ora Embargantes.
O processo de execução fiscal em questão está identificado em 15 (“PROCESSO Nº ...60... Serviço de Finanças ...”).
Tal alegação corresponde ao que foi referido pela exequente na sua contestação: “52. Ainda que assim não fosse, o que por mera hipótese de raciocínio se coloca, sempre se refira que sob o imóvel urbano se encontra registada uma penhora prévia a favor da Fazenda Nacional, no âmbito do processo nº ...60 que corre termos no Serviço de Finanças ..., 53. E que a Embargada, a 31 de julho de 2012, veio a reclamar os seus créditos – os mesmos ora peticionados – nos termos do 240º/1 do CPPT no processo em causa, conforme Documento n.º 8 que se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 54. O processo de execução fiscal em questão encontra-se, à data de hoje, ainda em curso, mantendo-se a penhora registada conforme se comprova pela simples análise da certidão de registo de predial já junta”.
Não vemos de onde se possa retirar que falte esclarecer o que quer que seja,
O processo de execução fiscal é, pela sua natureza, um processo que é tramitado no serviço de repartição de finanças e tal tramitação foi pressuposta na decisão proferida, entendendo-se que tal natureza não impede que seja considerada para efeito de interrupção da prescrição.
Nada existe assim de novo e de relevante que deva ser aditado ao facto 20 que a sua redação já não evidencie.
Improcede assim a impugnação apresentada.
No que se reporta ao facto 22, está em causa a questão já supra apreciada e relativamente à qual se reconheceu assistir razão aos recorrentes: na data em que foi proferida a decisão, a sentença proferida no apenso B não estava ainda transitada em julgado, embora, hoje, na data em que é proferido este Acórdão já o esteja, alterando-se, em conformidade, a redação do referido facto.
Pretendem ainda os recorrentes que seja dado como provado que:
“23. Os mutuários não procederam ao pagamento da prestação vencida em 01/07/2012 no âmbito do contrato de mútuo, nem da prestação vencida em 12/07/2012 no âmbito do contrato de abertura de crédito em conta corrente, nem das prestações subsequentes, situação que se mantém até à presente data, pelo que o incumprimento por parte dos mutuários provocou o vencimento total da dívida, conforme foi confessado pelos mutuários nos presentes autos”.
Está dado como provado que:
“6. Os mutuários não procederam ao pagamento da prestação vencida em 01/07/2012 no âmbito do Contrato de Mútuo (doc. 5) nem da prestação vencida em 12/07/2012 no âmbito do Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente, nem das prestações subsequentes, situação que se mantém até à presente data”.
Ora o que pretendem os recorrentes que seja aditado não constitui matéria de facto mas uma conclusão jurídica e que é a de saber se o não pagamento das prestações provocou ou não o vencimento total da dívida, como alega a exequente e vemos agora, é aceite pelos executados, apesar de tudo o que alegaram desconhecer na sua petição de embargos.
Não existe assim qualquer nova matéria de facto que deva ser aditada àquela que foi dada como provada.
3. Tendo em vista a reapreciação da fundamentação jurídica da decisão, há assim a considerar os factos 1 a 21 acima transcritos e ainda o 22 com a seguinte redação:
22. Por sentença proferida no Apenso B, de Embargos de Executado deduzidos pelos devedores Co-Executados, foi proferida sentença, que não estava transitada em julgado à data em que foi proferida a decisão de 1.ª Instância, mas que, nesta data, transitou já em julgado, e que julgou os mesmos improcedentes, ordenando o normal prosseguimento da execução para cobrança do crédito exequendo.
3.1. Alegam os recorrentes que não podem ser responsabilizados pelos valores que resultem de alterações aos créditos cedidos pela credora negociadas já depois de terem adquirido os imóveis hipotecados.
Considerando as dissertações doutrinárias efetuadas pelos próprios recorrentes sobre a hipoteca como um direito real de garantia e os termos em que esta foi constituída sobre os imóveis adquiridos pelos mesmo e consta do respetivo registo predial, a que os próprios recorrentes se reportam na sua alegação (fls. 23), não pode o Tribunal deixar de expressar a sua perplexidade pela construção jurídica apresentada.
Se, como referem, “os deveres inerentes à hipoteca têm de ser rigorosamente balizados pelo que consta do registo predial” e se do registo destas hipotecas consta que esta garante a quantia de 450.000,00 euros, até ao montante de 689.625,00 euros, tendo como “fundamento: garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir, concretamente: a) pagamento de toda e qualquer letra, livrança, cheque ou extrato de fatura de que o banco 1... seja portadora e em que os devedores, isoladamente, em conjunto, ou solidariamente com terceiros, se hajam obrigado por aceite, subscrição, saque, aval ou endosso e ainda que por atos diferentes; b) Pagamento de toda e qualquer quantia que o referido Banco tenha emprestado ou venha a emprestar, através de mútuo, abertura de crédito, salvos devedores ou descobertos em contas de depósito de que os devedores, isoladamente em conjunto ou solidariamente com terceiros, sejam devedores e, ainda de qualquer crédito concebido pelo mesmo Banco proveniente de contrato de locação financeira mobiliária, de contrato de desconto ou de aceite em títulos de crédito dos quais sejam sacadores os devedores, em que o banco 1... tenha despendido ou venha a despender por quaisquer garantias bancárias já prestadas ou a prestar de que sejam ordenadores os devedores, até ao limite do valor de 450.000,00€; juro anual 13,75% acrescido de 4% em caso de mora”, torna-se impossível perceber porque razão a existência de aditamentos aos contratos iniciais de mútuo ou de abertura de crédito, posteriores à venda dos imóveis hipotecados, faria com que os montantes mutuados não estivessem contidos na hipoteca constituída se, como acontece na situação em apreço, se contêm no valor da quantia constante do registo e se estabeleceu expressamente que a hipoteca garantia qualquer quantia já emprestada ou que viesse a ser emprestada.
Contrariamente ao que referem, nem os contratos iniciais, nem os aditamentos, anteriores ou posteriores à venda, constam do averbamento da hipoteca no registo predial. O que consta do registo predial é que a hipoteca se reporta a “todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir”, nos termos descritos.
A conclusão que se extrai assim da hipoteca constituída é, assim, que esta cobre todos os mútuos e abertura de crédito já efetuados ou a efetuar (ainda que por aditamentos aos contratos iniciais), até ao limite de 450.000,00 euros e juros definidos, e não aquela a que chegam os recorrentes.
A fundamentação que expenderam os recorrentes não tem qualquer suporte lógico, considerando as suas próprias premissas, podendo estes embargantes, tal como concluiu a Mm.ª Juiz que proferiu a sentença, ser responsabilizados por todos os créditos concedidos pela cedente do crédito exequendo aos executados CC e DD, ainda que posteriores à venda dos imóveis hipotecados, nos termos em que a hipoteca foi constituída e registada, dando este registo ampla publicidade aos termos em que haviam sido constituídas.
Os embargantes bem sabiam em que termos estavam a adquirir imóveis onerados e os termos dessa oneração não foram alterados.
Assim, não é pela invocação do regime da fiança que se fundamenta a decisão recorrida.
Reitera-se o seu entendimento, que é o correto: “com efeito, a hipoteca em apreço, como se lê na cláusula primeira da escritura respetiva (transcrita no n.º 8 dos factos provados) foi constituída não apenas para garantia do pagamento da quantia de QUATROCENTOS E CINQUENTA MIL EUROS, que o dito Banco 1... emprestou aos outorgantes, proveniente de dois contratos oferecidos à execução, mas ainda para garantir, até ao limite global máximo de quatrocentos e cinquenta mil euros, todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir por eles outorgantes” (…) “o que significa que, quando adquiriram os prédios, os Embargantes sabiam que os mesmos se encontravam onerados com uma hipoteca, de carácter relativamente genérico, a incluir as responsabilidades assumidas ou a assumir pelos anteriores proprietários até ao limite máximo de 689.625,00 Euros”.
É este, segundo cremos, o único real fundamento invocado para que entendam os embargantes não serem devedores da quantia indicada pela credora como capital que integra a quantia exequenda, pois que, no mais, com o que consta de fls. 28 a 31 das suas alegações, se limitam a descrever as normas jurídicas que permitem sustentar o que explanam nos pontos seguintes (4.3. e 4.4.) e que serão objeto de análise autónoma.
Ainda assim se dirá que o alegado desconhecimento destes embargantes quanto aos valores indicados como capital que estão a ser reclamados na execução não configura qualquer contestação válida, pois que, perante os títulos executivos dados à execução, lhes competia alegar os factos que permitissem concluir não ser devida aquela quantia, não bastando a confortável alegação de “desconhecimento”.
Alegar “desconhecer” se são ou não aqueles os valores devidos não equivale à alegação de qualquer fundamento válido de oposição à execução.
3.2. Alegam ainda os embargantes existir grosseira negligência do credor na exigência do que é agora o crédito exequendo, o que paralisa o exercício do seu direito.
Invocam ainda o regime do art.º 813.º do C. Civil.
Referem-se os recorrentes às datas em que foram efetuados os negócios originais com os devedores CC e DD, e dos seus aditamentos, bem como à data de constituição das hipotecas, alegando que ainda que a “exequente, ao deduzir o seu pedido com tão elevada dilação em relação à data em que era suposto dever tê-lo exercido, agia manifestamente de má fé, por, com vista a acumular juros verdadeiramente usurários, ter retardado insuportavelmente, durante anos a fio, o direito que tinha de exigir o que lhe era devido”.
Esta questão dos juros é, como vimos, e resulta da própria alegação dos recorrentes, uma falsa questão. Nesta execução, em relação aos embargantes, são apenas devidos juros relativos a três anos, não decorrendo da demora na apresentação da execução qualquer aumento da dívida por alegado aumento de “juros usurários”.
É relevante para apreciação desta questão os fundamentos alegados pelos recorrentes e que permitiriam concluir pela prescrição da obrigação exequenda.
É algo confusa a alegação dos recorrentes.
Em termos lógicos, estão a ser aqui invocados três fundamentos materiais para a procedência dos embargos que se excluem e que apenas faria sentido invocar sucessivamente.
Com efeito, se o crédito que está a ser reclamado pela exequente prescreveu já, não há que apreciar se existiu mora do credor e as suas consequências ou se aquela age em abuso de direito. Se está prescrito, declara-se a sua extinção por prescrição, não tendo a exequente o direito de exigir o pagamento da quantia exequenda e não fazendo, por isso, sentido apreciar se existiu mora do credor ou se é abusivo o exercício de direito inexistente.
Quanto à questão da prescrição da obrigação exequenda, começa por referir-se que os recorrentes pretendem introduzir nesta apelação a apreciação de uma exceção que não invocaram em sede de oposição e que por isso não foi apreciada na sentença: a prescrição do crédito exequendo.
Com efeito, nestes autos, apenas relativamente aos juros de mora peticionados foi invocada a exceção de prescrição e, como tal, apenas sobre esta se pronunciou a sentença proferida.
A prescrição do crédito foi invocada pelos demais executados, CC e esposa no apenso B (e foi este, precisamente, o fundamento da suspensão desta instância por existência de causa prejudicial), tendo a exceção sido julgada improcedente, mesmo quando foi objeto de reapreciação perante o recurso apresentado pelos aqui embargantes.
Não tendo sido invocada nestes autos, pela parte a quem aproveitava, e não tendo a mesma sido julgada procedente no apenso B, situação que determinaria a extinção do crédito garantido pela hipoteca e, assim, a extinção desta nos termos do art.º 730.º, alínea a), do C. Civil, não há aqui que apreciar se está ou não prescrito crédito exequendo.
A questão da prescrição da obrigação suscitada em sede de apelação é, pois, questão nova que não cumpre conhecer. Esta instância de recurso não decide questões novas, limitando-se os seus poderes à reapreciação das questões / pretensões que foram já apresentadas e decididas – vide, neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07/07/2016, proc. 156/12.0TTCSC.L1.S1, do Conselheiro Gonçalves Rocha e de 08/10/2020, proc. 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1 do Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins.
É, assim, pressupondo que a obrigação exequenda não foi extinta por prescrição a que tem de apreciar-se a alegada negligência do credor (cedente e cessionário), considerando a data em que se verificou a situação de incumprimento, no longínquo ano de 2012, tendo a execução sido apenas intentada em 2021, tendo em vista a aplicação do regime dos art.º 813.º e 814.º do C. Civil e, se este não for aplicável, o instituto do abuso de direito.
E, aqui, temos de afirmar com clareza que não assiste razão aos recorrentes.
O credor incorre em mora quando não pratica os atos necessários ao cumprimento da obrigação, apenas respondendo o devedor, desde então, pelo seu dolo.
Não vemos desde logo que atos não foram praticados pela cedente ou cessionária credora que fossem necessários ao cumprimento da obrigação.
A propositura de ação executiva (que apenas em 2021 foi proposta) não é um ato necessário ao cumprimento da obrigação, não vislumbrando o Tribunal qualquer outro ato que pudesse ter sido praticado pela credora e cuja necessidade esteja a ser invocada pelos embargantes.
Vejamos a questão do abuso de direito e o parecer que foi referido nas alegações de recurso.
A situação de facto que foi apreciada no parecer a que os recorrentes fazem referência (e que não corresponde ao que foi a fundamentação do Tribunal Superior) não tem qualquer paralelismo com a que está em causa nestes autos, considerando os atos praticados pela cedente do crédito tendo em vista a sua cobrança.
Não releva aqui a reclamação de créditos que o Cedente do crédito efetuou no processo de insolvência dos executados devedores. Na data em que foi efetuada a reclamação de créditos, já os imóveis penhorados pertenciam aos aqui embargantes e tal reclamação evidencia apenas a intenção da cedente de exigir o crédito dos insolventes, através da venda seu património, onde já não se encontravam os imóveis hipotecados.
Porém, se é certo que o credor não tinha, antes de 2021, proposto contra os proprietários dos imóveis hipotecados qualquer ação, sabem os embargantes que, pelo menos desde ../../2012 (data do registo da ação do proc. 578/13.... referido em 16. da fundamentação de facto da decisão, sendo esta uma renumeração do processo já pendente), existia uma ação em que eram réus e em que foi colocado em causa o seu direito de propriedade sobre os referidos imóveis (pois que estava requerida a declaração de nulidade do negócio que celebraram) e que esta, se fosse julgada procedente, implicaria que não fossem já as pessoas a ser demandadas pela execução de garantia prestada.
Esta ação teve sentença transitada em julgado apenas em 08/03/2017 (curiosamente proferida pela aqui Juiz Relatora em 1.ª Instância) e, portanto, até então discutia-se se era ou não válido o negócio que permitia que o cedente pudesse demandar os aqui embargantes (tivesse o Cedente demandado os aqui réus como proprietários dos imóveis que garantiam o pagamento da dívida, certamente teria sido invocada a existência daquela ação como causa prejudicial, pois que a sua procedência implicaria, sem mais, que não fossem os aqui embargantes a responder pela dívida, com a venda dos imóveis hipotecados).
Note-se que, como consta dos factos provados, o Cedente do crédito exequendo não se limitou a aguardar o desfecho da ação, antes nela deduziu incidente de intervenção espontânea, procurando defender a validade da hipoteca que garantia o crédito concedido.
Contrariamente ao que referem os embargantes, ninguém referiu nestes autos que o Cedente do crédito ou a exequente não poderiam ter já intentado esta execução. O que se afirmou, apenas, é que a pendência daquela ação torna legítima – e não abusiva – a sua não propositura antes do desfecho da ação referida.
Acresce que os imóveis dados em garantia estão penhorados desde ../../2010 (e, portanto, desde data anterior ao registo do negócio efetuado entre os executados), tenho aquela cedente credora reclamado oportunamente o seu crédito nesses autos de execução fiscal.
Quer isto dizer que, com a apresentação dessa reclamação, estando a execução ainda pendente sem que os imóveis tenham sido vendidos, tinha o Cedente a expectativa de receber o seu crédito, através da venda dos imóveis a realizar no processo em que essa penhora foi concretizada em primeiro lugar, resultando da lei processual aplicável que, ainda que penhorados noutro processo, sempre seria naquela execução fiscal que os mesmos seriam vendidos e o Cedente poderia obter pagamento do seu crédito. Assim se justifica a não propositura imediata da execução contra os aqui embargantes, pelas próprias regras processuais, pois que seria redundante para os seus interesses de cobrança coerciva do crédito a instauração de uma execução em que seria sempre efetuada uma segunda penhora sobre os bens hipotecados.
O decurso do tempo e não propositura da execução em momento anterior relevaria, assim, apenas para efeitos de invocação da exceção de prescrição, se esta tivesse sido invocada, e não foi quanto à obrigação de pagamento da totalidade das prestações vencidas, e não tivesse existido interrupção do respetivo prazo (que, como vimos, não há aqui que apreciar).
No parecer citado para justificar o exercício abusivo do direito de instaurar a execução após longos anos de incumprimento, nenhum ato havia sido praticado pelo credor até ao momento em que preenchera a livrança oferecida como título executivo e foi essa omissão, prolongada no tempo, que foi considerada abusiva.
Subscrevem-se na íntegra as considerações doutrinais e jurisprudenciais da decisão de 1.ª Instância.
Como bem escreveu a Mm.ª Juiz a quo “conforme se pode ler no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03/12/2007, disponível em www.dgsi.pt e citando Menezes Cordeiro, “O abuso do direito constitui uma fórmula tradicional para exprimir a ideia do exercício disfuncional de posições jurídicas, isto é: do exercício concreto de posições jurídicas que, embora correto entre si, acabe por contundir com o sistema jurídico na sua globalidade”. Sobre o instituto do abuso do direito é comum dizer-se que constitui uma “válvula de segurança” para impedir ou paralisar situações de grave injustiça que o próprio legislador preveniria se as tivesse previsto, constituindo uma forma de antijuricidade cujas consequências devem ser as mesmas do ato ilícito - obstar à consumação de certos direitos que, embora válidos em tese, na abstração da hipótese legal, acabam por constituir, quando concretizados, uma clamorosa ofensa da justiça, entendida enquanto expressão do sentimento jurídico socialmente dominante (cfr., nomeadamente, Coutinho de Abreu, Do Abuso do Direito; Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 3ª ed., págs.63/64; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 7ª ed., pág. 537; Pires de Lima/A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., pág. 299). Sintetizando os ensinamentos dos referidos autores, configura uma situação de abuso do direito se/quando alguém, embora legítimo detentor de um determinado direito, formal e substancialmente válido, o exercita circunstancialmente fora do seu objetivo ou da finalidade que justifica a sua existência, em termos que ofendam, de modo gritante, o sentimento jurídico, seja criando uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito e as consequências a suportar por aquele contra quem é invocado, seja prejudicando ou comprometendo o gozo do direito de outrem. Com vista a densificar parâmetros de atuação aptos a concretizar os conceitos jurídicos indeterminados em que está ancorado o instituto do abuso do direito MENEZES CORDEIRO identifica seis tipologias: a exceptio doli, o venire contra factum proprium, a inalegabilidade formal, supressio e a surrectio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício, – cfr., quanto a tais comportamento típicos e respetivo enquadramento, António Menezes Cordeiro, “Do abuso do direito: estado das questões e perspetivas”, disponível em www.oa.pt. Em primeiro lugar, a exceptio doli traduz-se numa atuação dolosa do titular na formação da sua situação jurídica ou no momento da própria discussão da causa. Em segundo lugar, no venire contra factum proprium está em causa uma atuação do titular contraditória com um comportamento passado. Trata-se, em suma, de tutelar a confiança gerada numa das partes pelo comportamento anterior da outra. Em terceiro lugar, verifica-se uma inalegabilidade formal quando alguém alega de forma desconforme com a boa-fé, designadamente por lhe ter dado causa, a nulidade formal de um negócio. Em quarto lugar, referem-se a supressio e a surrectio que são figuras baseadas nos mesmos fenómenos – decurso do tempo, boa-fé e tutela da confiança – mas de sentido inverso. No primeiro caso, o decurso de um longo período de tempo sem o exercício de um direito faz com que o seu titular perca a faculdade do seu exercício. No segundo caso, a manutenção de uma situação durante um longo período de tempo faz surgir numa pessoa uma faculdade jurídica que de outro modo não teria. Em quinto lugar, o tu quoque traduz-se na inadmissibilidade do titular do direito aproveitar-se de uma violação de uma norma jurídica exigindo a outrem que atue em consonância com as consequências resultantes dessa violação. Por fim, em sexto lugar, temos o desequilíbrio, ou seja, o exercício de um direito que devido a circunstâncias extraordinárias dá origem a resultados totalmente estranhos ao que é admissível pelo sistema, quer por contrariar a confiança ou aquilo que o outro podia razoavelmente esperar, quer por dar origem a uma desproporção manifesta e objetiva entre os benefícios recolhidos pelo titular ao exercer o direito e os sacrifícios impostos à outra parte resultantes desse exercício (aqui se incluem o exercício danoso inútil, a exigência injustificada de coisa que de imediato se tem de restituir e o puro desequilíbrio objetivo). A proibição do abuso de direito é o corolário do fundamental princípio ético-jurídico da confiança, condição básica da convivência pacífica e da cooperação entre os homens - cfr. Baptista Machado, citado no Acórdão do STJ de 12/6/2013, consultável no site da dgsi.pt -, não podendo a ordem jurídica deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem”.
E, analisando a situação dos autos: “diga-se, desde logo, que não se acompanha a perspetiva dos Embargantes ao afirmarem que o banco agiu de forma negligente ao conceder, em ../../2011 mais um financiamento aos devedores. Na verdade, os factos provados evidenciam que os mutuários apenas não procederam ao pagamento da prestação vencida em 01/07/2012 no âmbito do Contrato de Mútuo (doc. 5) nem da prestação vencida em 12/07/2012 no âmbito do Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente, nem das prestações subsequentes. O que significa que, em ../../2011 os devedores encontravam-se a cumprir o contrato de mútuo, tendo-lhes sido dadas sucessivas hipóteses de prorrogação dos prazos de pagamento, através do aditamento aos contratos que foram sendo celebrados. Acresce que o facto de este novo negócio ter sido garantido ainda por uma livrança, não impede, de modo algum que seja acionada a hipoteca já constituída e que configura até melhor garantia de cumprimento. (…) Ora, o Banco 1... (Banco 1...), logo em 31 de julho de 2012, reclamou os seus créditos – os mesmos ora peticionados – nos termos do 240º nº1 do CPPT no processo de execução fiscal referido em 15.
E, referindo-se ao proc. nº 5160/08...., “o que significa, portanto, que até 08 de março de 2017, a situação dos prédios hipotecários se encontrava indefinida, não podendo a credora hipotecária instaurar a execução enquanto não fosse determinado nessa ação quem eram os proprietários dos imóveis em questão. Os Embargantes não podem ignorar a pendência dessa ação, pois que nela figuraram como Réus, e onde a credora hipotecária veio a intervir, donde não era legítimo que houvessem criado qualquer expectativa de que esta não iria acionar, oportunamente, as garantias hipotecárias”.
Não pode assim considerar-se que o Cedente, e depois a cessionária do crédito, nada fizeram entre a data em que existiu incumprimento das prestações – julho de 2012 – e a data da instauração da execução contra os aqui embargantes – outubro de 2021 -, visando não só que o pagamento fosse obtido, mas sobretudo que o fosse através do acionamento da garantia de hipoteca e, portanto, no confronto com os seus proprietários, aqui embargantes.
Não se vislumbra assim que o Cedente e agora a exequente tenham agido em abuso de direito, improcedendo, como tal, este fundamento da apelação.
3.3. Quanto aos juros de mora, alegam os recorrentes, tal como constava já da petição de embargos, que os mesmos se encontram prescritos.
Vimos já que a exequente pode apenas exigir os três primeiros anos de juros de mora, atento o disposto no art.º 693.º, n.º 2, do C. P. Civil.
O prazo de prescrição é de cinco anos, nos termos do art.º 310.º, alínea d), do C. Civil.
Esta execução foi apenas intentada em 06/10/2021.
Entendeu o Tribunal a quo que se verificaram factos interruptivos do prazo de prescrição.
Da matéria de facto provada resulta que a primeira prestação não paga pelos devedores, em relação a cada um dos dois negócios celebrados, se reporta a julho de 2012, não tendo sido pagas as restantes.
A exequente alegou sempre que o incumprimento por parte dos mutuários provocou o vencimento total da dívida, nos termos dos art.sº 781.º e 817.º do C. Civil.
A questão que se coloca e que releva para a apreciação desta questão de prescrição é a de saber quando é que este incumprimento se verificou.
Temos por certo, atenta a matéria de facto provada, que estava acordado que os devedores efetuariam o pagamento fracionado das quantias mutuadas e cedidas.
Não tendo procedido ao pagamento das que se venceram em julho de 2012, constituíram-se os devedores em mora, sendo aplicável o disposto no art.º 781.º do C. Civil.
Relativamente a esta norma, refere o eloquente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/05/2024, do Juiz Conselheiro Ricardo Costa, proc. 592/22.3T8PRT-A.P2, inwww.dgsi.pt:
“A previsão refere-se às obrigações a prazo (art. 777º, 1.ª parte, CCiv.), por serem liquidáveis em prestações sucessivas (um só débito com vencimentos diferentes, diferidos e escalonados no tempo), ainda que com objeto globalmente fixado desde a constituição da dívida – em rigor, obrigação instantânea com cumprimento fracionado ou repartido em que o objeto mediato global está previamente determinado e o seu cumprimento se divide no tempo futuro em sucessivas “prestações” periódicas –, em que a exigibilidade ou imposição de cada uma das “prestações” ao devedor não lhe pode ser colocado antes de chegada certa data. Prescreve-se que a falta de pagamento (não sendo integral ex vi art. 763º, 1, do CCiv.) de uma das prestações (incumprimento), imputável ao devedor (mora solvendi)), faz decair o benefício do prazo estabelecido a favor do devedor (art. 779º, 1.ª parte, CCiv.). Se acontecer assim tal incumprimento, verifica-se (em termos corretivos da lei) a exigibilidade antecipada de todas as prestações vincendas (caducidade do prazo que ainda não se tinha vencido), atribuindo ao credor o poder-faculdade de, uma vez faltado o devedor ao pagamento de uma das prestações convencionadas, reclamar potestativamente o cumprimento imediato da obrigação integral (de todas as prestações futuras em falta) antes do tempo, através de interpelação ao devedor, ou, em alternativa, de não exigir, mantendo os prazos iniciais das prestações. Estamos perante um benefício atribuído por lei ao credor, que a lei concede mas não decreta por si só – o benefício de modificar uma obrigação a prazo numa obrigação pura é um benefício que cabe ao credor decidir na sua auto-determinação quanto à natureza do vencimento e suas consequências. Por outras palavras, cabe ao credor exercer ou não esse direito potestativo modificativo que sujeita o devedor a ver necessariamente produzida na sua esfera jurídica a consequência ditada pelo art. 781º do CCiv. Na ausência dessa interpelação a cargo da iniciativa do credor, ainda que se tenha verificado tal incumprimento de uma das prestações programadas para liquidação, as prestações seguintes continuam a vencer-se na data prevista e o devedor não fica constituído em mora – por outras palavras, a data do vencimento não passa a ser a data da primeira “prestação” faltosa; com a interpelação, o crédito pode ser exigido todo ele desde a data da falta da primeira “prestação” faltosa. Desta forma, estaremos perante mais uma hipótese de exigibilidade antecipada a acrescer às que estão previstas no 780º do CCiv. (agregadas na perda de confiança do credor na capacidade de cumprimento do devedor). Em suma. O vencimento de todas as prestações, exigíveis antecipadamente, depende de o credor reclamar junto do devedor a correspondente realização através da respetiva interpelação para cumprimento imediato, condição para que o devedor fique adstrito a realizar a obrigação integral em falta (resultante das prestações vincendas exigíveis) em razão do vencimento antecipado. Porém, a norma de perda de benefício do prazo consagrada no art. 781º do CCiv. é supletiva. Logo, está disponível para ser afastada por vontade das partes ao abrigo do art. 405º, 1, do CCiv., convencionando-se, em especial, o vencimento imediato e automático das restantes prestações vincendas em falta sem necessidade de interpelação na pessoa do devedor (para converter a exigibilidade em vencimento do vincendo)”.
Sendo esta a correta interpretação do regime legal aplicável, temos que a falta de pagamento das prestações vencidas em julho de 2012 não implicou o imediato vencimento das demais (a perda do benefício do prazo), a não ser que tivesse existido uma interpelação dos devedores ou que tal vencimento automático estivesse previsto nos acordos celebrados.
Os contratos celebrados, que estão considerados como reproduzidos na decisão, não contêm tal norma de vencimento imediato e automático (cláusula 12ª: “A ... reserva-se o direito de resolver o presente contrato, declarando vencidas as responsabilidades no mesmo garantidas, desde que se verifique o incumprimento pela parte devedora” e cláusula 14ª: “Sem prejuízo de quaisquer outros direitos que lhe sejam conferidos por lei ou pelo presente contrato, constituem causa bastante e fundamentada de resolução do presente contrato (…) o incumprimento, ainda que parcial, de qualquer das obrigações assumidas (…).
Tal como acontecia na situação que está em causa no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça citado, as cláusulas contratuais dos acordos celebrados dependiam ainda e sempre de uma manifestação declaratória do credor, a comunicar tal vencimento antecipado, para que as restantes prestações se vencessem.
Nas palavras do Acórdão citado, “isto é, o seu sentido é, em concreto, que a exigibilidade antecipada e vencimento imediato de todas as prestações vincendas (à data da reação do credor após o primeiro incumprimento do “plano” de amortização e das restantes prestações vencidas e não pagas) corresponderá a e dependerá de uma manifestação declarativa do credor lesado com o incumprimento e atuante tendo em vista, não sendo paga uma só das frações de pagamento vencidas, o vencimento automático e imediato de todas as outras frações por vencer respeitantes ao capital mutuado; tem que o declarar para que, não sendo paga a prestação que deveria ser paga e não foi, automaticamente se vencem todas as restantes (naturalmente no momento dessa declaração e consideradas fora desse efeito as prestações já vencidas, que contam apenas para o pressuposto de não cumprimento de uma das prestações). Logo, esta concreta disciplina contratual, tal como está, confirma apenas e tão-só a mais adequada e razoável interpretação da lógica de exigibilidade e vencimento predispostos pelo art. 781º do CCiv. – não afasta a necessidade-regra de interpelação para a conversão da exigibilidade antecipada em vencimento imediato de todo o programa de débito remanescente, pois nada traz de novo ao regime do art. 781º do CCiv. Isto é, no espaço de supletividade do art. 781º do CCiv., não se convencionou por acordo das partes (art. 405º, 1, CCiv.) o vencimento imediato e automático das prestações vincendas com o incumprimento de uma delas, “conferindo-se apenas ao Mutuante o direito de provocar esse vencimento, quando ocorra o incumprimento de uma dessas prestações, o que terá de ser efetuado através da comunicação aos mutuários do exercício desse direito”.
Ora, essa declaração poder-se-ia retirar com clareza da reclamação de créditos que o Cedente do crédito exequendo efetuou no processo de execução fiscal, em 31/07/212, pois que, nesses autos, exigiu dos devedores a totalidade das quantias mutuadas (declarando-as, assim, já vencidas), referindo-se à totalidade das prestações ainda em dívida e não apenas às prestações até então vencidas e não pagas
Resulta, porém, demonstrado que tal reclamação não foi levada ao conhecimento dos aí executados e, portanto, não pode considerar-se que se tornou eficaz para que tal vencimento (e perda do benefício do prazo) se verificasse – art.º 224.º do C. Civil.
O vencimento antecipado da obrigação não é um facto que possa ser confessado (como parecem entender ambas as partes, como se retira quer destas alegações de recurso, quer do teor da oposição da exequente a estes embargos, em entendimento que diverge do que defendeu nas suas contra-alegações), ocorrendo apenas quando se demonstrem os factos que permitam extrair tal conclusão.
Resta-nos assim concluir que, em rigor, tal vencimento antecipado apenas se verificou como efeito automático da declaração de insolvência dos devedores e, assim, em 06/03/2013 (art.º 91º do CIRE), como, aliás, se concluiu na decisão proferida.
Regressando às palavras do Acórdão referido:
“Neste contexto, tem aplicação – que se segue e aplica – o segmento normativo ditado pelo Ac. do STJ de 30/6/2022/AUJ n.º 6/2022 (em julgamento ampliado de revista)8: “II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art. 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.” Ou seja, antecipadamente vencida toda a obrigação, o «tempo devido» de não realização da prestação vinculada, para efeitos de constituição em mora do devedor (art. 804º, 2, do CCiv)., coincide com a data do incumprimento da primeira prestação em liquidação por fracções, que tornou admissível desencadear a aplicação do art. 781º do CCiv: como sintetiza a doutrina, “a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas (781.º). Nessa altura, o crédito pode, todo ele, ser exigido, assim se iniciando a prescrição (306.º/1)”9. Logo, é com esse vencimento da obrigação global – com a interpelação sucessiva para vencimento ou com a cláusula contratual de vencimento imediato sem interpelação –, antecipadamente imputado à data do primeiro incumprimento do programa contratual baseado em frações da obrigação total devida, que se afere a data de início da mora convertida objetivamente em incumprimento imputável ao devedor (arts. 804º, 2, 781º, 805º, 1, 808º, 1 e 2, CCiv.) e a contagem do termo inicial, enquanto data a partir da qual o direito podia ser exercido, da prescrição da dívida (art. 306º, 1, 1.ª parte, CCiv.). Vejamos ainda melhor a “ratio” a ter em conta. Esta é a solução que mais coerência dá ao benefício concedido ao credor nos termos do art. 781º do CCiv.: o credor, no seu pleno arbítrio, escolhe o que fazer e, se interpela para vencer antecipada e imediatamente tudo o que falta realizar como prestações fracionadas, tem que atuar diligentemente a seguir para evitar que, se partir para o cumprimento coercivo por via judicial, possa ser paralisada a sua pretensão por via da prescrição. Isto é, se, com a interpelação para vencimento imediato, deixa de se pressupor que as prestações de amortização, após o incumprimento originário, se vencem no prazo inicialmente convencionado no programa contratualmente diferido no tempo de reembolso de capital e juros, o exercício do seu poder não pode ser atribuído e usufruído sem articulação com a contagem do prazo prescricional em função desse vencimento antecipado e referido ao incumprimento da prestação que gera a interpelação; por força da sua escolha, a partir da interpelação (necessária, como vimos, para levar à aplicação do art. 781º ou de cláusula contratual equiparada), sobre o credor incide o ónus de exercício do direito de crédito não satisfeito de forma tempestiva, evitando a invocação de exceção perentória impeditiva baseada em prescrição”.
É inequívoco que entre este momento de vencimento antecipado da obrigação e a data da propositura da ação executiva, decorreu um período temporal superior ao do prazo prescricional de cinco anos estabelecido na lei.
Na sentença proferida considerou-se que existiam factos interruptivos da prescrição, considerando como tal a reclamação que o Cedente efetuou no processo de insolvência dos devedores e a reclamação de créditos que foi efetuada no processo de execução fiscal.
Desde já se deixa claro que se concorda com o entendimento expresso na decisão de tratar esta reclamação de créditos no âmbito de uma execução fiscal, e ainda que esta esteja pendente perante a autoridade tributária, como um processo judicial, aplicando-se o regime do art.º 323.º do C. Civil. É este claramente o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, com ampla fundamentação que aqui se pressupõe: “assim, a opção da expressão no atual artigo 323.º significa que o legislador adotou um conceito amplo de processo querendo abarcar todos os meios indiretos traduzidos em atos praticados num processo (que não tem de provir da iniciativa do credor) com intenção de exercer o respetivo direito” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/03/2021, da Juiz Conselheira Graça Amaral, proc. 1429/18.3T8STB-A.E1.S1, inwww.dgsi.pt).
Note-se que está dado como provado – sem que as partes questionem tal facto – que os ora embargantes são executados nessa execução fiscal (facto 21.).
Ainda, assim, contudo, entendemos que os atos referidos na decisão proferida não têm o efeito interruptivo da prescrição da obrigação de pagamento de juros de mora (e apenas esta está a ser apreciada).
Quanto à reclamação de créditos deduzida no processo de insolvência dos devedores, tal efeito interruptivo verificou-se apenas em relação a esses mesmos devedores e não, também, em relação aos aqui embargantes.
Com efeito, tal reclamação exprime apenas a vontade da cedente do crédito de exigir o seu pagamento pela venda do património daqueles devedores insolventes e não também dos aqui embargantes, com a venda dos bens hipotecados (que àqueles já não pertenciam).
Aquela reclamação, em processo em que os embargantes não eram parte, não pode desencadear a aplicação do disposto no art.º 323.º do C. Civil, em relação a estes embargantes (neste sentido se concluiu, precisamente, no último Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça citado, em relação a quem, sendo executado na ação, não o era na execução fiscal).Nas palavras de CUNHA GONÇALVES, “(...) a interrupção tem um carácter pessoal; e, por isso ela só aproveita à pessoa que promoveu o ato interruptivo processual (...) ou foi visada no reconhecimento do direito, e só prejudica a pessoa contra quem esse ato foi dirigido ou que fez esse reconhecimento, pois os atos processuais, como todos os atos jurídicos, só aproveitam ou prejudicam a quem neles interveio; para os terceiros, eles são res inter alios acta. Esta era já a doutrina dos romanos: «a persona ad personam non fit interruptio».” (in «Tratado de Direito Civil em comentário ao Código Civil Português», Vol. III, págs. 793, 803 e 804, maxime, no ponto 445, sob a epígrafe “Pessoas que atinge a interrupção”).
Se este facto interrompeu o prazo de prescrição em relação aos demais devedores insolventes, não interrompeu em relação a estes embargantes, pois que não eram visados no processo em causa.
Porém, estando dado como provado que os aqui embargantes são também executados no processo de execução fiscal, tal reclamação de créditos, efetuada nesses autos e ainda que pendentes perante a autoridade tributária, poderia já interromper o prazo prescricional, considerando o disposto no art.º 323.º C. Civil, presumindo-se esta interrupção efetuada decorridos cinco dias após a sua apresentação, mesmo que, de facto, nenhuma citação ou notificação tenha sido efetuada aos embargantes.
Porém, tal reclamação foi efetuada em 31/07/2012 e, como se viu, o vencimento antecipado da obrigação apenas se verificou em 06/03/2013, não podendo ser atribuído efeito interruptivo do prazo prescrição de cinco anos relativo aos juros de mora a um ato praticado pelo credor antes do momento em que aquele iniciou o seu curso.
Temos assim por certo que nenhum dos factos indicados na decisão de 1.ª Instância tiveram o condão de interromper o prazo de prescrição de cinco anos que se iniciou como o vencimento antecipado da obrigação, em relação aos juros de mora de três anos que poderiam ser peticionados pelo credor perante o proprietário dos bens hipotecados (e que eram os vencidos entre 07/03/2013 a 07/03/2016) e que se encontravam totalmente prescritos quando, em 07/10/2021, foi proposta a execução (mesmo considerando a suspensão dos prazos de prescrição de 86 e 74 dias que resultam dos diplomas associados à pandemia Covid 19 – Lei n.º1-A/2020, de 19/03 e Lei n.º13-B/2021, de 05/04).
Julga-se assim procedente a exceção de prescrição que foi invocada em relação aos juros de mora reclamados no processo executivo, decidindo-se, em conformidade, estes embargos e os termos em que poderá prosseguir a execução contra estes embargantes.
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Nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil:
As custas dos embargos, da execução e do recurso serão da responsabilidade destes embargantes e da exequente na proporção do respetivo decaimento, sendo o decaimento da embargada relativo à totalidade dos juros peticionados. Daqui resulta que as custas que saem precípuas da venda dos imóveis hipotecados na execução são apenas aquelas que se referem ao valor indicado como sendo capital da quantia exequenda.
Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663.º, n.º 7, do C. P. Civil):
1 – A suspensão da instância por existência de causa prejudicial cessa sem necessidade de qualquer despacho, com o trânsito em julgado da decisão que naquela causa prejudicial for proferida.
2 – Não tendo ocorrido o trânsito em julgado da decisão proferida na causa prejudicial, a suspensão da instância não cessou e, assim, a sentença proferida na instância suspensa é nula porque o Tribunal conheceu de questão que não podia, ainda, conhecer.
4 – Nada obsta, porém, a que o Tribunal de recurso aprecie os demais fundamentos da apelação se, nesta data, já se verifica o trânsito em julgado da decisão que foi proferida na causa prejudicial e cessou, assim, a suspensão da instância.
5 – Ainda que em sede de contestação aos embargos, tal como alegado pelos executados, a exequente reconheça que apenas são devidos três anos de juros de mora e não a totalidade dos que indicou no requerimento executivo, não tendo havido redução do pedido, reconhecendo o Tribunal que apenas aqueles são devidos, terá de julgar os embargos deduzidos parcialmente procedentes.
6 – Sendo este o entendimento do Tribunal, a sentença que julga os embargos improcedentes é nula por oposição entre a decisão e os seus fundamentos.
7 - Os bens hipotecados respondem pela obrigação garantida, nos exatos termos que constam do respetivo registo, ainda que o crédito exequendo resulte de aditamentos aos contratos iniciais, acordados em data posterior à venda dos bens hipotecados a terceiro.
8 – A alegação de que se desconhece se é devida a quantia exequenda não configura qualquer oposição válida em sede de embargos de executado.
9 – Se, em sede de embargos de executado, apenas foi invocada a prescrição dos juros de mora, não há que apreciar em sede de recurso de apelação a eventual prescrição da obrigação principal.
10 – Ainda que o não pagamento das prestações acordadas se tenha verificado em 2012, não existe abuso de direito do credor que, apenas em 2021, instaura execução contra o proprietário dos bens hipotecados que garantem o pagamento da obrigação, se, em 2012, já havia reclamado o seu crédito em execução fiscal em que tais bens foram penhorados, que se mantém pendente, tendo ainda existindo uma ação judicial em que foi colocado em causa o negócio de venda aos executados dos bens penhorados, na qual o credor defendeu a validade da hipoteca.
11 - O vencimento antecipado da obrigação não é um facto que possa ser confessado, ocorrendo apenas quando se demonstrem os factos que permitam extrair tal conclusão.
12 – Uma execução fiscal, ainda que pendente perante a autoridade tributária, pode considerar-se processo judicial para aplicação do regime de interrupção da prescrição do art.º 323.º do C. Civil.
13 – A citação ficcionada, nos termos do n.º 2 desta norma, em processo de reclamação em execução fiscal não interrompe a prescrição quanto a juros de mora se a reclamação foi apresentada quando ainda não se tinha verificado o vencimento antecipado da obrigação.
VII – Decisão:
Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em conformidade:
a) julgar nula a sentença proferida pois que, na data em que a mesma foi proferida, estava ainda suspensa a instância por existência de causa prejudicial, não estando transitada em julgado a decisão nessa instância proferida;
b) julgar nula a sentença proferida na parte em que julgou totalmente improcedentes os embargos deduzidos, julgando-os procedentes no que se reporta aos juros peticionados que excedam os primeiros três anos;
c) apreciando o mérito dos embargos, revogam a decisão proferida no que se reporta à exceção de prescrição dos juros de mora e, em consequência, julgando-a procedente, julgam os embargos parcialmente procedentes no que se refere aos demais juros de ora, ou seja, os que se venceram nos primeiros três anos;
d) mantêm a decisão de improcedência no que se refere ao valor de capital exigido na execução, contra os aqui embargantes (405.382,62 euros);
e) determinam o prosseguimento da execução, relativamente aos ora embargantes, apenas quanto ao referido valor de 405.382,62 euros.
Nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil:
Quanto às custas dos embargos / execução / recurso, as mesmas são devidas por estes embargantes e embargada exequente na proporção do respetivo decaimento, sendo o decaimento da embargada exequente relativo ao valor da totalidade dos juros peticionados.
Daqui resulta que as custas que saem precípuas da venda dos imóveis hipotecados na execução são apenas aquelas que se referem ao valor indicado como sendo de capital da quantia exequenda.
Guimarães, 19 de setembro de 2024
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)