NULIDADE DA SENTENÇA
OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO
JANELAS E ABERTURAS
SERVIDÃO DE VISTAS
LOGRADOURO
TERRAÇOS
Sumário


I- A retificação, no dispositivo da sentença, do artigo matricial do prédio e do seu número do registo na CRP, não constitui alteração do pedido, nem sanciona a sentença com a respetiva nulidade (por condenação em objeto diverso do pedido).
II - Não dizendo a lei atual (tal como o não fazia o Código de Seabra), o que deve entender-se por janelas, a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que tal vocábulo é usado com o sentido que tem na linguagem corrente, ou seja, são aberturas feitas nas paredes dos edifícios, dotadas de um parapeito onde as pessoas podem apoiar-se ou debruçar-se e disfrutar comodamente as vistas que tais aberturas proporcionam.
III- Constituída uma servidão de vistas, por usucapião ou por qualquer outra forma, o proprietário dominante só pode exercer o seu direito em harmonia com o respetivo título.
IV- Ou seja, destruída e reconstruída uma parede, o proprietário dominante pode nela abrir de novo as janelas, desde que elas tenham as dimensões das anteriores, e venham a ocupar o local onde aquelas existiam.
V- Pretendendo, no entanto, beneficiar dessa servidão de vistas relativamente às novas aberturas, deveriam os RR deduzir pedido reconvencional.
VI- A alteração do logradouro do prédio dos RR – que o entulharam, alteando a sua cota, aplanando o solo, e pavimentando-o com cubos de granito -, deve ser considerado “obra semelhante” a um terraço, para efeitos de estar sujeito à limitação prevista no artigo 1360º, nº 2 do CC, ou seja, o muro que lhe serve de parapeito tem de ter uma altura pelo menos de metro e meio a partir do solo.

Texto Integral


Relatora: Maria Amália Santos
1º Adjunto: José Manuel Flores
2ª Adjunta: Sandra Melo

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AA, solteiro, residente na Rua ..., ... ..., em ..., instaurou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra BB e marido CC, residentes em ... ..., pedindo que:

– o Autor seja declarado como único dono do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...12º e descrito na CRPredial sob o nº ...52, incluindo do muro identificado nos pontos 31 a 36 da petição;
– seja declarado que não assiste aos Réus a faculdade de abrirem portas e janelas na parede sul e poente do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...80º e descrito na CRPredial sob o nº ...50, condenando-os a fecharem essas janelas e portas com materiais fixos e semelhantes aos do resto daquelas paredes exteriores;
– seja declarado que não assiste aos Réus a faculdade de excederem o telhado para além da face externa da sua parede poente, nem colocar o algeroz do telhado sobre o dito prédio do Autor, condenando-os a recuarem o telhado do lado poente de forma a que não exceda, juntamente com o algeroz, a face externa da parede poente do prédio dos Réus;
– os Réus sejam ainda condenados a levantarem no seu prédio, inscrito na matriz sob o artigo ...79º, um muro permanente, em toda a sua extensão, com uma altura não inferior a metro e meio, ou a escavar o chão do seu dito prédio, de forma a que, do lado do prédio dos Réus, o muro do Autor fique com altura não inferior a metro e meio, como era antes da colocação do entulho, por não lhes assistir o direito a estabelecer esse chão no logradouro do seu prédio.
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Para tanto, alegou, em síntese, que os Réus são donos de um prédio, inscrito na matriz sob o artigo ...80º, conhecido por “casa das máquinas” ou “ruínas”, que era um anexo da casa senhorial, o qual confronta do lado sul e poente com o prédio do Autor, inscrito na matriz sob o artigo ...12.
Aquela casa das máquinas, que entrou em ruína há mais de 40 anos, ficando sem telhado e parte das paredes, era constituída apenas por rés-do-chão, pelo menos até cerca de 4 metros da sua extrema poente, e as suas paredes poente e sul não tinham qualquer abertura, coincidindo a face externa dessas paredes sul e poente com a estrema do prédio do Autor.
Porém, em 2018, os Réus reconstruíram o seu prédio “casa das máquinas”, aumentando-o em cerca de 1,5 metros para norte, absorvendo o muro de granito que parte desse prédio até à fachada da capela, acrescentaram-lhe um primeiro andar, e abriram na parede poente, ao nível do rés-do-chão, uma janela, e no primeiro andar duas grandes portas, e na parede sul, uma outra janela, todas sem as dimensões legais, e ao nível do telhado, fizeram o beiral mais saliente da parede, com um algeroz, tendo-se o Autor oposto a essas construções, uma vez que, a essas paredes poente e sul, segue-se o prédio do Autor, permitindo aos Réus a sua devassa.
Alegou ainda que a parte do logradouro do seu prédio tem a sua estrema na face nascente do muro de granito, com cerca de 2,27 metros de altura do lado poente, e 20 metros de comprimento, que se estende desde a fachada da capela até ao referido prédio dos Réus, muro esse que tem vindo a ser conservado, desde a sua compra, em 2008, pelo Autor, à vista de todos, sem oposição, de forma ininterrupta, e na convicção de ser o seu dono, enquanto parte integrante do seu prédio.
Todavia, aquando da reconstrução da casa senhorial, inscrita na matriz sob o artigo ...79º, os Réus entulharam o logradouro daquela casa, junto ao muro, o que fez com que a sua altura passasse a ser de apenas 0,70 metros no extremo norte, e de 0,90 metros no extremo sul, o que transformou aquele logradouro num miradouro sobre o prédio do Autor.
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Os Réus apresentaram contestação, pugnando pela improcedência da ação, alegando, em síntese, que a casa das máquinas/ruínas era conhecida por “casa pequena”, constituindo o prédio inscrito na matriz sob o artigo ...º, caraterizado por dois pisos: rés-do-chão e 1º andar, na qual sempre existiram, na parede poente, duas janelas, em ambos os quartos, e uma janela na parede sul, que deitava diretamente para o prédio do Autor.
Após a reconstrução, foi aberta uma pequena janela no rés-do-chão, na parede poente, que se situa a uma altura de 1,80 metros do piso e com 45 cm por 50 cm; foi mantida a janela da parede sul, mas com vidro fosco e abertura em báscula, que não permite o gozo de vistas; e foram alargadas as janelas do 1º andar do lado poente, as quais são compostas por vidro fixo, sem qualquer parapeito, não podendo as mesmas constituir janelas em termos jurídicos, sendo que os RR, em relação às janelas existentes no 1º andar, gozam de servidão de vistas adquirida por usucapião.
Já quanto ao beiral do alçado poente, é verdade que existe saliência, mas em dimensão inferior à que sempre existiu, uma vez que, antes da reconstrução, o anterior beiral pingava diretamente sobre o prédio do Autor, constituindo-se uma servidão de estilicídio.
Relativamente ao muro, o mesmo sempre pertenceu ao conjunto edificado, composto pela casa senhorial, capela e casa pequena, hoje pertencente aos Réus, tendo sido construído pelos seus ante possuidores, não sendo propriedade do Autor. E esse muro, desde há décadas que tem uma altura inferior a 1,50 metros, tendo já sido constituída a partir do mesmo e a favor dos RR uma servidão de vistas por usucapião.
Por fim, referem que essas obras foram todas consentidas pelo Autor, o que as torna lícitas, nos termos do artigo 340º do Código Civil.
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O Autor apresentou resposta à contestação, sufragando, sumariamente, que o prédio dos Réus é o inscrito na matriz sob o artigo ...80º e não sob o art.º ...º, tendo apenas um piso; que os Réus nunca praticaram qualquer ato de posse sobre o muro, antes de 2018, não podendo adquirir o direito de propriedade sobre o mesmo; que a janela aberta ao nível do rés-do-chão, em face das suas dimensões, é suscetível de constituir servidão de vistas, sendo irrelevante o facto de estar provida de porta basculante e de vidro fosco; que é também irrelevante se as janelas do 1º andar, da parede poente, são de vidro fixo transparente, pois tudo se vê para o exterior, além de permitir a iluminação interior através do prédio do Autor; que inexiste servidão de estilicídio, porquanto, como o prédio apenas era constituído por rés-do-chão, essa servidão sempre seria agravada se estabelecida quanto ao primeiro andar, que apenas existe desde 2018, sendo certo que a extensão da cornija era inferior à indicada; que qualquer eventual servidão de vistas, estilicídio ou ocupação do espaço aéreo sempre estaria extinta, pois tendo estado a casa em ruínas mais de 25 anos, sempre tais servidões deixaram de ser usadas, sendo que a servidão de estilicídio sempre se tinha extinto por renúncia dos donos do prédio, quando passaram a recolher as águas e a encaminhá-las para o seu prédio.
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Foi admitida a redução do pedido feita pelo Autor, pretendendo o mesmo, quanto ao direito de propriedade, que seja apenas reconhecido que o muro descrito nos artigos 31º a 36º da petição é parte integrante do seu prédio.
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Tramitados regularmente os autos foi então proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condena-se os Réus (…) a fecharem/taparem, com materiais fixos, as aberturas existentes no primeiro andar e rés-do-chão da parede poente e no primeiro andar da parede sul da casa das máquinas, melhor descritas nos factos provados nºs 19, 21 e 23, do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...º;
b) Condena-se os Réus a levantarem o muro com uma altura não inferior a metro e meio, ou a escavar o chão do logradouro do seu prédio, conhecido por casa senhorial e inscrito na matriz sob o artigo ...79º, de modo a que o muro divisório entre o prédio do Autor e o prédio dos Réus fique com uma altura, do lado do prédio dos Réus, não inferior a metro e meio, desde o solo até ao cimo do muro.
c) Absolve-se os Réus dos restantes pedidos formulados, concretamente, do pedido de recuar o telhado, juntamente com o algeroz, do prédio da casa das máquinas, e ainda do pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre o muro de granito que se estende desde a casa das máquinas até à capela, enquanto parte integrante do prédio do Autor, inscrito na matriz sob o artigo ...12.
Custas pelo Autor e pelos Réus, na proporção do decaimento, que se fixa em 42,85% e 57,14%, respetivamente (artigo 527º, nº 1 e 2 do CPC – considerando o valor da ação fixado, com base nos valores indicados pelas partes e no resultado do mérito dos pedidos)…”.
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Não se conformando com a sentença proferida, dela vieram os RR interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:

“1. O autor peticionou, designadamente, que seja declarado que não assiste aos Réus a faculdade de abrirem portas e janelas na parede sul e poente do prédio inscrito na matriz (da freguesia ..., concelho ...) sob o artigo ...80º e descrito na CRPredial sob o nº ...50, condenando-os a fecharem essas janelas e portas com materiais fixos e semelhantes aos do resto daquelas paredes exteriores.
2. Por conseguinte, o autor direcionou estes pedidos relativamente a um determinado bem imóvel, com uma determinada inscrição matricial (art. 380º) e uma determinada inscrição de registo predial (n.º 850).
3. Os réus, na contestação, alegaram, que no imóvel identificado pelo autor na petição inicial, o qual também lhes pertence, não foram efetuadas as referidas aberturas e que o prédio a que o autor pretendia reportar-se era antes outro, achando-se o mesmo inscrito na matriz da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...º, e descrito na CRPredial sob o nº ...67.
4. O autor não lançou mão dos mecanismos para correção/alteração daquele pedido, mas optou por persistir em afirmar e reafirmar, até final da audiência de discussão e julgamento, que o imóvel sobre o qual recaíram aqueles pedidos era o por si identificado na petição inicial.
5. Provou-se que nenhum vão foi aberto no prédio inscrito na matriz sob o artigo ...80º e descrito na CRPredial sob o nº ...50.
6. Porém, o Tribunal, oficiosamente, por sua iniciativa, sem sequer ter sido previamente ouvida a parte contrária, “corrigiu” o pedido formulado pelo autor e condenou os réus a taparem todos os vãos abertos no prédio inscrito na matriz da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...º, e descrito na CRPredial sob o nº ...67.
7. Ora, a decisão que ultrapassa o pedido formulado, sem modificação objetiva da instância, passando a abranger matéria distinta, está eivada da nulidade prevista na alínea e) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, que aqui expressamente se invoca.
8. A nulidade da decisão quando o Tribunal condene em objeto diverso do pedido colhe o seu fundamento no princípio dispositivo que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório, segundo o qual o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor.
9. Por conseguinte, verificando-se aquela nulidade na douta sentença proferida, comprometidas, irremediavelmente, se mostram as condenações que tiveram por alvo o prédio inscrito na matriz da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...º, e descrito na CRPredial sob o nº ...67.
10. Sempre e quando se entenda que não ocorreu condenação em objeto diverso do pedido, no que não se concede, os réus, nesta fase, não têm outros argumentos para defender a manutenção da abertura existente no primeiro andar da parede sul da casa das máquinas e da abertura existente no rés-do-chão da parede poente deste imóvel.
11. Não obstante, os réus pretendem, nesse caso, ser, ainda, absolvidos das seguintes condenações:
a) Fecharem/taparem, com materiais fixos, as aberturas existentes no primeiro andar da parede poente da casa das máquinas, melhor descritas no facto provado n.º 21, do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...º;
b) Levantarem o muro com uma altura não inferior a metro e meio ou a escavar o chão do logradouro do seu prédio, conhecido por casa senhorial e inscrito na matriz sob o artigo ...79º, de modo a que o muro divisório entre o prédio do Autor e o prédio dos Réus fique com uma altura, do lado do prédio dos Réus, não inferior a metro e meio, desde o solo até ao cimo do muro.
12. Quanto ao fechamento/tapagem das aberturas voltadas a poente (1º andar da casa das máquinas), relevam para o assunto que cabe tratar neste item do recurso, os seguintes factos:
11. Na parede poente, de granito, no primeiro andar, existiam duas janelas, a servir, cada uma, cada um dos quartos existentes, sendo uma com cerca de 80 cm de altura por 80 cm de largura, e outra de dimensões mais reduzidas, ambas situadas cerca de 1,20 metros de altura do sobrado, parede essa que não ruiu na sua globalidade.
12. Os pais da Ré e antes destes os seus avós, de modo ininterrupto, ao longo de mais de 30 anos, por si e através de outras pessoas que habitaram na casa, gozaram das vistas que as janelas referidas em 11 proporcionavam, olhando em frente, para os lados, para cima e para baixo, apoiando-se e debruçando-se nos seus parapeitos, arejando as divisões, fazendo-o à vista de todos, sem qualquer tipo de oposição, ignorando que lesavam direitos de terceiro, e convencidos de que exerciam direito próprio.
21. Ao nível do primeiro andar, na parede poente, rasgaram os Réus duas aberturas desde o piso do primeiro andar até à padieira “colada” ao teto, com a altura de 2,20 metros e largura de 1,48 metros do lado interior e de cerca de 1,50 metros do lado exterior, situando-se a 3,75 metros de altura do solo do logradouro do prédio do Autor.
22. As aberturas descritas em 21 são de vidro transparente fixo, aplicado em caixilho cravado/fixo em alumínio, sem qualquer parapeito.
13. Ora, em face desta materialidade, deve considerar-se, antes de mais, que tais aberturas se mostram em observância das regras legais.
14. Com efeito, tendo em conta que as aberturas em causa são compostas por vidro fixo, aplicado em caixilho cravado/fixo, e não são dotadas de nenhum parapeito, jamais poderão ser qualificadas como janelas.
15. Embora a definição de janela não se encontre prevista na lei, cabendo à doutrina e jurisprudência a sua densificação, importa manter a estabilidade do conceito de janela que tem perdurado ao longo das décadas, por razões de certeza e segurança jurídica e paz social.
16. E, quer a jurisprudência quer a doutrina, têm defendido que se deve entender por janela aquela abertura através da qual se possa projetar a parte superior do corpo humano e em cujo parapeito as pessoas se possam apoiar ou debruçar para conversar com alguém que esteja do lado de fora ou para desfrutar as vistas, por entenderem que o relevante é a “devassa do prédio vizinho”, a qual só ocorre, configurando então uma janela, se a abertura permitir que um utilizador comum possa apoiar-se e debruçar-se sobre o seu parapeito ou sobre a superfície que lhe corresponda” .
17. A existência de parapeito é, pois, de importância crucial para efeito da constituição de servidão de vistas.
18. Também não pode, no caso concreto, ignorar-se que ao nível do 1º piso da casa das máquinas, voltadas a poente, existiam já duas janelas, de abrir, com parapeito, tendo-se constituído uma servidão de vistas, conforme doutamente declarado na douta sentença de que se recorre.
19. A alteração daquelas aberturas - alargando-as, é certo -, mas removendo-lhes por completo os parapeitos e tendo-lhes sido aplicados caixilhos e vidros fixos, resultou numa menor devassa para o prédio do autor.
20. Pelo que, no nosso entendimento, as duas aberturas aqui sob análise não devem ser consideradas janelas para efeitos de observar os pressupostos previstos na lei (artigo 1360º do CC), não podendo, em conformidade, ser ordenado o seu fechamento/tapamento.
21. Não obstante, conforme se consigna na douta sentença de que se recorre: “Importa atender que ficou provado que a casa das máquinas era composta por rés-do-chão e 1º andar, sendo que a face externa da parede poente coincidia com a estrema do prédio do Autor (factos provados nºs 9 e 10). E nessa parede poente existiam janelas, a servir, cada uma, cada um dos quartos existentes, sendo uma com cerca de 80 cm de altura por 80 cm de largura, e outra de dimensões mais reduzidas, ambas situadas a cerca de 1,20 metros de altura do sobrado (facto provado nº 11). Mais se provou que os pais da Ré e antes destes os seus avós, de modo ininterrupto, ao longo de mais de 30 anos, por si e através de outras pessoas, habitaram na casa, gozaram das vistas que as janelas proporcionavam, olhando em frente, para os lados, para cima e para baixo, apoiando-se e debruçando-se nos seus parapeitos, arejando as divisões, fazendo-o à vista de todos, sem qualquer tipo de oposição, ignorando que lesavam direitos de terceiro e convencidos de que exerciam direito próprio (facto provado nº 12). Ora, desta factualidade é possível concluir que a existência dessas janelas durante aquele período de tempo, de forma pacífica e pública, confere aos Réus o direito de servidão de vistas, o que implicaria que o Autor não pudesse exigir a tapagem dessas janelas, nem construir no seu terreno obra que tapasse ou obstruísse o direito dos Réus de servidão de vistas. E sendo os Réus titulares do direito de servidão de vistas, como titulares do direito de propriedade do prédio dominante, a eles assistia o direito de abrir nessa nova parede reconstruída, as duas janelas que pré-existiam no local.
22. Ora, se as aberturas de que tratamos pudessem ser consideradas janelas, que não podem, a referida servidão de vistas, alegada como matéria de exceção e provada, sempre obstaria à tapagem total das “janelas” existentes no 1º andar da parede poente da casa reconstruída.
23. Como ficou provado, as “janelas” atuais, construídas em 2018, apresentam uma dimensão consideravelmente maior do que as janelas que existiam.
24. Podem, porém, as aberturas atuais beneficiar do direito de servidão, adquirido por usucapião, em relação às janelas anteriores, sempre e quando sejam repostas as dimensões das janelas primitivas, de modo a respeitar-se o título constitutivo.
25. Assim, a procedência do pedido de tapagem dessas “janelas” não pode ser total, devendo ser salvaguardada, na condenação, a possibilidade dos réus taparem somente a parte que excede as dimensões das janelas primitivas.
26. Com efeito, ao ser invocada a usucapião como exceção, o tribunal está limitado a aferir se tal exceção obsta à procedência do direito do autor ou à procedência total do direito do autor.
27. Esses contrafactos podem ser alegados apenas como suporte de uma defesa por exceção perentória extintiva, modificativa ou impeditiva, ainda que parcialmente, do direito do autor ou também como causa de pedir de um pedido reconvencional, como permite o disposto no artigo 266.º, n.º 2, a), do Código de Processo Civil.
28. Mas esta ambivalência dos denominados contrafactos é opcional, não existindo uma obrigatoriedade de dedução de um pedido reconvencional, para além da defesa por exceção perentória extintiva, modificativa ou impeditiva sem que isso signifique que os efeitos da escolha efetuada não sejam distintos.
29. O Réu pode optar por apenas paralisar o pedido do autor, ainda que parcialmente, ou obstar à sua procedência total, limitando-se a invocar uma defesa por exceção perentória, não desejando obter um efeito positivo, através de uma sentença que acolha um pedido reconvencional.
30. Na verdade, o exercício daquele direito potestativo não exige, necessariamente, a dedução de um pedido reconvencional, quando o seu titular se encontra na posição de demandado numa ação em que, por via dos pedidos efetuados, ocorra a extinção da servidão invocada a título de exceção e, a final, provada.
31. Note-se que, embora na contestação deduzida nesta ação, essa faculdade não tenha sido utilizada, o demandado até tem a possibilidade de requerer que o julgamento desse meio de defesa tenha força de caso julgado extra processual, conforme permite o disposto no artigo 91.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, sem necessidade de dedução de um pedido reconvencional.
32. Estamos perante uma situação que integra a figura da “exceção reconvencional”, cujo estudo e divulgação nos finais do século XIX se deve ao processualista italiano Mortara, o qual conferia força de caso julgado à procedência da defesa por exceção deduzida neste tipo de hipóteses em que o demandado havia optado por não deduzir um pedido reconvencional.
33. Nao obsta, portanto, ao proferimento de uma decisão que julgue parcialmente improcedente uma ação em que se peça, reflexamente, a extinção de um direito de servidão constituído por usucapião, com fundamento no acolhimento da exceção perentória da existência dessa servidão.
34. O exercício processual do correspondente direito potestativo é possível através da dedução de uma defesa por exceção perentória, sem dedução do respetivo pedido reconvencional, e a sentença que conhecer do mérito dessa exceção, julgando-a procedente, não conhece de questão que estivesse impedida de apreciar, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo.
35. Discorda-se, por fim, da circunstância do Tribunal a quo ter considerado que o logradouro da casa senhorial referida em 34 dos Factos Provados, que confronta, a poente, com um muro em granito que vai da Casa das Máquinas à Capela constituir uma “obra semelhante” para efeitos do artigo 1360º, n.º 2, do CC.
36. Com efeito, mostra-se provado que “os Réus, os seus antecessores, pais e avós, de forma exclusiva, por si e através de outras pessoas que aí habitavam, de forma ininterrupta e durante mais de 20 anos, gozaram as vistas que tal logradouro proporcionava, olhando em frente, para os lados, para cima e para baixo, utilização que sempre fizeram à vista de todos, de forma pacífica e de boa fé (Facto Provado n.º 45).
37. Desde a casa senhorial até ao muro, o declive do logradouro é e sempre foi descendente. Com as obras de reconstrução da casa senhorial foi unicamente atenuado tal declive, não sendo agora tão inclinado como dantes, permitindo, não obstante, como já permitia e resultou provado, a visão para o terreno do autor, situado num nível inferior.
38. Se o entendimento da douta sentença for o entendimento prevalecente, todos os logradouros, quintais, terrenos em geral que se achem numa cota superior terão de ser vedados com muros de altura superior a 1,5 metros, acentuando a altura (e perigosidade) dos muros que os suportam, o que não cremos fosse intenção do legislador ao introduzir a asserção “obras semelhantes”.
A sentença recorrida violou, entre outras, as seguintes disposições legais: artigo 1360º do Código Civil e artigos 615º, n.º 1, al. e) e 266º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil.
Termos em que, na procedência do presente recurso, deve a sentença recorrida ser revogada e os réus absolvidos dos pedidos que contra si foram dirigidos, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
Sempre e quando se considere que não ocorreu o vício de “condenação em objeto diverso do pedido” e que as aberturas existentes na parede poente da casa das máquinas integram o conceito de janelas, no que se não concede, devem os réus ser condenados a tapá-las, mas só na exata medida em que excedem as janelas anteriormente existentes e cuja servidão de vistas foi constituída por usucapião, conforme invocado a título de exceção e provado…”
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O A veio Responder ao recurso interposto pelos Réus, pugnando pela sua improcedência.
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No despacho de admissão do recurso, a Sra. Juiz pronunciou-se sobre a alegada nulidade da sentença, considerando que a mesma não se verifica.
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir na presente Apelação são as seguintes:

- A de saber se a sentença proferida é nula, por condenar em objeto diverso do pedido;
- Se os RR não deveriam ser condenados a tapar as aberturas efetuadas na parede poente do seu prédio, ao nível do primeiro andar;
- E se também não deveriam ser condenados a subir o muro existente no seu logradouro, ou a rebaixar o pavimento daquele logradouro.
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Foram dados como provados na primeira instância os seguintes factos:
“1. Por escritura pública de 25.08.2008, no Cartório Notarial ....ª Dr.ª DD, em ..., os vendedores EE, EE e marido FF, GG e mulher HH, e o comprador AA, aqui Autor, celebraram um contrato de compra e venda, pelo preço de cem mil euros, tendo por objeto o prédio urbano, composto de casa de habitação de rés do chão e primeiro andar, com logradouro, sito no Lugar ..., em ..., concelho ..., confrontando do norte com II, do sul com JJ, do nascente com caminho público, e do poente com KK, inscrito na matriz de ... sob o artigo ...12.
2. O referido prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...52 e inscrito em nome do Autor pela Ap. n.º 3 de 2008-09-04.
3. Desde a compra, o Autor passou a ocupar o dito prédio, procedendo a obras de restauro profundo, quer substituindo pisos de madeira por lajes de betão armado, quer demolindo parte do prédio, e aumentando-o, quer levantando, no seu logradouro, a poente, um robusto muro de ferro e argamassa de cimento, tendo um troço, o do sul, o comprimento de cerca de 40 metros, com cerca de 2,5 metros de altura, e outro, o do norte, também cerca de 40 metros de comprimento e, em média, cerca de 2 metros de altura, para construção de acesso seguro a casa a pé e de automóvel, quer ainda alterando suas fachadas e tornando seus compartimentos mais confortáveis e mais funcionais, guardando nele bens móveis, nomeadamente móveis domésticos no primeiro andar e, além do mais, diversas viaturas automóveis no rés do chão, retirando dele, para si próprio, todo o fruto compatível com a sua natureza, sem prestar contas a ninguém, como seu único e exclusivo dono, na certeza de que só a si pertence, passando também a pagar, por ele, os respetivos impostos fiscais, tudo isso fazendo à vista de todos, dia após dia, ano após ano, ininterruptamente, até hoje, sem oposição de quem quer que fosse, na certeza de que não ofende os direitos de ninguém.
4. À data da venda, havia mais de 20, 30 e 40 anos, que já os vendedores, por si e seus antepossuidores, vinham detendo esse prédio no mesmo circunstancialismo descrito no ponto 3, e também aí estabelecendo sua residência, permanecendo noite e dia, repousando e sendo aí procurados por seus conhecidos, amigos e familiares.
5. Os Réus são donos do prédio sito no mesmo local do prédio do Autor e com ele confrontando do lado sul e poente, o qual se encontra inscrito na matriz sob o artigo ...º e descrito, em nome dos Réus, na CRPredial sob o nº ...67.
6. O prédio referido em 5 era um anexo, conhecido por “casa das máquinas” ou “casa pequena”, de um prédio senhorial.
7. Esse prédio integra um conjunto residencial, composto pela casa senhorial (casa grande), capela e logradouro.
8. O prédio casa das máquinas, há pelo menos 30 anos, entrou em ruínas, caindo-lhe parte do telhado e das paredes interiores e exteriores, bem como do seu interior, ficando sem uso como habitação.
9. Esse prédio era composto por rés-do-chão e primeiro andar.
10. A face externa da parede da casa das máquinas, dos lados sul e poente, coincidia e coincide com a estrema do prédio do Autor, identificado em 1.
11. Na parede poente, de granito, no primeiro andar, existiam duas janelas, a servir, cada uma, cada um dos quartos existentes, sendo uma com cerca de 80 cm de altura por 80 cm de largura, e outra de dimensões mais reduzidas, ambas situadas cerca de 1,20 metros de altura do sobrado, parede essa que não ruiu na sua globalidade.
12. Os pais da Ré e antes destes os seus avós, de modo ininterrupto, ao longo de mais de 30 anos, por si e através de outras pessoas que habitaram na casa, gozaram das vistas que as janelas referidas em 11 proporcionavam, olhando em frente, para os lados, para cima e para baixo, apoiando-se e debruçando-se nos seus parapeitos, arejando as divisões, fazendo-o à vista de todos, sem qualquer tipo de oposição, ignorando que lesavam direitos de terceiro e convencidos de que exerciam direito próprio.
13. Não havia aberturas no rés-do-chão da parede poente.
14. A parede sul não tinha qualquer abertura.
15. O telhado era composto por telha cerâmica, a qual se prolongava, para além do limite exterior da parede poente, em mais de 25 cm sobre o prédio do Autor, referido em 1.
16. Desse beiral pingava diretamente sobre o prédio referido em 1, atualmente pertença do Autor, durante mais de 20 e 30 anos e até à reconstrução da casa em 2018, sempre que chovia, à vista de todos, sem qualquer oposição e com a convicção, pelos seus donos, do exercício do direito de ocupar o espaço aéreo, bem como o direito ao escoamento das águas da vertente poente do telhado daquele imóvel sobre o prédio referido em 1.
17. Em 2018, os Réus procederam à reconstrução do prédio “casa das máquinas”.
18. Aquando da reconstrução, os Réus alargaram o seu prédio para norte, em 1,5 metros de comprimento e 2,24 metros de altura, absorvendo cerca de 3,36 m2 do muro de granito que se prolonga até à capela.
19. Na parede poente de granito, ao nível do rés-do-chão, os Réus fizeram uma abertura com 44,50 cm de largura e 53,50 cm de altura, com o parapeito a 1,74 metros do chão no prédio dos Réus e a 2,76 metros do chão do prédio do Autor.
20. A abertura referida em 19 funciona através do sistema de báscula, sendo composta de uma folha com vidro fosco.
21. Ao nível do primeiro andar, na parede poente, rasgaram os Réus duas aberturas desde o piso do primeiro andar até à padieira “colada” ao teto, com a altura de 2,20 metros e largura de 1,48 metros do lado interior e de cerca de 1,50 metros do lado exterior, situando-se a 3,75 metros de altura do solo do logradouro do prédio do Autor.
22. As aberturas descritas em 21 são de vidro transparente fixo, aplicado em caixilho cravado/fixo em alumínio, sem qualquer parapeito.
23. Ao nível do primeiro andar, na parede sul, abriram uma janela que dista cerca de 1,20 metros do piso do primeiro andar, com cerca de 0,85 metros de altura e cerca de 1 metro de largura, a que aplicaram, na vertical, em toda a altura da janela e do lado exterior, de cerca de 0,12 em 0,12 metros, réguas de granito serrado com cerca de 0,10 metros de espessura, por cerca de 0,11 metros de largura, janela aberta sensivelmente a meio da parede considerando o seu comprimento.
24. A janela referida em 23 é composta por vidro fosco, de uma só folha, com abertura em báscula.
25. Imediatamente em frente ao parapeito da abertura do rés-do-chão e às duas aberturas ao nível do primeiro andar, na parede-poente do prédio dos Réus, e à janela do primeiro andar na parede-sul do mesmo prédio, segue-se o prédio do Autor identificado no artigo 1., sem nada que se interponha entre os dois prédios.
26. Através das aberturas do rés-do-chão da parede poente e da parede sul, referidas em 19 e 23, que permitem a entrada de ar e luz, é possível lançar sobre o prédio do Autor quaisquer objetos e lixo.
27. Através das aberturas do primeiro andar, da parede poente, é possível observar o prédio do Autor.
28. Quando os Réus estavam a proceder àquelas aberturas, o Autor, que regressou dos ..., opôs-se, dizendo ao Réu que nelas não consentia.
29. Os Réus deixaram o beiral do telhado, incluindo o algeroz, com uma saliência de 25 cm da face exterior da parede poente e ao longo de toda essa parede.
30. O beiral do telhado, existente na parede poente, foi aumentado, na sequência da reconstrução referida em 17, no seu comprimento, em 1,50 metros para norte.
31. Os Réus colocaram um caleiro/algeroz por baixo do beiral para recolha das águas provenientes da escorrência do seu telhado, as quais são encaminhadas e escoadas no interior de um seu prédio.
32. A cota do terreno, desde a Rua ..., localizada a poente do imóvel do Autor (no fundo), até à Rua ..., que ladeia pelo nascente os prédios dos Réus e do Autor, apresenta um declive ascendente.
33. A cota do terreno do Autor situa-se, desde sempre, em plano inferior à cota de terreno do prédio dos Réus.
34. Os Réus procederam também à reconstrução da casa senhorial, inscrita na matriz sob os artigos ...79..., ...80... e ...81º, conhecida por casa velha ou casa grande, de que são donos.
35. Desde a fachada da capela e até à estrema do prédio da casa das máquinas existe um muro de granito, com cerca de 20 metros de comprimento.
36. O logradouro da casa senhorial, referida em 34, confronta também a poente com o descrito muro de granito.
37. No restauro, os Réus entulharam o logradouro do prédio, alteando a sua cota, aplanaram o solo, diminuindo o declive, e pavimentaram-no com cubos de granito, desde a Rua ... a nascente até ao muro de granito, referido a poente.
38. O muro, até às obras de reconstrução da casa senhorial, apresentava uma altura de cerca de 1,70 metros, desde o seu cimo até ao solo do logradouro da casa senhorial, pertença atualmente dos Réus.
39. Na sequência do alteamento do solo do logradouro referido em 37, o muro, no extremo-norte, junto à capela, apresenta, desde o seu cimo e até ao chão do prédio dos Réus, uma altura de 0,88 metros, sensivelmente a meio do comprimento apresenta uma altura de 0,78 metros, subindo depois gradualmente até ao extremo sul, junto à casa das máquinas, onde tem uma altura de 0,98 metros.
40. O muro tem cerca de 0,70 metros de espessura e cerca de 2,27 metros de altura a partir do chão do logradouro do prédio do Autor, que com ele confina.
41. Na altura do restauro, apenas foram preenchidas as juntas de cimento do muro.
42. O muro de granito, referido em 35, sempre esteve alinhado com o alçado poente da casa das máquinas e com o cunhal sudeste da capela, terminando na face da parede da capela, do lado do logradouro dos Réus, e, desde a reconstrução, em 2018, sustenta, em toda a sua largura, esse alçado poente da casa das máquinas e, do lado da capela, prolonga-se para o interior do logradouro do prédio dos Réus, encostado à parede nascente da capela.
43. O muro de granito atenua o relevo do terreno onde foram edificados os prédios pertencentes atualmente aos Réus.
44. Esse muro foi construído, há mais de 20, 30, 40 anos, pelos anteriores proprietários dos prédios dos Réus, para vedação da edificação da casa senhorial e suporte de terras, sendo, desde então, conservado, com reposição das pedras que caiem, com limpeza das ervas, com o preenchimento das juntas com argamassa de cimento, em ambas as faces, pelos Réus e seus antepossuidores, de forma exclusiva, ininterrupta, sem oposição, à vista de todos e com a convicção de serem exclusivos donos.
45. Os Réus, os seus antecessores, pais e avós, de forma exclusiva, por si e através de outras pessoas que aí habitavam, de forma ininterrupta e durante mais de 20 anos, gozaram as vistas que tal logradouro proporcionava, olhando em frente, para os lados, para cima e para baixo, utilização que sempre fizeram à vista de todos, de forma pacífica, de boa fé.
46. EE, EE e GG eram donos de uma parcela de terreno que confrontava a nascente com o dito muro de granito.
47. JJ era dono de uma outra parcela, que confrontava também a nascente com o dito do muro, mais junto à capela, a qual veio a ser adquirida por EE, EE e GG.
48. Do lado poente, encostado ao referido muro de granito, o Autor procedeu, no logradouro do seu prédio, à colocação de blocos de granito, aparelhados nas suas faces, com cerca de meio metro de altura.
49. Autor e Réus são vizinhos em Portugal, na localidade de ... e residem próximo uns dos outros nos ....
50. O Autor vem restaurando o seu referido prédio há mais de 10 anos.

Factos Não Provados:

Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal dá como não provados os seguintes factos:
a) A casa das máquinas está inscrita na matriz sob o artigo ...80º e descrita na CRPredial ... sob o nº ...50, na sequência da escritura de doação outorgada em 27.05.2016, no Cartório Notarial de LL.
b) A casa das máquinas era também conhecida por ruínas.
c) A casa das máquinas esteve em total ruína, com o telhado da casa caído na sua totalidade.
d) Havia mais de 40 anos, até 2018, que a casa das máquinas não tinha qualquer telhado.
e) A casa das máquinas apenas deixou de ser habitada no século XXI.
f) O prédio era apenas de rés-do-chão, pelo menos até cerca de 4 metros da sua estrema- poente, e bastante estreito, com cerca de 6,5 metros de largura.
g) A parede poente era cega, sem qualquer abertura.
h) Na parede sul do prédio, sempre existiu, no mesmo local onde existe atualmente, uma janela, a qual deitava diretamente para o prédio do Autor.
i) Os pais da Ré e antes destes os seus avós, de modo ininterrupto, ao longo de mais de 30 anos, por si e através de outras pessoas que habitaram na casa, gozaram das vistas através das aberturas existentes na parede sul, olhando em frente, para os lados, para cima e para baixo, apoiando-se e debruçando-se nos seus parapeitos, arejando as divisões, fazendo-o à vista de todos, sem qualquer tipo de oposição, ignorando que lesavam direitos de terceiro e convencidos de que exerciam direito próprio.
j) Aquando da reconstrução, os Réus acrescentaram também o primeiro andar ao prédio.
k) Através das aberturas existentes no primeiro andar, da parede poente, é possível lançar quaisquer objetos e varrer lixo sobre o prédio do Autor.
l) Através das aberturas existentes no rés-do-chão da parede poente e na parede sul do 1º andar é possível observar o prédio do Autor.
m) Os Réus, na sequência da conversa com o Autor, manifestaram o propósito de não proceder a quaisquer aberturas para o prédio do Autor.
n) O Autor, aquando daquelas aberturas, estava em Portugal e expressou o seu consentimento à manutenção e alargamento de todas as janelas.
o) O Autor, no ano de 2021, pediu aos Réus para aplicarem, nas aberturas ao nível do primeiro andar, uma película fosca na metade inferior do vidro.
p) Nos últimos quatro anos aconteceram diversas conversas entre o Autor e os Réus acerca dos trabalhos de reconstrução que cada um deles vinha efetuando, sempre tendo o Autor elogiado e concordado com a totalidade das obras executadas.
q) A saliência do beiral do telhado tem um comprimento de cerca de 8,25 metros.
r) O conjunto edificado da casa senhorial do ... encontrava-se vedado em todo o seu perímetro por um muro em pedra, no qual se integrava a parte referida em 35.
s) O muro de granito referido em 35, tinha do lado nascente uma altura que rondava os 2 metros.
t) Esse muro de granito apresentava uma altura inferior a 1,50 metros.
u) O muro, antes das obras de reconstrução da casa senhorial, apresentava mais altura do lado do nascente que do poente, ou seja, mais de 2,27 metros.
v) Antes das obras no logradouro, as pessoas apoiavam-se e debruçavam-se no referido muro de granito.
w) O logradouro da casa senhorial foi alteado em cerca de meio metro na extremidade norte (junto à capela) e em vinte e cinco centímetros, junto à extremidade sul (casa das máquinas).
x) O alçado poente da casa das máquinas esteve sempre sustentado naquele muro de granito.
y) Rente e em toda a sua extensão, os Réus construíram um passeio com cerca de 0,70 metros de largura.
z) Desde a compra do prédio referido em 1 e até ao presente, o muro é conservado pelo Autor à vista de todos, sem oposição de quem quer que seja, dia após dia, ano após ano, ininterruptamente até hoje, ora aumentando a sua resistência com o enchimento de suas fendas com argamassa de areia e cimento em ambas as faces, ora alinhando, do lado nascente, as pedras que o encabeçam, na convicção segura de que é seu único dono e de que ele é parte integrante do seu prédio e retirando dele todo o fruto compatível com sua natureza, nomeadamente o de impedir que seu prédio seja invadido por esse local por pessoas, animais e águas pluviais.
aa) A colocação dos blocos de granito pelo Autor, referido em 48, foi para evitar a ruína do muro de granito descrito em 35.
bb) O muro tem a face nascente, do lado do prédio dos Réus, aprumada, enquanto o lado poente, para o prédio do Autor, é irregular, com pedras ora mais salientes, ora mais recuadas.
cc) As pedras que encabeçam o muro apresentam a sua face mais regular para o lado nascente e a defeituosa para o lado poente.
dd) Com início junto à capela e ao longo do referido muro em pedra, existia, desde tempo imemoriais, um atravessadouro de pessoas e animais para o caminho.
ee) Junto à capela, existia uma fonte caudal à disposição do público em geral…”.
*
I- Da nulidade da sentença:

Começam os RR por apodar a sentença proferida de nula, por violação do princípio do pedido, mais concretamente por ter condenado em objeto diverso do pedido.
Dizem que o Autor peticionou que seja declarado que não assiste aos Réus a faculdade de abrirem portas e janelas na parede sul e poente do prédio inscrito na matriz (da freguesia ..., concelho ...) sob o artigo ...80º e descrito na CRP sob o nº ...50, condenando-os a fecharem essas janelas e portas com materiais fixos e semelhantes aos do resto daquelas paredes exteriores, e que o tribunal recorrido, oficiosamente, sem sequer ter sido previamente ouvida a parte contrária, “corrigiu” o pedido formulado pelo autor, e condenou os réus a taparem todos os vãos abertos no prédio inscrito na matriz da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...º, e descrito na CRP sob o nº ...67.
Com base nestes factos, dizem os recorrentes que a decisão proferida ultrapassou o pedido formulado, sem modificação objetiva da instância, passando a abranger matéria distinta, pelo que está a mesma eivada da nulidade prevista na alínea e) do n.º 1 do art.º 615º do CPC.
*
No despacho de admissão do recurso, a Sra. Juiz pronunciou-se sobre a arguida nulidade da Sentença, sustentando o seguinte:
 “Os Réus vieram arguir a nulidade da sentença nos termos do artigo 615º, nº 1, al. e) do CPC, por condenar em objeto diverso do pedido, uma vez que os pedidos se reportavam ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ...80º e a sentença corrigiu o pedido e condenou os réus a taparem os vãos abertos no prédio inscrito na matriz sob o artigo ...º.
Estabelece o artigo 615º, nº 1, al. e) do CPC que “É nula a sentença quando: o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”. De facto, estipula o artigo 609º, nº 1 do CPC que “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”.
Ora, são as partes que, através do pedido, circunscrevem o tema a decidir, estando o tribunal limitado ao princípio do dispositivo, devendo a “sentença inserir-se no âmbito do pedido (e da causa de pedir), não podendo o juiz condenar (ou fazer a apreciação que corresponder ao tipo de ação em causa) em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir” (GPS, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I. Almedina, p. 728).
No caso, considera-se, à semelhança do que se disse em sede de sentença, que inexiste qualquer violação do princípio do pedido.
É verdade que os pedidos formulados pelo Autor se reportavam ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...80º e que após a versão trazida pelos Réus, se considerou que tal prédio não estaria inscrito na matriz sob o artigo ...80º, mas sim sob o artigo ...º. Porém, ambas as partes, não obstante atribuírem artigos matriciais diferentes, se reportavam ao mesmo prédio – casa das máquinas.
Ora, a decisão limitou-se a apreciar os pedidos formulados, em consonância com a matéria dada como provada, matéria essa que nesta parte (número da inscrição matricial) teve na base a versão apresentada pelos Réus.
Ou seja, são os próprios Réus que consideram que aquele prédio inscrito na matriz sob o artigo ...80º é afinal o prédio inscrito na matriz sob o artigo ...º, identificando-o como a mesma realidade física.
Não se condenou em qualquer realidade diversa da pedida pelas partes, nem discutida pelas partes – o prédio é só um e sempre o mesmo, como se constatou, consensualmente, em sede de inspeção ao local.
A realidade física do prédio não foi alterada. Trata-se apenas de uma alteração do número do artigo matricial que não altera a realidade em discussão. Aliás, muitos são os prédios que estão omissos na matriz e no registo sem que tal circunstância coloque em causa a sua existência.
O efeito jurídico que o Autor pretendia alcançar e em relação ao qual os Réus se defenderam não foi alterado com a prolação da sentença; o pedido formulado referia-se ao prédio conhecido por casa das máquinas e o determinado em sentença reporta-se ao mesmo prédio casa das máquinas.
Daí que se entenda que a condenação se insere nos limites qualitativos e quantitativos do que foi pedido.
Além disso, a inscrição matricial foi matéria amplamente discutida pelas partes, inclusivamente em sede de alegações, onde a questão agora suscitada foi levantada pela parte, com possibilidade de exercício do contraditório, não se tratando de qualquer questão surpresa, ou ex-nova trazida em sentença. Pelo que se conclui que inexiste qualquer nulidade da sentença…”.
*
Também o A/recorrido veio pronunciar-se quanto à invocada nulidade, dizendo que a mesma se não verifica.
*
Vejamos:

É certo que nos termos do artigo 615º, nº 1, al. e) do CPC “É nula a sentença quando (…) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”, em consonância com o disposto no artigo 609º, nº 1 do mesmo diploma legal, que estipula que “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”, sendo certo, como bem referem os recorrentes, que tal nulidade colhe o seu fundamento no princípio dispositivo, que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório, segundo o qual o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor.
Mas a sentença recorrida não padece da arguida nulidade, adiantamos já.
O A alegou efetivamente que os RR., desde 2016, estão na detenção do prédio urbano sito no mesmo local do prédio do A., confrontando com este do sul e do poente, encontrando-se inscrito sob o art.º ...80.º na matriz predial da freguesia ..., e registado na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...50 em nome da ré.
Mas a fim de melhor o identificar, alegou o A. que esse prédio, designado por “casa das máquinas”, era um anexo de um prédio senhorial, que desde há mais de 30 e 40 anos, até 2018, vinha estando em total ruína e sem qualquer uso. Mais alegou que os RR. procederam à reconstrução desse prédio em 2018, tendo-o acrescentado para norte e em altura, e que nas paredes poente e sul abriram janelas, sem respeitarem os distanciamentos previstos na lei relativamente ao seu prédio, com o qual confronta, de sul e poente.
E formula, a final, o seguinte pedido (aqui em discussão): “que seja declarado que não assiste aos Réus a faculdade de abrirem portas e janelas na parede sul e poente do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...80º e descrito na CRP sob o nº ...50, condenando-os a fecharem essas janelas e portas com materiais fixos e semelhantes aos do resto daquelas paredes exteriores”.
Os RR. na contestação confirmaram que o edifício restaurado lhes pertence, esclarecendo apenas que o mesmo é conhecido por “casa pequena” e que se encontra inscrito na matriz predial sob o art.º ...º, e descrito na CRP sob o art.º ...67.
No mais, impugnam os factos alegados relacionados com a estrutura do edifício antes da reconstrução, e com as aberturas nele levadas a cabo.
O tribunal recorrido, após ter indagado daquela impugnação – exaustivamente aliás, como decorre da motivação da matéria de facto -, concluiu que o prédio em causa nos autos, embora com a descrição feita pelo A na petição inicial, estava inscrito na matriz predial sob o art.º ...º e no registo predial sob o art.º 1367º e fez constar isso mesmo, quer na matéria de facto dada como provada (art.º 5º), quer na decisão final – no Dispositivo da sentença -, cujo segmento não é divergente do pedido formulado, como pretendem os recorrentes, mas apenas retificativo da identificação do prédio, feita pelo A na petição.
Aliás, é nesse sentido o afirmado pela sra. Juíza, ainda na fundamentação jurídica da sentença, de que “…não pode obstar à procedência dos pedidos a circunstância de o pedido do Autor se reportar a um prédio inscrito na matriz sob o artigo ...80º e descrito na CRP sob o nº ...50, e de ter ficado provado que esse prédio respeita ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ...º e descrito na CRP sob o nº ...67... verdade, o Autor identificou perfeitamente o prédio, denominando-o casa das máquinas, prédio esse que foi claramente identificado pelos Réus, pelas testemunhas e pelo Tribunal no local, não havendo, pois, qualquer dúvida quanto ao prédio objeto dos autos. Trata-se apenas de um erro na indicação matricial do prédio, em face da versão trazida pelos Réus. Pelo que, esta alteração do número do artigo matricial não constitui qualquer violação do princípio do pedido”.
É pois indiscutível, que o prédio a que o A e os RR se reportam é o mesmo, verificando-se, ao longo de todo o processo, que as partes se reportam ambas sempre ao mesmo prédio, que está devidamente identificado nos autos, não restando dúvidas de que se trata do prédio objeto da ação, pelo que a sua divergente descrição em termos de inscrição matricial e número de registo não é suficiente para desvirtuar os demais elementos identificadores do prédio, descritos pelo A na petição.
Como bem se aduz no despacho proferido, o número de inscrição matricial e o número do registo não são essenciais à existência e definição dos prédios. Com essa caraterização matricial ou registal ou sem elas, o prédio mantém-se incólume e a proporcionar aos seus detentores ou donos todos os frutos ou utilidades compatíveis com a sua natureza. Basta considerar que muitos prédios, embora existam, estão omissos quer na matriz (fiscal) quer no registo predial. Como também ao mesmo prédio pode respeitar mais que um artigo matricial e mais que um número no registo predial.
Daqui se conclui que não há na sentença recorrida condenação em objeto diverso do pedido.
Além disso – e no que se refere à ausência de contraditório quanto à aludida condenação -, é bem verdade o que é afirmado no despacho proferido, de que a inscrição matricial do prédio foi matéria amplamente discutida pelas partes, inclusivamente em sede de alegações, com possibilidade de exercício do contraditório, não se tratando de qualquer questão surpresa ou ex-nova abordada apenas na sentença.
Pelo que se conclui também aqui que inexiste qualquer outra nulidade processual a apreciar, designadamente a da violação do princípio do contraditório.
*
II- Da tapagem das aberturas efetuadas pelos RR na parede poente do seu prédio:
Consideram também os recorrentes que deveriam ter sido absolvidos da parte da sentença que os condenou a “Fecharem/taparem, com materiais fixos, as aberturas existentes no primeiro andar da parede poente da casa das máquinas, melhor descritas no facto provado n.º 21, do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...º”
Começam por afirmar que deve considerar-se, antes de mais, que tais aberturas se mostram construídas em observância das regras legais, tendo em conta que são compostas por vidro fixo, aplicado em caixilho cravado/fixo, e não são dotadas de nenhum parapeito, pelo que jamais poderão ser qualificadas como janelas, sendo certo que, quer a jurisprudência quer a doutrina, têm defendido que se deve entender por janela a abertura através da qual se possa projetar a parte superior do corpo humano, e em cujo parapeito as pessoas se possam apoiar ou debruçar para conversar com alguém que esteja do lado de fora ou para desfrutar as vistas, por entenderem que o relevante é a “devassa do prédio vizinho”, a qual só ocorre se a abertura permitir que um utilizador comum possa apoiar-se e debruçar-se sobre o seu parapeito ou sobre a superfície que lhe corresponda.
Ora, não se pode ignorar que ao nível do 1º piso da casa das máquinas, voltadas a poente, existiam já duas janelas de abrir, com parapeito, sendo certo que a alteração daquelas janelas - alargando-as, é certo -, mas removendo-lhes por completo os parapeitos e tendo-lhes sido aplicados caixilhos e vidros fixos, resultou numa menor devassa para o prédio do autor, pelo que as duas aberturas em análise não devem ser consideradas janelas para efeitos de observar os pressupostos previstos na lei (artigo 1360º do CC), não podendo, em conformidade, ser ordenado o seu fechamento/tapamento.
*
Mas sem razão, como é por demais evidente.
Começamos por dizer que aderimos na íntegra às considerações de ordem geral tecidas na sentença recorrida sobre o direito de propriedade dos RR sobre o seu prédio, e sobre o direito que lhes assiste, de levarem a cabo as obras de remodelação do mesmo, direito esse que não é, no entanto, absoluto:
“O direito de propriedade é um direito real que tem por objeto coisas corpóreas, móveis ou imóveis (art. 1302º do CC) e cujo conteúdo se encontra sujeito ao princípio da elasticidade, caracterizado por poderes de compressão e expansão (cf. Luís Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Quid Juris, p. 334). Adquirido o direito por um dos modos estabelecidos no artigo 1316º do CC, o seu titular, como se dispõe no artigo 1305º do Código Civil, goza, de modo pleno e exclusivo, dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas. Tal significa que o titular do direito de propriedade não tem acima dele qualquer outro poder que o limite (é pleno), podendo exigir de outrem o respeito dos seus poderes sobre a coisa (é um poder exclusivo), bem como recorrer aos tribunais para obter de terceiro a restituição da coisa que lhe pertence (cf. art. 1311º do CC) e até de defender a sua propriedade por ação direta, nos termos dos artigos 1314º e 336º do CC.
Porém, estes poderes de uso, fruição e disposição não são absolutos. Devem ser exercitados dentro dos limites da lei e sofrem as restrições impostas por lei.
Entre as restrições impostas ao proprietário encontram-se as que derivam de relações de vizinhança, restrições que se justificam “em virtude da impossibilidade de os direitos do proprietário serem exercidos plenamente sem afectação dos direitos dos vizinhos” (Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, p. 95).
Nessas restrições derivadas de relações de vizinhança constam, para o que aqui importa, as construções e edificações referidas nos artigos 1360º a 1364º do Código Civil, cujo regime legal se diferencia pelo tipo e caraterísticas das aberturas.
Essas limitações prendem-se com a “necessidade de proteger o prédio vizinho do devassamento e a intimidade da vida privada do seu proprietário”, impedindo que o proprietário seja “objeto de indiscrição de estranhos” (Pedro Vaz Mendes, Comentário ao Código Civil, Direito das Coisas, Universidade Católica Editora, p. 284). Uma dessas restrições encontra-se regulamentada no artigo 1360º do Código Civil (…).
Resulta da matéria provada que o Autor adquiriu, por escritura de compra e venda, o prédio, sito no Lugar ..., inscrito na matriz sob o artigo ...12 e registado, em seu nome, na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...52 (…).
Por sua vez, provou-se que os Réus são donos de um prédio, conhecido por casa das máquinas, inscrito na matriz sob o artigo ...º, o qual confronta do lado sul e poente com o prédio do Autor, sendo que a face externa das paredes poente e sul dessa casa coincide, e sempre coincidiu, com a estrema do prédio do Autor (…).
Mais se provou que, na sequência da reconstrução efetuada no ano de 2018, a nova casa das máquinas apresenta diversas aberturas nas paredes poente e sul, paredes essas que separam o prédio dos Réus do prédio do Autor.

Quanto à abertura do 1º andar da parede poente:
Resulta também da matéria de facto provada, que, na parede poente, que faz estrema com o prédio do Autor, ao nível do primeiro andar, se encontram rasgadas duas aberturas, desde o piso do primeiro andar até à padieira “colada” ao teto, com a altura de 2,20 metros, e uma largura, do lado interior da casa, de 1,48 metros e do seu lado exterior de 1,50 metros (…), sendo tais aberturas de vidro transparente fixo, aplicado em caixilho cravado/fixo em alumínio, sem qualquer parapeito (…).
Provou-se ainda que, imediatamente à frente dessas aberturas, segue-se o prédio do Autor, sem que nada se interponha entre os dois prédios (…).
Ora, em face dessa materialidade, considera-se que tais aberturas se mostram em inobservância das regras legais (…). Daí que sempre aos Réus cabe o dever de as tapar…”.
*
E não obstante discordarmos do enquadramento legal, feito na sentença recorrida quanto às aberturas feitas na parede poente da casa dos RR, considerando-se que tais aberturas são janelas, consideramos acertada a decisão proferida, de que tais aberturas se mostram em inobservância das regras legais, contrariamente ao defendido pelo recorrentes.
Aliás, é inaceitável a conclusão a que os mesmos chegam, de que não devendo tais aberturas ser consideradas janelas para efeitos das exigências legais (art.º 1360º do CC), as mesmas se mostram construídas em observância das regras legais, não podendo ser ordenado o seu tapamento.
Esta solução seria de todo inaceitável, e sem qualquer apoio legal.

Vejamos:
Nos termos do art.º 1360º nº 1 do CC, intitulado “Abertura de janelas, portas, varandas e obras semelhantes”, “O proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem diretamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio”, prevendo-se depois no art.º 1363º as aberturas isentas daquela restrição - as Frestas, seteiras ou óculos para luz e ar -, determinando a lei que “Não se consideram abrangidos pelas restrições da lei as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar, podendo o vizinho levantar a todo o tempo a sua casa ou contramuro, ainda que vede tais aberturas. 2. As frestas, seteiras ou óculos para luz e ar devem, todavia, situar-se pelo menos a um metro e oitenta centímetros de altura, a contar do solo ou do sobrado, e não devem ter, numa das suas dimensões, mais de quinze centímetros; a altura de um metro e oitenta centímetros respeita a ambos os lados da parede ou muro onde essas aberturas se encontram”.
A distinção entre umas obras e outras é significativa, em termos de efeitos jurídicos, dado que apenas a abertura de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em desrespeito da norma legal, confere ao dono do prédio dominante a possibilidade de vir a beneficiar de uma servidão de vistas sobre o prédio vizinho (Acs. do STJ de 01.04.2008 e de 15.05.2008, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
É essa, de resto, a solução prevista no art.º 1362º, intitulado “Servidão de vistas”, no qual se preceitua que “1. A existência de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em contravenção do disposto na lei, pode importar, nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião. 2. Constituída a servidão de vistas, por usucapião ou outro título, ao proprietário vizinho só é permitido levantar edifício ou outra construção no seu prédio desde que deixe entre o novo edifício ou construção e as obras mencionadas no nº 1 o espaço mínimo de metro e meio, correspondente à extensão destas obras”.
Ora, resulta da matéria de facto provada que em 2018, os Réus procederam à reconstrução do seu prédio “casa das máquinas”, tendo ao nível do primeiro andar, na parede poente, rasgado duas aberturas desde o piso do primeiro andar até à padieira “colada” ao teto, com a altura de 2,20 metros e largura de 1,48 metros do lado interior e de cerca de 1,50 metros do lado exterior, sendo tais aberturas de vidro transparente fixo, aplicado em caixilho cravado/fixo em alumínio, sem qualquer parapeito.
Imediatamente em frente às duas aberturas ao nível do primeiro andar, na parede-poente do prédio dos Réus, segue-se o prédio do Autor (o logradouro do seu prédio), sem nada que se interponha entre os dois prédios, pelo que, através das aberturas do primeiro andar, da parede poente, é possível observar o prédio do Autor.
Defendem os recorrentes que tais aberturas não podem ser consideradas janelas, porque destituídas de parapeito no qual as pessoas se possam debruçar.
E com razão, entendemos nós, embora elas se tenham de considerar, em qualquer caso, aberturas irregulares, e proibidas, portanto.
Tais aberturas foram consideradas na sentença recorrida como janelas, afirmando-se no essencial que “Na linguagem corrente, pode definir-se janela como “abertura ou vão na parede externa de uma edificação ou no corpo de um veículo, que se destina a proporcionar iluminação e ventilação ao seu interior, ao mesmo tempo que, com ou sem a intermediação de material transparente ou translúcido (em geral vidro) facilita a visibilidade da paisagem exterior (cf. definição do Dicionário do Português Atual Houaiss).
De facto, a janela é definida por todos como uma abertura que permite a entrada de luz e de ar e a observação do espaço envolvente.
A doutrina e jurisprudência têm entendido, de um modo geral, janela como “a abertura feita na parede externa das casas, em regra para a entrada de ar e luz no seu interior e para desfrute de vistas. E, no âmbito da variedade das janelas, distinguem-se as externas ou de peito – inseridas acima do solo ou do sobrado, com peitoril ou parapeito, em que se apoiam os braços quando as pessoas nelas se debruçam – e as de sacada, semelhantes a portas de acesso a alpendres ou sacadas” (cf. Ac. TRE de 02.03.2023 (…), disponível em www.dgsi.pt).E como se refere no Ac. do STJ de 26.06.2008 (…), disponível em www.dgsi.pt, as “janelas propriamente ditas, de maiores dimensões, visam essencialmente permitir a visão pelas pessoas de dentro para fora sobre os prédios vizinhos”(…).
Como se disse, a definição de janela não se encontra prevista na lei, cabendo à doutrina e jurisprudência a sua densificação.
A este respeito, não se ignora que por alguma jurisprudência é defendido que se deve entender por janela aquela abertura através da qual se possa projetar a parte superior do corpo humano e em cujo parapeito as pessoas se possam apoiar ou debruçar para conversar com alguém que esteja do lado de fora ou para desfrutar as vistas (…) por entenderem que o relevante é a “devassa do prédio vizinho”, a qual “só ocorrerá, configurando então uma janela, se a abertura permitir que um utilizador comum possa apoiar-se e debruçar-se sobre o seu parapeito ou sobre a superfície que lhe corresponda” (Ac. TRP de 13.07.2022, disponível em www.dgsi.pt).
Não se discute que as aberturas com tais caraterísticas devem ser, de forma inequívoca, qualificadas como janelas.
Porém, considera-se que a definição de janela, para efeitos legais, não pode cingir-se àquelas aberturas que permitam a devassa através da mera passagem da parte superior do corpo humano, com o debruçar-se através do parapeito. Ao invés, entende-se que devem ser consideradas janelas as aberturas que, mesmo não permitindo ao utilizador comum apoiar-se ou debruçar-se sobre o parapeito, ocupando o espaço aéreo do prédio vizinho, permitam a devassa do prédio vizinho, como sucede, no caso, com as aberturas existentes na parede poente, ao nível do primeiro andar.
Efetivamente, a lei não prevê essa exigência de transposição de parte do corpo, com a ocupação do espaço aéreo vizinho, nem se crê que seja esse o espírito da norma. As restrições de vizinhança, ao nível das aberturas, visam evitar “que sobre os prédios vizinhos se façam despejos e, sobretudo, que sejam devassados com a vista” (cf. Henrique Mesquita, Direitos Reais, Coimbra, p. 149), ou seja, visa-se a proteção do titular do prédio vizinho do devassamento e intimidade da vida privada.
Daí que na apreciação do que é janela para efeitos legais se deva atender não só à letra da lei, mas também ao seu espírito, como determina o artigo 9º do CC, sendo que a ratio destas normas visa garantir que o proprietário de um prédio não seja objeto de indiscrição por estranhos.
E as aberturas em causa, ainda que impeçam a projeção da parte superior do corpo humano, ou qualquer ocupação do espaço aéreo do prédio do Autor, consentem claramente, além da entrada de luz através do prédio do Autor, a devassa da sua intimidade.
De facto, aquelas aberturas permitem olhar em frente, para cima e para baixo, para a esquerda e para a direita, vendo tudo o que se passa no prédio do Autor e desfrutando das vistas sobre esse prédio, como resulta, de modo explícito, das fotografias nºs 10 e 11 do auto de inspeção.
Aliás, não se pode aceitar que a simples circunstância de não ter um parapeito para se apoiar ou debruçar sobre o prédio vizinho retire essa qualidade de janela.
É que a intimidade é ainda mais afetada com aberturas como a que os Réus rasgaram nesse primeiro andar da parede poente, porquanto lhes permite, com uma mera alteração (v.g. colocação de uma cortina), manter as vistas sobre o prédio do Autor, sem que sejam vistos (ao contrário de uma janela, com parapeito, que ao permitir o debruçar e o apoiar, permite também que outros se possam aperceber que estão a ser vistos) e até de forma mais cómoda (com uma cadeira sentados no quarto, sem necessidade de estarem de pé, conseguem ver tudo o que se passa no prédio do Autor).
Além disso, crê-se que a exigência de projeção da parte superior do corpo pela abertura, com a ocupação do espaço aéreo, é colocar o mote na ocupação desse espaço e não na salvaguarda da privacidade que implica as limitações legais ao nível das regras de vizinhança.
Não é seguramente o braço a passar para o espaço aéreo do prédio do Autor que impõe estas limitações; o que se visa é evitar que um dono do prédio possa ver a sua privacidade afetada, com intromissões alheias. E essas existem mesmo que os Réus estejam sentados no interior do quarto a olhar pela janela.
Além disso, não se pode ignorar que a caraterística de a janela permitir a projeção sobre o parapeito era típica nas construções existentes no passado; não se construíam janelas fixas; uma janela era feita para abrir.
Contudo, com a evolução dos tempos, novas ideias de estilo foram surgindo, começando a aparecer as aberturas de vidro nas paredes, mas sem possibilidade de abrir.
E estas permitem, exatamente como as outras, devassar a intimidade do proprietário do prédio vizinho (além até da própria privacidade do prédio dos Réus que, não obstante não ser essa que se pretende tutelar com estas normas legais, não se deixa de constatar que também não é salvaguardada – cf. fotografia nº 12 do auto de inspeção onde se observa o interior do quarto da casa dos Réus, visto pelo lado do prédio do Autor).
E se a possibilidade de devassa, através dessas aberturas, existe, então devem ser qualificadas, juridicamente, como janelas.
Permitir tais aberturas é possibilitar que, em vez de parede de pedra, possa um vizinho, na estrema do seu prédio, com o prédio vizinho, construir uma parede de vidro, de modo a ter vistas dos seus diferentes lados, sem que o dono do prédio vizinho, claramente devassado na sua intimidade, se pudesse insurgir por essa parede não permitir a passagem de uma parte do corpo superior, o que seria inaceitável.
Pelo que, no nosso entendimento, essas duas aberturas devem ser consideradas janelas para efeitos de observar os pressupostos previstos na lei (artigo 1360º do CC) (…).
Considerando que tais aberturas são janelas para efeitos legais, verifica-se que as mesmas se situam na parede poente cuja face externa faz estrema com o prédio do Autor, sem cumprir a distância de 1,5 metros que deve existir entre essas aberturas e o prédio vizinho, o que as torna ilícitas.
Diga-se, por fim, que mesmo que se considere que aquelas aberturas não constituem janelas para efeitos do artigo 1360º do Código Civil, sempre se poderia dizer que também aos Réus não era permitido abri-las como frestas, seteiras ou óculos para a entrada de luz, nos termos do artigo 1363º do Código Civil, posto que não respeitam as dimensões que a lei impõe. Daí que sempre aos Réus cabe o dever de as tapar…”.
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Apesar do mérito que reconhecemos à fundamentação transcrita, temos como mais defensável, que tais aberturas, em bom rigor, não podem ser consideradas janelas, face à definição de “janelas” que vem sido dada pela doutrina e pela jurisprudência, mesmo a mais recente, partindo-se do princípio que com as restrições ao direito de propriedade previstas no art.º 1360 do CC, a intenção do legislador foi evitar, não propriamente as vistas que se podem desfrutar sobre o prédio vizinho, mas sobretudo o devassamento daquele prédio, ou melhor, a ocupação do prédio vizinho.
Efetivamente, não dizendo a lei atual (tal como o não fazia o Código de Seabra), o que deve entender-se por janela, a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que tal vocábulo é usado – por contraposição às frestas -, com o sentido que tem na linguagem corrente, ou seja, que janelas e frestas são aberturas feitas nas paredes dos edifícios, mas que se distinguem não só pelas suas dimensões, como pelo fim a que se destinam: as frestas são aberturas estreitas, que têm apenas por função permitir a entrada de luz e ar; as janelas, além de serem mais amplas, dispõem de um parapeito onde as pessoas podem apoiar-se ou debruçar-se e disfrutar comodamente as vistas que tais aberturas proporcionam, olhando quer em frente, quer para os lados, quer para cima ou para baixo (José Alberto Gonzalez, “Limitações de Vizinhança, Direito Privado”, Universidade Lusíada 1997, p. 142; Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. III, 2ª ed., Coimbra Editora 1967, pág. 212; Pires de Lima, “Revista de Legislação e Jurisprudência”, Ano 99, p.240; Henrique Mesquita, “Revista de Legislação e Jurisprudência”, Ano 128, anotação ao Acórdão do STJ de 03-03-2001, p. 151; Ac. RG de 19-12-2007; Ac. STJ de 15-05-2008; Ac. RP de 17.10.2013; Ac. RL de 03-03-2015; Ac. RC de 11.10.2017; e Ac. RP de 13.07.2022, todos disponíveis em www.dgsi.pt.).
Ou seja, quando o proprietário constrói uma parede no limite do seu prédio e deixa nela uma abertura, esta abertura só poderá ser qualificada de janela se permitir que um utilizador comum possa apoiar-se ou debruçar-se sobre o seu parapeito ou sobre superfície que lhe corresponda, e assim possa devassar o prédio vizinho.
Os artigos 1363º e 1364º CC vêm consagrar duas exceções a tal proibição: se não respeitar a distância de um metro e meio relativamente ao prédio vizinho, o proprietário poderá ainda abrir frestas (seteiras e óculos), ou janelas gradadas, desde que possuam as caraterísticas ali definidas – se situem (no caso das frestas) pelo menos a um metro e oitenta centímetros de altura, a contar do solo ou do sobrado, e não tenham, numa das suas dimensões, mais de quinze centímetros.
E compreende-se a razão de ser de tal regime excecional: embora através das frestas (seteiras e óculos) e das janelas gradadas se possa ver para o exterior, a lei procura evitar que sirvam para esse fim, através da exigência de que se situem à altura mínima de um metro e oitenta do solo.
Muito sugestiva é a distinção feita por Cunha Gonçalves (Tratado de Direito Civil, Vol. XII, Coimbra Editora – 1938, pp.73-84), considerando que janela era a abertura feita na parede, acima do nível do solo, a fim de dar luz e ar às divisões interiores do edifício, e, ao mesmo tempo, permitir que os respetivos moradores espreitem e até se debrucem para o exterior e, em caso de absoluta necessidade, por aquela abertura saiam ou entrem, embora com o auxílio de escada ou corda; já as frestas, seteiras e óculos, deveriam ser tão pequenos que por eles não passasse uma cabeça, a não ser que tenham grades de ferro que lhes diminuíssem os espaços; tais aberturas seriam só para luz e não para vista exterior.
Temos assim como pacífico que as aberturas só poderão ser qualificadas de janelas se permitirem que um utilizador comum possa apoiar-se e debruçar-se sobre o seu parapeito, ou sobre a superfície que lhe corresponda, se este não existir, e com tal ação possa devassar o prédio vizinho; se a possibilidade dessa devassa não existir, a abertura não pode ser qualificada como janela (Ac. RC de  21.05.2013, também disponível em www.dgsi.pt).
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Ora, no caso dos autos, as aberturas em análise (com a altura de 2,20 metros e largura de 1,48 metros do lado interior e de cerca de 1,50 metros do lado exterior), de vidro transparente fixo, aplicado em caixilho cravado/fixo em alumínio, sem qualquer parapeito, não permitem a devassa do prédio do A. As utilidades suscetíveis de serem retiradas de tais aberturas – dada a ausência de parapeito -, não são as mesmas das janelas em geral, pois não permitem que alguém nelas se debruce, ou que alguém passe com a cabeça através do vidro, devassando com o corpo, ou com parte dele, o prédio do A.
Ou seja, despidas de uma das funções essenciais a qualquer janela, elas permitem unicamente a visão para o prédio do A (embora em grande amplitude, quer de dentro para fora, quer de fora para dentro) e a entrada de luz nos compartimentos respetivos (também em grande quantidade, dada a dimensão de tais aberturas).
Donde, com a configuração descrita, elas não podem ser consideradas janelas.
Além disso, pelas suas caraterísticas, também não se podem enquadrar em nenhuma das exceções previstas nos artºs 1361º (prédios separados por rua, estrada ou caminho), 1363º (frestas, seteiras ou óculos) e 1364º (janelas gradeadas).
Ora, se tais aberturas não podem ser classificadas como janelas, nem como qualquer outra abertura prevista na lei – frestas, seteiras ou óculos, ou janelas gradeadas –, por não respeitarem as medidas legalmente previstas para essas obras, elas são, em todo o caso, aberturas irregulares, e, como tal sem cobertura legal.
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Defendem ainda assim os recorrentes, que as mesmas não deveriam ser tapadas, pois como ficou provado nos autos, na parede poente da casa das máquinas, antes da sua reconstrução, existiam já duas janelas, que conferiam aos Réus o direito de servidão de vistas, pelo que a eles assistia o direito de abrir nessa parede reconstruída, as duas janelas pré-existentes.
Ora, concluem, a referida servidão de vistas, alegada como matéria de exceção e provada, sempre obstaria à tapagem total das atuais aberturas.
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Mas também aqui sem razão, sendo de sufragar a posição vertida na decisão recorrida sobre a matéria.
Como se disse, decorre do art.º 1362º do CC, que a abertura das janelas em contravenção ao disposto na lei pode importar a constituição de uma servidão de vistas por usucapião, o que foi alegado pelos Réus a título de exceção, relativamente às janelas já existentes na parede poente do prédio, ao nível do primeiro andar (mas sem deduzir qualquer pedido reconvencional).
Apreciada a factualidade invocada pelos RR, concluiu-se na sentença recorrida que “…desta factualidade é possível concluir que a existência dessas janelas durante aquele período de tempo, de forma pacífica e pública, confere aos Réus o direito de servidão de vistas, o que implicaria que o Autor não pudesse exigir a tapagem dessas janelas, nem construir no seu terreno obra que tapasse ou obstruísse o direito dos Réus de servidão de vistas. E sendo os Réus titulares do direito de servidão de vistas, como titulares do direito de propriedade do prédio dominante, a eles assistia o direito de abrir nessa nova parede reconstruída, as duas janelas que pré-existiam no local.
Importa, assim, aferir se tal servidão pode obstar à tapagem das janelas existentes no 1º andar da parede poente da casa reconstruída.
Ora, como ficou provado, as janelas atuais, construídas em 2018, apresentam uma dimensão consideravelmente maior do que as janelas que existiam. E quanto a estas não se pode afirmar que existe servidão de vistas, porquanto ainda não decorreu o tempo de posse necessário (apenas foram abertas há cerca de seis anos).
Nem podem beneficiar do direito de servidão, adquirido por usucapião, em relação às janelas anteriores, uma vez que esse direito exigia a manutenção das dimensões das janelas, de modo a respeitar-se o título constitutivo. E isso não se verifica. As janelas atuais, apesar de se situarem na mesma parede poente, apresentam dimensões largamente superiores, o que implica um novo título para a sua aquisição por usucapião. É precisamente o que referem Pires de Lima e Antunes Varela: “constituída a servidão de vistas, por usucapião ou por qualquer outra forma, o proprietário dominante só pode exercer o seu direito em harmonia com o respetivo título. Consequentemente, se ela se constituiu em relação a certas janelas, este não pode mudá-las para outro local, quer no sentido horizontal, quer vertical, ou dar-lhes maiores dimensões (…) O que pode discutir-se é se, destruída e reconstruída a parede, o proprietário dominante pode nela abrir de novo as janelas. Impõe-se a solução afirmativa. Desde que não tenha decorrido o prazo exigido para a extinção da servidão pelo não uso, e desde que as janelas venham a ocupar precisamente o local onde existiam, nada há que se oponha à construção (…). O que importa é que não tenham maiores dimensões e não fiquem mais próximas do prédio serviente” (Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, p. 220) (…).
Pelo que, não tendo as janelas atuais as mesmas dimensões das anteriores, não beneficiam os Réus do direito de servidão de vistas, adquirido por usucapião, em relação a estas janelas atuais, o que implica que a exceção invocada pelos Réus, em sede de contestação, não obsta ao direito do Autor à sua tapagem.
E essa tapagem é total, uma vez que, não tendo os Réus peticionado, em sede de reconvenção, o reconhecimento do direito de servidão de vistas, não pode o Tribunal declarar, por força do princípio do pedido, o direito a reconstruírem nessa parede as janelas nas dimensões anteriores (é que quanto a estas, existe direito de servidão, cujo reconhecimento não foi peticionado. E não tendo sido, não pode o tribunal reconhecer o que não foi pedido – artigo 3º do CPC. Ao ser invocada a usucapião como exceção, o tribunal está limitado a aferir se tal exceção obsta à procedência do direito do autor, o que no caso impõe uma resposta negativa, porquanto, nem as janelas atuais têm, por si, o prazo necessário para a aquisição por usucapião, nem beneficiam, por força do aumento das suas dimensões, do direito de servidão de vistas que existia em relação às janelas anteriores).
Assim, uma vez que as janelas foram abertas sem respeitar a distância de 1,50 m desde a abertura até ao terreno do vizinho, há que concluir assistir ao Autor o direito de exigir dos Réus o seu tapamento”.
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E concordamos inteiramente com o que foi decidido.
Defendem os recorrentes, que ao ser invocada a usucapião como exceção, “o tribunal está limitado a aferir se tal exceção obsta à procedência do direito do autor ou à procedência total do direito do autor”.
E que os contra factos por si alegados relacionados com a usucapião, podem ser alegados apenas como suporte de uma defesa por exceção perentória, ou como causa de pedir de um pedido reconvencional, como permite o disposto no artigo 266.º, n.º 2, a), do CPC. Mas esta ambivalência dos denominados contra factos é opcional, não existindo uma obrigatoriedade de dedução de um pedido reconvencional, para além da defesa por exceção perentória.
Tal não obsta, portanto, ao proferimento de uma decisão que julgue parcialmente improcedente uma ação em que se peça, reflexamente, a extinção de um direito de servidão constituído por usucapião, com fundamento no acolhimento da exceção perentória da existência dessa servidão.
Vejamos:
Na contestação, os RR impugnaram os factos alegados pelo A, de que a casa das máquinas apenas dispusesse de um piso, contrapondo que ela era dotada de dois pisos, e que na parede poente do primeiro piso existiam duas janelas, que lhes conferia o direito de servidão de vistas sobre o prédio do A.
Mais alegaram que alargaram as janelas pré-existentes, as quais foram transformadas em aberturas com 220 cm de altura por 150 cm de largura, sem parapeito, vedadas por vidro fixo, o qual não pode ser aberto, concluindo daí que “A pretensão do autor, vertida no artigo 46º da p.i., cujo teor expressamente se impugna, e no pedido, deverá, por tudo quanto supra se expendeu, improceder “in totum”, excetuando, unicamente, o pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel identificado no artigo 1º da p.i.”
Decorre daqui com clareza, que os RR apenas pretendem obstar à procedência do pedido do A – de tapagem das janelas -, aduzindo para tanto o seguinte: que as construções efetuadas na parede poente do seu prédio não são janelas; que são aberturas nas paredes de granito, feitas em vidro, amovíveis, e sem parapeito; e que foram construídas no local onde anteriormente se encontravam duas janelas, tendo eles adquirido através das mesmas uma servidão de vistas sobre o prédio do A.
Ou seja, os RR contestam a realidade invocada pelo A, que a casa das máquinas só tivesse um piso, dizendo que se tratava de um anexo em ruínas, mas composto por dois pisos, existindo no primeiro piso duas janelas. E retiram dessa alegação a consequência jurídica respetiva, que é a existência a seu favor, por usucapião, de uma servidão de vistas, constituída pela abertura daquelas janelas, pedindo, com base nisso, a improcedência do pedido formulado pelo A – de tapamento das aberturas efetuadas.
E o tribunal recorrido apreciou essa realidade, concluindo que a casa das máquinas, parcialmente em ruínas, tinha um primeiro piso no qual existiam duas janelas viradas a poente, as quais constituíam uma servidão de vistas sobre o prédio do A. Mas também concluiu que essa servidão de vistas - relativamente às janelas anteriores -, não se pode manter com a nova construção levada a cabo pelos RR, que alterou a obra anterior.
Ora, como bem se decidiu na sentença recorrida, se os RR pretendessem “aproveitar” esse direito de servidão de vistas relativamente às atuais aberturas – reduzindo a sua dimensão, ou refazendo as janelas anteriores (que assumidamente alteraram para aberturas com umas dimensões maiores), teriam que deduzir pedido reconvencional nesse sentido – que lhe fosse reconhecido o direito de servidão de vistas relativamente às janelas anteriores – direito esse refletivo na existência das novas aberturas.
E haveriam de fazê-lo obrigatoriamente, ainda que com caráter subsidiário, para o caso da procedência do pedido do A: que lhes fosse permitido (pelo menos) manter abertas naquela parede duas aberturas com as dimensões anteriormente existentes.
Mas não o fizeram, como se viu, limitando-se a pedir a improcedência “in totum” do pedido do A.
Ora, perante a defesa apresentada pelos RR, o tribunal só poderia adotar a seguinte postura: apreciar o direito do A, e apurar se os factos alegados pelos RR tinham ou não a virtualidade de o paralisar, julgando a ação procedente ou improcedente. No caso, julgar procedente ou improcedente o segundo pedido formulado pelo A: condenar os RR a fecharem as janelas da parede poente do seu prédio.
E concluiu pela procedência (total) do pedido do A, não obstante ter apreciado favoravelmente os factos alegados pelos RR, de que existia a seu favor uma servidão de vistas, constituída anteriormente à reconstrução do seu prédio.
Não vemos como pudesse o tribunal julgar apenas parcialmente aquele pedido - com a tapagem das atuais aberturas, mas com respeito pelas aberturas anteriormente existentes –, sem que isso implicasse uma alteração do pedido, redundando tal decisão numa condenação em objeto diverso do pedido, o que acarretava necessariamente a nulidade da decisão.
Pegando nas afirmações dos recorrentes (vertidas nas conclusões 7 e 8), “a decisão que ultrapassa o pedido formulado, sem modificação objetiva da instância, passando a abranger matéria distinta, está eivada da nulidade prevista na alínea e) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil (…). A nulidade da decisão quando o Tribunal condene em objeto diverso do pedido colhe o seu fundamento no princípio dispositivo que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório, segundo o qual o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor.”
Haveria assim que ser deduzido pedido reconvencional pelos RR, ainda que condicionalmente (apenas a título subsidiário, para a hipótese de o pedido do A poder vir a proceder), pedido esse que deveria conter os efeitos prático/jurídicos pretendidos pelos RR: redução da estrutura de vidro, ou reposição das janelas nos materiais pré-existentes (ou outros).
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Tal conclusão não retira razão aos RR, de que a dedução do pedido reconvencional é facultativa, e que eles podiam apenas defender-se por exceção, invocando a constituição de uma servidão de vistas por usucapião (como se decidiu no Ac. RC de 18-12-2019,disponível em www.dgsi.pt).
A exceção invocada, sendo procedente, poderia levar efetivamente à improcedência da ação, ou seja, à improcedência da pretensão do A, de ver os RR condenados a taparem as aberturas feitas na parede poente do seu prédio.
Agora, como se decidiu no recente Ac. do STJ de 14-03-2024 (disponível em www.dgsi.pt), se o R pretende obter a declaração positiva de um direito, acrescentar um benefício à simples improcedência da ação, tem de deduzir pedido Reconvencional, pois que a função da reconvenção não é um mero meio de defesa do demandado, mas antes um meio de contra-ataque, visando mais ou coisa diferente da mera improcedência do pedido do A.
Improcede, também aqui a argumentação dos recorrentes.
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III- Da condenação dos RR a rebaixarem o solo do seu logradouro:

Discordam também os recorrentes da decisão proferida, na parte que os condenou a levantarem o muro com uma altura não inferior a metro e meio, ou a escavar o chão do logradouro do seu prédio, conhecido por casa senhorial e inscrito na matriz sob o artigo ...79º, de modo a que o muro divisório entre o seu prédio e o do Autor fique com uma altura, do lado do seu prédio, não inferior a metro e meio, desde o solo até ao cimo do muro.
E começam por discordar da consideração feita pelo tribunal recorrido naquela decisão - de que o logradouro da casa senhorial, que confronta a poente com um muro em granito que vai da Casa das Máquinas à Capela, constituir uma “obra semelhante” para efeitos do artigo 1360º, n.º 2, do CC.
Dizem que se mostra provado que “os Réus, os seus antecessores, pais e avós, de forma exclusiva, por si e através de outras pessoas que aí habitavam, de forma ininterrupta e durante mais de 20 anos, gozaram as vistas que tal logradouro proporcionava, olhando em frente, para os lados, para cima e para baixo, utilização que sempre fizeram à vista de todos, de forma pacífica e de boa fé…”.
Que desde a casa senhorial até ao muro, o declive do logradouro é e sempre foi descendente, e que com as obras de reconstrução da casa senhorial foi unicamente atenuado tal declive, não sendo agora tão inclinado como dantes, permitindo, não obstante, como já permitia e resultou provado, a visão para o terreno do autor, situado num nível inferior.
E que se o entendimento da sentença for o prevalecente, todos os logradouros, quintais, e terrenos em geral que se achem numa cota superior terão de ser vedados com muros de altura superior a 1,5 metros, acentuando a altura (e perigosidade) dos muros que os suportam, o que não cremos fosse intenção do legislador ao introduzir a asserção “obras semelhantes”.
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Mas também aqui sem razão, adiantamos já.

Como bem se decidiu na sentença recorrida, “O Autor pede ainda a condenação dos Réus a levantar um muro permanente em toda a extensão, com uma altura não inferior a metro e meio, ou a escavar o chão do seu prédio inscrito na matriz sob o artigo ...79º (casa senhorial) de modo a que, do lado do prédio dos Réus, o muro fique com altura não inferior a metro e meio, por não assistir aos Réus a faculdade de estabelecer um chão tão alto no logradouro do seu prédio.
Como vimos, o titular do direito de propriedade goza da faculdade de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites estabelecidos na lei (artigo 1305º do CC) (…). Mas, esse direito de propriedade não é absoluto e está sujeito às limitações decorrentes mormente das relações de vizinhança, como seja o regime regulado no artigo 1360º do Código Civil, onde se impõe a obrigação, ao proprietário de um prédio, ao levantar edifício ou outra construção, de não abrir janelas ou portas que deitem diretamente sobre o prédio vizinho sem deixar, entre elas, um intervalo de metro e meio. E o seu nº 2 estabelece que “Igual restrição é aplicável às varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, quando sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela”.
Assim e segundo o número dois deste preceito (para o que agora releva), o proprietário do prédio não pode ter uma varanda, terraço, eirado ou obra semelhante, que sejam servidos de parapeito de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão, sem deixar a distância de metro e meio do prédio do vizinho.
Mas, para que tal restrição se verifique é necessário, por um lado, estar-se perante uma daquelas construções: uma varanda, um terraço, um eirado ou uma obra semelhante e, por outro, que essas obras sejam servidas por parapeito de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão.
Por terraço deve entender-se “uma cobertura plana de um edifício”, que “serve apenas de cobertura de um andar inferior para proteger a casa aí existente” (…). Por varanda “é algo semelhante (ao terraço), mas murada, com balaústres (que sustentam um peitoril) ou balcão”, que constitui uma “extensão da casa, um prolongamento da sala (geralmente) onde o dono pode colher luz solar e ar fresco, gozar a vista e fazer a sua vida social” (…) ou, dito de outro modo, “é uma espécie de terraço estreito, maior ou menor extenso, ao longo das faces do prédio ou de qualquer delas, com ou sem cobertura, mas sempre com peitoral e que se situa sempre, tal como eirado ou terraço, no exterior das habitações” (…). E por obra semelhante são todas aquelas que, não sendo terraços, varandas ou eirados, se possam a elas equiparar pelas suas caraterísticas e funções (…).
Por outro lado, o normativo exige, para que a restrição seja operante, que aquela construção seja dotada de um parapeito de uma altura inferior a metro e meio. Por parapeito não pode considerar-se “uma parede divisória de alguns centímetros ou mesmo decímetros de altura. Ele deve ter as dimensões suficientes para que possa servir de apoio à pessoa, para que esta possa debruçar-se, apoiando-se nele, sobre o terreno do vizinho” (…).
Na verdade, a exigência deste pressuposto justifica-se pela finalidade inerente a esta restrição – a de evitar que o prédio vizinho seja alvo de indiscrição de estranhos, quer através da ocupação do espaço aéreo, quer através do despejo de lixo ou outros objetos.
E, existindo parapeito, essa possibilidade de devassa é maior, uma vez que, com um parapeito “as pessoas estão mais protegidas e aproximam-se, naturalmente, com muito mais frequência – e diremos nós – amplitude -, do extremo, podendo debruçar-se e agravar a intromissão. Ao invés, na ausência de tal parapeito, ou apresentando-se a parede limitativa da varanda, terraço ou eirado com uma altura tão pequena – alguns centímetros ou mesmo decímetros -, que a situação já se apresenta, como é obvio, bem diferente: dado o perigo de queda, não só a frequência das pessoas no local tenderá a ser mais reduzida, mas também a sua aproximação, abeiramento, da linha divisória, - e logo a devassa em qualquer dos seus aspetos -, menor” (…).
O mesmo referem Pires de Lima e Antunes Varela: “não pode dizer-se que a existência de um simples terraço ou eirado, a um nível superior ao do prédio vizinho, afete mais gravemente este do que a simples contiguidade à superfície. Praticamente, a devassa é a mesma. Tanto vale estar no terraço como no solo, para poder ver o que se passa no terreno vizinho. Começam somente os prejuízos a ser atendíveis, se existir um parapeito, porque, neste caso, tal como numa janela, a pessoa pode debruçar-se, ocupando parcialmente o prédio alheio, e arremessar com facilidade objetos para dentro deste” (Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, p. 215).
Todavia, como se consagra no artigo 1362º do CC, se um proprietário, na sua edificação, em violação do disposto naquele artigo 1360º, nº 1 do CC, abrir janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, a sua existência pode gerar a constituição de servidão de vistas por usucapião, verificados os seus requisitos, como sejam a posse do direito por certo lapso de tempo, de forma pública e pacífica (artigo 1287º do CC).
Vejamos, no caso.
Ficou provado que, antes da restauração da casa senhorial, o muro de granito, que se estende desde a casa das máquinas até à capela, apresentava uma altura de cerca de 1,70 metros, desde o cimo até ao solo do logradouro da casa senhorial (…), sendo que os Réus e seus antepassados gozavam as vistas que tal logradouro proporcionava, olhando em frente, para os lados, para cima e para baixo, utilização que sempre fizeram à vista de todos, de forma pública e pacífica (…).
Mais se comprovou que, aquando do restauro da casa das máquinas, os Réus entulharam o logradouro do seu prédio, alteando a sua cota, aplanaram o solo, diminuindo o declive, e pavimentaram-no com cubos de granito, desde a Rua ... a nascente até ao muro de granito, referido a poente (…), passando o muro a apresentar, do seu cimo até ao solo do logradouro, junto à extrema norte (lado da capela), a altura de 0,88 metros, a meio a altura de 0,78 metros e junto à casa das máquinas, a altura de 0,98 metros (…).
Ora, a questão que se coloca é se o logradouro do prédio dos Réus pode ser considerado terraço, varanda, eirado ou obra semelhante para efeitos de estar sujeito à limitação prevista no artigo 1360º, nº 2 do CC, adiantando-se, desde já, que a resposta não pode deixar de ser afirmativa.
É verdade que o logradouro não constitui qualquer terraço, varanda ou eirado, em face do significado comum que é atribuído a tais construções. Contudo, trata-se de uma obra semelhante a um terraço, varanda ou eirado.
De facto, não obstante não se dever interpretar de forma ampla o conceito de obra semelhante, não pode deixar de se incluir nele todas as construções (necessariamente diferentes de terraços, varandas e eirados) que sejam, pelas suas caraterísticas e finalidades, semelhantes a terraços, varandas e eirados.
Foi essa a intenção do legislador – abranger outro tipo de obras que se assemelhassem aos fins daquelas que ele expressamente previu; caso contrário, ter-se-ia limitado a apenas indicar terraço, varanda ou eirado.
E o logradouro do prédio dos Réus, na sequência da obra, satisfaz essas caraterísticas.
Com efeito, os Réus, ao entulharem o logradouro, alteando a cota, visaram diminuir o declive existente, tornando aquela superfície mais plana e menos acentuada, até possibilitando um aproveitamento daquele espaço que antes, em face das caraterísticas do solo, não eram usufruídas.
Trata-se de uma superfície que funciona como pátio que se assemelha em tudo a um terraço (…), que permite aos Réus colher luz solar e ar fresco, gozar a vista e fazer a sua vida social. Inexistem diferenças fundamentais que permitam afastar esta equiparação.
Daí que se entenda dever ser considerado aquele logradouro como obra semelhante a terraço, varanda ou eirado, para efeitos da limitação legal prevista no artigo 1360º, nº 2 do CC.
Por outro lado, aquela obra semelhante é servida por um parapeito (muro de granito), o qual possui as alturas adequadas para servir de apoio, debruce ou até de assento (…). Não se trata de qualquer parede de dimensão insignificante; mas sim de um muro/parede com uma altura que já confere às pessoas a segurança necessária para se abeirarem do limite, espreitando para o terreno do Autor.
E como ficou demonstrado, esse muro (parapeito), situado na estrema do prédio dos Réus, não tem as dimensões legais exigidas (metro e meio de altura, em toda a sua extensão ou parte dela), porquanto se trata de um muro que apresenta as dimensões inferiores a metro e meio (varia entre 0,78 metros e 0,98 metros), nunca tendo, em nenhuma parte da sua extensão, essa altura.
Por isso, tratando-se de obra semelhante a varanda, terraço ou eirado, servida com parapeito a uma altura inferior a metro e meio, e sem deixar a distância de metro e meio da estrema do prédio vizinho, há que concluir que está em contravenção às normas legais (…).
Veja-se a este propósito, por se tratar de situação semelhante e com a qual inteiramente se concorda, o citado Ac. TRC de 28.11.2005, na qual se decidiu que o piso cimentado do logradouro do prédio dos Réus, situado em plano superior ao do prédio dos Autores, com as dimensões de 68cm, 90 cm e 1,60 cm, deve ser considerado como obra semelhante a varanda, terraço ou eirado.
Aí se disse “intercederá diferença fundamental entre esse logradouro dos RR a deitar – em plano superior, sobranceiro – para o prédio dos AA. e uma qualquer varanda, terraço ou eirado, edificado em iguais condições? (…). Pensamos, afoitamente, que não. (…) estamos perante uma plataforma (…) onde é possível o trânsito e a estadia de pessoas. Dadas as dimensões do muro, (…) a tais pessoas são oferecidas suficientes condições por forma a que estas sintam proteção ou salvaguarda quanto ao risco de eventual desequilíbrio e precipitação no solo do prédio situado mais abaixo.
Como assim, é perfeitamente natural que quem utilize aquele espaço não tenha qualquer constrangimento em o fazer, por isso nele se achando com muito maior frequência do que se tal anteparo (muro) não existisse ou fosse de bem menor elevação. De tal sorte, e associadamente, maior será a possibilidade de se aproximar de junto do dito muro e, em vista das suas apontadas caraterísticas, se debruçar sobre ele, assim devassando, com a vista ou até mesmo com o corpo, o prédio dos AA, bem podendo também, ainda que de forma inadvertida, fazer cair sobre ele os mais diversos objectos.
Deste modo, (…) diferença essencial, decisiva, não intercede entre o logradouro em apreço e uma qualquer das apontadas obras, por forma a dar por excluído em relação a ele o especial regime limitativo que, em situação equiparada, para aquelas teríamos como inquestionável”.
Por isso, há que concluir que aquela obra consistente no alteamento e pavimentação do logradouro deve ser considerada obra semelhante para efeitos do artigo 1360º, nº 2 do CC. E estando a mesma em inobservância das normas legais, assiste ao Autor o direito de ver estabelecido um parapeito com as dimensões de metro e meio de altura em toda a sua extensão.
Porém, os Réus invocam, a título de exceção, que a considerar-se tal obra abrangida naquela norma legal, sempre não pode o direito do Autor proceder em face da servidão de vistas.
Contudo, não podemos concordar.
É verdade que ficou provado que, antes do alteamento do logradouro, o muro tinha uma altura de cerca de 1,70 metros de altura, sendo possível, a partir do logradouro da casa senhorial, gozar das vistas, olhando para a frente, para os lados, para cima e para baixo, o que sucedeu durante mais de 20 anos, de forma pacífica e pública (…).
Ou seja, desta materialidade é possível concluir que a favor do prédio dos Réus se havia constituído uma servidão de vistas, adquirida por usucapião, sobre o prédio do Autor.
Todavia, à semelhança do que se disse a propósito da abertura do 1º andar do lado poente, o exercício do direito de servidão tem de observar o título constitutivo.
E, no caso, tal não se verifica, existindo um claro agravamento sobre o prédio do Autor.
É que, se virmos, o muro tinha uma altura de 1,70 metros, desde o seu cimo até ao chão, que possibilitava que algumas pessoas, com altura superior, conseguissem ver; já outras, de altura inferior, não tinham qualquer visibilidade para o prédio do Autor se estivessem junto ao muro (ou seja à distância de menos de metro e meio).
Mas, mesmo aquelas que viam, não conseguiam debruçar-se sobre o muro, nem se apoiar por cima dele, isto é, não servia de parapeito (facto não provado sob a alínea v).
Ou seja, após as obras, a possibilidade de devassa e intromissão é muito maior, não só ao nível de vistas (todas as pessoas conseguem ver, até crianças – a altura máxima é de 0,98 metros), como ao nível de ocupação do espaço aéreo (é possível até, sentando-se no muro, virar as pernas para o lado do Autor ou empoleirar-se e debruçar-se todo e sem dificuldade no muro, o que antes não sucedia em face da altura do muro), quer ao nível da possibilidade de deitar resíduos ou objetos, ainda que inadvertidamente.
E sendo a possibilidade de devassa muito maior, com a consequente maior oneração do prédio do Autor, não pode considerar-se tal obra abrangida pelo título de aquisição do direito de servidão de vistas, sem o decurso do prazo legal da usucapião para a nova obra (…).
Pelo que, não beneficiam os Réus do direito de servidão de vistas, adquirido por usucapião, em relação ao logradouro com as atuais caraterísticas, o que implica que a invocada exceção não obsta ao direito do Autor. Consequentemente, assiste-lhe o direito a ver levantado/elevado um muro com a altura de metro e meio ou, em alternativa, a rebaixar a cota do logradouro, de modo a que o muro, desde o solo até ao cimo, fique com uma altura de um metro e meio…”.
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E nada mais temos a acrescentar a tão bem fundada decisão.
A não ser o esclarecimento de que a tónica colocada pelos recorrentes no muro existente na sua propriedade, que não foi alteado (pois que na altura do restauro, apenas foram preenchidas as juntas de cimento do muro), deve ser deslocada para a obra por eles levada a cabo: o aterro do seu logradouro. Essa é que é a verdadeira obra semelhante a um terraço, como bem se esclareceu na decisão recorrida. E foi com a construção dessa obra que o muro pré-existente passou a servir-lhe de parapeito, deixando o mesmo de ter a altura que tinha – de 1,70 metros -, e passando a ter apenas a altura máxima de 0,98 metros.
Dito de um modo mais simples: O muro existente na linha divisória do prédio dos RR com o prédio do A – que era apenas um muro delimitador das propriedades de ambos -, passou também a servir de parapeito ao logradouro recentemente alterado pelos RR.
Ora, esse parapeito, para continuar a subsistir (em alternativa à reposição do logradouro no estado anterior) tem de ser alteado até atingir as dimensões legais, de pelo menos 1metro e meio, medido a partir do solo do logradouro dos RR (como imposto pelo art.º 1360º, nº 2 do CC.). 
Improcede, assim, na íntegra, a Apelação.
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IV- DECISÃO:

Por todo o exposto, Julga-se Improcedente a Apelação e confirma-se, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas da Apelação pelos recorrentes (art.º 527º nº 1 e 2 do CPC).
Notifique e DN
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Sumário do Acórdão:

I- A retificação, no dispositivo da sentença, do artigo matricial do prédio e do seu número do registo na CRP, não constitui alteração do pedido, nem sanciona a sentença com a respetiva nulidade (por condenação em objeto diverso do pedido).
 II - Não dizendo a lei atual (tal como o não fazia o Código de Seabra), o que deve entender-se por janelas, a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que tal vocábulo é usado com o sentido que tem na linguagem corrente, ou seja, são aberturas feitas nas paredes dos edifícios, dotadas de um parapeito onde as pessoas podem apoiar-se ou debruçar-se e disfrutar comodamente as vistas que tais aberturas proporcionam.
III- Constituída uma servidão de vistas, por usucapião ou por qualquer outra forma, o proprietário dominante só pode exercer o seu direito em harmonia com o respetivo título.
IV- Ou seja, destruída e reconstruída uma parede, o proprietário dominante pode nela abrir de novo as janelas, desde que elas tenham as dimensões das anteriores, e venham a ocupar o local onde aquelas existiam.
V- Pretendendo, no entanto, beneficiar dessa servidão de vistas relativamente às novas aberturas, deveriam os RR deduzir pedido reconvencional.
VI- A alteração do logradouro do prédio dos RR – que o entulharam, alteando a sua cota, aplanando o solo, e pavimentando-o com cubos de granito -, deve ser considerado “obra semelhante” a um terraço, para efeitos de estar sujeito à limitação prevista no artigo 1360º, nº 2 do CC, ou seja, o muro que lhe serve de parapeito tem de ter uma altura pelo menos de metro e meio a partir do solo.
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Guimarães, 19.9.2024