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EXEQUIBILIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO
CONFISSÃO DE DÍVIDA
ESCRITURA PÚBLICA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário
1 – A exequibilidade do título apresentado à execução não depende da “prova” da entrega da quantia cuja cobrança coerciva se pretende efetuar através da instauração da execução. 2 – A declaração de confissão de dívida constante de escritura pública constitui título executivo ainda que o contrato de mútuo subjacente à emissão da declaração seja nulo por vício de forma 3 - Se o documento particular com autoria reconhecida faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, por maioria de razão tal acontece quanto às declarações constantes de documento autêntico, como a escritura pública, nos termos do art.º 376.º, n.º1, do C. Civil 4 – A condenação da parte como litigante de má-fé exige que se individualizem os fundamentos de tal condenação, não bastando para tal que o embargante não tenha logrado provar o pagamento que alegava ter feito da quantia exequenda.
Texto Integral
Relatora: Paula Ribas
1º Adjunto: José Manuel Flores
2ª Adjunta: Fernanda Proença Fernandes
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I – Relatório (elaborado com base no que existe já nos autos): AAintentou a presente oposição à execução mediante embargos de executado, peticionando a extinção da execução, alegando, para tanto e em síntese:
a) a nulidade do processado, por ineptidão do requerimento executivo;
b) a sua inexequibilidade, porque o documento oferecido à execução comporta o alegado reconhecimento da obrigação de restituir uma quantia pecuniária resultante de mútuo nulo, por falta de forma legal;
c) os juros peticionados são indevidos ou encontram-se prescritos.
No mais, impugnou os factos alegados no requerimento executivo, defendendo que nada deve à exequente/embargada, pelo que a exigência por parte desta dos valores peticionados constitui um claro abuso de direito, pugnando pela condenação da exequente/embargada nos termos e para os efeitos da previsão dos arts.º 542.º e segs. do C. P. Civil.
Regularmente citada, a exequente/embargada respondeu à matéria de exceção arguida, pugnando pela respetiva improcedência, tendo ainda impugnado os termos dos embargos, bem como apresentando defesa quanto ao incidente de litigância de má fé.
Pugnou ainda pela condenação da executada/embargante nos termos e para os efeitos da previsão dos arts.º 542.º e segs. do C. P. Civil.
Foi proferido despacho saneador, no qual o Tribunal decidiu quanto à matéria de exceção alegada, julgando-se improcedentes as invocadas nulidades, quer por ineptidão do requerimento executivo, quer por invalidade/ inexequibilidade do título executivo, tendo ainda julgado parcialmente a oposição apresentada, determinando a subsequente absolvição da executada/embargada no que respeita aos juros reclamados como vencidos até à citação para a ação executiva.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedentes os embargos deduzidos, tendo julgado procedente o pedido formulado pela exequente embargada no sentido da condenação da executada embargante como litigante se má-fé, fixando-se em 10 Ucs a multa devida e relegando-se a liquidação da indemnização para momento ulterior.
Desta decisão foi apresentado recurso pela executada embargante, que formulou as seguintes conclusões (após notificação deste Tribunal para sintetizar as que antes havia apresentado). “I - A decisão Recorrida não traduz corretamente a solução adequada para a questão que se apresentou, pelo que viola o sentimento ético-jurídico de Justiça, que ao caso cabe, e ainda que tal solução, na aplicação do direito ao caso concreto pode e deve, eventualmente, ser outra pelo que se suscita e se requer a reapreciação da presente decisão através do presente recurso. II - Com o presente recurso, a Recorrente pretende impugnar a interpretação e o sentido que foi dado aos critérios fixadores para julgar os presentes embargos de executado totalmente improcedentes, determinando o prosseguimento da execução, bem como julgar ainda procedente o pedido de condenação da embargante, aqui recorrente, como litigante de má-fé, condenando em multa de 10 UC’s, bem como em indemnização a favor da embargada, aqui recorrida. III - Na sentença em crise, o Tribunal “a quo” optou pela solução menos plausível segundo as regras da experiência comum e a própria lógica (antes de contrário), tendo este Tribunal ignorado regras básicas sobre a força probatória dos meios de prova e descredibilizado outros sem qualquer fundamento, verificou-se uma clara violação do princípio da livre apreciação da prova. IV - Efetivamente, cometeram-se na sentença graves erros de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto e de Direito, o que conduziu a uma decisão absolutamente errada, pois que, se tivesse sido feita correta apreciação da alegação e prova produzida pelas partes, impunha-se, em consciência, uma solução totalmente inversa à decidida. V – Não pode a Recorrente concordar com o decidido acerca das invocadas nulidades, quer por ineptidão do requerimento executivo, quer por invalidade/ inexequibilidade do título executivo, porquanto se o fosse bem decidido, a presente execução já poderia estar extinta há muito tempo. VI - Os documentos dados como título executivo à presente execução pela exequente/recorrida, traduzem-se em numa “CONFISSÃO DE DÍVIDA” datada de 20-10-2008, uma “PRORROGAÇÃO DE PRAZO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA E CONFISSÃO DE DÍVIDA” datada de 17-05-2010, e ainda uma “PRORROGAÇÃO DE PRAZO DE EMPRÉSTIMO”, datada de 15-03-2011, todas com natureza e finalidades diferentes, documentos esses que não só individualizadas, como no seu todo, não podem em momento algum constituir um título executivo válido ou exequível. VII - No caso dos autos, o fundamento do pretenso crédito da Exequente, ora recorrida, são duas confissões de dívida que tem por base dois alegados mútuos, o primeiro no valor de 105.000,00 EUR (cento e cinco mil euros), e um segundo no valor de 45.000,00 EUR (quarenta e cinco mil euros), documentos em que não é referido nem comprovado na confissão de dívida a sua proveniência e/ou sequer feita prova da sua entrega à aqui Embargante. VIII - Em momento algum o documento dado à execução é ou tem na sua base o contrato de mútuo que suportou a confissão de dívida inicial, e as suas consequentes prorrogações de prazo. IX - Salvo o devido respeito, não é possível um documento de confissão de dívida suportar uma ação executiva quando a confissão se refere a um (alegado) mútuo, de valor superior a 25.000 euros, sem que tal contrato de mútuo tenha sido celebrado segundo a forma legalmente prescrita, forma essa que é o modo pelo qual devem ser expressas as declarações negociais constitutivas desse contrato. X - A este respeito vide o aresto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-11-2011, Processo nº 4719/10.0TBMTS-A.S1, o qual contemplou, e na nossa modesta opinião muito bem, que “II - Se não constar do documento a causa da obrigação e a válida constituição da obrigação fundamental a que se reporta o crédito reconhecido estiver sujeita a determinada forma, mais solene que a do documento utilizado como título, o documento não poderá constituir já título executivo.” XI - Para os efeitos do disposto no art. 364º do Código Civil, a formalidade exigida pelo art. 1143º do Código Civil para a celebração de contrato de mútuo constitui um requisito ad substantiam, cuja falta é insuscetível de ser colmatada por outra qualquer via. XII - Como tal, o n° 2 do art. 364º do Código Civil jamais poderá valer à recorrida destes autos, isto é, a omissão da forma prescrita no art. 1143º do Código Civil não pode ser suprida por outra via, nomeadamente pela confissão de dívida ajuizada. XIII - Mais, a circunstância de haver uma confissão de dívida expressa em escritura pública não impede a discussão (nomeadamente em oposição à execução), relativa à validade substancial e formal da obrigação assumida. XIV - Com efeito, a ora recorrida não emprestou as suprarreferidas quantias à executada, aliás em momento algum é feita prova desses empréstimos, e a aqui recorrente à cautela, requereu ao Tribunal recorrido para que a Embargada fosse notificada para em prazo juntar aos autos comprovativo da entrega à aqui embargante das quantias discriminadas nas escrituras, sendo que o Tribunal fez letra morta do pedido da aqui Recorrente, apesar de essencial e indispensável para a descoberta da verdade material. XV - A existência de uma confissão de dívida semelhante à constante do documento dado à execução apenas concede àquele que beneficia da confissão, a dispensa da prova da relação fundamental, que se presume até prova em contrário, tal como resulta do n° 1 do art. 458º do CC. XVI - Dado que a presunção fixada no nº 1 do art. 458º do Código Civil é apenas relativa, deve ser proporcionada à Executada a oportunidade de ilidir a presunção, o que é uma decorrência do princípio do contraditório e do direito de defesa, nos termos do art. 3º do Código de Processo Civil. XVII - A Recorrente poderá ilidir essa presunção com recurso a argumentos de direito material, discutindo-se tanto a validade formal como a validade substancial do negócio, acrescendo que a natureza real quoad constitutionem do contrato de mútuo sempre impõe que ao alegado mutuário seja concedida a possibilidade de demonstrar que nenhuma quantia lhe foi entregue no âmbito do alegado mútuo. XVIII - Assim, numa execução baseada em documento não constitutivo de um contrato de mútuo e do qual conste apenas a obrigação de entregar a quantia alegadamente mutuada, a declaração de nulidade do negócio correspondente implica que o documento não possa valer como título executivo, impondo a imediata extinção da execução. XIX- A aqui recorrida não expôs nem especificou sucintamente os factos do qual resulta a quantia exequenda peticionada na execução. XX - Esta ineptidão causa a nulidade do requerimento executivo dado à presente execução, nos termos do artigo 186.º n.º1 do Código de Processo Civil, nulidade que não foi reconhecida pelo Tribunal recorrido, mas que deverá agora, em sede de recurso, ser devidamente reconhecida pelo tribunal “ad quem”. XXI - A acrescer, o Tribunal “a quo”, no teor de toda a sentença que veio a proferir, ignorou o juízo crítico que se deve fazer perante toda a prova, e falta dela, e baseou-se numa prova que, também ao abrigo da livre apreciação do julgador, é frágil, porque realizada e criada para influenciar o processo. XXII - A sentença recorrida padece do invocado vício, gerador de nulidade, pois, basta lê-la para constatar que ela não se encontra suficientemente fundamentada, quer sob o ponto de vista fáctico, quer sob o ponto de vista jurídico e que, além disso, a decisão não está em consonância com a respetiva fundamentação. XXIII - Além do mais, a sentença sob censura, para além de não assentar em fundamento real e inequívoco, entra em manifesta contradição com alguns dos factos dados como NÃO provados em que, alegadamente, se baseia, sendo, consequentemente, nula, na medida em que a oposição entre os fundamentos e a decisão, além de dizerem respeito à matéria de facto e à forma como a mesma foi decidida, é igualmente censurável quanto à sua construção lógica, vício que é manifesto, no caso vertente. XXIV - O Tribunal recorrido interpreta de forma errónea a prova produzida em sede dos presentes autos, no sentido de considerar e dar como (mal) NÃO provados os pontos a) a h) da sentença, motivado na valoração dos meios de prova apresentados pelas partes e do depoimento de parte da embargada perante o depoimento da parte da Embargante conforme consta da motivação da sentença “(…)os depoimentos de parte foram esclarecedores, em especial o da embargante,” (…) “a versão trazida a juízo pela embargante – designadamente quanto aos alegados reembolsos pela mesma entretanto assegurados – não encontrou suporte em qualquer outro meio de prova, mostrando-se insuficiente para tal as declarações das testemunhas pela mesma apresentadas(…)”, e “Pelo contrário, a versão defendida pela embargada encontrou suporte nas declarações do seu ex-companheiro BB(…)”. XXV - Consta, ainda, da decisão sob censura, que a matéria não provada em g) e h) e assim ponto provado 3.5. da sentença, decorre da ausência de prova conclusiva a este respeito, cujo ónus da prova cabia à embargante, ora recorrente, quando da prova produzida em sede de audiência de discussão em julgamento decorre precisamente o contrário, decorrendo daqui uma séria e censurável contradição cometida pelo Tribunal “a quo”, na apreciação matéria de facto. XXVI - Resulta patente da produção de prova que o Depoimento de Parte da aqui Recorrente foi perentório ao afirmar e confirmar os pagamentos que foi fazendo ao longo dos anos, quer à embargada, quer junto do senhor BB, através de transferências bancárias e ainda em numerário. XXVII - Da prova produzida em Tribunal, ficou muito bem provada a relação de amizade e cumplicidade entre Recorrente e Recorrida, o que levava a que a primeira confiasse na Segunda quando entregava valores em numerário sem que solicitasse qualquer documento que atestasse o referido pagamento. XXVIII – Pelo exposto, é profundamente contraditório que o Tribunal “a quo” tenha decidido que os factos não provados, na medida em que a Embargante e a Embargada apresentaram declarações opostas, não devendo as da Embargada merecer maior credibilidade que as da Embargante, pois ao contrário da prova da Embargante, na verdade a prova apresentada pela Embargada, ora Recorrida, foi inexistente. XXIX - Mais grave, o Tribunal “a quo” deu como não provado os pontos a) e b) quando da prova produzida em sede de audiência de julgamento resulta precisamente o contrário, aliás tais factos ficaram comprovados na motivação do Tribunal, ao reconhecer que“(…)declarações do seu ex-companheiro BB, que foi perentório em afirmar que a embargante se lhe dirigiu a pedir dinheiro (…)”. XXX - A Recorrente não aceita que o Tribunal “a quo” decida, sem margem para qualquer dúvida, dar como não provados os pontos c) e g), nomeadamente que a aqui Recorrente “Durante todos estes anos, e até à presente data, os pagamentos têm sido efetuados pela embargante, quer a BB quer à embargada, num total nunca inferior a € 80.000,00.” e reconhecendo que foram efetuados pagamentos no valor de 24.000,00€ (ponto provado 3.5.), reconhecido pela embargada sem qualquer outro meio de prova que osuporte, quando o que está aqui em discussão seria apurar o valor exato dos pagamentos efetuados pela embargante, o qual deveria o Tribunal recorrido ter diferido o pedido efetuado pela agora recorrente, para que se oficiasse às instituições bancárias para juntar os extratos bancários para provar os respetivos pagamentos por si alegados, atropelando por completo o Princípio do Inquisitório previsto no artigo 411º do Código de Processo Civil. XXXI - A Recorrente pretendeu evitar a decisão do Tribunal “a quo” em crise, o que fez através do seu articulado de embargos de executado, bem como através de requerimento probatório na própria Audiência de Discussão e Julgamento, requerimento probatório que infelizmente, e para Fortúnio da Recorrida, veio a merecer indeferimento do Tribunal, com fundamento na sua extemporaneidade. XXXII - Assim, é completamente nula a decisão proferida, porquanto o Tribunal “a quo” se imiscuiu de conhecer o que tinha de conhecer, indeferindo a junção aos autos dos referidos documentos, mas antes, decidiu, por alto, sem analisar fundamentadamente a decisão a proferir e as questões de mérito essenciais à resolução do litígio, baseando-se numa análise e pressuposto errado de um meio de prova, a prova testemunhal, capaz de abalar toda a decisão proferida. XXXIII - Deste modo, salvo o devido respeito, estamos perante uma clara oposição entre os fundamentos quanto à matéria de facto provada e não provada e a decisão sobre os mesmos, o que não se pode ignorar, falta de pronuncia sobre questões que devesse apreciar e conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento, pelo que há sérias razões para declarar a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1 c) do CPC. XXXIV - Do exposto, não poderá resultar outro Acórdão que não seja declarar a sentença nula nos termos do artigo 615.º alíneas c) e d) do Código de Processo Civil. XXXV - São fundamentalmente três as ordens de razão da discordância da ora apelante, trazidas ao presente recurso, a saber: a) Se, a prova documental existente no processo, combinada com a prova testemunhal gravada produzida em audiência, consentia ao Tribunal “a quo” dar acertada e conscienciosamente resposta do facto provado 3.5, e à matéria constante dos pontos não provados a) a h) da sentença; b) Se, a fundamentação da matéria de facto vertida na sentença, respeita suficientemente o disposto inciso no Código de Processo Civil, ou se pelo contrário, está viciada de nulidade? c) Se, a matéria dada como não provada, ainda que pudesse ser havida sem mácula, o que se não concede, consentia, sem mais ao Tribunal “a quo” dar o desfecho sentenciado, isto é, total improcedência dos embargos de executado da Embargante, aqui recorrente. XXXVI - Na verdade, dir-se-á como devido respeito, mas também com todo o vigor que a prova documental existente no processo, combinada com a prova testemunhal produzida em audiência – gravada – não consentiam ao Tribunal “a quo” dar a resposta que deu quanto aos factos não provados. XXXVII - Relativamente aos pontos não provados a) e b) da sentença recorrida, é importante chamar à atenção do Tribunal “ad quem”, como à cautela acima já se deixou alegado, que a dívida contraída pela aqui Recorrente, foi perante o senhor BB, e não perante a Embargada, aliás conforme é devidamente reconhecido pelo Tribunal recorrido na motivação da sua sentença, vejamos, “versão defendida pela embargada encontrou suporte nas declarações do seu ex-companheiro BB, que foi perentório em afirmar que a embargante se lhe dirigiu a pedir dinheiro (…)”. XXXVIII - Pese embora a alegação da embargada nos autos epigrafados com lance a provar que foi esta quem emprestou o dinheiro à aqui Recorrente, certo é que a prova produzida em julgamento demonstra clara e inequivocamente o contrário. XXXIX - Daí que no seguimento da prova produzida cabalmente, o Tribunal recorrido devia de ter dado como provados os factos a) e b) da sentença sob apreciação e, consequentemente, deveria ter sido dado como provado o facto d). XL - O Tribunal recorrido entendeu, novamente mal, em dar como não provados os pontos c), e), e f) da sentença sob censura, pois, não só uma mas todas as testemunhas arroladas pela Embargante depuseram, quanto a esta matéria, de forma isenta, rigorosa e credível. XLI - Consta, ainda, da decisão sob censura, que a matéria não provada em g) e h) e assim ponto provado 3.5. da sentença, decorre da ausência de prova conclusiva a este respeito, cujo ónus da prova cabia à embargante, ora recorrente, quando da prova produzida em sede de audiência de discussão em julgamento decorre precisamente o contrário, decorrendo daqui uma séria e censurável contradição cometida pelo Tribunal “a quo”, na apreciação matéria de facto. XLII - Todavia, resulta patente da produção de prova que o Depoimento de Parte da aqui Recorrente foi perentório ao afirmar e confirmar os pagamentos que foi fazendo ao longo dos anos, quer à embargada, quer junto do senhor BB, através de transferências bancárias e ainda em numerário. XLIII - Com o devido respeito, que é muito, a falta de prova bastante, aliada às inúmeras incongruências verificadas entre o depoimento de parte da Embargada, por contraposição dos depoimentos da Embargante, aqui recorrente, adotado de acordo com um juízo de razoabilidade e tendo em conta a posição do homem médio, seria mais do que suficiente para o Tribunal “a quo” julgasse como provado os factos a) a h) da matéria não provada, e julgado não provado o ponto 3.5 da matéria provada. XLIV - No caso em apreço, o Tribunal recorrido não fundamentou porque é que a opção apresentada pela ora Recorrente é inadmissível face às regras da experiência comum, limitando-se a fazer uma “comparação” entre as versões apresentadas pela Recorrente e Recorrida, concluindo que a que lhe apresenta maior verosimilhança e credibilidade é a da Embargada em detrimento da Embargante, mas desligando-se por completo dos meios probatórios junto aos autos que impõem uma decisão diversa. XLV - Efetivamente, no que concerne à prova realizada pela ora recorrida, todas as testemunhas relataram de forma comprometida, pouco esclarecida e revelando que não tinham qualquer conhecimento dos factos que estavam em objeto na ação, o mesmo já não aconteceu com a prova apresentada pela Recorrente pois, sendo devidamente audível os depoimentos das testemunhas, bem como assim o depoimento de parte prestado pela Embargante nos articulados e em sede de audiência de discussão e julgamento, todos eles relataram de forma livre, ponderada e esclarecida sobre factos que tiveram conhecimento direto, sendo certo que no cotejo desses depoimentos, que o Tribunal recorrido não valorou, impunha-se uma decisão diferente. XLVI - A verdade é que a fundamentação que o Tribunal recorrido apresenta em nada se coaduna com a documentação junta aos autos, nem a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, eximindo-se de apreciar a prova realizada nos autos para fundamentar a sua convicção, pois se assim o fizesse, como a lei o impõe, a decisão teria de ser obrigatoriamente diversa daquela a que o Tribunal recorrido concluiu. XLVII - Com o devido e merecido respeito, o Tribunal recorrido não analisa devidamente a prova junta aos autos, para concluir se a versão apresentada pela recorrente é objetivável e se o raciocínio é compatível com o sentido comum pelo que a sentença enferma ainda de nulidade por violação dos princípios da livre apreciação da prova, da imediação e da oralidade, nos termos do nº 5 do artigo 607º, 608º nº 2 e da al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC. XLVIII - Estando por todos estas conclusões, a sentença recorrida inquinada por um erro de julgamento que nos termos do entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra de 2 de Julho de 2015 em que é relator ANA LUÍSA GERALDES “[o] erro de julgamento tanto pode começar na interpretação e subsunção dos factos e do direito, como estender-se à sua própria qualificação, o que, em qualquer das circunstâncias, afeta e vicia a decisão proferida pelas consequências que acarreta, em resultado de um desacerto, de um equívoco ou de uma inexata qualificação jurídica ou, como enuncia a lei, de um erro.” XLIX-Decidindo da forma como foi, há claramente uma ofensa às disposições legais (arts. 413.º, 423.º e segs, 466.º, n.º 3 e segs, 495.º, 607.º, n.º 5, 608º nº 2, todos do CPC, e ainda aos arts. 371.º, n.º 1, 376.º, n.º 1 e art. 396.º todos do Código Civil)que foram preteridas pelo Tribunal recorrido e que se exigia esta prova para comprovar a existência dos factos que foram alegados pela ora recorrida, fixando, desta forma, a força destes meios probatório. L - Face ao exposto, deve o Tribunal ad quem reapreciar a prova gravada e, em conformidade, julgar inequivocamente NÃO PROVADO que: “3.5. Por conta das referidas quantias, a executada entregou à exequente a quantia de € 24.000,00” e consequentemente, jugar como PROVADO que: “a) A embargante desconhece a origem e afetação do crédito exigido pela embargada; b) Em meados de2007, a embargante contraiu uma dívida pessoal junto de BB, que na altura vivia em união de facto com a embargante, tendo entre ambos sido combinado que o pagamento da dívida seria efetuado através de prestações mensais e sucessivas, consoante a disponibilidade financeira da primeira, para a conta pessoal do segundo ou ao mesmo entregue em numerário; c) A embargante foi cumprindo o acordado; d) A embargada instruiu, entretanto, a embargante a outorgar as confissões de dívida que foram apresentadas à execução; e)Entretanto, a embargada deu ordem à embargante para que os pagamentos começassem a ser feitos em numerário, entregue à sua pessoa, ou para a sua conta pessoal, com o NIB ...36 junto do Banco 1...; f) A embargada atendeu ao pedido e foi efetuando os pagamentos oportunamente acordados; g) Durante todos estes anos, e até à presente data, os pagamentos têm sido efetuados pela embargante, quer a BB quer à embargada, num total nunca inferior a € 80.000,00.; e que h) A embargada apenas acionou a presente execução por não ter logrado que a embargante acedesse a transferir a propriedade da sua casa de morada de família. LI - Como se não bastasse, e sem prova ou fundamento que lhe valha, o Tribunal “a quo” condenou a aqui recorrente como litigante de má-fé, fixando uma respetiva multa em 10UC’s, e relegando para liquidação de sentença a indemnização a fixar a favor da embargada. LII - Para tanto, motivando esta condenação no facto de “(..)a prova produzida no presente processo é muito clara no sentido de confirmar não só a total falta de prova quanto à alegação deduzida pela embargante nesta sede, designadamente com vista a afastar a sua responsabilidade pela dívida, como ainda resulta evidente que os atos pela mesma concretamente impugnados resultam, de contrário, efetivamente verificados, pelo que se os afigura evidente que a mesma produziu afirmações que bem sabia não corresponderem à verdade, e com base nas quais fundamentou a sua defesa em sede de embargos, não podendo ignorar tais factos e, como tal, faltou conscientemente à verdade.” LIII - Com o devido respeito, em momento algum poderia o Tribunal condenar a Embargante como litigante de má-fé, porquanto ficou comprovado, aliás é devidamente discriminado e elucidativo na própria sentença a tese defendida pela Embargante, incorrendo o Tribunal “a quo” em erro de julgamento. LIV - E, lida a decisão, dela não se pode retirar o fundamento bastante, tanto de facto como de direito, encontrado para concluir pela justificação da condenação, e consequentemente, da indemnização e da respetiva multa. LV - Ora, da factualidade fixada como provada – a única a atender no momento da aplicação do direito – não pode retirar-se tal pretendida conclusão no sentido de afirmar que a aqui recorrente faltou conscientemente à verdade. LVI - Com efeito, o Tribunal “a quo”, ainda que decidindo em favor da ora recorrida, concluiu que aaqui recorrente solicitou os mútuos, não junto da Embargada, mas sim junto do senhor BB, apesar do depoimento desta testemunha não puder ser totalmente valorado e credível quando refere que o dinheiro mutuado era pertença da recorrida, informação que nunca foi transmitida à aqui recorrente, o que nos permite concluir e dar como provado os factos não provados a) e b) da matéria não provada. LVII - No entanto, tudo para nesta sede se reafirmar que a aqui recorrente foi efetuando o pagamento dos montantes em dívida, tendo ficado apenas prejudicada pelo facto de confiar em demasiado na relação de amizade e na palavra da embargante e do seu ex-companheiro quanto aos pagamentos em numerário que efetuou sem que o estejam a ser reconhecidos, bem como aqueles que, constando de transferências bancárias, o tribunal ao indeferir a prova requerida, não permitiu à aqui recorrente comprovar pagamentos bastante superiores aos 24.000,00 EUR que foram dados como provados, prejudicando assim a prova dos factos d), e), f) e g). LVIII - E o facto não provado g) resulta claramente da valoração do depoimento da embargada em detrimento do depoimento da embargante na senda em que a conversa existiu entre ambas, tal pretensão foi comunicada pela aqui recorrida à recorrente e não foi atendida, daí a razão dos presentes autos. LIX - O Tribunal “a quo” decidiu condenar a aqui recorrente em multa e indemnização porque deu maior credibilidade ao depoimento da embargada por comparação com o depoimento da embargante e a suposta ausência de prova que sempre existiu. LX - Todavia, veja-se que tudo aduzido em juízo, a tese que merecia maior credibilidade e suporte sempre seria a da aqui Recorrente, que em momento algum alterou a verdade dos factos ou omitiu factos relevantes para a decisão da causa, sequer deduziu oposição aos presentes embargos com falta de fundamento factual ou legal e, acrescente-se, sequer violou algum dever de probidade, cooperação e de boa-fé, sentindo sim, que o dever de cooperação e colaboração na descoberta da verdade material foi omitido pelo Tribunal recorrido, que indeferiu os requerimentos probatórios da recorrente olvidando que aquela pudesse comprovar pagamentos superiores ao valor que ficou dado como provado. LXI - Inexistiu má-fé da sua parte, não podendo imputar-se-lhe, desde logo, face aos dados dos autos, uma atuação negligente, ou tanto uma grosseira falta de cuidado. LXII - Mais, deve ser-se cauteloso, prudente e razoável na condenação por litigância de má-fé. (Acórdão do tribunal da Relação de Lisboa de 18-01-2023, processo nº 456/13.1TTFUN-B.L2-4)”.
A exequente / embargada contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: “A) O Tribunal “a quo” pronunciou-se pela matéria factual Provada e Não Provada mediante uma análise crítica e assertiva de todos os meios de prova produzidos. B) Para ocorrer uma alteração da factualidade assente é necessário argumentar criticamente qual o sentido em que os meios de prova produzidos imporiam uma convicção diversa arredando assim a versão aceite pelo tribunal a quo. C) A apelante reproduz excertos dos depoimentos prestados para reverter a decisão proferida. D) A prova de um facto resulta, regra geral, da conjugação de todos os meios de prova carreados para os autos. E) A apelante limita-se a apresentar a sua opinião sobre aquilo que o tribunal deveria ter considerado e não considerou, pelo que não cumpre o seu ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida F) Donde não procede a alteração da matéria de facto pugnada pelo apelante. G) A Recorrente alega que o Tribunal recorrido decidiu erradamente as exceções invocadas e pretende agora, nesta sede de recurso que tal matéria seja devidamente sindicada pelo tribunal “ad quem” no sentido da verificação da existência das invocadas exceções. H) O artigo 644º, nº 1, alíneas a) e b), do C.P.C., elenca as decisões suscetíveis de recurso e estabelece que cabe recurso das decisões do tribunal de 1ª instância que ponham termo ao processo ou incidente processado autonomamente, e bem assim, do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa. I) A decisão proferida no despacho saneador, enquadra-se na situação prevista na alínea b), do nº 2, do art. 644º do C.P.C., no qual se prescreve que “cabe recurso de apelação do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa (…)”. J) O despacho saneador incide sobre o mérito da causa quando nele se apreciem exceções perentórias, como a caducidade, a prescrição, a compensação, a nulidade ou a anulabilidade. K) Em qualquer caso, ainda que a decisão não determine a extinção total da instância, prosseguindo esta para apreciação de outras questões, está sujeita a recurso imediato. L) Dispõe o artigo 595, nº 1, al. b), do C.P.C., que “o despacho saneador destina-se a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória”. M) O despacho saneador, que decidiu das aludidas exceções perentórias, é recorrível através de apelação autónoma, face ao preceituado no art. 644º, nº, nº 1), al. b), do C.P.C.). N) Dado que a recorrente não apelou da decisão sobre as exceções invocadas constante do despacho saneador aquela transitou em julgado e assim verifica-se a existência de caso julgado formal. O) Ocorre o trânsito em julgado, conforme decorre do art.º 628.º do CPC, quando uma decisão é já insuscetível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário. P) Verificada tal insusceptibilidade, forma-se o caso julgado, pelo que a decisão proferida não pode ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu. Q) Analisado o articulado apresentado pela embargante e a prova produzida resultou claro que a recorrente faltou, conscientemente, à verdade, litigando assim de má-fé. R) A Mmª Juiz a quo fez uma correta apreciação de toda a prova produzida e aplicou os pertinentes preceitos legais”.
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A Mm.ª Juiz titular do processo nada disse sobre as nulidades da sentença invocadas em sede de apelação.
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Foi cumprido o contraditório relativamente à admissibilidade do recurso sobre as decisões proferidas em sede de despacho saneador.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Questões a decidir:
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente – arts.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C. P. Civil -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber se:
1- se verifica a nulidade decorrente da invalidade / inexequibilidade do título executivo;
2 - se verifica a nulidade do “requerimento executivo” decorrente da sua ineptidão por falta de causa de pedir;
3 - a sentença proferida é nula;
4 - existe fundamento para alterar a decisão sobre a matéria de facto;
5 - existindo ou não tal fundamento, se deve manter-se a fundamentação jurídica da decisão;
6 - se verificam os pressupostos para a condenação da embargante / executada como litigante de má-fé.
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III - Fundamentação de facto:
Foram considerados provados os seguintes factos:
“3.1. Por escritura pública de 20 de outubro de 2008, exarada a fls. 74 e seguintes do Livro de Notas para escrituras diversas N.º ...4 - A, do Cartório Notarial de CC, em ..., a executada declarou ser devedora à exequente da quantia de € 105.500,00, que recebeu a título de empréstimo, pelo prazo de dez meses a contar de 22 de setembro de 2008, com vencimento a 22 de julho de 2009, sem vencimento de juros. Que no caso de vencido o prazo do citado pagamento do empréstimo, sem que tenha procedido ao reembolso total do mesmo, se obriga a, dento do prazo de um mês a partir da data em que se verificar a mora, constituir a favor da exequente hipoteca sobre quaisquer bens imóveis que lhe pertençam. 3.2. Por escritura pública de 17 de maio de 2010, exarada a fls. 4 e seguintes do Livro de Notas para escrituras diversas N.º ...5 - A, do Cartório Notarial de CC, em ..., a executada declarou ser devedora à exequente da quantia de € 105.500,00, que recebeu a título de empréstimo, pelo prazo de dez meses a contar de 22 de setembro de 2008, pelo que o seu vencimento se verificaria a 22 de julho de 2009, sem vencimento de juros. Que pela presente escritura, não tendo ainda a executada procedido ao pagamento da quantia em dívida, prorrogam o prazo então estipulado por mais dezoito meses, a contar daquele dia 22 de julho de 2009 pelo que o vencimento da dívida se verificará 21 de janeiro de 2011. 3.3. Pela referida escritura a executada confessou-se ainda ser devedora à exequente da quantia de € 45.000,00, que recebeu a título de empréstimo, feito pelo prazo de onze meses a contar do dia 22 de fevereiro de 2010 que no caso de vencido o prazo do citado pagamento do empréstimo, sem que tenha procedido ao reembolso total do mesmo, se obriga a, dento do prazo de um mês a partira da data em que se verificar a mora, constituir a favor da exequente hipoteca sobre quaisquer bens imóveis que lhe pertençam. 3.4. Por escritura pública de 15 de março de 2011, exarada a fls. 40 e seguintes do Livro de Notas para escrituras diversas N.º ...4 - A do Cartório Notarial de CC, em ..., a executada e exequente prorrogaram o prazo de pagamento das quantias em divida (€ 105.000,00 e € 45.000,00) por mais dezoito meses a contar do dia 22 de Janeiro de 2011, mantendo as demais condições estipuladas nos contratos inicial e subsequente. 3.5. Por conta das referidas quantias, a executada entregou à exequente a quantia de € 24.000,00”.
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Foram ainda considerados não provados os seguintes factos: “a) A embargante desconhece a origem e afetação do crédito exigido pela embargada. b) Em meados de 2007, a embargante contraiu uma dívida pessoal junto de BB, que na altura vivia em união de facto com a embargante, tendo entre ambos sido combinado que o pagamento da dívida seria efetuado através de prestações mensais e sucessivas, consoante a disponibilidade financeira da primeira, para a conta pessoal do segundo ou ao mesmo entregue em numerário. c) A embargante foi cumprindo o acordado. d) A embargada instruiu, entretanto, a embargante a outorgar as confissões de dívida que foram apresentadas à execução. e) Entretanto, a embargada deu ordem à embargante para que os pagamentos começassem a ser feitos em numerário, entregue à sua pessoa, ou para a sua conta pessoal, com o NIB ...36 junto do Banco 1.... f) A embargada atendeu ao pedido e foi efetuando os pagamentos oportunamente acordados. g) Durante todos estes anos, e até à presente data, os pagamentos têm sido efetuados pela embargante, quer a BB quer à embargada, num total nunca inferior a € 80.000,00. h) A embargada apenas acionou a presente execução por não ter logrado que a embargante acedesse a transferir a propriedade da sua casa de morada de família”.
IV - Do objeto do recurso:
1 – Começa a recorrente por colocar em causa a decisão proferida em sede de despacho saneador e relativa à invalidade / inexequibilidade do título executivo.
Para a recorrente embargante, estando invocados dois contratos de mútuo que seriam, considerando o seu montante, nulos por vício de forma, os documentos de confissão de dívida não poderiam constituir título executivo, apesar de constarem de escritura pública.
Alega ainda a recorrente que os títulos executivos não referem, nem provam, a entrega das quantias à embargante.
É inequívoco que, considerando os valores de 105.500,00 euros e 45.000,00 euros, o contrato de mútuo que tivesse sido celebrado entre as partes, nos anos de 2008 e 2010, teria de ser outorgado por escritura pública – art.º 1143.º do C. Civil, na redação em vigor à data da celebração de cada um dos acordos de mútuo.
É também inequívoco que as declarações de confissão de dívida, reportando-se às quantias que haviam sido entregues à executada em data anterior à da emissão da declaração, não suprem a falta de forma dos contratos de mútuo celebrados (a quantia de 105.500,00 euros foi recebida antes do dia 20/10/2008 e a quantia de 45.000,00 euros foi recebida antes do dia 17/05/2010, datas que correspondem às datas em que foram elaboradas as declarações de dívida).
Na decisão proferida concluiu-se que “em execução fundamentada em título executivo correspondente a declaração de dívida em que o executado reconhece haver recebido do exequente quantia determinada em razão da outorga entre ambos de mútuo nulo, porque não celebrado por escritura pública, nada obsta ao prosseguimento da execução com vista à cobrança pelo exequente do montante mutuado, ao abrigo do disposto no art.º 289.º, n.º 1do Cód. Civil”.
Ou seja, entendeu-se que, ainda que o mútuo subjacente à emissão do documento que constitui título executivo seja nulo, este documento pode ser utilizado como título executivo para a restituição da quantia mutuada, obrigação que decorre, precisamente, da declaração da nulidade do mútuo.
Que as escrituras públicas juntas constituem título executivo decorre do disposto no art.º 703º, n.º 1, alínea b), do C. P. Civil.
Que a declaração confessória de dívida se reporta a um mútuo nulo por violação da forma legal, também, considerando os valores das quantias mutuadas, como acima se disse, resultando tal nulidade dos termos em que a própria exequente alegou a obrigação exequenda constante do requerimento executivo.
Ora, esta realidade não torna o título inválido, nem inexequível.
Note-se que o único Acórdão citado pela recorrente nesta matéria refere-se a circunstâncias que não se verificam na situação em apreço (“II - Se não constar do documento a causa da obrigação e a válida constituição da obrigação fundamental a que se reporta o crédito reconhecido estiver sujeita a determinada forma, mais solene que a do documento utilizado como título, o documento não poderá constituir já título executivo”).
Com efeito, nestes autos, consta dos documentos apresentados como título executivo a causa da obrigação – o mútuo – e, estando este sujeito à forma legal de escritura pública, a confissão de dívida observa esta forma mais solene.
Daqui decorre que os dois títulos executivos apresentados, atenta a sua forma, não substituem a forma legal exigida para a celebração dos contratos de mútuo, que são nulos, mas, considerando a sua forma, escritura pública, e o que deles consta como tendo sido reconhecido pela executada, nos termos do art.º 703º, n.º 1, alínea b), do C. P. Civil, constituem título executivo bastante para a obrigação de restituição das quantias mutuadas. Vide, neste exato sentido, citando vasta jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e a doutrina, o Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 1//09/2015, da Juiz Desembargadora Maria Purificação Carvalho, proc. 3150/13.0TBGMR-A.G1, in www.dgsi.pt.
Como se referiu supra, nas suas alegações, tal como acontecera já na oposição deduzida por embargos, a recorrente fundamenta ainda esta invalidade ou inexequibilidade das declarações de confissão de dívida na alegação de que em momento algum é efetuada prova da efetiva realização dos empréstimos.
A lei não exige que o título executivo mencione a entrega da quantia que é exigida na execução. Pelo contrário, ao admitir como título executivo o documento que importe o reconhecimento de qualquer obrigação, desde que seja exarado ou autenticado pelas entidades referidas no art.º 703.º do C. P. Civil, expressamente se aceita que este existe e pode fundamentar a execução se contiver tais características.
A “prova” dos empréstimos pode ser relevante para se afirmar a existência ou inexistência da obrigação exequenda, mas não releva para que se considere válido ou exequível o título executivo.
Inexiste assim qualquer invalidade ou inexequibilidade do título executivo.
Sempre se dirá que esta invalidade ou inexequibilidade não constituíram exceções dilatórias que implicassem qualquer nulidade do processo.
Apreciando esta invalidade ou inexequibilidade está, afinal, o Tribunal a apreciar o mérito dos embargos e, a sua verificação (que não se constata na situação sub judice), implicaria a sua procedência e a extinção da execução.
Assim, não obstante a imprecisão da parte final da decisão proferida em sede de despacho saneador, mantém-se a decisão proferida de improcedência da exceção.
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2 – Alega ainda a embargante que o requerimento executivo é inepto por falta de causa de pedir, o que determina a nulidade do requerimento executivo.
Tal como constava já na oposição por embargos, reportando-se ao que dispõe o art.º 724.º, n.º 1, alínea e), do C. P. Civil, refere a recorrente embargante “das disposições legais transcritas resulta, claramente, que um dos requisitos da admissibilidade do requerimento executivo, é a formulação da causa de pedir. Também resulta das disposições legais transcritas que a falta de causa de pedir tem como consequência a ineptidão da petição inicial. Como observa RUI PINTO, este vínculo processual não se alcança de forma tácita, diáfana, ou dedutiva, antes terá que ser expresso, e não se vislumbra como possa este ónus ser dissipado pelo simples facto de não ter sido acolhido na prática judiciária. A falta de causa de pedir importa, inelutavelmente, a ineptidão do presente requerimento executivo, atendendo ao preceituado no artigo 186.º, n.º 2 alínea a) do Código de Processo Civil. Esta ineptidão causa a nulidade do requerimento executivo dado à presente execução, nos termos do artigo 186.º n,º1 do Código de Processo Civil, nulidade que não foi reconhecida pelo Tribunal recorrido, mas que deverá agora, em sede de recurso, ser devidamente reconhecida pelo tribunal “ad quem”.
Percebe-se assim que a nulidade invocada se prende com a inexistência de alegação da causa de pedir.
No requerimento executivo, alegava a exequente que a executada, por escritura pública, se confessou devedora das quantias de 150.500,00 euros e 45.000,00 euros e que não procedeu ao seu pagamento, tendo apenas entregue a quantia de 24.000,00 euros por conta dos juros que alegava serem devidos.
O Tribunal tem dificuldade em perceber que elementos da causa de pedir do requerimento executivo entende a embargante executada que deveriam ter sido alegados pela exequente e que não constam do requerimento executivo.
E tem dificuldades em perceber porque simplesmente não foram alegados pela embargante da sua oposição por embargos e muito menos nestas alegações de recurso, apesar da sua extensão.
Escreveu a Mm.ª Juiz que elaborou o despacho saneador: “a lei processual atual expressa dever o juiz indeferir liminarmente o requerimento executivo fundado em título negocial quando seja manifesto, face aos elementos constantes dos autos, a inexistência de factos constitutivos da obrigação exequenda de que lhe seja lícito conhecer [art.º 811.º, n.º 1, al. c) do CPC]. Ao impor o indeferimento do requerimento executivo no caso de não constarem dos autos os factos constitutivos da obrigação exequenda, a lei implícita a distinção entre o título executivo e a causa de pedir relativa à ação executiva. Assim, a conclusão é no sentido de que o fundamento substantivo da ação executiva é a própria obrigação exequenda e não o próprio título executivo e de que este é o seu instrumento documental legal de demonstração. Mas a ação executiva não visa a definição do direito violado, porque se destina providenciar quanto à sua reparação efectiva, surgindo o título executivo como sua condição suficiente [art.ºs 4.º, n.º 3 e 45.º, n.º 1, do CPC]. É certo que os factos integrantes da causa de pedir e os documentos que visam demonstrá-la são realidades diversas. Mas como o título executivo assume a particularidade de demonstração legal bastante do direito a uma prestação, segue-se a dispensa na ação executiva de qualquer indagação prévia sobre a existência ou subsistência do direito substantivo a que se reporta. A lei expressa ser nulo o processo quando for inepta a petição inicial, por exemplo em razão de falta de causa de pedir (art.ºs 193.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CPC). O referido normativo, pensado naturalmente para os procedimentos de índole declarativa, não pode ser aplicado sem restrições à ação executiva, por esta não visar a indagação prévia sobre a existência ou subsistência do direito violado. É isso que se infere do disposto na lei que prevê o indeferimento liminar do requerimento executivo, quando expressa que ele deve ter lugar nos casos de manifesta falta de título executivo, de exceções dilatórias de conhecimento oficioso ou, fundando-se a execução em título negocial, seja manifesto, face aos elementos constantes dos autos, a inexistência de factos constitutivos ou a existência de factos impeditivos ou extintivos da obrigação exequenda que ao juiz seja lícito conhecer”.
Depois de transcrever, textualmente, o que foi alegado pela exequente no requerimento executivo e fazer menção aos documentos que foram juntos, concluiu-se na decisão proferida: “considerando o fim e a estrutura da ação executiva propriamente dita, isto é, não contando com os procedimentos de natureza declarativa que nela são suscetíveis de se inserir, atendendo ainda ao teor do título executivo junto, entende-se não assistir razão à Executada/Embargante, estando devidamente identificada a causa debendi”, pelo que julgou improcedente a nulidade invocada por ineptidão do requerimento executivo.
É evidente que, analisando a alegação constante do requerimento executivo, a exequente descreveu com suficiência os factos constitutivos da obrigação exequenda que alegava existir e, assim, inexiste qualquer ineptidão por falta de causa de pedir, confirmando-se, assim, a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância no sentido da improcedência da exceção dilatória de nulidade de todo o processo executivo (e não do requerimento executivo como alegado) que foi invocada pela executada / embargante.
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3 – Sobre a nulidade da sentença alega o recorrente: “a sentença recorrida padece do invocado vício, gerador de nulidade, pois, basta lê-la para constatar que ela não se encontra suficientemente fundamentada, quer sob o ponto de vista fáctico, quer sob o ponto de vista jurídico e que, além disso, a decisão não está em consonância com a respetiva fundamentação” e “além do mais, a sentença sob censura, para além de não assentar em fundamento real e inequívoco, entra em manifesta contradição com alguns dos factos dados como NÃO provados em que, alegadamente, se baseia, sendo, consequentemente, nula, na medida em que a oposição entre os fundamentos e a decisão, além de dizerem respeito à matéria de facto e à forma como a mesma foi decidida, é igualmente censurável quanto à sua construção lógica, vício que é manifesto, no caso vertente”.
Alega ainda que “é completamente nula a decisão proferida, porquanto o Tribunal “a quo” se imiscuiu de conhecer o que tinha de conhecer, indeferindo a junção aos autos dos referidos documentos, mas antes, decidiu, por alto, sem analisar fundamentadamente a decisão a proferir e as questões de mérito essenciais à resolução do litígio, baseando-se numa análise e pressuposto errado de um meio de prova, a prova testemunhal, capaz de abalar toda a decisão proferida”.
A Mmª Juiz que proferiu a sentença nada disse sobre as nulidades invocadas.
Não se justifica, porém, a remessa dos autos à 1.ª Instância para obter tal pronúncia.
Não existe qualquer nulidade da sentença proferida, nem a alegação da recorrente se reconduz a qualquer das nulidades por si invocadas e previstas no art.º 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do C. P. Civil.
Explicando:
Dispõe o art.º 615.º, n.º 1, alínea c), que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a sentença ininteligível
A sentença é ainda nula quando o juiz deixe pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não deva tomar conhecimento – alínea d) da norma citada.
As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (vide, neste exato sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04/10/2018, da Juiz Desembargadora Eugénia Cunha, proc. 1716/17.8T8VNF.G1 inwww.dgsi.pt).
Em relação à primeira causa de nulidade invocada pela recorrente, como se escreveu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 29/05/2024, do Juiz Desembargador Gonçalo Magalhães, proc. 1766/20.7T8VCT-AK.G1, no site já citado, “estão em causa as situações em que a fundamentação, de facto ou de direito, está em oposição lógica com a decisão: aquela não conduz a esta. A fundamentação aponta num sentido e a decisão vai para outro sentido. Neste sentido, STJ 6.05.2004 (04B1409), STJ 9.11.2017 (9526/10.7TBVNG.P1.S1), RG 14.05.2015 (414/13.6TBVVD.G1) e RG 18.01.2018 (75/16.0T8VRL.G1). Dito de outra forma, há um “vício lógico no próprio silogismo judiciário em que se estrutura a fundamentação da decisão, exigido pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º, porquanto a decisão não é a conclusão lógica daqueles fundamentos, sejam estes as normas aplicadas (premissa maior) ou os factos provados (premissa menor)” (Rui Pinto, “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC)”, Julgar Online, maio de 2020, pp. 18-19). Situação diversa verifica-se quando ocorre um erro no mérito do silogismo, por conter uma contradição com os factos ou com o Direito: trata-se de erro do julgamento de facto decorrente de o juiz “decid[ir] contrariamente aos factos apurados” ou do julgamento de direito decorrente de o juiz decidir “contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente” (RP 2.05.2016, 1556/14.6T8LOU-A.P1, relatado por Joaquim Correia Pinto) – seja por erro de subsunção dos factos à norma jurídica aplicável, seja por erro na determinação de tal norma ou por erro na sua interpretação. Em ambas as eventualidades não ocorre a nulidade do art. 615/1, c), mas, sim, um erro de julgamento da matéria de facto ou matéria de direito, respetivamente”.
No que se refere à omissão de pronúncia, o vício em causa prende-se com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no art.º 608.º, n.º 2, do C. P. Civil: “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Recorrendo aos ensinamentos de Alberto dos Reis, In Código de Processo Civil Anotado, Volume V, pág. 143. “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (art.º 511º nº 1), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art.º 664º) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas”.
A alegada “deficiente” fundamentação da sentença, se existisse, não conduziria à sua nulidade, pois que apenas a ausência de fundamentação é geradora de nulidade da decisão.
A decisão está em absoluta concordância com a sua fundamentação. É porque se considerou não ter a embargante demonstrado o pagamento da obrigação emergente dos contratos de mútuo celebrados que, afinal, entendendo-se serem os contratos nulos, se ordenou a restituição da quantia entregue.
Por outro lado, não se percebe sequer o sentido da afirmação de estar a sentença em “manifesta contradição com alguns dos factos dados como não provados”, pois que, como é evidente, é da não prova desses factos que resulta a decisão de improcedência dos embargos e, assim, tal contradição não só não existe como tal decisão (de improcedência) é a consequência lógica da não prova dos factos alegados pela embargante.
Por último, refira-se que, como se disse, o erro de julgamento, a errada ponderação dos meios de prova apresentados constituem erros de julgamento, a valorar quando e se for admissível a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nada relevando para a afirmação da nulidade da sentença, sendo, por isso, nesta questão em particular, absolutamente desprovidas de utilidade para a sua apreciação as considerações efetuadas sobre a prova testemunhal e por depoimento / declarações de parte que foi efetuada pela recorrente.
Referindo-se à prova que foi produzida, entende ainda a recorrente que a decisão proferida seria ainda nula porque o Tribunal indeferiu a junção aos autos de determinados documentos.
Não vislumbramos despacho que tenha indeferido a junção de determinados documentos. Pelo contrário, existe despacho a ordenar duas diligências de junção de prova documental, uma dirigida a uma instituição bancária e outra dirigida à embargada.
Se tal despacho de indeferimento existisse e com ele não concordasse a embargante, notificada do seu teor, deveria ter então apresentado recurso de apelação, nos termos do art.º 644.º, n.º 2, alínea d), do C. P. Civil.
Não o fazendo, não é já tempestiva a invocação desta questão.
Certo é que, como se disse, existe despacho a ordenar a junção da prova documental, em parte agora referida pela recorrente, como se retira da parte final do despacho saneador de 20/04/2023.
Da instituição bancária obteve o Tribunal a resposta de 23/05/2023, sobre a inexistência dos documentos solicitados. Notificada a resposta à embargante, nada alegou ou requereu.
Da embargada obteve a resposta de 04/05/2023, protestando juntar a documentação possível que ainda não tinha logrado obter. Não foram juntos quaisquer documentos, nem voltou a embargante a requerer o que quer que fosse perante a ausência de resposta.
Se, em face da demais prova produzida, viesse este Tribunal a entender que os documentos em causa seriam necessários, tal implicaria a anulação do julgamento, tendo em vista a sua junção, mas a ausência desses documentos não tornaria a sentença proferida nula. A necessidade de tais documentos para a ponderação da decisão sobre a matéria de facto será assim apreciada em sede de impugnação desta, se o Tribunal vier a considera-la admissível.
Não foi assim alegado qualquer fundamento válido que permita convocar o regime de qualquer das alíneas do n.º 1 do art.º 615.º do C. P. Civil e não se verifica qualquer nulidade da sentença proferida, improcedendo, nesta parte, a apelação apresentada.
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4 - Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
4.1. Em sede de recurso, a apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.
Dispõe o art.º 640.º do C. P. Civil, que:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo, de poder proceder à transcrição do excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º”.
A jurisprudência tem entendido que desta norma resulta um conjunto de ónus para o recorrente que visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2015, da Juiz Conselheira Ana Luísa Geraldes, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1 in www.dgsi.pt, das normas aplicáveis resulta que “recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Estes ónus exigem que a impugnação da matéria de facto seja precisa, visando o regime vigente dois objetivos: “sanar dúvidas que o anterior preceito ainda suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expressa a decisão alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova” (cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, pág. 198).
Recai assim sobre o recorrente o ónus de, sob pena de rejeição do recurso, determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretendem questionar (delimitar o objeto do recurso), motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação (fundamentação) que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre cada um dos factos que impugnam e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito (vide Abrantes Geraldes, no livro já citado, pág. 199).
Veja-se, por todos, a jurisprudência citada no Acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023, da Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, proc. 1/20.2T8AVR.P1.S1, e em particular o Acórdão do mesmo Tribunal de 10/12/2020 (proc. n.º 274/17.8T8AVR.P1.S1), nele citado, que estabelece que “na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal”.
Analisadas as alegações apresentadas, a recorrente indica de forma correta os factos que pretende sejam decididos de forma diversa, fundamentando a sua alegação em concretos meios probatórios que entende permitir concluir no sentido por si proposto, nada obstando assim à reapreciação da matéria de facto da decisão recorrida.
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4.2. Nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do C. P. Civil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/10/2023, da Juiz Desembargadora Margarida Gomes, proc. 2199/18.3T8BRG.G1, in www.dgsi.pt, “a reapreciação da prova pela 2ª Instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto. De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do artº 640º, do Código de Processo Civil. Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”.
Este Tribunal de recurso ouviu atentamente a prova testemunhal produzida e as declarações de parte prestadas.
Analisou a prova documental.
Não percebe este Tribunal de onde retira a executada embargante a prova dos factos que resultaram não provados. Nem sequer as suas declarações confirmam grande parte dos factos que estavam alegados e que, por falta de prova, foram considerados não provados.
A embargante não confirmou o “desconhecimento” alegado em seu nome na oposição por embargos, a que se reporta a alínea a) da matéria de facto provada, pois que, como resultou do seu depoimento, sabia bem a que título lhe foi entregue as quantias de 105.500,00 euros e 45.000,00 euros.
É certo que, em depoimento de parte, começou por alegar que tinha solicitado o dinheiro ao companheiro da exequente e não a este e que parte dos pagamentos que fez teriam sido efetuados para uma conta que era titulada por este, embora não soubesse se era também titulada pela executada. Diversamente do que em seu nome foi alegado na oposição de embargos, teria já restituído a quantia de 100.000,00 euros (e não 80.000,00 como foi alegado), à razão de nunca menos do que 500,00 euros por mês, como acordado, falando ainda de um pagamento de 12.000,00 euros em dinheiro que teria sido “emprestado” pelo filho e nora para pagamento desta dívida, dizendo ter sido sempre muito amiga da embargada a quem sempre ajudou.
São estas as declarações da embargante, único meio de prova que corrobora, embora apenas em parte, o que em seu nome está alegado na oposição por embargos à execução.
O depoimento de parte da embargante não teve, assim, qualquer caráter confessório, tendo sido requerido pela parte contrária para que a embargante confessasse os factos alegados pela embargante.
Olhando para as partes destes autos, estamos perante pessoas que tinham um relacionamento de amizade, pois que, como se viu, o filho da executada é padrinho da filha da exequente.
A embargada exequente depôs apenas no sentido dos factos por si alegados, admitindo ter existido restituição parcial dos valores entregues, que referiu ser à volta de 24.000,00 euros. Esse valor constava já do requerimento executivo como tendo sido entregue, estando então imputado naqueles que seriam, na versão da exequente, os juros já vencidos.
Quanto à entrega de 12.000,00 euros em dinheiro, que pertencia ao filho da executada, a exequente confirmou que a mesma se verificou, em circunstancialismo coincidente com o que foram as declarações da executada, dizendo, porém, que não se reportava a estas quantias mutuadas, mas ao pagamento de um terceiro por um trabalho que tinha sido feito para a embargante (carpinteiro).
Ora, a restante prova testemunhal não confirmou o depoimento de parte da embargante.
O filho e a nora nada sabiam sobre os negócios entre a executada e a embargante, apenas tendo sabido que existiam dívidas quando emprestaram a referida quantia de 12.000,00 euros.
Porém, sobre este pagamento, o filho reportou-se ao destino do dinheiro como lhe tendo sido dito que era para pagar a um carpinteiro (como referido pela embargada exequente) e que, tendo então perguntado se a mãe devia mais alguma coisa, percebeu que a embargada nada disse. mas que haveria mais alguma coisa escondida, tendo posteriormente, ele a esposa, ido ao encontro da exequente, por solicitação desta, só então tendo tomado conhecimento dos empréstimos referidos nas escrituras públicas.
Ou seja, nem o filho da embargante considerou que este pagamento de 12.000,00 euros se reportava aos empréstimos referidos, nada sabendo sobre a matéria, pois que a mãe nada lhe contou.
Quanto ao ex companheiro da embargada exequente, tendo confirmado que foi a si que a executada pediu o dinheiro, referiu que o dinheiro emprestado era da sua companheira, como sabia a exequente, e que já não estavam sequer juntos quando foi efetuado o segundo empréstimo, nada tendo recebido em restituição das quantias mutuadas.
Resulta do exposto que a executada embargante fundamenta a sua impugnação sobre a matéria de facto, no essencial, no seu depoimento de parte.
Este, como se disse, foi requerido pela parte contrária e visava a confissão dos factos alegados pela parte contrária, confissão essa que não foi obtida.
Mesmo considerando este depoimento como declarações de parte, dele também nada retiramos.
Elencando o pensamento doutrinário sobre este meio de prova, no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 12/10/2023, da Juiz Desembargadora Raquel Rego, proc. 1059/19.2T8CHV.G1, inwww.dgsi.pt, vemos três posições diferentes:
“Assim, adotando, neste domínio, o princípio da prova, veja-se Carolina Henriques Martins, Declarações de Parte, Universidade de Coimbra, 2015, p. 58, quando escreve que «Caso se considere útil a audição da parte nesta sede quando coexistem outros meios de prova, propomos a sua apreciação como um princípio de prova, equivalente ao mencionado argomenti di prova italiano, que não deixará de auxiliar na persuasão do juiz, mas que apenas o fará em correlação com a restante prova já produzida contribuindo para a sua (des)credibilização, e apenas nesta medida». Integrando a segunda posição, está Lebre de Freitas, “A ação Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 4ª edição, pag. 322, editora Gestlegal, Lebre de Freitas consignando que «a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime se ambas as partes tiverem sido efetivamente ouvidas». Finalmente, sendo defensora da terceira, Catarina Gomes Pedra, “A Prova por Declarações das Partes no Novo Código de Processo Civil. Em Busca da Verdade Material no Processo”, Escola de Direito, Universidade do Minho, 2014, p. 145, ao escrever que «não pode esquecer-se que a limitação do valor probatório das declarações das partes, como, de resto, a sua compreensão no contexto de um meio de prova subsidiário, pode consubstanciar, em determinadas situações, uma violação do princípio da igualdade de armas previsto no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem»”.
Como aí se conclui “é acertado dizer-se que as declarações de parte, pela sua própria natureza, exigem do julgador um redobrado cuidado de apreciação e exigência quanto à veracidade do seu conteúdo, posto que não deixam de estar imbuídas de um interesse pessoal na sorte da lide. Todavia, entender que, sozinhas, não podem valer como meio de prova equivaleria a uma revogação material do conteúdo da norma, cujo poder ao tribunal não assiste”.
Não é esta, porém, a questão suscitada neste recurso, pois que a Mm.ª Juiz a quo não desvalorizou este depoimento de parte por entender que, sozinho, não era suficiente para a afirmação dos factos não provados, mas porque entendeu que o mesmo não lhe merecia, no contexto da demais prova produzida, qualquer credibilidade.
Concordámos na íntegra com este entendimento.
Esquece-se a embargante que declarou, em três momentos distintos, factos substancialmente diferentes daqueles que declarou em audiência, então por escritura pública, como o comprovam os documentos dados à execução.
Naqueles, sem que aqui sejam colocadas em causa tais declarações, seja por vício da vontade, seja por vício de declaração, declarou:
- que era devedora das quantias de 105.500,00 euros e 45.000,00 euros que lhe haviam sido entregues pela exequente, e não pelo seu companheiro, pois que declarou, depois da sua identificação, que “desta recebeu”, em data anterior à data da emissão desses declarações;
- a data do vencimento, ou seja, a data a partir da qual existiria mora quanto à sua restituição, nelas não se referindo qualquer pagamento em prestações.
Veja-se sobre o valor probatório destes documentos de confissão de dívida, o Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 09/05/2024, do Juiz Desembargador Paulo Reis, proc. 4206/19.0T8VNF-A.G1, inwww.dgsi.pt, remetendo-se para o texto original, em particular para as suas notas de rodapé, as menções doutrinais e jurisprudenciais dele constantes.
Estão em causa documentos autênticos.
Se o documento particular com autoria reconhecida faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, por maioria de razão tal acontece quanto às declarações constantes de documento autêntico, como a escritura pública, nos termos do art.º 376.º, n.º1, do C. Civil.
Assim, como preceitua o n.º2 da norma citada, os factos compreendidos ma declaração consideram-se provados, na medida em que forem contrários aos interesses do declarante
Como se refere no Acórdão citado “ficam plenamente provados os factos desfavoráveis, se a declaração for dirigida à parte contrária ou a quem a represente; não perante terceiros”.
Esta verdadeira confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária (como foi o caso) ou a quem a represente, tem força probatória plena (art.º 358.º, n.º 2 do C. Civil).
Como se refere no Acórdão que acompanhámos, “assim, a doutrina vem entendendo que, na parte não abrangida pela força probatória plena, a força probatória dos documentos autênticos não poderá ficar aquém da atribuída pelos ns. 1 e 2, do artigo 376º, do CC, aos documentos particulares cuja autoria se mostre reconhecida: - de prova plena quanto às declarações (de ciência ou de vontade) atribuídas ao seu autor; - de prova plena dos factos compreendidos na declaração na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, sendo a declaração indivisível nos termos prescritos para a prova por confissão. Na parte em que contenham uma declaração confessória - enquanto reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e que favorece a parte contrária (artigo 352º CC) -, esta considera-se provada nos termos aplicáveis aos documentos autênticos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena (nº2 do artigo 358º)”.
E se assim é, temos que a embargante se limitou, na situação em apreço, de forma tímida, é certo a negar a existência das dívidas cuja existência confessou nas escrituras públicas de confissão de dívida (de forma tímida, dizemos, porque alega também a restituição das quantias mutuadas).
Ora, no que se reporta à existência das entregas em dinheiro, ao motivo dessa entrega e aos termos acordados para a sua restituição, vemos que a matéria de facto que resulta não provada é contrária à declaração confessória que resulta das escrituras públicas outorgadas.
Está, assim, por força das declarações destas constantes, plenamente provado que lhe foi entregue pela exequente a quantia de 105.500,00 euros e 45.000,00 euros e que teria de a restituir nos prazos em que declarou fazer tal restituição.
Estamos, assim, perante um reconhecimento de dívida por meio de confissão extrajudicial com força probatória plena constante de documento autêntico, nos termos e para os efeitos previstos nos arts.º 352.º, 355.º, 358.º, n.º 2, 376.º, 377.º do C. Cível.
Como se conclui no Acórdão já citado, “ora, nestes casos, se a confitente pretender retirar a eficácia da sua declaração confessória, além de provar que, ao contrário do que declarou, nada deve ao exequente, tem também que provar que a sua declaração está eivada de alguma vicissitude que tenha alterado a sua vontade. (…) A par da doutrina, também a jurisprudência que julgamos representativa vem decidindo que «[d]o regime contido no nº1 do artigo 359º do CC, respeitante à nulidade ou anulabilidade da confissão, resulta que para impugnar a força probatória da confissão (judicial ou extrajudicial), não basta ao confitente demonstrar que o facto confessado não corresponde à verdade, tendo de alegar o erro ou outra causa de falta (incapacidade acidental, simulação, reserva mental) ou vício de vontade (erro, dolo ou coação). Esta impugnação não se pode basear na simples desconformidade entre o que é afirmado e a realidade (…). Sobre esta questão, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31-05-2011, em moldes que merecem a nossa inteira adesão: «O que efetivamente releva, no caso que estamos a apreciar, está a montante, ou seja, saber em que termos é possível contrariar a prova legal plena atribuída à confissão extrajudicial. Ora esta pode ser contrariada apenas de modo indireto. Ou por via da falsidade - só por ela pode ser ilidida a força probatória dos documentos autênticos (artigo 372.º/1 do Código Civil) - ou pela prova da falta e vícios da vontade que inquinam a declaração constante de documento autêntico. Tais limitações, porque destroem a base da presunção ditada pela confissão judicial não a afastando diretamente levam a que se considere tal prova plena com o alcance de prova pleníssima. (…) Há situações em que, por documento, se reconhece uma dívida, mas da declaração não resulta a confissão do negócio que porventura se encontra na base do reconhecimento, ou seja, não há indicação da respetiva causa (artigo 458.º/1 do Código Civil). Não há, pois, nessas situações, confissão de facto desfavorável (artigo 352.º do Código Civil), mas mera confissão de dívida. Presume-se até prova em contrário a existência da relação fundamental (artigo 458.º/1 do Código Civil). Pode, por isso, sem que se imponha arguir a falsidade do documento do qual resulta o reconhecimento da dívida (base da presunção) nem invocar vício de vontade que tenha afetado a aludida declaração, ilidir-se a presunção, provando-se que não existe qualquer relação que esteja na base da declaração de reconhecimento proferida. (…) Não é, porém, este o caso dos autos, como se viu ( ver 35), e, por isso, considerando agora a questão inicialmente posta (ver 11 supra), tem de se responder que a força probatória plena de uma escritura de confissão de dívida referenciada a concretizado empréstimo que o confitente se obriga a restituir, mais do que um mero reconhecimento de dívida a ilidir nos termos do artigo 458.º do Código Civil, tem o alcance de provar o próprio facto do empréstimo apenas suscetível de ser ilidido pela mencionada forma indireta”.
Daqui se conclui que este Tribunal tem de respeitar a força probatória fixada na lei como regra de direito probatório material, dela resultando que as declarações da executada embargante constantes das escrituras públicas que outorgou constituem confissão extrajudicial dos factos declarados.
Já quanto aos alegados pagamentos (que sempre seriam posteriores às declarações de confissão de dívida e cuja existência é pressuposta pelas declarações, pois que a executada se obrigava a restituir as quantias de que se confessava devedora), que dizer da credibilidade de quem ora refere a restituição de 80.000,00 euros, ora de 100.000,00 euros, se reporta a transferências bancárias e não junta nenhum comprovativo documental (ainda que refira possui-los mas não estarem legíveis, impunha-se que os juntasse), nada tendo requerido em face da informação prestada pela instituição bancária relativa à inexistência dos documentos que requereu fossem juntos?
Que dizer ainda de quem afirma terem sido feitos pagamentos mensais de valores nunca inferiores a 500,00 euros, mas que não diz quando começaram ou acabaram, sendo, assim, impossível contabilizar os valores alegadamente pagos?
Nenhuma credibilidade teve o depoimento da embargante, por si só e muito menos considerando a restante prova produzida, sendo, por isso, insuficiente para que se afirmem como provados quaisquer dos factos considerados como não provados na sentença proferida, julgando-se assim improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não provada.
Duas palavras finais:
A primeira é para afirmar a irrelevância da diligência de prova requerida pela embargante no sentido da junção de prova documental pela embargada relativa à entrega das quantias de 105.500,00 euros e 45.000,00 euros.
Embora notificada para a juntar e de ter protestado fazê-lo, a embargada não a juntou.
Porém, a embargante confessou nas declarações de confissão de dívida que tais quantias foram por si recebidas, da exequente, tendo, em depoimento de parte, também declarado que tais quantias foram por si recebidas (tanto que assumiu a obrigação de restituir o dinheiro, e que alegou ter feito já em parte).
Resulta assim inequívoco, atento o referido valor probatório das declarações de confissão de dívida referida, que nenhuma outra prova documental teria a embargada de juntar para fazer prova do facto relativo à entrega à executada das quantias de 105.500,00 euros e 45.000,00 euros.
A segunda é para afirmar a total incoerência com que a embargante coloca em causa a fundamentação do facto dado como provado no ponto 3.5. da sentença proferida (embora o mesmo não seja objeto de impugnação).
Este facto – que por conta das referidas quantias, a executada entregou à exequente a quantia de 24.000,00 euros – é favorável à embargada e contrário à versão da embargante (que exige na execução a totalidade do capital em dívida).
Com efeito, se é certo que a embargante alegava no requerimento executivo que essa quantia foi entregue para pagamento de juros de mora vencidos, tendo sido decidido que estes não eram devidos (no despacho saneador proferido), tal entrega tinha de ser considerada “por conta das referidas quantias”.
Assim, tal facto está dado como provado não porque se tenha dado credibilidade ao depoimento de parte da embargada – que também referiu de facto tal pagamento -, mas porque este, nesta parte, traduz uma confissão relevante, nos termos do art.º 352.º do C. Civil.
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5 – Não tendo havido qualquer alteração da decisão sobre a matéria de facto, e dependendo o mérito do recurso interposto integralmente dessa modificação, nos termos do art.º 608.º, nº2, aplicável ex vi n.º2 do art.º 663.º, ambos do C. P. Civil, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida no âmbito da subsunção dos factos às normas legais correspondentes.
A decisão proferida revela, contudo, um vício de raciocínio que cumpre corrigir, pois que ignorou o que havia já sido decidido em sede de despacho saneador quanto a juros de mora.
No requerimento executivo inicial, a exequente reclamava o pagamento da quantia de 150.500,00 euros, acrescida de juros de mora de 36.639,62 euros.
Em relação a estes juros de mora, alegava a exequente que era devida a quantia de 60.639,62 euros mas que, tendo a embargante procedido ao pagamento de 24.000,00 euros a título de juros de mora, apenas aquela quantia de 36.639,62 euros de juros de mora estava já em dívida.
No despacho saneador proferido foi decidido que não eram devidos quaisquer juros de mora já vencidos, considerando a nulidade dos mútuos subjacentes ao título executivo, mas apenas os que se vencessem com a citação da executada / embargante para a ação executiva.
Embora tal não tenha sido expressamente declarado, a decisão de absolvição da executada / embargada quanto a juros vencidos implica que se considerem os embargos procedentes em relação à quantia peticionada a esse título, ou seja, 36.639,62 euros (sendo a exequente / embargada responsável pelo pagamento das custas destes embargos na proporção do seu decaimento).
Tal decisão transitou em julgado.
Mas essa decisão tem também outra consequência.
Tendo sido dado como provado que a embargante executada pagou a quantia de 24.000,00 euros, por conta das quantias mutuadas (e não por conta de juros de mora que não eram devidos como se havia já decidido), à quantia exequenda de 150.500,00 euros há que imputar tal pagamento parcial.
Assim, os embargos deduzidos têm de considerar-se procedentes, não apenas quanto aos juros de mora vencidos antes da citação – liquidados pela exequente em 36.639,62 euros, conforme já decorria do despacho saneador proferido – mas também quanto a 24.000,00 euros – quantia essa a deduzir ao valor de 150.500,00 euros, pois que foi este o pagamento parcial que resultou demonstrado.
Os embargos deduzidos são assim procedentes em relação à quantia exequenda de 60.639,62 euros (36.639,62 euros + 24.000,00 euros), prosseguindo a execução apenas para cobrança coerciva da quantia de 126.500,000 euros de capital (150.500,00 euros – 24.000,00 euros), acrescida de juros de mora vencidos desde a citação da executada, aqui embargada recorrente.
6 – A recorrente insurge-se ainda quanto à sua condenação como litigante de má-fé, em multa de 10 Ucs e indemnização a liquidar ulteriormente.
Escreveu-se assim na decisão proferida: “a prova produzida no presente processo é muito clara no sentido de confirmar não só a total falta de prova quanto à alegação deduzida pela embargante nesta sede, designadamente com vista a afastar a sua responsabilidade pela dívida, como ainda resulta evidente que os atos pela mesma concretamente impugnados resultam, de contrário, efetivamente verificados, pelo que se os afigura evidente que a mesma produziu afirmações que bem sabia não corresponderem à verdade, e com base nas quais fundamentou a sua defesa em sede de embargos, não podendo ignorar tais factos e, como tal, faltou conscientemente à verdade”.
Vejamos se existe fundamento para alterar tal condenação.
Resulta do art.º 542.º do C. P. Civil que é sancionável a título de má-fé, não apenas a lide dolosa, mas também a lide temerária, quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro.
O que há assim que perceber é se a atuação do autor ultrapassa os limites que a ordem jurídica definiu para que possa exercer os seus direitos, considerando-se que a sua litigância é uma afronta aos princípios da boa-fé e da lisura processuais.
Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 30/03/2023, da Juiz Desembargadora Fernanda Proença Fernandes, proc. 159/20.0T8MLG.G1, inwww.dgsi.pt “se a parte, com propósito malicioso, ou seja, com má-fé material, pretender convencer o tribunal de um facto ou de uma pretensão que sabe ser ilegítima, distorcendo a realidade por si conhecida, ou se, voluntariamente, fizer do processo um uso reprovável ou deduzir oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar - má-fé instrumental -, deve ser condenada como litigante de má-fé”.
Deve ainda ter-se em atenção que “não é humanamente exigível às partes que sejam inteiramente objetivas, pelos diversos matizes que a realidade sempre apresenta, vistas sob diferentes prismas, sendo percetível que as partes têm uma relação emocional com estas, sofrendo na sua vida as questões em debate, os problemas ocorridos, o peso do litígio. Não pode, no entanto, ser tolerado que a parte recorra ao processo, sabendo não ter razão ou quando apenas não tem essa consciência porque se furtou a evidentes deveres de cuidado e zelo a que o respeito pela Justiça, pelos Tribunais e pela parte contrária, exigiam ou faça do mesmo uso que de forma grave ponha em causa as suas finalidades” – nas palavras do Acórdão desta Relação de Guimarães de 14/09/2023, da Juiz Desembargadora Sandra Melo, proc. 3509/22.1T8GMRG.G1, in www. dgsi.pt.
No entanto, como se refere também no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 30/06/2022, da Juiz Desembargadora Conceição Sampaio, proc. 20786/20.5T8PRT-A.G1, também inwww.dgsi.pt, “não deve confundir-se litigância de má-fé com: · a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento; · a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; · discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos; ou · com a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr convencer. Constitui hoje entendimento prevalecente na nossa jurisprudência que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprios do Estado de Direito, são incompatíveis com interpretações apertadas ou muito rígidas do artigo 542º do Código de Processo Civil. Haverá sempre que ter presente as características e a natureza de cada caso concreto, recomendando-se na formulação do juízo sobre essa má fé uma certa prudência e razoabilidade”.
Existe na situação dos autos uma divergência na subsunção jurídica da situação de facto trazida a juízo, pois que a exequente entendia estar munida de títulos executivos bastantes para a instauração da execução, alegando como factos constitutivos do seu direito as declarações deles constantes. A executada divergia deste entendimento, tendo o Tribunal reconhecido razão à embargada exequente.
Esta falta de fundamento não é reveladora de má-fé da embargante.
Note-se que lhe foi reconhecida razão quanto ao montante de juros peticionados – em sede de despacho saneador -, em valor muito significativo, pois que entendia a exequente que lhe era devida, como se viu supra, a quantia de 60.639,62 euros.
Mas foi-lhe também reconhecida razão quando alegou que havia já restituído parcialmente as quantias que lhe haviam sido entregues, embora esteja demonstrado valor substancialmente inferior ao alegado.
Não está, porém, demonstrado que só tivesse sido restituída a quantia de 24.000,00 euros (e só assim resultaria provado que não tinha sido restituída quantia superior).
O Tribunal tem de considerar o facto 3.5. tal como o deu como provado e não, como parece ser o caso, como se dele resultasse provado que nenhuma outra quantia foi paga.
Está apenas demonstrado que foi restituída tal quantia e não a prova do contrário, necessária, como se disse, para se afirmar a litigância de má-fé da embargante (a prova do facto contrário ao que foi por si alegado).
Em rigor, a sentença proferida não esclarece que factos foram alegados que a embargante sabia não serem verdadeiros e que foram dados como provados.
O único elemento dos autos que poderia aproximar-se deste conceito de má-fé seria a alegação da embargante de não ter sido com a embargada que foram contraídos os mútuos.
Demonstrou-se que o foram efetivamente. Mas nessa situação em particular, o seu depoimento e o depoimento do ex companheiro da embargada foram suficientemente esclarecedores para que se perceba de onde veio tal alegação (o dinheiro foi efetivamente solicitado ao referido ex companheiro), sendo certo que, em rigor, nenhuma consequência retirava a embargante dessa sua alegação, perante o texto das declarações de confissão de dívida apresentadas como título executivo, que não contestava.
Não vemos assim fundamento para a condenação da embargante como litigante de má-fé e, em rigor, tal fundamento não consta da decisão proferida que se limita a uma apreciação vaga efetuada por remissão para a alegação da embargante e confrontando-a com os factos provados e não provados.
Impõe-se assim a revogação da decisão proferida, no que se reporta à condenação da embargante como litigante de má-fé, quer no pagamento da multa, quer no pagamento de uma indemnização à parte contrária.
Quanto a custas:
As custas dos embargos são assim devidas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento (sendo de 126.500,00 euros para a executada / embargante e de 60.639,62 euros para a exequente / embargada) – art.º 527.º do C. P. Civil.
As custas do recurso são devidas também por ambas as partes, fixando-se a proporção do seu decaimento em 2/3 para a embargante recorrente e 1/3 para a embargada recorrida, nos termos da norma citada.
Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7, do C. P. Civil):
1 – A exequibilidade do título apresentado à execução não depende da “prova” da entrega da quantia cuja cobrança coerciva se pretende efetuar através da instauração da execução.
2 – A declaração de confissão de dívida constante de escritura pública constitui título executivo ainda que o contrato de mútuo subjacente à emissão da declaração seja nulo por vício de forma
3 - Se o documento particular com autoria reconhecida faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, por maioria de razão tal acontece quanto às declarações constantes de documento autêntico, como a escritura pública, nos termos do art.º 376.º, n.º1, do C. Civil
4 – A condenação da parte como litigante de má-fé exige que se individualizem os fundamentos de tal condenação, não bastando para tal que o embargante não tenha logrado provar o pagamento que alegava ter feito da quantia exequenda. V – Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação apresentada pela embargante executada e, em conformidade:
a) revogam parcialmente a decisão proferida, absolvendo a executada do pedido exequendo relativo a capital quanto ao valor de 24.000,00 euros (vinte e quatro mil euros), prosseguindo a execução, considerando esta decisão e a que foi proferida em sede de despacho saneador, para cobrança da quantia de 126.500,00 euros (cento e vinte e seis mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora desde a data da citação da executada;
b) revogam ainda parcialmente a decisão, na parte relativa à condenação da embargante executada como litigante má-fé, absolvendo-a nessa parte do pedido formulado pela embargada exequente.
As custas dos embargos e do recurso são devidas por ambas as partes na proporção do decaimento fixado, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil, sendo:
- quanto aos embargos, de 126.500,00 euros para a executada / embargante e de 60.639,62 euros para a exequente / embargada;
- quanto ao recurso, de 2/3 para a embargante recorrente e 1/3 para a embargada recorrida.
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Guimarães, 19/09/2024
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)