PROCESSO SUMÁRIO
ELABORAÇÃO DE SENTENÇA ESCRITA
NULIDADE
Sumário

No âmbito de processo sumário, sendo aplicada uma pena de prisão como opção principal, ainda que substituída, como no caso concreto, por suspensão da execução da prisão, impõe-se a elaboração de sentença escrita, sob pela da respectiva nulidade ao abrigo do disposto no art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPPenal.

Texto Integral

Proc. n.º 415/23.6GDSTS.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Criminal de Santo Tirso – Juiz 2

Sumário:

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Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

No âmbito do Processo Sumário n.º 415/23.6GDSTS, a correr termos no Juízo Local Criminal de Santo Tirso, Juiz 2, por sentença de 12-12-2023, foi decidido:

«Nestes termos e face ao exposto, julgo a acusação procedente, por provada e, em consequência, por se encontrar a conduzir, no dia 23 de Novembro de 2023 pelas 01H00M, na Rua ..., ..., Santo Tirso, o veículo automóvel com a matrícula ..-..-GD, com uma TAS de 1.501g/l, decide-se:

a) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de prisão de dez meses suspensa por dois anos, sujeito aos seguintes deveres:

a. Fica o Arguido sujeito ao regime de prova com a execução de um plano de reinserção social, que deverá contemplar a continuação da sujeição do Arguido a tratamento de desintoxicação do álcool, que já deu o seu consentimento,

b. e a obrigação de o mesmo frequentar um programa de prevenção “STOP – Responsabilidade e Segurança”, implementado pelo IRS, e que inclui a frequência do curso “Condução de Veículo em Estado de Embriaguez – Estratégias de Prevenção da Reincidência”, ministrado pelos Serviços de Reinserção Social.

b) Condenar o Arguido na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 (três) anos.

c) Condenar ainda o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se em 1 UC, atenta a confissão integral e sem reservas por parte do Arguido».


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Inconformado, o arguido AA interpôs recurso desta decisão, solicitando que a sentença recorrida seja revogada e «substituída por acórdão em que se absolva o arguido do crime de condução em estado de embriaguez pelo qual foi condenado, nos termos do disposto no artº 431º al. a) do Código de Processo Penal», apresentando em apoio da sua argumentação as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«1.ª Vem o presente recurso interposto da sentença proferida no âmbito dos presentes autos de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º1 e 69.º, n.º1, al. a) do C.P., na pena de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos e sujeita a regime de prova, com a execução de um plano de reinserção social, que deverá contemplar a continuação da sujeição do Arguido a tratamento de desintoxicação do álcool, que já deu o seu consentimento e a obrigação de o mesmo frequentar um programa de prevenção “STOP – Responsabilidade e Segurança”, implementado pelo IRS, e que inclui a frequência do curso “Condução de Veículo em Estado de Embriaguez – Estratégias de Prevenção da Reincidência”, ministrado pelos Serviços de Reinserção Social e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor na via pública pelo período de 3 (três) anos.
2.ª Nos presentes autos foi o arguido julgado e condenado em processo sumário, nos termos do disposto no artigo 381.º do Código de Processo Penal, pelo que se aplica o disposto no art. 389º - A, 1 do CPP à sentença proferida em processo sumário, referindo este expressamente, como regra, que “A sentença é logo proferida oralmente e contém…”, ressalvando contudo a exceção do n.º 5.
3.ª Ao arguido foi aplicada efetivamente uma pena privativa da liberdade de dez meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, a qual pode ser revogada, redundando no cumprimento da prisão aplicada, nos termos do artigo 56.º do CP.
4.ª A pena de prisão suspensa na sua execução é uma pena privativa de liberdade, já que a suspensão pode ser posteriormente revogada, o que implica o cumprimento do tempo de prisão fixado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 56.º n.º 2, do CP (neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 13-04-2021, processo n.º 156/20.6GDEVR.E1, disponível em www.dgsi.pt).
5.ª O tribunal a quo apenas documentou a sentença nos termos dos artigos 363.º e 364.º do CPP e ditou para a ata a parte do dispositivo, pelo que é nula a sentença não escrita, que imponha pena privativa de liberdade nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.
6.ª A sentença padece de nulidade, nos termos do artigo 389.º-A e 379.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do CPP, uma vez que não contém, na forma prevista na lei, os elementos estruturantes referidos nas alíneas a) a c) do n.º 1 do primeiro dos referidos artigos.
7.ª O Recorrente foi condenado numa pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor na via pública pelo período de três anos, pelo que no respeito do artigo 80.º do CPP, e quanto à natureza das penas acessórias, afigura-se evidente que estas assumem a natureza de verdadeiras penas.
8.ª O arguido, na sequência da fiscalização da condução sob o efeito do álcool ficou impedido de conduzir pelo período de 12 horas, nos termos do disposto no art. 154.º, n.º 1 do Código da Estrada, pelo que se, em concreto, na sentença se aplica três anos de proibição de conduzir, este não cumpre os três anos pelos quais foi condenado, mas sim três anos e um dia (12 horas), por força da aplicação do impedimento previsto no Código da Estrada.
9.ª Deve considerar-se a aplicação analógica do art. 80.º, n.os 1 e 2 do Código Penal e ser descontado pelo menos um dia na pena acessória de proibição de conduzir aplicada.
10.ª A sentença não procedendo ao referido desconto não se pronunciou sobre questões de que deveria conhecer e, como tal, deve considerar-se nula nos termos do disposto no artigo 379º, nº1. Alínea c) do Código de Processo Penal.
11.ª Conforme resulta da gravação da sentença proferida oralmente, somente resultam como factos provados aqueles constantes da acusação pública, acrescidos apenas do conteúdo do registo criminal do ora recorrente e nada mais!
12.ª O tribunal a quo fez tábua rasa de tudo quanto foi dito pelo arguido quanto às condições pessoais e a sua situação económica, encontrando-se a decisão «amputada» de aspetos relevantes para a ponderação determinação da pena e da concreta medida da pena porquanto esta não se pode bastar com os antecedentes criminais do arguido.
13.ª A ausência e a desconsideração dos elementos socioeconómicos do arguido constituem, s.m.o, a nosso ver, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, (neste sentido, perfilhamos o que resulta do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 43/22.3GAMTS.P1, de 08-03-2023, disponível em www.dgsi.pt: “(…) Ora, no presente caso, e percorrido o elenco da fundamentação de facto da sentença recorrida, facilmente se constata que o mesmo não alude nem elenca quaisquer factos relativos ao percurso de vida e às condições pessoais e sócio–económicas do arguido – sendo que alguns, aliás, se mostram expressamente alegados inclusive em sede da contestação oportunamente apresentada nos autos. (…) Porém, como gritantemente decorre do que já acima fica exposto, já assim não será no que tange à aplicação (ou não) das penas acessórias aqui aplicáveis, e/ou à determinação da medida temporal concreta pelo menos de uma delas (se aplicada).”
14.ª Foi dado como assente que o arguido conduzia com uma TAS de 1.501 g/l.
15.ª O Tribunal da Relação de Guimarães por acórdão de 26 de Fevereiro de 2007, relatado por Anselmo Lopes, publicado in www.dgsi.pt, afastando a pioneira tese de que o teste de álcool - DRAGER - fosse tido como prova pericial, colocou em causa o acerto dos alcoolímetros usados pelos agentes da autoridade, mais relatando: ”VI – Os EMA no caso dos alcoolímetros quantitativos – os que agora nos preocupam, e tendo em conta a legislação citada, são os seguintes: TAS < 0,92 g/l - EMA +/- 0,07 g/l; TAS =/> 0,92 < 2,30 g/l – EMA +/- 7,5%; TAS =/> 2,30 < 4,60 g/l – EMA +/- 15%; TAS =/> 4,60 < 6,90 g/l – EMA +/- 30% (…)”.
16.ª A Portaria n.º 1556/2007 de 10 de Dezembro no seu artigo 8º em conjugação com a tabela anexa a essa Portaria impõe que se tenha em conta um erro máximo admissível de 8%.
17.ª Tendo em conta que na valoração da prova se deve aplicar também o princípio in dubio pro reo, teria de se concluir que o recorrente conduzia com uma TAS de 1,45g/l, porquanto 8% de 1,58 g/l é 0,13.
18.ª Resulta do artigo 140.º n.º do CPP e do art.º 128 do CPP que a prova testemunhal e por confissão só pode incidir e relevar sobre factos que sendo do conhecimento direto dos depoentes, sejam juridicamente relevantes para aferir da existência dos elementos do crime, da punibilidade do agente e do seu grau de culpabilidade.
19.ª Conhecimento direto de um facto só se verifica em relação a factos que foram apreendidos através de perceção sensorial, isto é, através da visão ou audição.
20.ª O tipo de crime pelo qual o arguido foi condenado condução de veículo em estado de embriaguez, prevê no tipo legal, art. 292º do Código Penal, a condução em via pública ou equiparada de veículo, com ou sem motor, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior 1,2 g/l., sendo que tal elemento implica e efetivação de uma medição metrológica por recurso a instrumentos tecnológicos ou através de análise ao sangue, e tal medição entra em linha de conta com variáveis como sejam a massa corporal do indivíduo e a circunstância de ter ou não ingerido outras substâncias designadamente alimentos sólidos.
21.ª O critério orientador na escolha da pena advém do artigo 70º do Código Penal, porém a sentença é omissa quanto à ponderação da aplicação de uma pena não privativa da liberdade.
22.ª Atendendo às declarações prestadas pelo arguido e gravadas, no dia 06/12/2023, com início às 10:43, em particular nos minutos 03:20 a 08:50 daquela gravação, resulta que o arguido é trabalhador “por conta própria”, ou seja é um empresário em nome individual, exercendo a atividade de marmorista.
23.ª A inibição de conduzir pelo período fixado na decisão recorrida – três anos – coloca o recorrente em sério risco de perder o trabalho.
24.ª Devido à profissão que o Recorrente tem, a inibição de conduzir terá consequências bastante mais pesadas do que a maioria das pessoas a quem é aplicada esta sanção acessória.
25.ª O Recorrente percorreu poucos metros, como decorre da gravação identificada.
26.ª O Recorrente encontra-se bem inserido familiar, social e profissionalmente.
27.ª Se da aplicação da pena acessória resultem consequências gravosas, a pena viola grosseiramente a garantia constitucional e o princípio da proporcionalidade, plasmado no artigo 18.º da CRP, inconstitucionalidade que expressamente se invoca.
28.ª O Mmo Juiz valorou os factos dados como provados que se reportam a antecedentes criminais do Recorrente, concluindo que as exigências de prevenção geral e especial se mostram elevadas, condenando o arguido para além da pena principal, na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de três anos,
29.ª Consultado o Certificado de Registo Criminal do arguido, resulta que o último processo crime de natureza idêntica no qual o arguido foi condenado extinguiu-se em 03/02/2019 e reporta-se a factos praticados em 23/11/2015, atento o Boletim relativo ao Processo n.º 488/15.5GDSTS, que correu termos no Juiz 2 do Juízo Local Criminal de Santo Tirso, do Tribunal Judicial do Porto, tendo a sentença transitado em julgado em 23/06/2017.
30.ª As demais condenações extinguiram-se em data anterior a 03/02/2019, ou seja há mais de 5 (cinco) anos.
31.ª A Lei n.º 37/2015 de 5 de maio, no artigo 11.º n.º 1 al. b) do CPP determina o cancelamento das decisões que tenham aplicado pena de prisão principal a pessoa singular inferior a 5 anos, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de igual natureza.
32.ª A última das condenações do arguido extinguiu-se por cumprimento em 03/02/2019, sem que haja notícia da prática pelo recorrente de qualquer crime de igual natureza, no referido período, sendo que todas as condenações anteriores delas não devia constar o averbamento do respetivo Certificado de Registo Criminal.
33.ª O tribunal a quo não poderia ter valorado e sopesado contra o recorrente os referidos antecedentes criminais, uma vez que os mesmos já não deviam, por imposição legal, constar do respetivo certificado de registo criminal.
34.ª O Tribunal a quo ao ter tomado conhecimento do averbamento do registo criminal, quando o mesmo já não devia existir, incorre em excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 379o no 1 al. c), o que consubstancia a nulidade da sentença, nulidade essa que pode ser sanada por este tribunal superior suprimindo-se tais condenações dos factos dados como provados na sentença recorrida.
35.ª Tomando em consideração os referidos antecedentes criminais quando os mesmos já deviam ser tidos como inexistentes, o Tribunal fez uma incorreta apreciação das circunstâncias que deviam ser atendidas na determinação da medida concreta da pena, aplicando incorretamente o disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal;
36.ª Isto porque, conforme resulta da douta decisão ora recorrida, o Tribunal considerou as exigências de prevenção especial como elevadas, tendo em conta designadamente, a existência de antecedentes criminais do arguido;
37.ª Sucede que nos termos do disposto no artigo 75.º n.º 2, do Código Penal, “o crime anterior por que o agente tenha sido condenado não revela para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativa de liberdade.”.
38.ª Assim, no presente caso, o Mmo Juiz devia ter considerado o arguido como primário o que aliado à confissão parcial dos factos, bem como à prova de que o mesmo se encontra bem integrado social e profissionalmente e não sendo despiciente a circunstância da taxa de alcoolemia ser próxima do limite mínimo, reduzindo o grau de ilicitude, deviam ter sido bastante para concluir que as exigências de prevenção geral são as normais e as exigências de prevenção especiais são diminutas,
39.ª A duração da sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados aplicada ao arguido deve ser diminuída substancialmente, para próxima do mínimo legal.
40.ª Neste sentido, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27-04-2021, processo n.º 85/20.3GTEVR.E1:”Os factos criminosos, em análise no presente recurso, ocorreram em 20-8-2020 e tendo as penas de multa referentes a processos anteriores consideradas extintas, respectivamente, em 15-6-2012 e 1-8-2014, conforme consta do respectivo CRC, verificam-se os pressupostos da alínea b) do n.o 1 do artigo 11.o da citada Lei da Identificação Criminal, pelo que tais decisões já cessaram a sua vigência no registo criminal. As mesmas devem manter-se em ficheiro informático próprio, distinto do CRC, durante um período de três anos, mas apenas para os efeitos previstos no mencionado n.o 6, do art.o 11.o (reposição de registo indevidamente cancelado ou retirado), e findo aquele prazo máximo são canceladas de forma irrevogável. É, pois, óbvio, que os aludidos antecedentes criminais, consignados, ainda (apesar do decurso do prazo de cinco anos), no CRC, não poderem ser consideradas. Um certificado do registo criminal que certifique decisões que, nos termos legais, dele já não deveriam constar, implica uma verdadeira proibição de valoração de prova, estando vedado ao Tribunal ter em conta tais decisões.”
41.ª A aplicação pelo Tribunal a quo numa pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de três anos é excessiva pois ultrapassa a medida da sua culpa e as reduzidas exigências de prevenção especial que ao caso se fazem sentir.
42.ª Atenta ainda a ausência de fundamentação da escolha da medida da pena, o Tribunal a quo violou o princípio da fundamentação das sentenças judiciais, pelo que a sentença recorrida é nula por violação do disposto no artº 374º nº2, 375º nº1 e 379º nº1 al. a) do Código de Processo Penal, sendo certo que a interpretação que se extraia do disposto no artº 70º do Código Penal e dos artº 374º nº2 e 375º nº1 do Código de Processo Penal no sentido de que o Tribunal pode não ponderar todas as hipóteses de, perante a factualidade provada e a matéria de direito, aplicar pena de prisão, é violadora dos princípios do Estado de Direito, do recurso e da fundamentação das decisões judiciais, nos termos do disposto nos artº 2º, 32º nº1 e 205º nº1 da Constituição.
43.ª Funda-se o presente recurso quanto à matéria de facto nos artºs 379º nº1 e 410º nº2 do Código de Processo Penal.
44.ª A sentença recorrida violou ou fez errada aplicação dos artºs 70º, 71º nº 1, 348º nº1 al. a), 292º e 69º n.º 1 al. c), 14º, 15º, 40º e 80º do Código Penal, dos artºs 125.º, 127.º, 163.º, 171.º, 283º 3 c), 374º nº2, 358º, 359º, 389-A, 379º, 124º, 339º n.º 4, 386º, 389º do Código de Processo Penal, dos artºs 13º nº1, 18º nº2 e 3, 30º, 32º nº 1, 2, 5 e 6, 204º e 205º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 4.º, 5.º e 7.º da Portaria n.º1556/2007, de 10 de dezembro, não podendo pois manter-se.»

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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pelo seu não provimento e pela manutenção da decisão recorrida.

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Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que considerou que a sentença recorrida – no que concerne à «elaboração da sentença por escrito e sua leitura e ponderação sobre a eventual aplicação de pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade – enferma de nulidade, atento o plasmado no artigo 379.º, nº 1, alíneas a) e c) do C.P.Penal, cabendo ao tribunal recorrido a reparação desse vício.»

Entende, por isso, que deve ser ponderada a procedência do recurso anulando-se a sentença recorrida e ordenando-se que seja escrita nova sentença.

Em apoio da sua posição, argumenta nos seguintes termos:

«Contudo, sobre o objeto do recurso, dir-se-á que o esforço argumentativo constante da sua motivação apresenta uma construção jurídica passível de ser ponderada, pois estamos no campo de aplicação de normas que dividem o entendimento da jurisprudência.

Assim, num primeiro segmento do recurso discute-se a nulidade da sentença nos termos do plasmado no artigo 389º-A, nº 1, alíneas b) e c), ex vi, 379.º, nº 1 do C.P.Penal, tendo como base a circunstância de não ter sido observada a exigência expressa no nº 5 do primeiro comando legal, ou seja, “Se for aplicada pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura.”

Com efeito, o recorrente pugna pela verificação da nulidade da sentença, por vício de forma pois, havendo condenação em pena principal de prisão, a qual foi suspensa na sua execução, a mesma deveria ter sido elaborada por escrito.

Ora, tendo em atenção o regime legal expresso no ordenamento jurídico processual português, parece-nos que efetivamente o tribunal ad quo, em ordem a respeitar o fixado na lei, estaria vinculado a reduzir a escrito toda a sentença e proceder à sua leitura.

Embora não se ignore que há jurisprudência que tem um entendimento diferente sobre esta questão: Vide Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 10/01/2023, in www.dgsi.pt:

«- Em processo sumário apenas a sentença que condene no cumprimento de uma pena de prisão efectiva tem de ser reduzida a escrito.

-Tal obrigação não existe quando há lugar à condenação numa pena de prisão suspensa na sua execução».

É certo que o processo sumário, olhando ao que estipula o artigo 386º, nº 2 do C.P.Penal, se apresenta como modo de tramitação processual orientado por uma ideia de simplificação, celeridade e prontidão, vigorando a regra da oralidade, a qual, por princípio também se estende à sentença que, podendo ser proferida oralmente, basta-se com a indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para peças processuais, e com exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão.

Não obstante, a sentença terá, sob pena de nulidade, de ser documentada nos termos gerais dos artigos 363º e 364º do C.P.Penal.

Se for aplicada pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura, demanda esta que parece assentar na ideia / necessidade de uma maior robustez / densificação na ponderação, quando estão em causa situações / retratos que podendo ser julgados nesta forma processual, se apresentam com alguma complexidade / especificidade que não se compadece com um pronunciamento verbal da sentença

No caso em apreço, tendo o tribunal decidido por pena de prisão a qual suspendeu na sua execução – pena de substituição em sentido próprio – deveria, achamos nós, ter proferido sentença nos termos prescritos no já citado nº 5 do artigo 389º-A, do C.P. Penal.

Neste sentido, GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS; Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, Comentário Judiciário de Código de Processo Penal, Tomo IV Artigos 311º a 398º, 2022, Almedina, p. 935.

Ainda a Decisão Sumária do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23/04/2013, proferida no Processo nº 299/12.0PTAMD.L1-5, onde se pode ler “Em processo sumário, se for aplicada pena privativa da liberdade, mesmo que suspensa na sua execução, a sentença deixa de poder ser proferida oralmente, tendo necessariamente que ser elaborada por escrito e lida”, e o Acórdão do mesmo Tribunal, de 24/05/2018, proferido no Processo nº 190/16.0SXLSB.L1-9, onde se escreveu “Em processo sumário nos teremos das normas constantes dos n.ºs 1, 2, 3 e 5 do artigo 389º-A do CPP, o juiz tem que elaborar a sentença por escrito e fazer a sua leitura quando aplica ao arguido pena privativa de liberdade ou quando as circunstâncias do caso o tornam necessário, sendo que a pena de prisão suspensa na sua execução não deixa de ser uma pena privativa de liberdade, já que a suspensão pode ser posteriormente revogada, o que implica o cumprimento do tempo de prisão fixado.”, disponíveis em www.dgsi.pt.

Para além do exposto, na nossa modesta opinião da decisão tomada em 1ª Instância decorre igualmente a nulidade tratada na alínea c) do nº 1 do artigo 379º, do C.P.Penal – omissão de pronúncia.

Há omissão de pronúncia sempre que o tribunal não respeita os seus poderes / deveres de cognição e ponderação, preterindo pronunciar-se sobre aspetos que devia ou, apreciando aspetos de que não devia tomar conhecimento.

Com efeito, para além do que nos parece consistir uma superficial fundamentação relativa à pena encontrada, e o caminho nessa dimensão seguido, resulta claro que o Tribunal a quo não fez qualquer análise relativa à possibilidade de, estando em causa uma pena em concreto inferior a dois anos de prisão, poder optar pela pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade, tal como decorre do plasmado no artigo 58º, nº 1 de C. Penal.

Parece pacífico que tal falha integra a ideia de omissão de pronúncia determinante de anulação da decisão recorrida.

Na verdade, (o) regime de aplicação das penas substitutivas impõe a necessidade ou obrigatoriedade de o tribunal se pronunciar sobre a verificação dos respetivos requisitos para a sua aplicação. A omissão do tribunal recorrido quanto à possibilidade de eventual aplicação de alguma destas penas substitutivas constitui nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do n.º 1, alínea c) do art.º 379.º do CPP.

Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 9/06/2021, proferido no Processo nº 149/19.6T9MBR.C1 e no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 18 de maio de 2009, no Processo 318/07. 1PBVCT.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Face ao expendido, somos de parecer que a decisão recorrida, nestes dois últimos apontados segmentos – elaboração da sentença por escrito e sua leitura e ponderação sobre a eventual aplicação de pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade - enferma de nulidade, atento o plasmado no artigo 379.º, nº 1, alíneas a) e c) do C.P.Penal, cabendo ao tribunal recorrido a reparação desse vício.

Nessa conformidade, mostram-se prejudicadas todas as restantes questões suscitadas.

Para melhor sustentação do nosso parecer, vide ainda:

Acórdão do T.R.E. - Tribunal da Relação de Évora de 28/03/2023 in www.dgsi.pt:

As razões de política criminal que subjazem à instituição desta forma de processo especial – aplicação à pequena criminalidade e em casos de simplicidade probatória, dada a frescura temporal da prova a considerar em cada caso –devem conduzir a uma interpretação do nº5 do artº 389º-A do C.P.P no sentido de não se desvirtuar o propósito do legislador.

Quer com isto significar-se que o segmento “se for aplicada pena privativa da liberdade” se reporta, não à aplicação de uma pena de prisão, ainda que venha a ser substituída por pena de substituição não detentiva, mas antes à pena criminal, ainda que de substituição, que o condenado em primeira linha, tenha de cumprir. É este o entendimento de P. Pinto de Albuquerque no Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, pág. 1009, em anotação ao art.º 389º-A, quando refere: «…em caso de condenação em pena efetiva de prisão …, o juiz deve elaborar a sentença (toda a sentença!) por escrito e proceder à sua leitura … Excecionalmente, em caso de complexidade, das questões de facto ou de direito sub judice, o juiz deve proceder do mesmo modo».

E é isto também o que resulta do conceito e do modo de execução das penas de substituição, designadamente, da suspensão da execução da prisão e, como é o caso dos autos, da pena de multa, as quais, obviamente, não são penas privativas da liberdade.

Em suma, e para concluir, tendo a Recorrente de acordo com o critério da escolha da pena exercitado na sentença recorrida sido condenada na pena de substituição de multa (em substituição da pena principal de prisão) veio, na verdade, a ser condenada numa pena não privativa de liberdade

Acórdão do T.R.E. - Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2022 in www.dgsi.pt:

I – Parece incontornável que o processo sumário, olhando ao que estipula o artigo 386º, nº 2 do CPPenal, se apresenta como modo de tramitação processual orientado por uma ideia de simplificação, celeridade e prontidão, vigorando a regra da oralidade, a qual, por princípio também se estende à sentença que, podendo ser proferida oralmente, basta-se com a indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para peças processuais, e com exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão.

II – Não obstante, o legislador igualmente determinou que no caso de aplicação de pena privativa da liberdade ou, excecionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, deve elaborar a sentença por escrito e proceder à sua leitura, demanda esta que parece assentar na ideia / necessidade de uma maior robustez / densificação na ponderação, quando estão em causa situações / retratos que podendo ser julgados nesta forma processual, se apresentam com alguma complexidade / especificidade que não se congraça com um pronunciamento verbal da sentença.

III- Assim sendo, legislador ao referir no artigo 389º-A, n.º 5, “pena privativa da liberdade”, não terá descurado o maior rigor e a acrescida ponderação inerentes à opção pela prisão e, como tal, teve em vista, pelo menos tendencialmente, a aplicação da pena principal, originariamente cominada, ainda que posteriormente substituída.

IV – Esta leitura tem ainda em seu abono o apelo a uma melhor concretização das garantias de defesa, tendo em conta os efeitos da pena substitutiva e eventual revogação desta.

V – Com efeito, pese embora a suspensão da execução da pena de prisão conformar uma pena de prisão autónoma relativamente à pena efetiva, entende-se que se justifica / exige / reclama que se proceda à elaboração de sentença escrita e sequente sua leitura, face à possibilidade da mesma vir a ser revogada e, nesse seguimento, executada a prisão originariamente aplicada.

VI – Em presença de tal, não tendo sido reduzida a escrito e sequentemente lida, a decisão propalada, crê-se que a consequência a extrair é considerar que opera a nulidade da sentença, por força da omissão dos requisitos exigidos pelos normativos combinados dos artigos 389º-A, n.º 1 e 379º, n.º 1, alínea a), do CPPenal e, nesse conspecto, há que a anular e ordenar a que seja escrita nova sentença e, nessa sequência, lida.”


x

Assim, somos de parecer dever ser ponderada a procedência do recurso do arguido, anulando-se a sentença recorrida e ordenar-se que seja escrita nova sentença.»

*

Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, não foi apresentada resposta.

*

Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso.

*

II. Apreciando e decidindo:

Questões a decidir no recurso

É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].

As questões que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes:

- Nulidade da sentença, não escrita, por ausência de forma, nos termos do art. 389.º-A, n.º 1, als. a) a c), e 379.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do CPPenal.

- Nulidade da sentença por omissão e excesso de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPPenal;

- Vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPPenal;

- Erro de julgamento em sede de matéria de facto relativamente ao valor da taza de álcool no sangue detectada;

- Escolha e medida da pena principal e acessória.


*

Nulidade da sentença, não escrita, por ausência de forma, nos termos do art. 389.º-A, n.º 1, als. a) a c), e 379.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do CPPenal

A apreciação das questões colocadas no recurso de decisão final, normalmente, não prescinde da consideração, pelo menos, da factualidade subjacente.

Porém, no caso em apreço, a questão da necessidade de elaboração de sentença por escrito remete-nos para momento anterior a essa avaliação, pois deve ser ponderado se no caso concreto se exige ou não sentença escrita, sendo que em caso afirmativo o que se mostra gravado em suportes informáticos e não reproduzido em acta é de nenhum valor jurídico.

Vejamos, então.

Determina o art. 389.º-A do CPPenal, respeitante à sentença em processo sumário que:

«1 - A sentença é logo proferida oralmente e contém:

a) A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas;

b) A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão;

c) Em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada;

d) O dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 374.º

2 - O dispositivo é sempre ditado para a acta.

3 - A sentença é, sob pena de nulidade, documentada nos termos dos artigos 363.º e 364.º

4 - É sempre entregue cópia da gravação ao arguido, ao assistente e ao Ministério Público no prazo de 48 horas, salvo se aqueles expressamente declararem prescindir da entrega, sem prejuízo de qualquer sujeito processual a poder requerer nos termos do n.º 4 do artigo 101.º

5 - Se for aplicada pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura.»

Em causa nesta primeira questão está, em primeira linha, a interpretação que deve ser conferida ao disposto no n.º 5 do citado preceito, mais concretamente ao sentido da expressão se for aplicada pena privativa da liberdade.

A dúvida, e cisão jurisprudencial, decorre da amplitude que deve ser conferida à citada expressão: se, numa visão mais restrita, está em causa apenas a pena privativa da liberdade que venha efectivamente a ser fixada ao condenado, ou seja, quando a pena por que é condenado o arguido é de prisão efectiva, ou se, pelo contrário, se entende que o legislador teve em vista um conceito mais alargado, abarcando a pena principal, primordialmente aplicada, privativa da liberdade, ainda que ao arguido venha a ser fixada, em substituição, pena não privativa da liberdade.

A jurisprudência está verdadeiramente dividida quanto a esta questão.

Em apoio da primeira posição, mais exigente, encontramos, sem prejuízo das mencionadas pelos intervenientes processuais, as seguintes decisões[2]:

Tribunal da Relação de Coimbra, decisão sumária de 06-12-2011 (Proc. n.º 682/11.8GCLRA.C1)

«A suspensão da execução da pena de prisão (pena de substituição) não configura pena privativa de liberdade, para os efeitos previstos no n.º 5, do art.º 389º-A, do C. Proc. Penal, nomeadamente, a necessidade de elaboração da sentença por escrito.»

Tribunal da Relação de Coimbra, acórdão de 07-03-2012 (Proc. n.º 162/11.1PTLRA.C1)

«As alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, quanto à forma escrita da sentença, nos processos sumário e abreviado, visaram tão só a aplicação de penas privativas da liberdade (ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário) - n.º 5, do art.º 389º-A e art.º 391º-F, do C. Proc. Penal - e não as penas aplicadas em sua substituição (não detentivas), como é o caso da suspensão da execução da pena de prisão.»

Tribunal da Relação de Guimarães, acórdão de 08-04-2013 (Proc. n.º 367/12.8GAPTL.G1)

«No julgamento efetuado em processo sumário, só é obrigatória a elaboração da sentença por escrito (art. 389-A nº 5 do CPP), no caso de ser aplicada pena de prisão efetiva. Sendo aplicada uma pena de substituição da prisão, como a suspensão da execução, a sentença pode ser proferida oralmente.»

Tribunal da Relação de Évora, acórdão de 20-10-2015 (Proc. n.º 64/14.0PTSTB.E1)

«Em processo sumário, o Juiz não tem de elaborar sentença por escrito quando não condena em pena efetiva de prisão».

Tribunal da Relação do Porto, acórdão de 25-11-2015 (CJ, XL, V, pág. 195)

«I - Em processo sumário, sendo a pena de prisão, aplicada ao arguido, substituída por pena suspensa, o juiz pode proferir a sentença oralmente.

II - Se a gravação de tal sentença for inaudível, não tendo a Relação acesso a ela, verifica-se uma situação de falta de documentação, cuja consequência é a nulidade da mesma sentença.»

Tribunal da Relação de Coimbra, acórdão de 13-01-2016 (Proc. n.º 158/15.4GBFND.C1)

«O segmento final do n.º 5 do artigo 389.º-A, do CPP - obrigatoriedade legal de redução a escrito da sentença proferida no âmbito de processo sumário - não tem aplicação quando o arguido é condenado em pena de prisão declarada suspensa na sua execução, porquanto a mesma constitui pena de substituição não detentiva.»

Tribunal da Relação de Évora, acórdão de 25-10-2016 (Proc. n.º 10/16.6PATNV.E1)

«No âmbito do processo sumário, só em caso de condenação em pena efetiva de prisão deve o juiz elaborar a sentença (toda a sentença) por escrito, e proceder à sua leitura. Fora disso, só excecionalmente, em caso de complexidade das questões de facto ou de direito em apreciação, deve o juiz proceder do mesmo modo.»

Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão de 31-10-2017 (Proc. n.º 254/17.3PFAMD.L1-5)

«I - A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade é uma pena de substituição (por isso autónoma da pena principal de prisão) e, daí, por definição própria, natureza e modo de execução, uma pena não privativa da liberdade.

II - Tendo arguido, no âmbito de processo especial sumário, sido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão, substituída pela pena de 150 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, inexiste imposição legal de elaboração da sentença por escrito.»

Tribunal da Relação de Évora, acórdão de 28-03-2023 (Proc. n.º 2776/22.5GBABF.E1)

«As razões de política criminal que subjazem à instituição desta forma de processo especial – aplicação à pequena criminalidade e em casos de simplicidade probatória, dada a frescura temporal da prova a considerar em cada caso –devem conduzir a uma interpretação do nº5 do artº 389º-A do C.P.P no sentido de não se desvirtuar o propósito do legislador.

Quer com isto significar-se que o segmento “se for aplicada pena privativa da liberdade” se reporta, não à aplicação de uma pena de prisão, ainda que venha a ser substituída por pena de substituição não detentiva, mas antes à pena criminal, ainda que de substituição, que o condenado em primeira linha, tenha de cumprir. É este o entendimento de P. Pinto de Albuquerque no Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, pág. 1009, em anotação ao art.º 389º-A, quando refere: «… em caso de condenação em pena efetiva de prisão …, o juiz deve elaborar a sentença (toda a sentença!) por escrito e proceder à sua leitura … Excecionalmente, em caso de complexidade, das questões de facto ou de direito sub judice, o juiz deve proceder do mesmo modo».

E é isto também o que resulta do conceito e do modo de execução das penas de substituição, designadamente, da suspensão da execução da prisão e, como é o caso dos autos, da pena de multa, as quais, obviamente, não são penas privativas da liberdade.

Em suma, e para concluir, tendo a Recorrente de acordo com o critério da escolha da pena exercitado na sentença recorrida sido condenada na pena de substituição de multa (em substituição da pena principal de prisão) veio, na verdade, a ser condenada numa pena não privativa de liberdade.

Logo a sentença recorrida observou o disposto no artº 389º - A, nº5 do C.P.P., pelo que não enferma de nulidade.»

Em sentido oposto, e também sem prejuízo de outros indicados pelos intervenientes processuais, podemos compulsar os arestos seguintes[3]:

Tribunal da Relação de Évora, acórdão de 18-11-2014 (Proc. n.º 259/14.6GFSTB.E1)

«I – A pena de multa de substituição não é a pena de multa principal.

II - Face à natureza dessa pena, substitutiva da prisão, impõe-se que, tratando-se de processo sumário, a sentença seja elaborada por escrito no seu todo, e não apenas no seu dispositivo.»

Tribunal da Relação de Évora, acórdão de 19-05-2015 (Proc. n.º 132/14.8GBLGS.E1)

«3 - Consideradas as diferenças de regime entre a pena principal de multa e a pena de multa de substituição, sublinhando o cariz desta última, o legislador não o terá dissociado da exigência de que, ao prever a aplicação de pena privativa da liberdade na excepção consagrada nesse n.º 5 do art. 389.º-A, teve em vista, pelo menos tendencialmente, a aplicação da pena principal e, assim, a aplicada originariamente, ainda que posteriormente substituída.

4 - Por isso, aplicando-se a pena principal de multa e ditando-se a sentença oralmente, em conformidade com o já decidido no acórdão desta Relação de 18.11.2014 (no proc. n.º 259/14.6GFSTB.E1, rel. Proença da Costa) ocorre nulidade da sentença, decorrente da omissão dos requisitos exigidos pelo art. 389.º-A, n.º 1, por força do disposto no art. 379.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código de Processo Penal.»

Tribunal da Relação de Évora, acórdão de 22-09-2015 (Proc. n.º 241/14.3GTSTB.E1)

«I - Deve ser reduzida a escrito a sentença que, em processo sumário, condena em pena de prisão, não obstante substituída por pena de trabalho a favor da comunidade.»

Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão de 24-05-2018 (Proc. n.º 190/16.0SXLSB.L1-9)

«Em processo sumário nos teremos das normas constantes dos n.ºs 1, 2, 3 e 5 do artigo 389º-A do CPP, o juiz tem que elaborar a sentença por escrito e fazer a sua leitura quando aplica ao arguido pena privativa de liberdade ou quando as circunstâncias do caso o tornam necessário, sendo que a pena de prisão suspensa na sua execução não deixa de ser uma pena privativa de liberdade, já que a suspensão pode ser posteriormente revogada, o que implica o cumprimento do tempo de prisão fixado.»

Tribunal da Relação de Évora, acórdão de 13-04-2021 (Proc. n.º 156/20.6GDEVR.E1)

«1 - A pena de prisão suspensa na sua execução não deixa de ser uma pena privativa de liberdade, já que a suspensão pode ser posteriormente revogada, o que implica o cumprimento do tempo de prisão fixado (artigo 56.º, n.º 2, do CP).

2 - Assim, a sentença proferida em processo sumário que aplique a referida pena de prisão suspensa na sua execução, deve ser escrita nos termos do nº 5 do artº 389º-A do C.P.P., sob pena de nulidade da mesma nos termos do artº 379º, nº 1, al. a), do C.P.P., vicío esse que é do conhecimento oficioso como atualmente decorre do disposto no n.º 2 indicado artigo 379.º.»

Tribunal da Relação de Évora, acórdão de 22-11-2022 (Proc. n.º 86/22.7GGSTC.E1)

«I – Parece incontornável que o processo sumário, olhando ao que estipula o artigo 386º, nº 2 do CPPenal, se apresenta como modo de tramitação processual orientado por uma ideia de simplificação, celeridade e prontidão, vigorando a regra da oralidade, a qual, por princípio também se estende à sentença que, podendo ser proferida oralmente, basta-se com a indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para peças processuais, e com exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão.

II – Não obstante, o legislador igualmente determinou que no caso de aplicação de pena privativa da liberdade ou, excecionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, deve elaborar a sentença por escrito e proceder à sua leitura, demanda esta que parece assentar na ideia / necessidade de uma maior robustez / densificação na ponderação, quando estão em causa situações / retratos que podendo ser julgados nesta forma processual, se apresentam com alguma complexidade / especificidade que não se congraça com um pronunciamento verbal da sentença.

III- Assim sendo, legislador ao referir no artigo 389º-A, n.º 5, “pena privativa da liberdade”, não terá descurado o maior rigor e a acrescida ponderação inerentes à opção pela prisão e, como tal, teve em vista, pelo menos tendencialmente, a aplicação da pena principal, originariamente cominada, ainda que posteriormente substituída.

IV – Esta leitura tem ainda em seu abono o apelo a uma melhor concretização das garantias de defesa, tendo em conta os efeitos da pena substitutiva e eventual revogação desta.

V – Com efeito, pese embora a suspensão da execução da pena de prisão conformar uma pena de prisão autónoma relativamente à pena efetiva, entende-se que se justifica / exige / reclama que se proceda à elaboração de sentença escrita e sequente sua leitura, face à possibilidade da mesma vir a ser revogada e, nesse seguimento, executada a prisão originariamente aplicada.

VI – Em presença de tal, não tendo sido reduzida a escrito e sequentemente lida, a decisão propalada, crê-se que a consequência a extrair é considerar que opera a nulidade da sentença, por força da omissão dos requisitos exigidos pelos normativos combinados dos artigos 389º-A, n.º 1 e 379º, n.º 1, alínea a), do CPPenal e, nesse conspecto, há que a anular e ordenar a que seja escrita nova sentença e, nessa sequência, lida.»

Lendo a exposição de motivos da proposta de Lei 12/XI, que esteve na origem do aditamento, através da Lei n.º 26/2010, de 30-08, do art. 389.º-A do CPPenal não retiramos qualquer conteúdo útil, já que, dentro do espírito de promoção da celeridade e simplificação da justiça no âmbito dos processos especiais, apenas se mencionada, tal como o texto legal, que a sentença é escrita apenas nos casos de aplicação de pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o justificarem.

Não obstante, podemos depreender que por detrás desta salvaguarda se encontra a preocupação de que em casos de possibilidade acrescida de afectação real da liberdade dos arguidos haja um redobrado rigor na fundamentação da sentença, garantindo, por um lado, uma apreciação menos ligeira do caso sob julgamento – comparativamente aos processos em que é proferida sentença oral – e, por outro, que, consequentemente, essa argumentação mais estruturada possa ser analisada e rebatida de modo mais consistente pelos visados.

Tendo em perspectiva esse interesse, não temos a menor dúvida de que a posição, mais ampla, perfilhada pelo segundo grupo de arestos indicados, é a que melhor reflecte aquelas finalidades.

É inquestionável que a opção primordial por uma pena privativa da liberdade, ainda que substituída por pena não privativa, é sempre mais gravosa para o condenado, pois pode implicar o cumprimento daquela primeira opção, ou seja, a prisão efectiva, sendo certo que este resultado é um efeito directo daquela opção inicial, que se fundamenta directamente nos factos julgados.

Diferentemente, se a opção primordial é por uma pena não privativa da liberdade, torna-se mais difícil e distante a possibilidade de efectivo cumprimento de prisão, e quando este acontece resulta do comportamento posterior do condenado e não directamente dos factos que levaram à sua condenação – que nunca induziram à aplicação de uma pena privativa da liberdade –, o que também releva para a interpretação da norma.

Não se ignora a autonomia da suspensão da execução da pena de prisão enquanto pena de substituição.

Conforme se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13-04-2021 (Proc. n.º 156/20.6GDEVR.E1), supracitado, «a suspensão da execução da pena de prisão, não obstante o seu caráter autónomo como pena, não institucional e nas suas diversas modalidades (arts. 50.º a 53.º do CP), é uma pena de substituição em sentido próprio, que pressupõe a determinação prévia da pena de prisão, que, à semelhança de outras penas de substituição, radica no movimento político-criminal de luta contra a aplicação de penas privativas da liberdade (Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Noticias, 1993, pág. 91).»

Assim como não se ignora que o acórdão para fixação de jurisprudência n.º 13/2016[4], de 07-07-2016, fixou jurisprudência no sentido de que «[a] condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do art. 17.º da Lei 57/98, de 18-08, com a redacção dada pela Lei 114/2009, de 22-09».

Mas não é despiciendo perceber o diferente contexto e finalidades das normas e, não menos importante, dos vocábulos utilizados.

Enquanto o referido preceito da Lei 57/98, de 18-08, menciona o verbo condenar – os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade – o n.º 5 do art. 389.º-A do CPPenal recorre ao verbo aplicar – se for aplicada pena privativa da liberdade.

Se conjugarmos a finalidade subjacente à redacção deste último preceito – garantir que haja maior rigor na fundamentação da sentença em casos que tendencialmente possam efectivamente afectar a liberdade dos arguidos – à expressa nela ínsita (aplicada pena privativa de liberdade) percebemos que uma interpretação mais ampla do preceito é a que melhor conjuga os referidos factores.

Acompanhando esta posição, refere José Mouraz Lopes[5] que «[n]ão obstante a suspensão da execução da pena de prisão conformar uma pena autónoma em relação à pena de prisão efetiva, justifica-se que a aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução comporte a elaboração de sentença escrita, tendo em conta a possibilidade da mesma puder a vir a ser revogada e, por isso executada a prisão».

Assim, pelas razões expostas, acolhemos e perfilhamos o entendimento de que sendo aplicada uma pena de prisão como opção principal, ainda que substituída, como no caso concreto, por suspensão da execução da prisão, impõe-se a elaboração de sentença escrita[6]

No caso dos autos, apenas se mostra na forma escrita o dispositivo da sentença, que foi consignado em acta, estando em falta tudo o demais que vem enunciado no n.º 1, do art. 389.º-A, do CPPenal.

Como tal, a sentença é nula ao abrigo do disposto no art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPPenal, devendo os autos baixar à 1.ª Instância para elaboração por escrito da sentença em falta, ficando prejudicadas as demais questões.

Deve, pois, ser concedido provimento ao recurso no que respeita a esta primeira questão – nulidade da sentença por falta de forma escrita –, ficando prejudicado o demais.


*

III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA relativamente à arguição da nulidade da sentença por falta de forma escrita, considerando-se prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas, e, em consequência, determinam a elaboração pelo Tribunal a quo da sentença a proferir nestes autos na forma escrita.

Sem tributação (art. 513.º do CPPenal).

Notifique.


Porto, 03 de Julho de 2024
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Maria Joana Grácio
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
____________________
[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Salvo indicação em contrário, todas acessíveis in www.dgsi.pt.
[3] Todas acessíveis in www.dgsi.pt.
[4] Relatado por Francisco Manuel Caetano e publicado no DR·1913, I Série, de 07-10-2016.
[5] In Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, Almedina, Setembro de 2022, anotação ao art. 389.º-A, § 25, pág. 935.
[6] O que não é equivalente à transcrição do que ficou gravado.