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INTERESSE EM AGIR
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
Sumário
I - O interesse em agir dos sujeitos processuais é aferido pela necessidade de os mesmos recorrerem a determinado meio processual para alcançarem uma finalidade que de outro modo lhes estava vedada e não pelo desejo de terem uma decisão que acolha a sua linha de argumentação. II - Se em causa está o reconhecimento, pelo Tribunal a quo, da ilegitimidade activa da demandante, por preterição de litisconsórcio necessário activo – que a mesma aceitou verificar-se –, e a, consequente, absolvição da demandada da instância cível enxertada, o modo adequado a ultrapassar esse obstáculo processual era o recurso à faculdade prevista nos arts. 261.º e 316.º e ss. do CPCivil, suscitando a intervenção principal provocada dos restantes herdeiros, que acabou por ser mais tarde exercida, e não o recurso à impugnação do despacho que aquela ilegitimidade reconheceu. III - A necessidade de recurso à 2.ª Instância só se colocará no momento em que aquele seu requerimento de intervenção principal provocada possa, eventualmente, não ser deferido, pois só nesse momento é que deixa de ter à sua disposição mecanismos para, por si só, corrigir a falha apontada, e reconhecida, quanto à sua legitimidade.
Texto Integral
Proc. n.º 2916/18.9T9VFR-A.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 1
Sumário:
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Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
No âmbito do Processo Comum Singular n.º 2916/18.9T9VFR, a correr termos no Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira, Juiz 1, por despacho de 08-02-2023 foi decidido julgar verificada a excepção da ilegitimidade activa da demandante, AA, por preterição do litisconsórcio necessário activo, por vir desacompanhada e não ter solicitado a intervenção principal de BB, seu irmão e habilitado como herdeiro da falecida assistente, CC, tal como a demandante e DD, e, em consequência, absolver a demandada da instância ao abrigo dos arts. 30.º, 35.º, 278.º, n.º 1, al. d), 576.º, n.º 2 e 577.º, al. e), todos do CPCivil.
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Inconformada com tal decisão, recorreu a demandante civil, solicitando a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por acórdão que determine o convite à recorrente a sanar a ilegitimidade activa patenteada no PIC, apresentando em abono da sua posição as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«1- O despacho recorrido, ao não ter determinado o convite à recorrente para suprir a excepção dilatória verificada de ilegitimidade activa, por preterição do litisconsócio necessário activo, configura uma verdadeira decisão surpresa, por excesso de pronúncia, e, nessa medida, é nulo, nos termos dos artigos 379.º, n.º1, alínea c) do C.P.Penal, 3.º, n.º3, 6.º, n.º2 e 316.º e seguintes do C.P.Civil, aplicáveis ex vi do artigo 4.º do C.P.Penal.
2- Caso assim se não entenda, o que só por mera hipótese de raciocínio se equaciona, deve o mesmo ser revogado e substituido por Acórdão que determine o convite à recorrente a suprir a referida ilegitimidade ativa apresentada pelo P.I.C. pelo chamanento à demanda através do incidente da intervenção principal provocada de BB, para actuar ao seu lado e do seu irmão DD, como sucessores que são de CC, nos termos do artigo 2091.º do C. Civil.
3- O despacho recorrido interpretou e aplicou incorrectamente os artigos 311.º, n.º1 do C.P.Penal, 3.º, n.º3, 6.º, n.º2, 7.º, 261.º, 278.º, n.º3, 1ª parte, e 316.º e seguintes do C.P.Civil, aplicável ex vi do artigo 4.º do C.P.Penal»
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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva procedência e pela alteração da decisão recorrida, sintetizando os seus argumentos nas seguintes conclusões (transcrição):
«- I. O Tribunal “a quo” julgou verificada a exceção de ilegitimidade ativa, por preterição de litisconsórcio necessário ativo, absolvendo a demandada da instância;
II. Porém, deveria ter convidado a demandante\assistente a aperfeiçoar o articulado para chamar à demanda através de incidente de intervenção principal provocada o irmão BB (tal como o fez em relação ao irmão DD) como sucessor de CC, nos termos do disposto nos art.ºs 4º e 311º do C.P.P., art.ºs 6º, n.º 2, 278º, n.º 3, 316º e 590º, n.º 3 do C.P.C. e art.º 2091º do C.C.»
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Neste Tribunal da Relação do Porto, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta considerou que estando em causa um enxerto cível em processo penal não está prevista a emissão de parecer pelo Ministério Público. Contudo, para o caso de assim não se entender, emitiu parecer em sentido convergente à posição do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, defendendo que o recurso merece provimento.
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Notificada nos termos do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, a recorrente não apresentou resposta.
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Por decisão sumária de 21-12-2023, foi decidido «rejeitar o recurso, por irrecorribilidade da decisão cuja alteração o recorrente procura quanto à nulidade processual supramencionada, ao abrigo do disposto nos arts. 414.º, n.ºs 2 e 3, 417.º, n.º 6, al. b), e 420.º, n.º 1, al. b), todos do CPPenal».
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Ainda irresignada, a demandante civil, aqui recorrente e reclamante, apresentou reclamação para a conferência, solicitando o conhecimento em conferência do recurso que interpôs e a respectiva procedência, apresentando em abono da sua pretensão as seguintes conclusões (transcrição):
«A- O recurso interposto pela aqui reclamante em 15 de Março de 2023 não podia ter sido, como foi, rejeitado por não se verificar nenhuma das causas previstas no artigo 414.º, n.º2, norma aplicável por força da remissão expressa feita pelo artigo 420.º, n.º1, alínea b), ambos do C.P.Penal, concretamente, a irrecorribilidade do despacho de 8 de Fevereiro de 2023 e a falta de interesse em agir da reclamante.
B- A douta decisão sumária reclamada ancora a rejeição do recurso da reclamante com fundamento na irrecorribilidade da decisão de primeira instância argumentando que a reclamante invocou uma nulidade processual.
C- Sucede que a reclamante, no seu recurso que interpôs em 15 de Março de 2023 do despacho proferido em 8 de Fevereiro de 2023, não lhe assaca qualquer nulidade processual, assaca-lhe uma nulidade de sentença por excesso de pronúncia – artigo 379.º, n.º1, alínea c) do C.P.Penal e 615.º, n.º1, alínea d) do C.P.Civil, por se tratar de uma decisão surpresa.
D- Assim, a douta decisão sumária alvo da presente reclamação é, simultaneamente, uma decisão nula por excesso de pronúncia, ao conhecer de uma questão que não era objecto das conclusões e motivação de recurso, nem de conhecimento oficioso – a nulidade processual -, e por omissão de pronúncia, por nada dizer sobre a nulidade de sentença que a reclamante assaca ao despacho recorrido proferido em 8 de Fevereiro de 2023 – cfr. artigos 379.º, n.º1 alínea c) do C.P.Penal, 666.º, n.º1 e 615.º, n.º1, alínea d) do C.P.Civil.
Sem prescindir,
E- Ao despacho recorido, designado de decisão surpresa, ao contrário do que referiu a Veneranda Juiza Desembargadora, não foi assacado, no recurso dele interposto, qualquer nulidade processual, repete-se, foi-lhe antes asscado um vício que a essa concreta decisão respeita como acto e que se traduz em ser uma decisão nula por excesso de pronúncia, por o Tribunal conhecer de matéria que, nas condições em que o fez, não podia ainda conhecer, o que nada tem a ver com qualquer nulidade derivada de uma errada tramitação processual.
F- Pelo que a apreciação da questão nulidade do despacho recorrido por excesso de pronúncia e, subsidiriamente, da questão da sua revogação e substituição por Acórdão que determine o convite à ora reclamante para suprir a excepção dilatória de preterição do litisconsócio necessário activo escapam à possibilidade de rejeição do recurso por irrecorribilidade, por estes fundamentos poderem perfeitamente estribar, como estribaram, um recurso interposto em tempo, por quem tinha e tem legitimidade e interesse em agir.
G- Dito isto, considera a reclamante que, apesar de já apresentado em juízo o requerimento de 4 de Maio de 2023, continua a ter interesse no presente recurso.
H- Tal conclusão prende-se com o facto de sobre tal requerimento ainda não haver, estranhamente, como bem diz a Veneranda Juiza Desembargadora na dota decisão sumária, despacho de admissão da intervenção principal provocada dos irmãos da reclamante nele melhor identificados para com ela actuar em litisconsórcio necessário activo no p.i.c deduzido nos autos contra a demandada.
I- A decisão sumária alvo da presente reclamação violou, designadamente, o disposto nos artigos 417.º, n.º6, alínea b), 420.º, n.º1, alínea b), 414.º, n.º2, todos do C.P.Penal, artigo 3.º, n.º3, 4.º, 6.º, n.º2, 7.º, 590.º, n.º2, alínea a) do C.P.Civil, aplicável por força do artigo 4.º do C.P.Penal.»
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Não foram apresentadas respostas.
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Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso.
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II. Apreciando e decidindo:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
As deficiências que a recorrente aponta à decisão sumária não têm de ser conhecidas nesta sede, porquanto, ao reclamar para a conferência, cabe apenas a este Tribunal da Relação, em conferência, conhecer do recurso interposto.
As questões que a recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes:
- Nulidade da decisão recorrida, ao abrigo do disposto nos arts. 379.º, n.º 1, al. c) do CPPenal e 3.º, n.º 3, 6.º, n.º 2, e 316.º e ss. do CPCivil, estes ex vi art. 4.º do CPPenal, por constituir decisão surpresa, por excesso de pronúncia;
- Saber se o Tribunal a quo devia ter-lhe formulado convite para que suprisse a ilegitimidade activa do PIC, pelo chamamento à demanda, através do incidente da intervenção principal provocada, de BB, e se ao não actuar deste modo violou o disposto nos arts. 311.º, n.º 1, do CPPenal e 3.º, n.º 3, 6.º, n.º 2, 7.º, 261.º, 278.º, n.º 3, 1.ª parte, e 316.º e ss., estes do CPCivil.
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Tendo sido proferida decisão sumária, tendo em vista perceber da manutenção ou alteração do ali decidido, importa atender ao respectivo teor na parte que recaiu sobre as pretensões da recorrente e que é o seguinte (transcrição):
«A preterição de uma formalidade processual, falha que a recorrente imputa à decisão recorrida, configura em processo penal a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei e nos restantes casos uma irregularidade (art. 118.º do CPPenal).
Estando em causa um procedimento exclusivamente de natureza cível, no pressuposto de que o mesmo é adequado ao processo penal, questão que nem vamos desenvolver, há que procurar no processo civil o respectivo enquadramento.
Como regra geral, determina o art. 195.º, n.º 1, do CPCivil que fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
No caso em apreço, temos alguma dificuldade em qualificar a omissão identificada como nulidade, posto que a lei não declara expressamente a ausência de procedimentos em conformidade com o art. 6.º, n.º 2, do CPCivil com tal e porque no caso concreto a irregularidade cometida, a ser reconhecida, não prejudica a decisão da causa, posto que a recorrente sempre teria a possibilidade de reparar a ilegitimidade da parte activa do PIC ao suscitar a intervenção principal provocada do irmão BB, nos termos dos arts. 261.º e 316.º, n.º 1, do CPCivil.
Acresce que no começo da sua petição inicial a demandante explica por que razão entende que apenas o irmão DD, e já não BB, deve ser chamado à demanda para a acompanhar como demandante.
Ora, como bem se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-07-2023[2]: «[o]s princípios da cooperação e da gestão processual não obrigam a uma intervenção tutelar, paternalista, assistencial ou correctiva do juiz, nem podem ser interpretados por forma a que deles decorra uma total desresponsabilização da parte que exerceu de forma deficiente os seus direitos e deveres processuais, sob pena de violação do princípio da igualdade previsto no art.º 4.º do CPC.»
E a verdade é que, por requerimento apresentado em juízo a 04-05-2023, a demandante, aqui recorrente, veio precisamente solicitar a intervenção principal provocada dos seus referidos irmãos, a fim de assegurar a legitimidade activa no pedido de indemnização civil deduzido.
Não obstante tal requerimento não ter ainda sido objecto de qualquer despacho – o que se estranha, dado o tempo decorrido desde a sua entrada em juízo e os efeitos que do mesmo previsivelmente decorrem para o presente recurso – impõe-se reconhecer, em alinhamento até com a análise antecedente, que é, no mínimo, discutível o interesse em agir da recorrente ao socorrer-se, num primeiro momento, do recurso para peticionar uma guarida processual que a lei lhe facultava por outros meios, posteriormente accionados, e que, de todo o modo, com este último requerimento se verifica a inutilidade superveniente da presente lide recursiva, posto que a recorrente, de motu proprio, realizou o acto processual – intervenção princípal provocada – que solicitava a este Tribunal de recurso que determinasse o Tribunal a quo a convidá-la a realizar.
Independentemente de poderem operar estas causas de não conhecimento do recurso, impõe-se ainda reconhecer uma outra que conduzirá à sua rejeição.
Com efeito, aceitando-se, por mero exercício teórico, uma abrangência mais ampla do dever de gestão processual e partindo do pressuposto de que estamos, na situação em apreço, perante uma nulidade processual, conforme se classificou no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-10-2019[3], sempre seria de rejeitar o recurso por ausência de atempada arguição de uma tal nulidade.
Na verdade, decorre do art. 149.º do CPCivil, sob a epígrafe “Regra geral sobre o prazo”, que na falta de disposição especial, é de 10 dias o prazo para as partes requererem qualquer ato ou diligência, arguirem nulidades, deduzirem incidentes ou exercerem qualquer outro poder processual.
Na falta de outra disposição legal específica (cf. arts. 186.º a 202.º do CPCivil), a recorrente devia ter arguido a nulidade por omissão de convite para aperfeiçoar a legitimidade activa da sua petição inicial no prazo de 10 (dez) dias a contar da notificação do despacho de 08-02-2023, o que não aconteceu, já que a notificação foi expedida a 16-02-2023 e o presente recurso apenas foi apresentado a 15-03-2023.
Nesta perspectiva menos restrita das possibilidades processuais facultadas à recorrente, o recurso só poderia ser apresentado depois de arguida a nulidade processual mencionada perante a 1.ª Instância e depois de recair sobre essa arguição despacho que não concedesse provimento à pretensão da demandante, constituindo esse despacho o verdadeiro objecto do recurso.
Não foi, pois, tempestivamente, arguida a nulidade processual em causa, nos termos dos arts. 149.º e 199.º do CPCivil.
A igual solução chegaríamos no âmbito das regras próprias do processo penal, tendo em atenção o disposto os arts. 105.º, n.º 1, e 120.ºdo CPPenal.
E mesmo que se entendesse que o despacho recorrido, ainda que indirecta ou implicitamente, dá cobertura à nulidade processual, pressupondo «o acto viciado», transformando a falha processual em questão de mérito, por erro de julgamento, e que «o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso», que foi tempestivamente apresentado, sempre esbarraríamos com a questão da inutilidade superveniente da lide recursiva em face do requerimento de intervenção principal provocada apresentado pela demandante em 04-05-2023 e que vai ao encontro da composição da lide cível enxertada quanto à legitimidade activa propugnada pelo Tribunal a quo.
Em face do exposto, o recurso deve ser rejeitado por omissão indevida de arguição de nulidade processual junto do Tribunal a quo, com a consequente irrecorribilidade do despacho de 08-02-2023 para apreciação dessa específica questão, nos termos dos arts. 414.º, n.ºs 2 e 3, 417.º, n.º 6, al. a), e 420.º, n.º 1, al. b), todos do CPPenal, sendo que sempre seria de julgar extinta a presente instância recursiva por inutilidade superveniente da lide, face à apresentação pela demandante, aqui recorrente, do requerimento de intervenção principal provocada dos demais herdeiros da falecida ofendida para consigo demandarem em conjunto o pedido de indemnização civil enxertado no processo penal.
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Decisão:
Face ao exposto, decide-se: a) - rejeitar o recurso, por irrecorribilidade da decisão cuja alteração o recorrente procura quanto à nulidade processual supramencionada, ao abrigo do disposto nos arts. 414.º, n.ºs 2 e 3, 417.º, n.º 6, al. b), e 420.º, n.º 1, al. b), todos do CPPenal; b) - fixar em 3 UC a taxa de justiça e em igual montante a sanção prevista no n.º 3 do art. 420.º do CPPenal.
Notifique e comunique à 1.ª Instância.»
A análise que consta da decisão recorrida mostra-se correcta, motivo por que se acolhe a mesma na íntegra, embora se entenda que a razão da rejeição do recurso se deve fundamentar em primeira linha na falta de interesse em agir da recorrente, que constitui uma causa formal prévia à configuração das razões da pretensão ali apreciadas.
A este propósito invoca a recorrente que (transcrição):
«34- Com todo o respeito que nos merece a decisão sumária proferida, não a sufragamos e entendemos que a reclamante continua a ter interesse em agir, mesmo depois de ter apresentado a requerimento de 4 de Maio de 2023.
35- O interesse em agir da reclamante só se esfumaria, no seu modesto entendimento, e diga-se, desistia logo do recurso interposto se tal sucedesse, se o Mmº Juiz de 1.ª Instância viesse, na sequência do referido requerimento de intervenção principal provocada, e por despacho, admitir a intervenção dos irmãos da reclamante nele melhor identificados.
36- Não existindo tal despacho, como a douta decisão sumária reclamada dá nota e assim sucede, de facto, o presente recurso, salvo o devido respeito, mantém toda a pertinência e actualidade e a reclamante tem interesse em agir nas concretas questões nele suscitadas.
37- Resumindo, a reclamante tem interesse em que seja admitida a intervenção principal provocada dos seus irmãos identificados no requerimento de 4 de Maio de 2023 para intervir ao seu lado, em litiscorsócio necessário activo no pedido de indemnização civil deduzido contra a arguida EE, assim assegurando a sua legitimidade activa, mas tal decisão, quer por via da apreciação do presente recurso, quer por via de despacho de admissão da citada intervenção principal provocada, a proferir em 1.ª instância, ainda não existe.
38- Por isso, tem interesse em agir no presente recurso e a presente instância recursiva não pode ser extinta porque não existe qualquer inutilidade superveniente.
39- Falece, também, e por isso, salvo o devido respeito que é muito por opinião diversa, este fundamento de rejeição de recurso, invocado pela Veneranda Juiza Desembargadora na douta decisão sumária.»
Porém, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
O que a recorrente pretende é, no fundo, ter duas frentes activas de combate ao despacho recorrido.
Porém, a partir do momento em que ela própria apresentou requerimento de intervenção principal provocada dos demais herdeiros da falecida ofendida para consigo demandarem em conjunto o pedido de indemnização civil enxertado no processo penal, ficou evidente a falta de interesse em agir no âmbito do presente recurso, pressuposto processual que já se encontrava em falta, como também se referiu na decisão recorrida, posto que, antes de procurar revogar a decisão recorrida, podia a recorrente de motu proprio suscitar a intervenção principal provocada dos restantes herdeiros de modo a reparar a ilegitimidade activa, por preterição de litisconsórcio necessário activo identificado no despacho recorrido, como efectivamente acabou por fazer.
Mas mais, repare-se que, no recurso interposto, a demandante civil não contesta que tinha de ter chamado à demanda o herdeiro em falta, pois logo de início explica que «entende, a recorrente que, de facto, e aderindo a teses que posteriormente estudou acerca do tema, tinha (e tem) que ser chamado à demanda, para além do assistente, e de DD (…) também BB (…).
(…)
O seu não chamamento acarreta, de facto, a preterição do litisconsórcio necessário activo, verificando-se a excepção dilatória de ilegitimidade activa.»
Claro que podia, diferentemente, defender que esse chamamento não tinha fundamento legal e aí teria interesse na interposição do recurso objecto desta instância recursiva.
Mas a sua posição foi de acolhimento da deficiência processual detectada, como se constata da própria alegação da recorrente. Como tal, falhou logo de início o pressuposto processual do interesse em agir, pois bastava à demandante civil fazer aquilo que acabou por fazer, requerendo a intervenção principal provocada dos demais herdeiros, seus irmãos, para reparar a falha cometida.
A necessidade de recurso à 2.ª Instância só se colocará no momento em que aquele seu requerimento possa, eventualmente, não ser deferido, pois só nesse momento é que deixa de ter à sua disposição mecanismos para, por si só, corrigir a falha apontada quanto à sua legitimidade.
Ora, como se referiu, a falta de interesse em agir que se verificou logo no momento da interposição do recurso ficou ainda mais evidenciada com a pretensão de intervenção principal provocada apresentada pela aqui recorrente, destinada a reparar a reconhecida (pelo Tribunal a quo e pela recorrente) ilegitimidade activa da demandante civil.
O interesse em agir dos sujeitos processuais é aferido pela necessidade de os mesmos recorrerem a determinado meio processual para alcançarem uma finalidade que de outro modo lhes estava vedada e não pelo desejo de ter uma decisão que acolha a sua linha de argumentação[4].
A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação (art. 2.º, n.º 2, do CPCivil).
No caso em apreço, o modo adequado a ultrapassar o obstáculo colocado pelo reconhecimento da ilegitimidade activa da demandante, que a mesma aceitou, era o recurso à faculdade prevista nos arts. 261.º e 316.º e ss. do CPCivil e não o recurso à impugnação do despacho que aquela ilegitimidade reconheceu.
Como tal, sustentando tudo o que consta da decisão recorrida, impõe-se a sua confirmação, embora a rejeição do recurso se fundamente em primeira linha na falta de interesse em agir da recorrente (art. 401.º, n.º 2, do CPPenal), também esta abarcada pelo disposto nos arts. 414.º, n.ºs 2 e 3, 417.º, n.º 6, al. b), e 420.º, n.º 1, al. b), todos do CPPenal.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em, confirmando a decisão sumária proferida, embora por fundamento diverso, rejeitar o recurso, por falta de interesse em agir da recorrente AA, ao abrigo do disposto nos arts. 401.º, n.º 2, 414.º, n.ºs 2 e 3, 417.º, n.º 6, al. b), e 420.º, n.º 1, al. b), todos do CPPenal.
Custas pela recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça e em 3 UC a sanção prevista no n.º 3 do art. 420.º do CPPenal.
Porto, 03 de Julho de 2024
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Maria Joana Grácio
Paula Natércia Rocha
Donas Botto
_____________________ [1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção. [2] Relatado por Rui Oliveira no âmbito do Proc. n.º 258/11.0TVLSB.L2-8, acessível in www.dgsi.pt, embora em contexto processual diverso. [3] Relatado por Tomé de Carvalho no âmbito do Proc. n.º 153/18.1T8LGS.E1, acessível in www.dgsi.pt, embora também em contexto processual diverso. [4] Cf. o acórdão do TRL de 26-09-2019, relatado por Ana de Azeredo Coelho no âmbito do Proc. n.º 1712/17.5T8BRR-B.L1-6, acessível in www.dgsi.pt, segundo o qual «[o] interesse em agir constitui pressuposto processual autónomo e consiste na necessidade ou utilidade da demanda, considerado o sistema jurídico aplicável às pretensões».