TESTE À ANÁLISE DE SANGUE EM CRIME RODOVIÁRIO
CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
Sumário

- A deteção e a quantificação do álcool respeitante à circulação rodoviária faz-se através de teste no ar expirado. Apenas em caso de impossibilidade de realização desse teste se recorre à análise de sangue. As três tentativas referidas no nº 1 do artigo 4º da Lei n.º 18/2007, de 17.05 pretendem salvaguardar as situações de impossibilidade na realização do exame e não as de resultado insuficiente por conduta deliberada do examinando.
- Não consubstancia um caso de impossibilidade a situação em que o arguido, a quem foi dada a oportunidade de efectuar 8 sopros, não permitiu registar o teor do álcool, tapando a boquilha do aparelho com os lábios, não permitindo a entrada de sopro, a efectuando um sopro curto.
- Integrando esta conduta um crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1 al.a) e artigo 69º nº 1 alínea c) do Código Penal as respectivas penas exigem que se consiga um ponto de equilíbrio, que não beneficie o infractor (relativamente àqueles cuja taxa de alcoolémia é conhecida), mas que também não seja demasiado elevada (pressupondo que a recusa a soprar implica, necessariamente, uma taxa de alcoolémia muito alta).

Texto Integral

Proc. n.º 9/24.9GAMAI.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Criminal da Maia - Juiz 1
Processo Sumário (artº 381º CPP) 9/24.9GAMAI

ACÓRDÃO
I. RELATÓRIO

Por sentença de 16.01.2024 foi decidido condenar o arguido AA, como autor material, pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art.º 348.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, por referência ao art.º 152º, n.º 3, do Código. da Estrada, na pena de 90 dias de multa, à razão diária de € 8,00, num total de € 720,00; b) Condenar, também, o arguido AA ao abrigo do disposto no art.º 69.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, na pena de 5 meses de proibição de conduzir veículos a motor;
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RECURSO DO ARGUIDO.

Não se tendo conformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1. A sentença proferida que considerou como provados os factos da acusação sem que houvesse prova bastante e concreta bem como, a terem-se como provados os factos, a medida da pena principal e acessória é manifestamente desproporcional.
2. A sentença viola o princípio do in dúbio pro reo as normas referentes à determinação da medida da pena aplicada.
3. O Tribunal a quo valorou os depoimentos dos militares, fazendo tabua rasa de tudo o que o Recorrente alegou, mesmo se mostrando um discurso coerente desde início.
4. O Recorrente foi condenado da forma que foi, única e simplesmente devido ao testemunho dos militares que se basearam não no caso concreto, mas no que costuma acontecer em situações idênticas, sendo que o Tribunal a quo procedeu da mesma forma.
5. O odor a álcool sentido na carrinha, antes do Recorrente iniciar a marcha no veículo devia-se a que esta é utilizada para transportar bens essenciais ao funcionamento do estabelecimento, como por exemplo, bebidas alcoólicas; e uma partiu-se dentro da carrinha uma semana antes da situação.
6. O Recorrente referiu, no início da abordagem, e antes de iniciar a sua condução, que estaria com pressa e não tinha tempo a perder, uma vez que teria uma encomenda para entregar e a sua nora estava a entrar em trabalho de parto, pelo que teria de se despachar para a levar ao hospital – factos atestados por testemunhas e documentação.
7. O Recorrente efetuou o teste qualitativo de pesquisa de álcool no sangue 8 (oito) vezes.
8. O Recorrente sempre agiu de boa-fé.
9. O Recorrente nunca efetuou o teste de uma forma incorreta de forma propositada – o que apenas foi considerado provado porque os militares o assim entenderam, dada a experiência que têm de outras situações.
10. Não houve nada que o Recorrente tivesse feito de especial (um riso, uma provocação, uma atitude explícita) que fizesse os militares ter a certeza absoluta que este não estaria a fazer o teste corretamente de forma propositada
11. Os militares da GNR não podem generalizar e ficarem convictos de que sempre que uma pessoa não consegue expelir ar suficiente é porque o fazem intencionalmente.
12. O aparelho utilizado para a realização do teste qualitativo de pesquisa de álcool no sangue foi sempre o mesmo, e a GNR nunca equacionou dar oportunidade ao Recorrente de fazer um teste em aparelho diferente(para aferir se o problema seria do aparelho), sendo que a identificação do mesmo não consta em qualquer parte do processo, pelo que nunca saberemos, e ficará sempre a dúvida, se não seria o aparelho que tivesse uma avaria e se se encontraria nas corretas condições de funcionalidade.
13. O Recorrente estava num estado de nervosismo e ansiedade que não o permitiu expelir ar suficiente à realização do teste.
14. É de senso comum que quando uma pessoa se encontra numa crise de ansiedade tem dificuldades respiratórias, não conseguindo controlar a forma como respira – sendo que a ansiedade pode desencadear hiperventilação, que é uma respiração rápida, superficial e irregular, sem que a pessoa tenha controlo na sua respiração.
15. O Recorrente referiu, mais do que uma vez, que não conseguia soprar de maneira diferente, e que estaria a dar o seu melhor.
16. Impunha-se que a GNR, sabendo que o Recorrente estava nervoso desde o início, tivesse dado a possibilidade de realização da análise ao sangue, após 3 tentativas sucessivas em que este não conseguia expelir ar em quantidade suficiente, conforme ordena o artigo 4.º, n.º 1 da lei 18/2007.
17. Caso uma pessoa não consiga expelir ar suficiente, conclui-se desde logo que esta terá alguma coisa a esconder, isto é, álcool no sangue, e que a conduta é intencional, sendo condenada em crime de desobediência.
18. Perante situações destas, e em muitas outras diferentes, a GNR e, posteriormente, o Tribunal, generaliza.
19. O Recorrente apenas conseguiu efetuar o teste quantitativo, por sinal mais difícil, sem dificuldades porque se encontrava no seu estado normal, sem motivos para estar nervoso/ansioso.
20. A sentença baseou-se em ideias pré-concebidas, com falta de prova de que realmente o Recorrente tenha efetuado o teste erradamente de forma intencional. Há algumas questões que devemos levantar: a) Faria sentido um arguido alcoolizado, já abordado pela GNR e demonstrada a dúvida de que este estaria alcoolizado, e sabendo que estariam metros à frente, iniciar marcha num veículo automóvel na sua direção? b) Faria sentido uma pessoa agir propositadamente de forma a ser condenado por um crime de desobediência (tendo sido disso avisado), e continuar a fazer da mesma forma para evitar a condenação por um crime de condução em estado de embriaguez? c) E por último, faria sentido uma pessoa não aceitar a suspensão provisória do processo, que lhe foi explicado em que é que consistiria, não ficando com registo criminal, e preferir avançar para julgamento sabendo que o normal é não darem credibilidade às palavras do arguido
21. O Recorrente não aceitou a suspensão provisória do processo porque não considerava justo dado que estaria a assumir um crime que não cometeu, ainda que não ficasse com registo criminal.
22. A decisão recorrida padece do vício previsto no artigo 410.º, n.º 2 do CPP – erro notório na apreciação da prova.
23. A decisão ora recorrida padece dos vícios do Art.º 410.º do CPP, erro notório na apreciação da prova e valoração da prova, essencialmente porque foram dados como provados factos que não deviam, tanto que para tal não foi feita prova suficiente
24. O Recorrente agiu sempre de boa-fé, e sem qualquer dolo em toda a sua conduta
25. Ainda que o Recorrente tivesse cometido o crime pelo qual foi condenado, as penas aplicadas (principal e acessória) mostram-se desproporcionais e desajustadas a essa possível conduta.
26. O arguido nunca tinha cometido um crime de idêntica natureza – seria primário.
27. O Tribunal a quo não teve em consideração a situação concreta, e em consequência violou os normativos correspondentes à determinação da medida da pena e os termos do disposto no artigo 71.º do Código Pena
28. Caso não optasse pela absolvição do Recorrente, deveria tê-lo condenado numa pena mais harmoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias acima expostas, de acordo com o disposto no artigo 71.º do Código Penal, que deveria manter-se nos limites mínimos legais, por entender que desta forma se realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a proteção dos bens jurídicos ofendidos.
29. O Recorrente tem muitas dificuldades económicas.
30. A carta de condução é um elemento essencial ao desempenho da atividade do Recorrente, dado que precisa de fazer entregas.
31. O Tribunal a quo não podia aplicar uma pena acima dos valores mínimos, ou seja, mais severa, única e simplesmente porque considera que o crime em causa tem sido cometido em demasia, pois desta forma, tal como defendido supra, generaliza e acaba por punir injustificadamente o arguido, aplicando cegamente uma pena injusta, inapropriada e desajustada.

Por tudo o quanto foi exposto, considera o Recorrente que a sua absolvição total é o único caminho coerente, legal e justo, sob pena de violação do principio “in dubio pro reo”, dado não haver efetivamente prova de que este tenha cometido o crime pelo qual foi condenado, baseando-se a sentença em ideias pré concebidas, sendo que os factos constantes da acusação levados a prova em julgamento em que se suscitaram dúvidas razoáveis, o Tribunal transferiu para o recorrente o odioso da sua prática e responsabilidade e incumprimento quando os devia ter interpretado e aplicado a favor do Recorrente.

Ou, subsidiariamente, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, se o Tribunal a quo tivesse realmente prova bastante e concreta de que o Recorrente tinha cometido o crime em causa, teria sempre de aplicar penas pelos mínimos legais, dadas as circunstâncias, a situação socio económica do arguido, e as finalidades de punição – seria primário.
Requer: a) revogação a decisão recorrida, substituindo-a por outra que absolva o Recorrente do crime de que vem condenado com as demais consequências legais; Ou subsidiariamente, b) Diminuição bastante da pena principal de multa, nos termos do artigo 348.º, n.º 1 al.a) do CP, bem como diminuir a pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis para os mínimos legais de 3 meses, nos termos do artigo 69.º, n.º 1 al.a) do CP, tendo em consideração o art.71.º do CP.
NB: bold da nossa autoria

RESPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Digno Magistrado do MP na 1ª instância veio responder dizendo:
1. AA, arguido nestes autos, não se conformando com a sentença que o condenou pela prática, no dia 03.01.2024, em autoria material, de um crime de desobediência, previsto e punido pelas disposições combinadas do artigo 152º, nº 1, al. a) e nº 3, do Cód. da Estrada e artigo 348º, nº 1. al. a) do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 8,00 (oito euros), o que perfaz o total de € 720,00 (setecentos e vinte euros), e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis, prevista no artº 69º, nº 1, al. a), do Cód. Penal, pelo período de 5 (cinco) meses, veio da mesma interpor recurso.
2. Em resumo, alega que a sentença violou o princípio do in dúbio pro reo, explanado no art. 32º, n.º 2, 1º parte da C.R.P.; a sentença proferida violou o disposto no art. 71º do C. Penal no que se refere à determinação da pena principal e da pena acessória aplicadas, por considerar que tais penas se mostram desproporcionais e desajustadas a essa possível conduta do arguido, sendo que a ser condenado deveria ter sido pelos mínimos legais; a sentença recorrida padece do vicio previsto no art. 410º, n.º 2 do C.P.P. -erro notório na apreciação da prova até porque só foram valorados pelo Tribunal os depoimentos dos militares da GNR e não o do arguido nem das restantes testemunhas, tendo sido dados como provados factos que não o deviam ter sido; e não foi dada a possibilidade do arguido de utilizar um aparelho diferente do utilizado para efetuar o teste de alcoolemia, ou até efetuar um teste de análise ao sangue por não ter expelido ar suficiente para realização de qualquer das tentativas que efetuou.
3. Em nossa opinião, não assiste qualquer razão ao recorrente, entendendo tal recurso apenas por ser um direito de qualquer condenado.
4. In casu, estamos perante um processo sumário, processo de natureza especial que obedece ao preceituado nos artigos 381º a 391º do C.P.P., o qual não obedece aos formalismos do processo comum, cuja sentença foi proferida oralmente em audiência, estando devidamente gravada, constando apenas da Ata da sessão de julgamento, o dispositivo da sentença.
5. Compulsada a sentença proferida verifica-se que, quanto à condenação pelo crime em que o arguido foi condenado, pouco há a acrescentar para além do que consta da motivação da sentença (oralmente proferida e devidamente gravada) sobre a matéria de facto e de direito, uma vez que o Sr. Juiz fundamentou a sua convicção de uma forma clara, concreta e precisa, baseada nos documentos dos autos (nomeadamente o auto de noticia por detenção, o CRC do arguido), no depoimento das testemunhas BB e CC, ambos militares da GNR e ainda no depoimento da testemunha arrolada pelo arguido de seu nome DD, nas declarações do arguido sobre os factos e ainda quanto às suas condições pessoais e económicas foi considerado o declarado pelo mesmo em audiência de julgamento, tudo apreciado à luz das regras da experiência, já que há que ter em conta quer o princípio da livre apreciação da prova de que o julgador dispõe, quer o princípio da imediação que só a audiência de julgamento proporciona.
6. A concreta participação na prática deste crime em que o arguido foi condenado, está bem concretizada e fundamentada na referida sentença, quer a nível da fundamentação de facto, quer a nível da fundamentação de direito, atentos os factos dados como provados, estando também devidamente fundamentado o elenco das várias circunstâncias que relevaram, in casu, para efeitos da escolha e da medida concreta da pena de multa e da pena acessória em que o arguido foi condenado.
7. Foi dada como provada, para além de outros factos relacionados com a ausência de antecedentes criminais do arguido e as suas condições económicas, profissionais e familiares do arguido, toda a matéria de facto, tal como consta na acusação deduzida.
8. No recurso apresentado pelo arguido não só é posta em causa a prática do crime, como também o arguido alega que, caso se entenda que o mesmo tem de ser condenado, a sentença em que foi condenado deverá ser substituída por outra que aplique uma pena de multa pelo mínimo legal, e que a pena acessória seja reduzida também para o mínimo legal de 3 meses de inibição de condução.
9. Analisando o recurso interposto pelo arguido constata-se que o recorrente não transcreveu qualquer excerto dos depoimentos prestados em audiência que possam contradizer as conclusões a que o Tribunal chegou para condenar o arguido.
10. Claro que sempre se diga que só com a audição na integra da prova produzida em julgamento, se pode aferir com clareza dos factos ocorridos.
11. O arguido com o seu recurso, não conseguiu infirmar a prova produzida em julgamento, nem a demais prova junta aos autos que também serviu de suporte à condenação do arguido, pois não alegou factos concretos que lograssem colocar em dúvida a matéria de facto dada como provada, até porque no nosso entender não existem quaisquer factos que ponham em causa a versão dos factos apresentada pelos militares da GNR, cujos depoimentos assumiram importância crucial na formação da convicção do Tribunal.
12. No seu recurso, o arguido teceu considerações sobre o facto de nunca se ter negado a efetuar o teste qualitativo de pesquisa de álcool no sangue, alegando que apenas não o conseguia fazer devido ao seu estado de ansiedade, o que conforme se conclui pela audição das duas testemunhas -militares da GNR - não corresponde à verdade.
13. Aliás, sempre se diga que conforme foi relatado pelos militares da GNR, e devidamente explicado na sentença, apesar das explicações que tais militares deram ao arguido sobre o modo como o mesmo deveria realizar o sopro, e de que a não realização do teste devidamente o faria incorrer a prática de um crime de desobediência, por oito vezes o arguido simulou o sopro ou efetuou um sopro voluntariamente insuficiente.
14. Tal atuação indicia que, pelas razões explanadas por estas testemunhas que disseram que do interior do veículo do arguido e do próprio arguido era possível inspirar um forte cheiro a álcool, o arguido apercebendo-se que caso efetuasse o teste de alcoolemia qualitativo poderia apresentar uma taxa elevada, adotou uma postura não colaborante com o agente autuante.
15. Os factos apurados consubstanciam uma recusa em efetuar o teste de despistagem da taxa de álcool no sangue, que caso acusasse uma taxa crime, confirmada depois no aparelho quantitativo de pesquisa de álcool no sangue, indiciaria a prática de um crime de embriaguez.
16. Recorde-se que o teste de análise ao sangue a efetuar em estabelecimento hospitalar só é admissível em dois casos: no caso de o arguido querer realizar contraprova face ao resultado do teste positivo quantitativo de pesquisa de álcool, ou se o mesmo invocar razões médicas devidamente certificadas que o impeçam de efetuar sopros.
17. In casu, o arguido ainda só estava a ser confrontado com a necessidade de efetuar o teste qualitativo e não quantitativo, e nunca alegou no momento da fiscalização qualquer razão médica que o impedisse de efetuar o sopro no aparelho de medição, nem até à presente data juntou qualquer comprovativo médico que ateste tal impedimento à data dos factos.
18. Atento o teor do depoimento das testemunhas bem como a prova documental entende-se que estão verificados os elementos objetivos e subjetivos da prática do crime de desobediência pelo arguido, pelo que não se vislumbra a existência de qualquer vicio que inquine a apreciação dos factos e da prova efetuada pelo Sr. Juiz, pelo que se entende que não foi violado o princípio do in dúbio pro reo, nem existe erro notório na apreciação da prova, só se podendo concluir que o enquadramento jurídico que o Sr. Juiz fez perante a situação dos autos é correto, pelo que remetemos para a douta decisão proferida e, nesse sentido, decidiu bem o Sr. Juiz ao enquadrar a conduta deste arguido na prática de um crime de desobediência.
19. Não sendo definido o limite mínimo da pena de prisão nemo limite mínimo da pena de multa, nos termos do art. 41º e 47º do C. Penal, é abstratamente aplicável ao arguido uma pena de prisão de 1 mês a 1 ano ou uma pena de multa de 10 a 120 dias.
20. determinação da medida da pena deve operar-se mediante recurso aos critérios gerais constantes do art. 71º do CP, sendo que se entende que in casu ela foi efetuada dentro dos limites definidos pela lei e em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
21. Quanto à escolha da pena (art. 70º do Código Penal) foi dada prevalência a uma pena não privativa da liberdade, pelo facto de esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição no caso concreto, que são, nos termos do disposto no art. 40.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
22. Quanto à determinação da medida da pena, ela foi efetuada dentro dos limites definidos pela lei e em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
23. Na verdade, quanto à medida da pena que foi aplicada no caso concreto deste crime, e de acordo com o disposto no art. 71º do Código Penal, foram ponderadas as circunstâncias que militaram a favor e em desfavor do arguido.
24. Ora, o dolo é direto, o arguido não confessou os factos e apresentou uma versão dos factos que não convenceu de todo o Tribunal.
25. Em favor do arguido foi ponderado o facto de não ter antecedentes criminais registados e de se encontrar inserido familiar e profissionalmente.
26. As necessidades de prevenção geral foram consideradas elevadas face ao número elevado de crimes desta natureza que são praticados com o fim de não serem penalmente acusados da prática de crimes de condução em estado de embriaguez.
27. Assim, in casu, o Sr. Juiz optou pela aplicação de uma pena de multa de 90 dias, tendo ponderado que existe a efetiva necessidade de afastar o arguido da prática de novos crimes.
28. Quanto ao quantitativo diário, sempre se diga que também nenhuma critica pode ser efetuada a tal quantitativo diário de € 8,00, pois tal quantitativo foi fixado tendo em conta a situação económica e financeira do arguido e do seu agregado familiar, bem como os seus encargos pessoais (art. 47º, n.º 2 do C. Penal).
29. Na verdade, quanto ao quantitativo diário para a pena de multa, em conformidade com o art. 47º, nº 2, do Código Penal, que determina que o mínimo legal a aplicar é de € 5,00 e o máximo de € 500,00, manifestamente o quantitativo fixado de € 8,00 é um quantitativo adequado ao caso concreto.
30. Um quantitativo de € 5,00, conforme é requerido, só é aplicável às pessoas indigentes, o que não é o caso do arguido atenta a factualidade dada como provada.
31. Recorde-se que, o crime pelo qual o arguido foi condenado está diretamente relacionado com o crime pelo qual o arguido não queria ser julgado, ou seja, o crime de condução em estado de embriaguez, caso se verificassem os respetivos pressupostos, até porque o agente autuante referiu em audiência de julgamento com clareza e sem sombra para dúvidas, que o arguido, aquando da fiscalização, exalava um forte cheiro a álcool.
32. Nenhuma crítica pode ser efetuada à sentença aqui posta em crise quanto à medida concreta da pena em que foi condenado, uma vez que pelas razões expostas foi tido em conta o disposto nos arts. 70º e 71º, ambos do Código Penal, conforme bem explicado na sentença na parte relativa ao enquadramento jurídico penal e determinação da medida da pena, porque tudo foi efetuado dentro dos limites definidos pela lei e em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo sido ponderadas as circunstâncias que militaram a favor do arguido e em desfavor do mesmo.
33. Assim, quanto à medida da pena principal aplicada ao arguido, considera-se assim que a mesma é justa e adequada, e revela-se equitativa e proporcional às necessidades de prevenção geral e especial que o caso requer.
34. Quanto à medida da pena acessória de inibição de condução, que também é objeto do recurso, entendemos que o arguido não deve ver reduzida a pena acessória de inibição de condução, pois não se compreenderia, atenta toda a postura de arguido quer aquando da fiscalização a que foi submetido, quer recusando-se a colaborar com o agente autuante, quer pela sua postura em audiência de julgamento, que tal punição fosse reduzida para o mínimo legal, antes se entendendo, tal como entendeu o Sr. Juiz, que ponderou a favor do arguido, para além dos de mais factos dados como provados quanto às suas condições pessoais, o facto de o arguido necessitar da carta de condução para a sua atividade profissional e o facto de o arguido está inserido familiar, social e profissionalmente, em condená-lo apenas em 5 meses de inibição de condução de veículos motorizados.
35. O decidido é justo e equitativo.
36. A decisão recorrida não violou qualquer preceito legal ou constitucional, muito menos os alegados pelo arguido, antes tendo efetuado uma correta aplicação do direito aos factos.
37. Nestes termos e face todo o exposto, deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se, na íntegra, a douta sentença recorrida, assim se fazendo inteira.

PARECER

Já nesta Relação, a Ex. Sr.ª Procuradora Geral Adjunta emitiu Parecer:
Em relação ao mérito do recurso, vistos os autos, nomeadamente, a sentença recorrida no que concerne à matéria de facto dada como provada e sua motivação e aos fundamentos das penas concretas aplicadas ao arguido, a motivação do recurso e a argumentação constante da resposta efetuada pelo Ministério Publico, cujas conclusões transcreve, em parte, por com elas estar plenamente de acordo, sou de parecer que o recurso interposto pelo arguido deve ser julgado totalmente improcedente.

Cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP houve resposta ao Parecer.
*
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, nº 3 al. c), do diploma citado.
II. FUNDAMENTAÇÃO
A) DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Como tem sido entendimento unânime, o objecto do recurso e os poderes de cognição do tribunal da Relação definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deve sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (cfr. Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, p. 320; Albuquerque, Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. 2009, pag 1027 e 1122, Santos, Simas, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 2008, p. 103; entre outros os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).

No caso vertente, em face das conclusões do recurso, as questões a apreciar são as seguintes:

Erro na apreciação da matéria de facto.

Desadequação (excessiva) da medida da pena principal e pena acessória.


B) DECISÃO RECORRIDA

Com vista à apreciação das questões supra enunciadas, importa ter presente o seguinte teor da decisão recorrida cuja transcrição foi peticionada:

“No dia 03-01-2024, pelas 13:30 horas, o arguido encontrava-se a exercer a condução do veículo automóvel com matrícula AC-..-UX, na Rua ..., Urbanização ..., na Maia, quando foi sujeito a acção de fiscalização de trânsito, levada a efeito por militares do posto da Guarda Nacional Republicana, da Maia.
Na sequência de tal fiscalização, o militar da G.N.R. BB solicitou ao arguido que se sujeitasse à realização de teste de determinação da quantidade de álcool no sangue. Através de pesquisa no ar expirado.
Não obstante tal solicitação e apesar de ter sido explicado o procedimento correcto de realização do teste, o arguido tomou a resolução de não adoptar tal procedimento, pelo que soprou, ora tapando a boquilha do aparelho com os lábios, não permitindo a entrada de sopro, ora efectuando um sopro curto, com cerca de um segundo de duração, assim impossibilitando o aparelho de registar o teor do álcool.
Não obstante da advertência que lhe foi feita, ao não adoptar o procedimento correcto e que estava ao seu alcance, que tal correspondia ao incumprimento da ordem que lhe havia sido transmitida, pelo que incorreria na prática de um crime de desobediência, o arguido persistiu na referida conduta, tendo efectuado oito sopros sem observância do procedimento adequado, após o que recusou continuar a soprar.
O arguido agiu da forma descrita, de modo livre, voluntário, com plena consciência do teor da ordem que lhe foi transmitida, de que a mesma era legítima, que era emanada de uma autoridade policial com poderes para tal e de que por isso lhe devia obediência e, bem assim, das consequências do desrespeito da mesma. Bem sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou que o arguido não tem antecedentes criminais.
O arguido ia fazer uma entrega de pão quando foi interceptado, no dia 04-01-2024.
Mais se provou que o arguido aufere o ordenado mínimo nacional, estudou até ao 9.º ano de escolaridade, vive com a companheira em casa própria, está a pagar cerca de € 330,00 ao banco, é sócio maioritário da sociedade “A..., Lda.”, facturou no último exercício cerca de € 375000,00, dispense cerca de € 120,00 a € 130,00 por mês em eletricidade, gás e água, a companheira aufere cerca de € 1100,00 e tem um veículo Peugeot, é proprietário do veículo Peugeot ....

Não ficou provado que o arguido não conseguiu efectuar o sopro por estar nervoso, devido à eminência de parto da nora.
Consigna-se que na matéria de facto provada e não provada não foi carreada matéria irrelevante para o objecto do processo, factos conclusivos ou de direito.
Quanto à motivação, o Tribunal sedimentou a sua convicção, relativamente aos factos provados e não provados, na prova testemunhal, em particular, e declarações que foram
apresentadas.
Em primeiro lugar o arguido não escamoteou que efectivamente foi fiscalizado, tendo dado uma versão dos factos no sentido em que estaria nervoso, não conseguiu efectuar o teste por esse motivo, nem adiantado, também não sabendo explicar muito bem porque motivo o teste acabou por ser, não ser conclusivo, mas confirmou que efectuou várias vezes o teste ou tentou efectuar. Esta versão foi completada e contrariada pelos militares da G.N.R., BB e CC, que de uma forma que se nos afigurou espontânea, circunstanciada, calma e credível, por tudo isso, referiram que o arguido já anteriormente a esta situação, no mesmo dia, já tinha apresentado alguma resistência para se identificar, que quando convidado a soprar também aí apresentou alguma resistência, acabando por aceitar fazer o sopro e o teste qualitativo, e que depois, quando foi fazer o sopro, nunca fez o sopro da forma que lhe foi recomendado, de acordo com o procedimento, nomeadamente que o militar BB lhe indicou, ora colocando os lábios em frente á boquilha, de forma a que o ar não entrasse no aparelho, ora fazendo um sopro muito rápido, que não permitia que o aparelho registasse o ar que estava a ser expirado. Isto foi reforçado pelo Senhor BB como sendo um comportamento propositado, de forma a não realizar o teste e que também, nessa parte, foi corroborado Senhora Militar CC, que referiu que o arguido estava claramente a tentar ludibriar o teste que estava a ser feito.
Quanto depoimento do Senhor DD, que aqui, empregado do senhor arguido, referiu que estaria nervoso, foi um depoimento que foi de encontro aquilo que foi referido também pelo arguido, não teria conseguido fazer o teste, apesar de ter tentado, mas efectivamente quem estava em frente ao arguido quando este estava a fazer o teste, era o Senhor Militar BB, que não deixou dúvidas, nesta parte, e não se encontram aqui motivos para que o Senhor Militar BB estivesse, de alguma forma, a inventar uma história só para prejudicar o arguido. Este tipo de teste, aliás, são realizados aos milhares todos os dias e, efectivamente, as pessoas basta soprarem continuamente na boquilha, de uma forma calma, para o sopro e o ar entrarem no aparelho e para que esse aparelho registe o ar expirado.
Aqui, efectivamente, o senhor até poderia de alguma forma estar apressado, estar nervoso, mas nem tudo justifica, nem isso justifica que estivesse nervoso ao ponto de não conseguir obedecer a uma ordem tão simples como expirar ar para dentro de uma boquilha de uma forma contínua, isto é um exercício muito natural ao ser humano, é o exercício de expirar e inspirar, que não se justifica que não tivesse feito por qualquer motivo, ou pelo menos por estes motivos que foram aqui invocados.
Quanto ao facto da sua nora estar em trabalho de parto e, efectivamente, ter de ser transportada para o hospital, aqui também inexistem motivos para que fosse essa a razão, pelo menos com as regras da experiência comum, para que o senhor arguido não conseguisse efectuar o teste por motivos de nervosismo, já que uma pessoa que está em trabalho de parto, no limite, até pode chamar uma ambulância para ir para o hospital, pode contactar um táxi, pode contactar outra pessoa conhecida. Aliás, estando ali o arguido e estando a senhora já entrar em trabalho de parto, menos se explica ainda que não tivesse o arguido feito esse transporte para o hospital, ou levar a sua nora ao seu filho, para que este a levasse ao hospital, em vez de ir fazer uma entrega de pão, que como se comprovou poderia ter sido feita a entrega e foi feita, pelo seu funcionário, o Senhor DD, o que teve de fazer depois do senhor arguido ter sido detido.
Quanto à comunicação da cominação do crime de desobediência, também aqui os
senhores militares forma taxativos em dizer que fizeram essa comunicação, que informaram o arguido de ao não executar o teste de forma correcta que estaria a incorrer em crime de desobediência e o arguido assim manteve essa postura de não fazer o teste da forma adequada, e este é o ponto, até podia estar a fazer o teste da forma desadequada, adequada, desadequada, melhor dizendo, e isso não vale, ou seja, não vale para desobedecer.
Portanto, tudo isto tido em conta, não tem dúvidas o Tribunal ao afirmar e dar como provados os factos da acusação, até porque foram corroborados pelos militares, pelo militar autuante, que efectivamente confirmou a hora e o local dos factos no Auto de Notícia, que aliás, também, quanto a essa hora e local não foram negados pelo arguido.
Quanto aos demais factos, o Tribunal tem em conta, quanto à ausência de antecedentes criminais, o certificado de registo criminal do arguido.
Quanto aos factos que foram alegados na contestação, que se demonstraram como provados, que o arguido ia fazer uma entrega de pão, que no dia 04-01-2024 nasceu um neto do arguido, teve-se em conta a prova documental que foi apresentada com a contestação, quanto a esse nascimento, e quanto à entrega de pão o que foi referido pelo arguido e que foi corroborado, também, pela testemunha DD, que também foi corroborado pelos militares da G.N.R., que disseram que o arguido e o Senhor DD estavam a pegar na carrinha para ir fazer uma entrega, quando foram interceptados.
Quanto aos factos relativos às condições de vida arguido, pessoais, económicas, sociais e familiares, teve-se em conta o que foi aqui referido pelo arguido e mais ainda aqui a pesquisa que foi efectuada na base de dados da Segurança Social, para se aferir do seu ordenado.
Quanto aos factos não provados, que o arguido estaria nervoso o suficiente para não conseguir efectuar o sopro, por estar nervoso devido à eminência do parto da nora, aqui o Tribunal, pelos factos que já referiu, pelos motivos que já referiu, deu este facto como não provado.
Quanto ao enquadramento jurídico penal dos factos provados, o arguido vem acusado de um crime de desobediência, p. e. p. art.º 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, por referência ao art.º 152.º, n.º 3, do Código da Estrada, crime punido também com sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor, nos termo do art.º 69.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal.
Dispõe o art.º 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, que quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples, o que acontece efectivamente com o art.º 152.º, n.º 1, alínea a9, e n.º 3, do Código da Estrada, que diz que devem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas os condutores e que as pessoas referidas na alínea a), ou seja, os condutores, e b), do n.º 1, que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência. Portanto, este é o enquadramento jurídico desta punição, o bem jurídico protegido é a autonomia intencional do Estado, procura-se que não sejam colocados obstáculos à actividade administrativa por parte dos destinatários dos actos. Os elementos constitutivos do tipo legal em análise são a existência de uma ordem em mandado formal, substancialmente legítimos, ou seja, emanados de uma autoridade competente, que seja formalmente comunicada ao agente, pode ser verbal ou documentalmente, neste caso foi verbalmente, comunicação essa que emane, então, da tal autoridade competente, que no caso será a G.N.R., e que exista uma falta de obediência por parte do agente a essa mesma ordem ou mandado e que exista uma disposição legal a cominar uma sanção de punição da desobediência, o que também se verifica.
Também se exige uma actuação dolosa, ou seja, em termos muito simples, uma actuação com conhecimento e vontade de praticar o facto, podendo o dolo revestir qualquer uma das suas modalidades previstas no art.º 14.º do Código Penal, isto é, dolo directo, necessário ou eventual.
No caso, transportando, subsumindo os factos ao direito, dúvidas não há que o arguido praticou este ilícito, uma vez que conforme vem já sendo afirmado em jurisprudência dos nossos tribunais superiores, o agente que não efectue correctamente o teste qualitativo de despiste da álcool no sangue tem um comportamento equivalente ao da recusa de efectuar o teste e, portanto, nesse sentido, o Tribunal considera que o arguido preenche quer os elementos objectivos, quer subjectivos deste ilícito, na modalidade de dolo directo, ou seja, actuou com vontade de não obedecer à ordem emanada, sabendo que o fazia e que desobedecia também a uma lei que para o efeito existe.
Aqui também se tem em conta que o arguido, a autoridade era uma autoridade competente, que ao arguido lhe foi comunicada esta ordem e, portanto, cometeu, na falta de qualquer elemento excludente da culpa e da ilicitude, este ilícito de desobediência simples.
Quanto à escolha e determinação da medida da pena, o crime de desobediência simples é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias. O mínimo de legal da pena de prisão é um mês e o mínimo legal da pena de multa são 10 dias.
Na determinação da pena a aplicar recorre o Tribunal sempre aos critérios fornecidos pela lei, nomeadamente os artigos 40.º, 70.º e 71.º. do Código Penal, devendo optar-se sempre por penas não privativas da liberdade, sempre que estas salvaguardem as necessidades preventivas de protecção dos bens jurídicos e que também se salvaguardem as expectativas da comunidade, com vista ao restabelecimento da paz jurídica após a violação da norma.
Este crime é, como já disse, punido com pena de prisão ou pena de multa.
O arguido não tem antecedentes criminais.
Aparentemente está socialmente integrado, é um empresário, não há aqui outros elementos que joguem contra si na parte da integração social e, portanto, sendo esta uma primeira condenação em processo crime, o Tribunal entende como justo e adequado aplicar-lhe uma pena de multa.
Na medida concreta da pena de multa devem ser consideradas e ponderadas todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo legal de crime convocado deponham a favor ou a desfavor do agente – assim impõe o art.º 71.º, n.º 2, do Código Penal.
No caso, tem-se em conto que o arguido praticou os factos com dolo directo, o que o desfavorece, que repetiu o procedimento de desobediência várias vezes – oito vezes, pelo menos – em que manteve a recusa em soprar correctamente ao balão – o teste qualitativo, para usar o termo menos comum – e que, efectivamente, teve esta postura de ilicitude repetida, o que também agrava aqui o seu comportamento, para efeitos da medida concreta da pena. A seu favor temos que o arguido está integrado socialmente, não tem antecedentes criminais.
Por último, tem que ser ter em conta que este é um crime muito praticado, desobediência. Existe uma certa insensibilidade para a necessidade de realizar os testes e é um crime que recorrentemente aparece nos tribunais, especificamente devido à recusa de efectuar o teste qualitativo.
Tudo isto tido em conta, o Tribunal entende como justo e adequado aplicar ao arguido uma pena de 90 dias de multa, que se fixa a uma taxa diária de € 8,00, o que dá uma quantia de € 720,00 de multa.

Quanto à proibição de conduzir, temos o art.º 69.º. n.º 1, al. c), que nos diz que condenado na proibição de conduzir veículos com motor ou na proibição de pilotar aeronaves com ou sem motor, consoante os casos, por um período fixado entre 3 meses e 3 anos quem for punido, nomeadamente de acordo com a alínea c), por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para deteção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo. Aqui, convocados os mesmos elementos favoráveis e desfavoráveis ao arguido, agora explanados, a ausência de passado criminal e as necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, sendo reduzidas as necessidades de prevenção especial, mas elevadas as necessidades de prevenção geral, justificando-se uma elevação da pena neste tipo de casos, agravando, para diferenciar os casos em que os condutores aceitam voluntariamente sujeitar-se ao teste, isto é, de forma a dissuadir a desobediência, nos termos do disposto no art.º 69.º, n.º 1, al. c), julga-se justo e adequado aplicar aqui ao condenado uma pena de proibição de conduzir veículos a motor por um período de 5 meses.
As custas são a cargo do arguido, nos termos dos artigos 513.º e 514.º do Código Penal, sendo devida taxa de justiça, que no caso se fixa em 1 U.C.”

C) APRECIAÇÃO DA QUESTÃO EM RECURSO.

Do preceituado nos artigos 368.º e 369.º do CPP pela remissão que é feita pelo art. 424º nº 2 CPP, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela ordem seguinte:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pelos vícios enumerados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a que se segue impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art.º 412.º, do mesmo diploma;
Por último, as questões relativas à matéria de Direito.

Citando o AC RE de 09.01.2018 in www.dgsi.pt.” A impugnação da decisão da matéria de facto pode processar-se por uma de duas vias: através da arguição de vício de texto previsto no art. 410º nº 2 do CPP, dispositivo que consagra um sistema de reexame da matéria de facto por via do que se tem designado de revista alargada, ou por via do recurso amplo ou recurso efectivo da matéria de facto, previsto no art. 412º, nºs 3, 4 e 6 do CPP (é esta última norma que o recorrente invoca na sua impugnação).
O sujeito processual que discorda da “decisão de facto” do acórdão pode, assim, optar pela invocação de um erro notório na apreciação da prova, que será o erro evidente e visível, patente no próprio texto da decisão recorrida (os vícios da sentença poderão ser sempre conhecidos oficiosamente e mesmo que o recurso se encontre limitado a matéria de direito, conforme acórdão uniformizador do STJ, de 19.10.95) ou de um erro não notório que a sentença, por si só, não demonstre.
No primeiro caso, a discordância traduz-se na invocação de um vício da sentença ou acórdão e este recurso é considerado como sendo ainda em matéria de direito; no segundo, o recorrente terá de socorrer-se de provas examinadas em audiência, que deverá então especificar.
Na verdade, impõe o art. 412º, nº3 do CPP que quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto por via do recurso amplo o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da tomada na sentença e/ou as que deviam ser renovadas. Esta especificação deve fazer-se por referência ao consignado na acta, indicando-se concretamente as passagens em que se funda a impugnação (art. 412º, nº4 do CPP). Na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações, bastará “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente,” de acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em 08.03.2012 (AFJ nº 3/2012).
O incumprimento das formalidades impostas pelo art. 412º, nºs 3 e 4, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por esta via ampla. Mais do que uma penalização decorrente do incumprimento de um ónus, trata-se de uma real impossibilidade de conhecimento decorrente da deficiente interposição do recurso.”
Saliente-se, contudo, que o recurso da matéria fáctica dada como assente consubstanciando um duplo grau de jurisdição nesse âmbito não significa no nosso sistema recursivo que se proceda a um segundo julgamento com a nova valoração dos depoimentos prestados. O recurso visa a decisão em concreto e não o julgamento.
Deste modo, a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação só é possível em dois planos distintos. O primeiro tem por objectivo aferir da existência dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, vícios que têm que resultar do texto da decisão recorrida, por si só conjugadamente com as regras da experiência comum, sem recurso a elementos externos. Trata-se da verificação de erros de julgamento que se infiram do próprio texto da decisão, cujo conhecimento aliás é de conhecimento oficioso, independentemente de haver ou não recurso da matéria de facto. Um segundo plano existe no qual é possível “atacar” os factos dados como provados, procurando convencer o Tribunal da Relação a modificar a matéria de facto, pressupondo naturalmente uma reapreciação dos elementos probatórios, fundamento que tem por base o tal erro na apreciação da prova, determinativo de erro judiciário. Em tal vertente, porém, a lei exige na alínea b) do nº 3 do artigo 412º que sejam apresentadas “prova que imponha decisão diversa da recorrida”.
Ou seja, neste segundo plano, a reapreciação da prova está contida dentro dos limites impostos pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, que mais não constitui do que um ónus de especificação que impende sobre cada um dos recorrentes, sob pena de, não o fazendo, o respectivo recurso fica inviabilizado. “

Nos presentes autos, não obstante o recorrente ter impugnado a prova, não cumpriu, de forma alguma, as exigências do citado artigo 412º nº 3 do CPP, pelo que está este tribunal de recurso impedido de seguir o caminho da impugnação ampla da matéria de facto.

Centremo-nos nos vícios do nº 2 do artigo 410º do CPP. Retomando o Acórdão da Relação de Évora que vínhamos a citar, “(…) Os vícios do n.º 2 do artigo 410º do CPP, todos eles relativos ao julgamento da matéria de facto, têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
– Quanto ao vício previsto pela al. a) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, o mesmo só ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão se concluir faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição. Trata-se da formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada.
– Quanto ao vício previsto pela al. b) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, verifica-se contradição insanável – a que não possa ser ultrapassada ainda que com recurso ao contexto da decisão no seu todo ou às regras da experiência comum – da fundamentação – quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios, e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, quando a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão.
– Quanto ao vício previsto pela al. c) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, o mesmo verifica-se quando, partindo do texto da decisão recorrida, a matéria de facto considerada provada e não provada pelo tribunal a quo, atenta, de forma notória, evidente ou manifesta, contra as regras da experiência comum, avaliadas de acordo com o padrão do homem médio. É um vício intrínseco da sentença, isto é, que há-de resultar do texto da decisão recorrida, de tal forma que, lendo-o, logo o cidadão comum se dê conta que os fundamentos são contraditórios entre si, ou com a decisão tomada.
(…)”
Podemos afastar, sem dúvidas, a existência do vício previsto nas alíneas a) e b) do citado nº 2 do artigo 410º do CPP.
– Quanto ao vício previsto pela al. c) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, o mesmo verifica-se quando, partindo do texto da decisão recorrida, a matéria de facto considerada provada e não provada pelo tribunal a quo, atenta, de forma notória, evidente ou manifesta, contra as regras da experiência comum, avaliadas de acordo com o padrão do homem médio. É um vício intrínseco da sentença, isto é, que há-de resultar do texto da decisão recorrida, de tal forma que, lendo-o, logo o cidadão comum se dê conta que os fundamentos são contraditórios entre si, ou com a decisão tomada.
Vejamos.
Lê-se na decisão:
Na sequência de fiscalização estradal, o militar da G.N.R. BB solicitou ao arguido que se sujeitasse à realização de teste de determinação da quantidade de álcool no sangue, através de pesquisa no ar expirado.
Não obstante tal solicitação e apesar de ter sido explicado o procedimento correcto de realização do teste, o arguido tomou a resolução de não adoptar tal procedimento, pelo que soprou, ora tapando a boquilha do aparelho com os lábios, não permitindo a entrada de sopro, ora efectuando um sopro curto, com cerca de um segundo de duração, assim impossibilitando o aparelho de registar o teor do álcool.
Não obstante da advertência que lhe foi feita, ao não adoptar o procedimento correcto e que estava ao seu alcance, que tal correspondia ao incumprimento da ordem que lhe havia sido transmitida, pelo que incorreria na prática de um crime de desobediência, o arguido persistiu na referida conduta, tendo efectuado oito sopros sem observância do procedimento adequado, após o que recusou continuar a soprar.
Lendo esta parte da decisão, desde logo se nos ressalta um facto.
O arguido efectuou 8 sopros. Efectuou 8 sopros depois de advertido de que não estava a adoptar um procedimento correcto e que incorreria na prática de um crime de desobediência.
O Sr. Juiz, na motivação da decisão de facto e de direito diz o seguinte: “(…) militares da G.N.R., BB e CC, que de uma forma que se nos afigurou espontânea, circunstanciada, calma e credível, por tudo isso, referiram que o arguido já anteriormente a esta situação, no mesmo dia, já tinha apresentado alguma resistência para se identificar, que quando convidado a soprar também aí apresentou alguma resistência, acabando por aceitar fazer o sopro e o teste qualitativo, e que depois, quando foi fazer o sopro, nunca fez o sopro da forma que lhe foi recomendado, de acordo com o procedimento, nomeadamente que o militar BB lhe indicou, ora colocando os lábios em frente á boquilha, de forma a que o ar não entrasse no aparelho, ora fazendo um sopro muito rápido, que não permitia que o aparelho registasse o ar que estava a ser expirado. Isto foi reforçado pelo Senhor BB como sendo um comportamento propositado, de forma a não realizar o teste e que também, nessa parte, foi corroborado Senhora Militar CC, que referiu que o arguido estava claramente a tentar ludibriar o teste que estava a ser feito.” (…) No caso, transportando, subsumindo os factos ao direito, dúvidas não há que o arguido praticou este ilícito, uma vez que conforme vem já sendo afirmado em jurisprudência dos nossos tribunais superiores, o agente que não efectue correctamente o teste qualitativo de despiste da álcool no sangue tem um comportamento equivalente ao da recusa de efectuar o teste e, portanto, nesse sentido, o Tribunal considera que o arguido preenche quer os elementos objectivos, quer subjectivos deste ilícito, na modalidade de dolo directo, ou seja, actuou com vontade de não obedecer à ordem emanada, sabendo que o fazia e que desobedecia também a uma lei que para o efeito existe.”

Existe jurisprudência relativa ao tema, pese embora as situações serem, somente, semelhantes.
Assim, ver Acórdão da Relação de Lisboa de 21.03.2024 tirado no processo 1327/23.9PSLSB.L1-9 onde se pode ler “a impossibilidade física de o examinando conseguir expelir ar suficiente nada tem a ver com a situação em que o mesmo, deliberadamente, não expele ar suficiente, como sucedeu no caso vertente. Ora, o que resulta da matéria de facto provada não é qualquer impossibilidade física do arguido, mas sim que este, nas três tentativas que efetuou, não quis, propositadamente, expirar ar suficiente para a realização do teste, impossibilitando, assim, a quantificação da taxa de álcool que apresentava (cf. pontos 4º a 6º, dessa factualidade). Pelo exposto, a não exalação voluntária de ar suficiente para a verificação da presença, ou não, de álcool no sangue, não pode deixar de ser equiparada a “recusa” para efeitos de preenchimento dos elementos objetivos do tipo legal do crime de desobediência, na medida em que quer a impossibilidade de realização do teste de pesquisa de álcool resulte da recusa pura em simples do examinando, quer se deva à não expiração, deliberada, de ar suficiente para a realização do exame, são idênticos o desvalor da ação e o resultado conseguido (a impossibilidade de realização do teste). Como, a este respeito, foi decidido no acórdão da Relação do Porto de 20-01-2010 [15], «Verifica-se a recusa à efetivação do teste de deteção de álcool sempre que o agente assume comportamentos de onde em termos lógicos e em termos de homem médio se poderá extrair que o mesmo está a boicotar o teste quantitativo». A lei prevê detalhadamente o modo como pode fazer-se a demonstração da alcoolemia e do seu grau, no âmbito do direito estradal. O modus de obtenção da taxa de alcoolemia para o processo traduz-se, pois, numa atividade vinculada e subtraída ao critério livre da autoridade policial ou judiciária. O arguido praticou o crime de desobediência pois inviabilizou a realização do teste quantitativo para deteção de álcool no sangue ao ter efetuado, deliberadamente, três sopros quase inexistentes que não permitiram a quantificação da taxa de alcoolemia, apesar de ter sido, várias vezes, advertido de que incorreria num crime de desobediência se não efetuasse o teste quantitativo corretamente. Os militares da GNR deram, dessa forma, estrito cumprimento ao estabelecido no Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas.”

Neste Acórdão o arguido havia efectuado um primeiro teste de pesquisa de álcool no sangue através do método de ar expirado, ao qual o mesmo acedeu, tendo apresentado uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 2,54g/l. Já nas instalações da Divisão de Trânsito da PSP, a fim de ser submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, o arguido efectuou várias tentativas, contudo, todas elas com resultado “amostra incorrecta”. Aí foi ordenado ao arguido que realizasse de forma correcta o teste em analisador quantitativo, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência, tendo o mesmo recusado realizar qualquer outro teste.

Acórdão da Relação de Évora de 25.05.2004, tirado no processo 2706/03-1 onde se lê “1. Quando o arguido, ao submeter-se ao exame de pesquisa de álcool em analisador quantitativo, faz de propósito para boicotar esse exame, soprando fraco ou de forma deficiente, consuma a prática do crime de desobediência p. e p. pelo art.º 348.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, com referência ao art.º 158.º, n.º 3, do Código da Estrada, não havendo nestes casos lugar ao procedimento da análise de sangue para detecção do estado de influenciado pelo álcool a que se referem os art.º 159.º, n.º 7, do Código da Estrada, e 4.º, n.º 2, do Decreto Regulamentar n.º 2/94, de 30-10. 2. O art.º 159.º, n.º 7, do Código da Estrada, destina-se a prever as situações em que não é possível a realização da pesquisa no ar expirado. Ora, em casos como o acima referido, o exame era possível; o arguido é que não o quis fazer. 3. Por seu lado, o art.º 4.º, n.º 2, do Decreto Regulamentar n.º 2/94, ao referir-se aos casos em que, após três tentativas sucessivas, o examinando demonstre não expelir ar em quantidade suficiente, deve ser entendido no sentido de o examinando demonstrar que não consegue expelir ar em quantidade suficiente. Ora, em casos como o acima referido, o arguido conseguir consegue, ele é que não quer.”

Acórdão da Relação do Porto de 04.11.2020, tirado no processo 69/20.1GBAND.P1 onde se escreve “I – A regra é a de que a deteção e a quantificação do álcool respeitante à circulação rodoviária se fazem através de teste no ar expirado, e apenas em caso de impossibilidade de realização desse teste é de efetuar análise de sangue. II - Comete o crime de desobediência o condutor a quem tiver sido transmitida uma ordem da autoridade de fiscalização rodoviária para se submeter a prova de deteção de álcool e se recusa a tal, não sendo necessário que essa ordem seja acompanhada de cominação da prática de crime de desobediência caso não seja cumprida. III - A não exalação voluntária de ar suficiente para a verificação da existência, ou não, de álcool no sangue não pode deixar de ser equiparada a “recusa” formal de realização do teste, para efeitos de preenchimento dos elementos objetivos do tipo legal do crime de desobediência; com efeito, a referida “recusa” ocorre não apenas quando o arguido o declara de forma expressa, mas também quando assume comportamentos de onde, em termos lógicos e em termos de homem médio, se poderá extrair que o mesmo está a boicotar, e nessa medida recusar, o teste. (Como é salientado no acórdão do TRP de 15/1/2020 (Vítor Morgado, in www.dgsi.pt), o regime jurídico da fiscalização da condução rodoviária sob o efeito do álcool encontra-se previsto nos artigos 152º a 158º do Código da Estrada, na Lei nº 18/2007, de 17/05, que aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob a Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, e na Portaria nº 902-B/2007, de 13/04. Da concatenação dos referidos normativos, resulta que tal fiscalização está submetida a um conjunto de formas de proceder previamente determinado, estando-se em presença, pois, de prova vinculada. E de tal forma o é que a recusa em se submeter às provas aí estabelecidas é punida com o crime de desobediência (cfr. artigo 152º, nº 1, alíneas a) e b), e nº 3, do Código da Estrada).
Assim, o artigo 1º do Regulamento aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17/05, estipula que a presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo; a quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue; a análise de sangue apenas é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.
Por sua vez, o nº 8 do artigo 153º do Código da Estrada delimita esta última hipótese, referindo que “Se não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou, se esta não for possível por razões médicas, deve ser realizado exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool”.
Este padrão mantém-se em caso de acidente de viação sempre que o estado de saúde de quem deva ser submetido ao exame o permita. Só quando não for possível a realização do exame no ar expirado pelas entidades policiais competentes é que o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita de amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influência pelo álcool (cfr. artigo 156º do Código da Estrada).
Com efeito, o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito (nº 1 do artigo 153º do Código da Estrada). Por isso, comete o crime de desobediência o condutor a quem tiver sido transmitida uma ordem da autoridade de fiscalização rodoviária para se submeter a prova de deteção de álcool e se recusa a tal, não sendo necessário que aquela ordem seja acompanhada de cominação da prática de crime de desobediência, caso não seja cumprida. (…) A equiparação da não exalação voluntária de ar suficiente para a verificação da existência, ou não, de álcool no sangue à recusa na realização desse teste, para efeitos de preenchimento do crime de desobediência por que o arguido foi condenado, justifica-se plenamente porque o resultado é sempre o mesmo: a impossibilidade de verificação de tal facto resultante quer da recusa pura e simples quer da não exalação, voluntária, de ar suficiente para a realização do exame. Caso contrário estaria encontrada a fórmula para contornar a lei. Bastaria para tanto que toda e qualquer pessoa que fosse submetida ao teste quantitativo não exalasse ar suficiente, independentemente de qualquer impossibilidade de ordem física, para que não houvesse condenações pelo crime de condução sob o efeito do álcool ou pelo crime de desobediência. Pelo crime de condução sob o efeito do álcool, porque não apurada a taxa de alcoolemia; pelo crime de desobediência, por inexistência de uma recusa formal. Considerando que o arguido cometeu o crime de desobediência que lhe foi imputado, por ser equiparável à recusa na realização do teste de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado a sua deficiente execução, de modo deliberado, por forma a obstar à obtenção de um resultado conclusivo [11], nenhuma censura merece a decisão recorrida, improcedendo totalmente o presente recurso.”

Dispõe a Lei n.º 18/2007, de 17.05:
Art.º 4º:
“1 – Quando, após três tentativas sucessivas, o examinando não conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo, ou quando as condições físicas em que se encontra não lhe permitam a realização daquele teste, é realizada análise de sangue.
2 – Nos casos referidos no número anterior, sempre que se mostre necessário, o agente da entidade fiscalizadora assegura o transporte do indivíduo ao estabelecimento da rede pública de saúde mais próximo para que lhe seja colhida uma amostra de sangue.
3 – A colheita referida no número anterior é sempre realizada nos estabelecimentos da rede pública de saúde que constem de lista a divulgar pelas administrações regionais de saúde ou, no caso das Regiões Autónomas, pelo respectivo Governo Regional.”
Art.º 7º:
“1 –Para efeitos do disposto no n.º 8 do art.º 153º e n.º 3 do art.º 156º do Código da Estrada, considera-se não ser possível a realização de exame de pesquisa de álcool no sangue quando, após repetidas tentativas, não se lograr retirar ao examinando uma amostra de sangue em quantidade suficiente.

Tem sido interpretado pela jurisprudência, e bem, dizemos nós, que as três tentativas referidas no nº 1 do artigo 4º da lei supra referida, pretendem salvaguardar as situações de impossibilidade na realização do exame e não situações de resultado insuficiente por conduta deliberada do examinando.
A destrinça entre as duas situações é efectuada pelos agentes que estão a efectuar a fiscalização, que depois é avaliada pelo julgador em sede de audiência.
A realização de 8 sopros insuficientes ultrapassa os foros de normalidade e, por esse motivo, para uma segurança na destrinça entre impossibilidade ou conduta deliberada, podia pensar-se que essa avaliação não devia ser deixada aos Sr Agentes da autoridade, mas deve submeter-se o examinado a teste com colheita de amostra de sangue.
Lendo a motivação do Sr. Juiz conclui-se que o mesmo não ficou com qualquer dúvida. Deu inteira credibilidade ao depoimento dos SR. Agentes e considerou como inverosímil a versão dada pelo arguido para o sopro insuficiente, por 8 vezes.
Deste modo, não temos motivo para colocar em crise a convicção que o julgador formou em função da prova que foi produzida na sua presença.

QUANTO ÀS PENAS PRINCIPAL E ACESSÓRIA
Pode ler-se na decisão em crise que: “Quanto à escolha e determinação da medida da pena, o crime de desobediência simples é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias. O mínimo de legal da pena de prisão é um mês e o mínimo legal da pena de multa são 10 dias.
Na determinação da pena a aplicar recorre o Tribunal sempre aos critérios fornecidos pela lei, nomeadamente os artigos 40.º, 70.º e 71.º. do Código Penal, devendo optar-se sempre por penas não privativas da liberdade, sempre que estas salvaguardem as necessidades preventivas de protecção dos bens jurídicos e que também se salvaguardem as expectativas da comunidade, com vista ao restabelecimento da paz jurídica após a violação da norma.
Este crime é, como já disse, punido com pena de prisão ou pena de multa.
O arguido não tem antecedentes criminais.
Aparentemente está socialmente integrado, é um empresário, não há aqui outros elementos que joguem contra si na parte da integração social e, portanto, sendo esta uma primeira condenação em processo crime, o Tribunal entende como justo e adequado aplicar-lhe uma pena de multa.
Na medida concreta da pena de multa devem ser consideradas e ponderadas todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo legal de crime convocado deponham a favor ou a desfavor do agente – assim impõe o art.º 71.º, n.º 2, do Código Penal.
No caso, tem-se em conto que o arguido praticou os factos com dolo directo, o que o desfavorece, que repetiu o procedimento de desobediência várias vezes – oito vezes, pelo menos – em que manteve a recusa em soprar correctamente ao balão – o teste qualitativo, para usar o termo menos comum – e que, efectivamente, teve esta postura de ilicitude repetida, o que também agrava aqui o seu comportamento, para efeitos da medida concreta da pena. A seu favor temos que o arguido está integrado socialmente, não tem antecedentes criminais.

Por último, tem que ser ter em conta que este é um crime muito praticado, desobediência. Existe uma certa insensibilidade para a necessidade de realizar os testes e é um crime que recorrentemente aparece nos tribunais, especificamente devido à recusa de efectuar o teste qualitativo.
Tudo isto tido em conta, o Tribunal entende como justo e adequado aplicar ao arguido uma pena de 90 dias de multa, que se fixa a uma taxa diária de € 8,00, o que dá uma quantia de € 720,00 de multa.
Quanto à proibição de conduzir, temos o art.º 69.º. n.º 1, al. c), que nos diz que condenado na proibição de conduzir veículos com motor ou na proibição de pilotar aeronaves com ou sem motor, consoante os casos, por um período fixado entre 3 meses e 3 anos quem for punido, nomeadamente de acordo com a alínea c), por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para deteção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.
Aqui, convocados os mesmos elementos favoráveis e desfavoráveis ao arguido, agora explanados, a ausência de passado criminal e as necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, sendo reduzidas as necessidades de prevenção especial, mas elevadas as necessidades de prevenção geral, justificando-se uma elevação da pena neste tipo de casos, agravando, para diferenciar os casos em que os condutores aceitam voluntariamente sujeitar-se ao teste, isto é, de forma a dissuadir a desobediência, nos termos do disposto no art.º 69.º, n.º 1, al. c), julga-se justo e adequado aplicar aqui ao condenado uma pena de proibição de conduzir veículos a motor por um período de 5 meses.”
NB: sublinhado nosso.

O recorrente pretende – “a diminuição bastante da pena principal de multa, nos termos do artigo 348.º, n.º 1 al.a) do CP, bem como diminuir a pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis para os mínimos legais de 3 meses, nos termos do artigo 69.º, n.º 1 al. a) do CP, tendo em consideração o art.71.º do CP.”

Vejamos.
A moldura legal do crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1 al.a) do CP situa-se entre pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
O tribunal optou por pena de multa.
O arguido não tem antecedentes criminais.
Está socialmente integrado, é um empresário.
Praticou os factos com dolo directo, o que o desfavorece, que repetiu o procedimento de desobediência várias vezes – oito vezes.
A postura de ilicitude foi repetida.
As exigências de prevenção geral são elevadas porquanto existe uma certa insensibilidade para a necessidade de realizar os testes.

Tendo em conta os elementos acabados de referir, o Tribunal aplicou ao arguido uma pena de 90 dias de multa, que se fixa a uma taxa diária de € 8,00, o que dá uma quantia de € 720,00 de multa.

O tribunal fixou a pena de multa acima do meio da moldura penal e justificou o motivo pelo qual o fez.
Entende este tribunal de recurso que a pena é justa e adequada e revela-se equitativa e proporcional às necessidades de prevenção geral e especial que o caso requer, partindo dos elementos que depunham a favor e contra o arguido.

O quantitativo diário, que o arguido não contestou, teve por base os seguintes factos: que o arguido aufere o ordenado mínimo nacional, vive com a companheira em casa própria, está a pagar cerca de € 330,00 ao banco, é sócio maioritário da sociedade “A..., Lda.”, facturou no último exercício cerca de € 375000,00, despede cerca de € 120,00 a € 130,00 por mês em electricidade, gás e água, a companheira aufere cerca de € 1100,00 e tem um veículo Peugeot, é proprietário do veículo Peugeot ....

Quanto à pena acessória

Disse o Sr. Juiz que “quanto à proibição de conduzir, temos o art.º 69.º. n.º 1, al. c), que nos diz que condenado na proibição de conduzir veículos com motor ou na proibição de pilotar aeronaves com ou sem motor, consoante os casos, por um período fixado entre 3 meses e 3 anos quem for punido, nomeadamente de acordo com a alínea c), por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para deteção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo. Aqui, convocados os mesmos elementos favoráveis e desfavoráveis ao arguido, agora explanados, a ausência de passado criminal e as necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, sendo reduzidas as necessidades de prevenção especial, mas elevadas as necessidades de prevenção geral, justificando-se uma elevação da pena neste tipo de casos, agravando, para diferenciar os casos em que os condutores aceitam voluntariamente sujeitar-se ao teste, isto é, de forma a dissuadir a desobediência, nos termos do disposto no art.º 69.º, n.º 1, al. c), julga-se justo e adequado aplicar aqui ao condenado uma pena de proibição de conduzir veículos a motor por um período de 5 meses.”

Esta posição do Sr. Juiz tem apoio na jurisprudência.
Veja-se, a título de exemplo, o Acórdão da Relação de Évora de 08-06-2021, tirado no processo 81/20.0GGSTC.E1: “I – No crime de desobediência p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 1, al. a) e 69.º, n.º 1 alínea c) do Código Penal e 152.º, n.º 3 do Código da Estrada, quanto à determinação da pena acessória respetiva, importa assegurar um equilíbrio (complexo) entre as circunstâncias (conhecidas) previstas no art.º 71.º, n.º 2 do CP, ou seja, as circunstâncias que devem ser levadas em conta para a determinação da medida da pena (principal e acessória, como vimos supra) e a circunstância desconhecida da taxa de alcoolemia (TA) que o agente tinha quando evidenciou a conduta desobediente (mantendo-a, dolosamente, desconhecida). II – Importa encontrar um ponto de equilíbrio entre a possibilidade de, sobrevalorizando as circunstâncias conhecidas atenuantes, desvalorizar a possibilidade de compensar o agente relativamente a uma TA que o mesmo sabe ser elevada (ou mesmo elevadíssima) e, por outro lado, seguindo o percurso inverso, sancionar o agente de forma desproporcionada precisamente atento o desconhecimento da TA.”
Este tribunal de recurso concorda com o raciocínio expendido pelo Sr. Juiz no que toca à fixação, em 5 meses, da pena acessória.
Deste modo, improcede o recurso, na íntegra.
III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas pelo arguido - art. 513º nº 1 CPP

Porto, 10 de Julho de 2024
(Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos)
Por expressa opção da relatora, não se segue o Acordo Ortográfico de 1990.
Raquel Lima
Nuno Pires Salpico
Paula Guerreiro