RECLAMAÇÃO
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
INSOLVÊNCIA
ALTERAÇÃO DA SEDE
CITAÇÃO
MOMENTO DE FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA
Sumário

1) Sobre a competência territorial do Tribunal em ação na qual se visa a declaração de insolvência da requerida, o artigo 7.º, n.ºs 1 e 2 do CIRE, prescreve que:
“1 - É competente para o processo de insolvência o tribunal da sede ou do domicílio do devedor ou do autor da herança à data da morte, consoante os casos.
2 - É igualmente competente o tribunal do lugar em que o devedor tenha o centro dos seus principais interesses, entendendo-se por tal aquele em que ele os administre, de forma habitual e cognoscível por terceiros (…)”.
2. Conforme resulta da expressão “É igualmente competente”, ínsita no n.º 2 do artigo 7.º do CIRE, os critérios determinativos da competência estabelecidos no n.º 1 e no n.º 2 do referido preceito legal têm natureza alternativa, sem alguma relação de subordinação entre ambos.
3. Não havendo qualquer hierarquia em função dos diversos elementos de conexão, a escolha do tribunal cabe, livremente, ao autor.
4. A alteração superveniente da sede da requerida – aliada à circunstância de, entre a instauração da ação e a efetivação da citação, o processo ter estado suspenso, nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do CIRE – irreleva para efeitos de determinação da competência territorial do Tribunal.
5. É que, conforme se dispõe no n.º 1 do  artigo 38.º - com a epígrafe “Fixação da competência” – da Lei de Organização do Sistema Judiciário (abreviadamente, LOSJ, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto), “a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei”.
6. E, tendo em conta o disposto no artigo 259.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 17.º, n.º 1, do CIRE, a ação considera-se proposta, intentada ou pendente, logo que a respetiva petição se considere apresentada em juízo, o que sucedeu em 2019.
7. A referida proposição da ação determina que as modificações de facto – como a alteração da sede da requerida – irrelevem, designadamente, para efeito de aferição da competência territorial do Tribunal.
8. Assim, mostra-se ajustada, a conclusão, retirada pelo tribunal reclamado, no sentido de que o tribunal territorialmente competente para a apreciação do litígio é aquele onde os autos foram instaurados, ou seja, o Juízo do Comércio de Sintra.

Texto Integral

I. Considerando o que se documenta dos autos, mostra-se apurado o seguinte:
1) Por petição inicial apresentada em juízo em 01-04-2019, “A” veio requerer a declaração de insolvência de Elevolution – Engenharia, S.A.
2) Por despacho de 03-04-2019 foi declarada suspensa a instância, em conformidade com o disposto no artigo 8.º, n.º 2, do CIRE.
3) Por despacho de 20-02-2024 foi declarada cessada a suspensão da instância e determinada a citação da requerida para, querendo, deduzir oposição no prazo de 10 dias – art.º 30.º, n.º 1, do CIRE.
4) Em 03-05-2024, a requerida apresentou contestação, na qual deduziu, nomeadamente, a exceção de incompetência territorial do Tribunal onde os autos foram distribuídos (Juízo do Comércio de Sintra – Juiz “X”).
5) Em 11-05-2024 foi proferido despacho onde, nomeadamente, se lê o seguinte:                                                      
“Considerando a natureza das exceções invocadas na contestação apresentada nos autos, afigura-se-nos que se justifica proporcionar ao requerente o exercício do contraditório por escrito e não apenas no início da audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final, como estabelece o n.º 4, do art.º 3.º, do Código de Processo Civil. Assim sendo, ao abrigo dos poderes/deveres do juiz de gestão processual e de adequação formal, conforme art.ºs 6.º, n.º 1 e 547.º, do Código de Processo Civil, decido facultar ao requerente o direito à réplica para resposta às exceções invocadas na contestação, mais concretamente as exceções de incompetência territorial, ineptidão da petição inicial e do uso inapropriado de meio processual para cobrança de dívida.
Notifique”.
6) O requerente pronunciou-se, conforme requerimento apresentado em juízo em 24-05-2024.
7) Em 24-05-2024 foi proferido despacho onde, nomeadamente, se lê o seguinte:
“Para a realização da audiência de discussão e julgamento a que alude o artigo 35.º, n.º 1, do CIRE, designo o próximo dia 6 de junho de 2024, pelas 10.00 horas.
Notifique o requerente, a requerida e os administradores desta identificados na respetiva certidão permanente, para comparecerem pessoalmente ou para se fazerem representar por quem tenha poderes para transigir, com as advertências a que alude o artigo 35.º, n.ºs 2 e 3, do CIRE e, ainda, com a menção de que as testemunhas são a apresentar nos termos previstos no art.º 25.º, n.º 2, do CIRE.”.
8) Notificada do referido despacho, a requerida veio apresentar reclamação, nomeadamente, nos seguintes termos:
“ELEVOLUTION – ENGENHARIA, S.A. (…), tendo invocado a excepção dilatória de incompetência territorial em sede de Oposição à Insolvência que foi contra si requerida, e tendo em consideração que nada foi decidido por V. Exa. no douto despacho que admitiu a Oposição relativamente a tal matéria, nem no vosso douto despacho com marcação de julgamento, seguindo assim a Instância para audiência nesse douto Tribunal, vem, mui respeitosamente, Apresentar RECLAMAÇÃO, com subida imediata, com efeito suspensivo conforme dispõe o art.º 105.º, n.º 4, do CPC, aplicável por via do art.º 17.º, do CIRE”.
9) Em 05-06-2024 foi proferido despacho onde, nomeadamente, se lê o seguinte:
“R/ de 04/06/2024
A requerida ELEVOLUTION - ENGENHARIA, S.A., veio, ao abrigo do art.º 105.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, apresentar reclamação pelo facto de o tribunal ter agendado a audiência de julgamento sem antes se declarar territorialmente incompetente para o julgamento da causa e remeter os autos ao tribunal competente para o efeito, em face da alteração da sua sede para o Montijo na pendência da causa.
Por manifesta desnecessidade, não carece de fazer observar o contraditório (art.º 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Apreciando:
Dispõe o art.º 105.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, que «[d]a decisão que aprecie a competência cabe reclamação, com efeito suspensivo, para o presidente da Relação respetiva, o qual decide definitivamente a questão».
Sucede que no caso dos autos não foi, ainda, proferida qualquer decisão que tivesse apreciado a competência territorial deste tribunal, tendo a signatária se limitado a dar cumprimento ao disposto no art.º 35.º, n.º 1, do CIRE, designando a data da audiência de julgamento depois de finda a fase dos articulados, para, no início da mesma, proferir despacho saneador (e aí conhecer as exceções invocadas), fixar o objeto do litígio e enunciar os temas da prova, ao abrigo do n.º 5, do mesmo normativo.
Ou seja, a reclamação em apreço é extemporânea por indevida antecipação uma vez que na data em que foi apresentada inexistia, ainda, a decisão a que alude o art.º 105.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
Por essa razão, não se admite a reclamação em apreço.
Custas do incidente a cargo da Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (art.º 539.º n.º 1, do Código de Processo Civil e art.º 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais e tabela II anexa).
Notifique.
*
* Ao abrigo dos poderes/deveres do juiz de gestão processual e de adequação formal, conforme art.ºs 6.º, n.º 1 e 547.º, do Código de Processo Civil, iremos proferir de imediato decisão sobre a exceção de incompetência territorial suscitada pela Requerida em sede de oposição:
Incompetência territorial
No seu articulado de oposição, veio a Requerida arguir a incompetência deste tribunal em razão do território, alegando, para o efeito, que na data da sua citação a sua sede social já não se situava no concelho da Amadora, mas sim no Montijo, pelo que, no seu entender, o tribunal competente para dirimir o litígio é o de Comércio do Barreiro.
O Requerente exerceu o contraditório, pronunciando-se pela improcedência da referida exceção.
Com relevo para a decisão a proferir são relevantes os seguintes factos:
i. A presente ação deu entrada em juízo no dia 01/04/2019.
ii. Nessa data, a morada da sede da Requerida então indicada e constante da respetiva certidão do registo comercial, situava-se na Av. (…), Alfragide, Amadora.
iii. A instância foi suspensa em 03/04/2019, nos termos do art.º 8.º, n.º 2, do CIRE.
iv. Pela Ap. 93/20200602 foi inscrita, no registo comercial da Requerida, a alteração da morada da respetiva sede para Rua (…) Montijo, 2870-252 Montijo.
v. A citação da Requerida ocorreu em 18/04/2024, na morada referida no ponto anterior.
Apreciando:
Estabelece o artigo 7.º, n.ºs 1 e 2 do CIRE, que:
«1 - É competente para o processo de insolvência o tribunal da sede ou do domicílio do devedor ou do autor da herança à data da morte, consoante os casos.
2 - É igualmente competente o tribunal do lugar em que o devedor tenha o centro dos seus principais interesses, entendendo-se por tal aquele em que ele os administre, de forma habitual e cognoscível por terceiros.»
Atento o estabelecido nos n.ºs 1 e 2 referidos, poder-se-ia questionar se existe alguma hierarquia entre os dois critérios ali previstos para a determinação do tribunal territorialmente competente.
Certo é, no entanto, que a lei não nos dá nenhuma indicação sobre a existência de alguma hierarquia, pelo que qualquer um dos critérios determinativos da competência é válido e a escolha de algum deles compete ao requerente da insolvência.
Ora, na data em que a presente ação foi proposta – 01/04/2019 - a sede da Requerida situava-se na Avenida (…), Alfragide, Amadora.
O mesmo é dizer que, naquela data, o tribunal competente para conhecer da ação proposta era o Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste – Juízos do Comércio de Sintra.
É certo que na data de citação a sede da Requerida já situava se na Rua (…), no Montijo.
No entanto, essa alteração superveniente do local da sede da Requerida é irrelevante pois não é a citação que determina a competência territorial do Tribunal, mas sim o momento em que a ação é proposta. É o que resulta de forma muito clara do art.º 38.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, segundo o qual «[a] competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.»
A não ser assim como bem se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/10/2013, no processo 330/12.9TBCMN.G1, disponível em www.dgsi.pt, estaria aberto o caminho à possibilidade de uma sociedade, requerida em processo de insolvência, poder alterar continuamente a competência territorial do tribunal através da alteração da sua sede e assim protelar o normal andamento da ação.
Por todo o exposto, julgo improcedente a exceção de incompetência territorial arguida pela Requerida e julgo competente para conhecer da presente ação de insolvência este Juízo do Comércio de Sintra, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste.
Notifique.
*
Com a prolação da presente decisão, assiste à Requerida o direito de dela reclamar ao abrigo do art.º 105.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, o que se antevê venha a fazer em face da posição por ela já assumida nestes autos (r/ de 04/06/2024) e noutros (por exemplo, no processo n.º 3685/19.0T8SNT, que correu termos no Juízo do Comércio de Sintra – Juiz 4).
Posto isto, e atendendo a que a aludida reclamação, a ser deduzida, terá efeito suspensivo, decido:
- dar sem efeito a audiência de julgamento designada para o dia de amanhã, por forma a evitar deslocações inúteis a este tribunal pelas partes, mandatários e testemunhas;
- determinar que os autos aguardem pelo trânsito em julgado da decisão proferida supra que julgou improcedente a exceção de incompetência territorial arguida pela Requerida.
Notifique e desconvoque.”.
10) Notificada do referido despacho, em 11-06-2024, a requerida veio apresentar reclamação, nos termos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, do CPC, concluindo o seguinte:
“A. O Tribunal a quo julgou improcedente a exceção arguida, em sede de Oposição, de incompetência territorial do Tribunal.
B. Tal exceção de incompetência aduzida pela requerida tem por fundamento o facto de, na data da citação desta, a respetiva sede social já se não encontrar em Alfragide, concelho da Amadora, no que resulta que a comarca territorialmente competente para o conhecimento de ação de insolvência contra si intentada não é a do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo de Comércio de Sintra, mas sim do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Comércio do Barreiro.
C. O requerimento inicial dos presentes autos deu entrada em 01 de Abril de 2019, tendo sido a presente instância sido suspensa. Nessa data, a sede da requerida situava-se efetivamente em Alfragide.
D. Por registo datado de 02 de Junho de 2020, a requerida alterou a respetiva sede social para a Rua (…) no Montijo.
E. A citação da requerida ocorreu em 18 de Abril de 2024, na morada da sua nova sede.
F. Andou mal o douto Tribunal a quo quando, perante esta evidência de alteração de morada, assim como perante a exceção de incompetência territorial que foi arguida pela requerida, em sede de Oposição, não se declarar territorialmente incompetente para o julgamento da causa, e não remeter os autos ao Tribunal competente para o efeito, ainda que o pudesse fazer, ao abrigo dos poderes de gestão dos autos, conforme previstos pelo artigo 6º do CPC.
G. Fundamenta o douto Tribunal a sua decisão na aplicação dos artigos 7º, nºs 1 e 2 do CIRE, assim como do artigo 38º, nº 1 da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ), porquanto os primeiros incumbem a escolha do tribunal competente ao Requerente, atendendo à sede ou ao lugar em que o devedor tenha o centro dos seus principais interesses, e o segundo fixa a competência da ação no momento em que é proposta.
H. Enquanto que a previsão do artigo 7º, nºs 1 e 2 do CIRE fica frustrada com esta decisão, pois, afinal, o tribunal que irá julgar a ação não é o da sede da Requerida, deveria ainda o douto Tribunal a quo ter interpretado o artigo 38º da LOSJ lato sensu, com a devida parcimónia, na medida em que a mesma está a ser aplicada ao caso concreto omisso na lei, na medida em que a mudança de sede da Requerida ocorre entre a propositura da ação e a citação, tendo decorrido entre estes dois momentos processuais, um hiato de mais de cinco anos, quando a norma em causa, geral, está prevista ser aplicada em situações em que a prática judicial demora alguns dias, até um máximo previsível de trinta dias (artigo 226º do CPC).
I. Assim impõe as regras de interpretação das normas previstas pelo artigo 9º do Código Civil
J. Concretamente, na exegese destas normas, em particular, do artigo 38º da LOSJ, deverá atender-se, assim, ao escopo das normas ora em causa, as quais, pela sua génese, são gerais e abstratas: (i) por um lado, o artigo 7º do CIRE tem como propósito claro e evidente de proximidade dos autos à sede ou centro de atividade do devedor, e, nessa medida, é deixada a escolha ao credor que toma a iniciativa do processo da competência territorial do Tribunal; (ii) por outro lado, o artigo 38º da LOSJ tem como evidente propósito assegurar a segurança e estabilidade da instância, encontrando-se parametrizado em ações cujo decurso é normalizado em distribuições judiciais e citações quase imediatas.
K. No caso concreto, fruto da atipicidade que este processo adquiriu pelo hiato que decorreu entre a propositura da ação e a citação da Requerida, o douto Tribunal a quo, no uso dos seus poderes de gestão processual previstos no artigo 6º do CPC, poderia e deveria ter interpretado a norma em causa – artigo 38º da LOSJ – com a devida ponderação e extensividade, servindo sempre a finalidade de segurança jurídica que a mesma pretende assegurar.
L. Andou, assim, mal, o Tribunal a quo, que mantém retido um processo que tem consciência de que já não é territorialmente competente para julgar, desde a data da citação da Requerida.
Termos em que se requer a V. Exa. se digne revogar a douta decisão, declarando que o tribunal territorialmente competente para conhecer dos presentes autos é o Juízo de Comércio do Barreiro do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.
11) Por despacho de 08-07-2024, a reclamação apresentada foi mandada prosseguir, nos termos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, do CPC.
*
II. A requerida (ora reclamante) reclama – ao abrigo do disposto no artigo 105.º, n.º 4, do CPC - da decisão que julgou improcedente a exceção de incompetência territorial invocada, acolhendo a competência do Juízo do Comércio de Sintra para conhecer da presente ação de insolvência, Tribunal onde os autos ingressaram, considerando que o tribunal territorialmente competente para conhecer dos presentes autos é o Juízo de Comércio do Barreiro (sendo que, a requerida alterou a sua sede para o Montijo, município integrado na competência deste Juízo – cfr., mapa III anexo ao ROFTJ, aprovado pelo D.L. n.º 49/2014, de 27 de março).
Dispõe o nº. 4 do artigo 105.º do CPC – preceito integrado na secção intitulada “Incompetência relativa” - que, da decisão que aprecie a competência cabe reclamação, com efeito suspensivo, para o presidente da Relação respetiva, o qual decide definitivamente a questão.
Trata-se de um mecanismo expedito de resolução de conflitos sobre incompetência relativa.
A decisão que afirma ou que negue a competência relativa de um Tribunal é passível de impugnação.
Contudo, “em lugar de a sujeitar ao recurso de apelação previsto no art. 644.º (cujo n.º 2, al. b), apenas abarca as decisões sobre competência absoluta), o CPC de 2013 prevê a reclamação dirigida ao Presidente da Relação, à semelhança do que está previsto para a resolução de conflitos de competência. Para além da maior rapidez associada a este instrumento de impugnação, colhem-se do novo regime benefícios potenciados quer pela uniformidade de critério relativamente à resolução de questões idênticas, quer pela definitividade do que for decidido” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 148).
Conforme salientam os mesmos Autores (ob. cit., p. 149), o que for decidido pelo Presidente do Tribunal da Relação “resolve definitivamente a questão, sendo vedado ao tribunal para onde for remetido o processo recusar a competência que lhe tenha sido atribuída ou endossa-la a um terceiro tribunal, com ou sem invocação de outro fundamento (…)”.
*
III. Conhecendo:
A infração das regras de competência fundadas na divisão judicial do território determina a incompetência relativa do tribunal.
Os critérios territoriais de determinação da competência determinam em que circunscrição territorial deve a ação ser instaurada.
O critério geral nesta matéria é o de que o autor deve demandar, em regra, no tribunal do domicílio do réu (regra semelhante consta, relativamente a pessoas coletivas e sociedades). Contudo, a lei prevê casos em que esse critério geral é afastado por regras especiais.
Assim, sempre que alguma das regras especiais for aplicável à situação em causa, o critério geral não terá aplicação, sendo antes aplicável a regra especial.
Como refere Miguel Teixeira de Sousa (A competência declarativa dos tribunais comuns; 1994, Lex, p. 83) “os critérios especiais determinam a competência territorial em função de um nexo entre o tribunal e o objecto da causa ou as partes da acção”.
No presente caso, conforme decorre da petição inicial, a presente ação destina-se a obter a insolvência da requerida.
De acordo com o disposto no artigo 1.º, n.º 1, do CIRE, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
“Não oferece dúvidas a classificação do processo de insolvência como um processo especial. Os processos especiais são formas de processo especialmente concebidas e vocacionadas para a declaração ou realização de alguns direitos em particular. O processo de insolvência é um processo especialmente concebido para a tutela dos direitos do devedor, dos credores e de outros sujeitos na situação de insolvência do primeiro” (cfr., Catarina Serra; Direito da Insolvência, Mestrado em Direito Forense e Arbitragem, Faculdade de Direito – Universidade Nova de Lisboa, 2018-2019, pp. 10-11).
Sobre a competência territorial do Tribunal, o artigo 7.º, n.ºs 1 e 2 do CIRE, prescreve que:
“1 - É competente para o processo de insolvência o tribunal da sede ou do domicílio do devedor ou do autor da herança à data da morte, consoante os casos.
2 - É igualmente competente o tribunal do lugar em que o devedor tenha o centro dos seus principais interesses, entendendo-se por tal aquele em que ele os administre, de forma habitual e cognoscível por terceiros (…)”.
*
IV. Entende a reclamante que o Juízo do Comércio do Barreiro é o competente para a apreciação do presente processo, uma vez que (muito embora a ação tenha dado entrada no Juízo do Comércio de Sintra), na data da sua citação, a respetiva sede social já não se encontrava em Alfragide, localidade do município da Amadora (integrado na competência do Juízo de Comércio de Sintra- cfr. Mapa III, anexo ao ROFTJ), mas no Montijo (município na área da competência do Juízo de Comércio do Barreiro – cfr. o referido Mapa III), local onde a requerida foi citada em 18-04-2024.
O Tribunal reclamado desatendeu a procedência da exceção de incompetência territorial invocada pela requerida na contestação por si apresentada, nos termos e com os fundamentos já aludidos.
Considera a requerida, nomeadamente, que “a previsão do artigo 7º, nºs 1 e 2 do CIRE fica frustrada com esta decisão, pois, afinal, o tribunal que irá julgar a ação não é o da sede da Requerida, deveria ainda o douto Tribunal a quo ter interpretado o artigo 38º da LOSJ lato sensu, com a devida parcimónia, na medida em que a mesma está a ser aplicada ao caso concreto omisso na lei, na medida em que a mudança de sede da Requerida ocorre entre a propositura da ação e a citação, tendo decorrido entre estes dois momentos processuais, um hiato de mais de cinco anos, quando a norma em causa, geral, está prevista ser aplicada em situações em que a prática judicial demora alguns dias, até um máximo previsível de trinta dias (artigo 226º do CPC)”.
Não tem, todavia, razão a reclamante.
Mostra-se inequívoco que a presente ação deu entrada em juízo em 01-04-2019 e que, na data em que teve lugar a citação, a sede da requerida se situava no Montijo, local onde a mesma, aliás, foi citada.
Ora, conforme decorre, desde logo, da expressão “É igualmente competente”, ínsita no n.º 2 do artigo 7.º do CIRE, os critérios determinativos da competência estabelecidos no n.º 1 e no n.º 2 do referido preceito legal têm natureza alternativa, sem alguma relação de subordinação entre ambos.
“Não havendo qualquer hierarquia em função dos diversos elementos de conexão, a escolha do tribunal cabe, livremente, ao autor” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-09-2023, Pº 148/23.3T8GVA-A.C1, rel. HELENA MELO; e Decisão sumária do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-03-2013, Pº 484/13.7TJCBR-A.C1, rel. TELES PEREIRA).
E, ao invés do pugnado pela requerida, a alteração superveniente da sede da requerida – aliada à circunstância de, entre a instauração da ação e a efetivação da citação, o processo ter estado suspenso, nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do CIRE – irreleva para efeitos de determinação da competência territorial do Tribunal.
É que, conforme se dispõe no n.º 1 do  artigo 38.º - com a epígrafe “Fixação da competência” – da Lei de Organização do Sistema Judiciário (abreviadamente, LOSJ, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto), “a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei”.
E, tendo em conta o disposto no artigo 259.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 17.º, n.º 1, do CIRE, a ação considera-se proposta, intentada ou pendente, logo que a respetiva petição se considere apresentada em juízo, o que sucedeu em 2019.
A referida proposição da ação determina que as modificações de facto – como a alteração da sede da requerida – irrelevem, designadamente, para efeito de aferição da competência territorial do Tribunal.
Isso mesmo foi claramente afirmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-10-2013 (Pº 330/12.9TBCMN.G1, rel. ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA, aliás, aludido na decisão reclamada):
“1) Para efeitos de fixação da competência territorial a que se refere o artigo 7º do CIRE, compete ao autor ou requerente da insolvência escolher um dos dois critérios fixadores da competência, para se definir qual o tribunal territorialmente competente para a ação;
2) Optando o autor ou requerente, pelo critério da sede ou do domicílio do devedor, para efeitos de fixar a competência do tribunal e tendo havido alteração do local da sede da sociedade, o local a atender terá de ser aquele que se achar inscrito no Registo Comercial, à data em que a ação for intentada”.
Conforme se lê na fundamentação deste aresto (considerações que são de acolher para a situação dos autos em apreço, semelhante à apreciada por tal decisão):
“(…) Do exposto resulta que, para efeitos de fixação da competência territorial a que se refere o artigo 7º do CIRE, compete ao autor ou requerente da insolvência escolher um dos dois critérios fixadores da competência, para se definir qual o tribunal territorialmente competente para a ação.
Por outro lado, optando o autor ou requerente, pelo critério da sede ou do domicílio do devedor, para efeitos de fixar a competência do tribunal e tendo havido alteração do local da sede da sociedade, o local a atender terá de ser aquele que se achar inscrito no Registo Comercial, à data em que a ação for intentada – e não à data de outro qualquer facto, nomeadamente, a da citação da requerida –, independentemente de, posteriormente a essa data, ter ocorrido a mudança do local da sede da sociedade.
A não ser assim e a seguir-se a tese do tribunal a quo, suportado pela posição da recorrida, estaria aberto o caminho à possibilidade de uma requerida-sociedade, poder alterar continuamente a competência territorial do tribunal.
Bastaria para tanto, depois de proposta a ação de insolvência, a requerida mudar a sede e registar tal alteração e vir invocar a incompetência territorial e, declarada esta incompetência, alterar novamente a sede e registar a alteração e, quando fosse proposta a ação no tribunal declarado territorialmente competente, vir a requerida invocar novamente a incompetência territorial e protelar o normal andamento da ação (…)”.
Assim, mostra-se ajustada, a conclusão, retirada pelo tribunal reclamado, no sentido de que o tribunal territorialmente competente para a apreciação do litígio é aquele onde os autos foram instaurados, ou seja, o Juízo do Comércio de Sintra.
A reclamação deduzida pela requerida, soçobrará.
*
III. Pelo exposto, indefere-se a reclamação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, do CPC.
Custas pela reclamante.
Notifique.
Baixem os autos.

Lisboa, 11-07-2024,
(Vice-Presidente, com poderes delegados – cfr. Despacho 2577/2024, de 16-02-2024, D.R., 2.ª Série, n.º 51/2024, de 12 de março).