Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
EXECUÇÃO
DECISÃO HOMOLOGATÓRIA
PLANO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
SENTENÇA CONDENATÓRIA
Sumário
Na comarca dos Açores, inexistindo juízo de comércio e juízo de execução, a execução de decisão homologatória de plano especial de revitalização é da competência do juízo onde tal decisão foi proferida, em conformidade com o disposto no artigo 85.º, n.º 1, do CPC, pelo que, no caso, tendo o processo de revitalização corrido termos no Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo, aí correrá termos a respetiva execução, em conformidade com o que resulta da conjugação do disposto nos artigos 80.º, 81.º, n.º 1, 117.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, 128.º, n.º 1, al. a) e n.º 3, 129.º e 130.º, n.ºs. 1 e 2, als. c) e f) da LOSJ, ponderando ainda o disposto no artigo 66.º do ROFTJ.
Texto Integral
I.
1. Por requerimento apresentado em juízo em 28-09-2023, “A”- Sociedade Unipessoal. Lda. veio deduzir execução para pagamento de quantia certa, contra Caixa Geral de Depósitos, S.A., constando do referido requerimento, nomeadamente, escrito o seguinte: “(…) Finalidade: Execução nos próprios autos Tribunal Competente: Vila Franca do Campo - Tribunal Judicial da Comarca dos Açores Especie: Exec Sentença próprios autos (Ag. Exec) s/ Desp Liminar Valor da Execução: 158 582,61 € (Cento e Cinquenta e Oito Mil Quinhentos e Oitenta e Dois Euros e Sessenta e Um Cêntimos) Nº Processo: (…)/13.6TBVFC Vila Franca do Campo Juízo de Competência Genérica Finalidade da Execução: Pagamento de Quantia Certa - Dívida civil [Cível (Local)] Título Executivo: Decisão judicial condenatória Factos: A - DO ENQUADRAMENTO 1 - A “A”, S.A; antes denominada de (…), Sociedade Unipessoal, Lda.(…)) é uma sociedade anónima, com sede (…), Vila Franca do Campo, S. Miguel Açores, sob o n.º único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva (…) e com o capital social de €(…). 2 - A Exequente desenvolvia a sua atividade no setor da promoção imobiliária, compra e venda e e exploração de bens imobiliários. 3 – A “A” inseria-se no grupo societário encabeçado pela sociedade comercial Construções (…) Lda, representando esta o terceiro maior grupo económico da Região Autónoma dos Açores no setor da construção civil, para além de ser a entidade que providenciara mais emprego no Concelho de Vila Franca do Campo, por mais de 25 anos. 4 - Atendendo à crise económica que se abateu no país a partir de 2009 e com consequências ainda mais desastrosas na já de si débil economia açoriana, o grupo societário B- DO PER DA EXEQUENTE 5 - A Exequente deu entrada no Tribunal Judicial de Vila Franca do Campo, a 16/Julho /2013, ação de destinada à sua revitalização económica e financeira (PER), que correu os seus termos sob o n.º de processo (…)/13.6TBVFC, tendo préviamente à sua apresentação, negociado os seus termos com os seus maiores credores, neste caso com Executada Caixa Geral de Depósitos SA, credora da Exequente. 6 - O PER foi homologado, por decisão judicial de 28/05/2014, tendo naquele a Executada, bem como a Exequente, assumido obrigações de cumprimento mandatório, determinantes para a viabilização económico/financeira da Exequente, bem como para o ressarcimento dos créditos devidos a todos os credores da Exequente, incluindo os comuns e Estado Português. 7 - Porém, sucede que a Autoridade Tributária, por não concordar com as condições de pagamento propostas no PER quanto aos créditos que lhe eram devidos, impugnou o mesmo, 8 - Tendo-se sanado o PER, alteradas que foram as condições de pagamento dos créditos por acordo entre as partes, e produzindo-se nova homologação (definitiva) por decisão judicial a 02/06/2015, transitada em julgado a 23/06/2015. 9 - Conforme se retira do plano ora aprovado e homologado por sentença judicial que lhe atribui força executiva e que seguem em anexo, constitui obrigação a que se vinculou a Executada e que incumpriu até presente e pelos quais se executa coercivamente: 10 - Conforme vai disposto a pags 18 e 19 do PER (fls 443 verso e 444 dos autos) , obrigou-se a Executada a financiar a atividade da ”A” no montante de €100.000.00 euros. 11 - Até presente a Executada não entregou aquele montante. 12 - Assim deve a Executada a quantia de €100.000,00 euros à Exequente, acrescida de juros de mora comerciais contabilizados da data do trânsito em julgado da homologação judicial do plano especial de revitalização aonde a Executada se vinculou á obrigação, até à presente data (05/09/2023) no montante de €58.582,61 euros. 13 - Tudo no montante total de €158.582,61 (cento e cinquenta e oito mil quinhentos e oitenta e dois euros e sessenta e um cêntimos). 14 - Relegando-se para momento posterior a liquidação pela secretaria dos juros moratórios vincendos às sucessivas taxas legais e dos juros compensatórios devidos ao Tribunal, à taxa de 5%, até à data do pagamento integral (art. 716.º, n.º 2 do CPC). 15 - A sentença homologatória é titulo executivo, e também o é nos autos principais em que a presente execução é intentada, 16 - A dívida é certa, líquida e exigível (…)”. LIQUIDAÇÃO DA OBRIGAÇÃO Valor Líquido: 100.000,00 Valor dependente de simples cálculo aritmético: 58 582,61 € Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 € Total: 158 582,61 € cálculo dos juros de mora comerciais contabilizados da data do trânsito em julgado da homologação judicial do plano especial de revitalização aonde a Executada se vinculou á obrigação, até à presente data (05/09/2023) no montante de €58.582,61 euros (…)”.
2. Em 29-01-2024, o Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo proferiu decisão no sentido de os autos seguirem “a forma de processo comum, em cumprimento do disposto no artigo 550.º, n.º 2, a contrario sensu, e n.º 4, do Código de Processo Civil, e nos termos dos artigos 868.º e seguintes, todos do Código de Processo Civil, determinando-se, desde já, o aproveitamento dos atos entretantos praticados, dado que nenhumas garantias de defesa foram coartadas à aqui Executada”.
3. Em 18-03-2024, o Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo declarou-se incompetente em razão do valor para dirimir a ação, considerando competente para o efeito o Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada, constando da referida decisão, nomeadamente, escrito o seguinte: “Nos presentes autos, veio a Exequente apresentar à presente execução um plano de revitalização de empresas, homologado por despacho judicial em 2 de junho de 2015, pretendendo que a Executada cumpra o plano homologado, i.e., que a financie no valor de € 100.000,00, de acordo com a obrigação a que se vinculara, no âmbito do aludido plano de recuperação. Mais atribui à presente execução o valor de € 158.582,61, devendo ser esse o valor da causa – cf. artigos 724.º, n.º 1, alínea g), e 296.º, n.os 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 551.º, do mesmo diploma. Isto posto, cumpre apreciar se este Tribunal é o competente para a presente lide. Apreciando. Preceitua o disposto no artigo 85.º, do Código de Processo Civil, que «1 - Na execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo é apresentado no processo em que aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos e sendo tramitada de forma autónoma, exceto quando o processo tenha entretanto subido em recurso, casos em que corre no traslado. 2 - Quando, nos termos da lei de organização judiciária, seja competente para a execução secção especializada de execução, deve ser remetida a esta, com caráter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham». Ora, nos termos da Lei, é o Juízo de Execução o materialmente competente (e não o Juízo de Comércio) – cf. neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de abril de 2022, processo n.º 4286/20.6T8ALM-D.L1.S1, Relator Manuel Capelo, e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19 de março de 2018, processo n.º 121/14.2TBAMT.P1, Relator Augusto de Carvalho (ambos acessíveis em www.dgsi.pt). (…)Por sua vez, nos termos do disposto no artigo 117.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário, doravante LOSJ), «compete aos juízos centrais cíveis: b) Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a (euro) 50 000,00, as competências previstas no Código do Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de juízo ou tribunal». Já o artigo 130.º, n.º 2, alínea c), do mesmo diploma, prevê que «[os] juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem ainda competência para: c) Exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil, onde não houver juízo de execução ou outro juízo ou tribunal de competência especializada competente». Ora, dado que, nesta Comarca, inexiste um juízo de competência especializada de execução, nos termos definidos pelo disposto no artigo 129.º, da LOSJ, e está em causa, nos autos, uma ação executiva cujo valor é € 158.582,61 (cento e cinquenta e oito mil, quinhentos e oitenta e dois euros e sessenta e um cêntimos), atento o estatuído no artigo 85.º, n.º 2, do Código de Processo Civil conjugado com o disposto no artigo 117.º, n.º 1, alínea b), da LOSJ, serão, necessariamente, competentes os juízos centrais cíveis (…)”.
4. Por decisão de 02-05-2024, o Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada - Juiz 3 declarou-se incompetente, para conhecer da presente execução e determinou a remessa dos autos ao processo nº (…)/13.6TBVFC do Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo, aí se expendendo, nomeadamente, o seguinte: “(…) Foi remetida a este Juízo, pelo Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo, a presente execução, com fundamento na violação das regras de divisão judicial em razão do valor, nos termos do artigo 102º do Código de Processo Civil. Todavia, estamos perante um processo executivo cujo título executivo é um plano de revitalização, homologado por decisão judicial em processo judicial, no qual a executada se obrigou a financiar a atividade da “A” no montante de €100.000.00 euros. Dispõe o artigo 85º, nº1 do Código de Processo Civil que, na execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo é apresentado no processo em que aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos e sendo tramitada de forma autónoma. A execução da sentença nos próprios autos da ação declarativa, nos termos dos artigos 85º e 626º do Código de Processo Civil, foi uma das inovações da reforma do processo civil de 2013, tendo sido objeto do legislador a continuidade entre a ação declarativa e a execução e a importância do caso julgado. Atento aquilo que já ficou escrito, o requerimento executivo deveria, então, ter sido apresentado em tal processo, uma vez que neste Tribunal Judicial da Comarca dos Açores não há secção especializada de execução (artigo 85º, nº2 do Código de Processo Civil). Face à redação do artigo 104º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, a incompetência relativa do Tribunal nestas situações é de conhecimento oficioso (…)”.
5. Por despacho de 09-07-2024, o Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada - Juiz 3 suscitou a resolução do conflito de competência.
6. O processo foi continuado com vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 112.º, n.º 2, do CPC, que – em 15-07-2024 se pronunciou dizendo, nomeadamente, o seguinte: “O Ministério Público nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do art. 112.º do CPC, vem pronunciar-se sobre o eventual conflito de competência, o que faz nos seguintes termos: Entendemos que é competente para conhecer dos presentes autos de execução de sentença homologatória de plano de revitalização, por força do disposto no n.º 1 do artigo 85.º do CPC, o Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo com os fundamentos, que em situação semelhante de execução, foram expostos no Acórdão do Tribunal Porto de 19.03.2018, proc. n.º 121/14.2TBAMT.P1. Como bem ali se refere no seu sumário “I - Na medida em que atribui força vinculativa ao entendimento estabelecido entre devedor e respectivos credores, a decisão homologatória do plano de revitalização a que se refere o artigo 17º-F do CIRE inclui-se na categoria das sentenças condenatórias. II - Ocorrendo incumprimento do plano de recuperação em processo especial de revitalização podem ser instauradas ações executivas, constituindo a sentença homologatória do plano de revitalização título executivo. III - O nº 12 do artigo 17º-F do CIRE, na redacção introduzida pelo DL nº 79/2017, de 30.6, que apenas se aplica aos processos especiais de revitalização instaurados após a sua entrada em vigor, expressamente veio prever que é aplicável ao plano de recuperação o disposto no nº 1 do artigo 218º. IV - Face ao disposto no artigo 85º do C.P.C., o requerimento inicial para execução de decisão judicial condenatória deve ser dirigido ao processo no qual foi proferida a sentença exequenda.V - De seguida, ao tribunal em que a ação declarativa foi julgada cabe dar cumprimento ao disposto no nº 2 do artigo 85º do C.P.C." (disponível em http://www.dgsi.pt). No mesmo sentido também se pronunciaram os Acórdãos do STJ de 04.07.2019 (proc n.º 291/18.0T8AGH.L1.S2, Relator Maria Olinda Garcia) relativamente à competência em processo especial de revitalização que “ I. Não existindo Juízo de Comércio na comarca dos Açores, a competência para conhecer de um Processo Especial de Revitalização [que, nos termos do art.128º, n.1, al.a) da LOSJ, cabe aos Juízos de Comércio] pertence às instâncias locais, ex vi dos artigos 117º, n.1 e n.2 e art.130º da LOSJ, dado tratar-se de um processo de natureza especial. II. Se, em termos gerais, a competência do Juízo Central é delimitada tendo por base a natureza da ação e o seu valor, como estabelece o art.117º, n.1 da LOSJ, não existe nenhuma razão para se concluir que quando tal norma é expressamente aplicada, por remissão do n.º 2 do art.117º, às ações que caberiam no âmbito do art.128º tais critérios cumulativos deixem de ter aplicação.” e o Acórdão do STJ de17.10.2019 (no proc. n.º2687/18.9T8PDL.S1, Relator Graça Amaral) que refere “I - Nas comarcas onde não foram criadas secções de comércio, como é o caso da Comarca dos Açores, a competência para a preparação e julgamento dos processos de insolvência, por serem processos especiais e atento o critério de competência residual consagrado no artigo130.º, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), encontra-se cometida à secção cível da instância local. II - Consequentemente, mostra-se materialmente incompetente para o efeito a secção cível da instância central, que apenas se encontra alargada em relação às acções declarativas cíveis previstas no artigo 128.º, da referida LOSJ, que sigam processo comum e que tenham valor superior a 50.000,00€.” (ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt). Consequentemente somos do parecer que compete, conjugadas todas a disposições legais e por força do disposto no art 85.º, n.º 1 do CPC (como não se aplica o n.º 2) é competente o processo em que corre o processo de revitalização, ou seja, o Juízo Competência Genérica de Vila Franca do Campo.”.
**
II. Nos termos do n.º 2 do artigo 109.º do CPC, há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão.
Não há conflito enquanto forem suscetíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência (cfr. artigo 109.º, n.º 3, do CPC).
Quando o tribunal se aperceba do conflito, deve suscitar oficiosamente a sua resolução junto do presidente do tribunal competente para decidir (cfr. artigo 111.º, n.º 1, do CPC).
Entendem ambos os tribunais não serem competentes para dirimir o processo.
**
III. A aferição do pressuposto processual da competência é determinada à luz da estrutura do objeto do processo, envolvida pela causa de pedir e pelo pedido formulado na petição inicial, no momento em que a mesma é intentada (vd., entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20-02-2019, Pº 9086/18.0T8LSB-A.L1.S1, rel. RIBEIRO CARDOSO, de 07-03-2019, Pº 13688/16.1TBPRT.P1.S1, rel. FERNANDO SAMÕES e do TRL de 01-07-1993, in C.J., t. 3, p. 144, de 26-05-1999, Pº 0023414, rel. PEREIRA RODRIGUES e de 10-04-2024, Pº 31189/22.7T8LSB-A.L1-4, rel. SÉRGIO ALMEIDA e Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 18-11-2021, Pº 1475/09.8TBPRD-N.P1, rel. ANA VIEIRA).
Conforme salienta Mariana França Gouveia (A Causa de Pedir na Acção Declarativa, Almedina, 2004, pp. 507-508): “Para efeitos de competência, a causa de pedir deve ser identificada com os factos jurídicos alegados pelo autor que, analisados na lógica jurídica da petição inicial, permitam a aplicação de uma norma de competência. Isto significa que a estrutura de causalidade entre causa de pedir e pedido que o autor estabelece na petição inicial, ou no conjunto dos seus articulados, é suficiente, é o contexto, o enquadramento da relação jurídica alegada e, em consequência, da aplicação das normas de competência”.
A competência material do tribunal traduz a medida da jurisdição interna atribuída a cada tribunal atendendo à matéria da causa que lhe é submetida.
Conforme salientam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1985, p. 207), “[n]a base da competência em razão da matéria está o princípio da especialização, com o reconhecimento da vantagem de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do Direito, pela vastidão e pela especificidade das normas que os integram”.
A competência em razão da matéria afere-se em função da relação material controvertida configurada pelo autor, “tendo presente que o sistema judicial não é unitário, mas constituído por várias categorias de tribunais, separados entre si, com estrutura e regime próprios” (assim, o Acórdão do STJ de 09-11-2017, Pº 8214/13.7TBVNG-A.P1.S1, rel. ANTÓNIO PIÇARRA).
Atendendo ao âmbito da questão em apreço, cumpre aferir o que a Lei de Organização do Sistema Judiciário (abreviadamente LOSJ, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto) estipula, quanto à competência.
Em particular, importa convocar os seguintes preceitos da LOSJ:
- Artigo 29.º, n.º 3: “Os tribunais judiciais de primeira instância são, em regra, os tribunais de comarca”;
- Artigo 33.º (Tribunais judiciais de primeira instância): “1 - Os tribunais judiciais de primeira instância incluem os tribunais de competência territorial alargada e os tribunais de comarca. 2 - O território nacional divide-se em 23 comarcas, nos termos do anexo ii à presente lei, da qual faz parte integrante. 3 - Em cada uma das circunscrições referidas no número anterior existe um tribunal judicial de primeira instância. 4 - A sede, a designação e a área de competência territorial são definidas no decreto-lei que estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais.”;
- Artigo 79.º (Tribunais de comarca): “Os tribunais judiciais de primeira instância são, em regra, os tribunais de comarca”;
- Artigo 80.º (Competência): “1 - Compete aos tribunais de comarca preparar e julgar os processos relativos a causas não abrangidas pela competência de outros tribunais. 2 - Os tribunais de comarca são de competência genérica e de competência especializada”;
- Artigo 81.º (Desdobramento): “1 - Os tribunais de comarca desdobram-se em juízos, a criar por decreto-lei, que podem ser de competência especializada, de competência genérica e de proximidade, nos termos do presente artigo e do artigo 130.º 2 - Os juízos designam-se pela competência e pelo nome do município em que estão instalados. 3 - Podem ser criados os seguintes juízos de competência especializada: a) Central cível; b) Local cível; c) Central criminal; d) Local criminal; e) Local de pequena criminalidade; f) Instrução criminal; g) Família e menores; h) Trabalho; i) Comércio; j) Execução. (…)”;
- Artigo 117.º (Competência): “1 - Compete aos juízos centrais cíveis: (…) b) Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a (euro) 50 000,00, as competências previstas no Código do Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de juízo ou tribunal;(…) 2 - Nas comarcas onde não haja juízo de comércio, o disposto no número anterior é extensivo às ações que caibam a esses juízos (…).”;
- Artigo 128.º (Competência): “1 - Compete aos juízos de comércio preparar e julgar: a) Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização; b) As ações de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade; c) As ações relativas ao exercício de direitos sociais; d) As ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais; e) As ações de liquidação judicial de sociedades; f) As ações de dissolução de sociedade anónima europeia; g) As ações de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais; h) As ações a que se refere o Código do Registo Comercial; i) As ações de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras. 2 - Compete ainda aos juízos de comércio julgar as impugnações dos despachos dos conservadores do registo comercial, bem como as impugnações das decisões proferidas pelos conservadores no âmbito dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de sociedades comerciais. 3 - A competência a que se refere o n.º 1 abrange os respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões”;
- Artigo 129.º (Competência): “1 - Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil. 2 - Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos ao tribunal da propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, ao tribunal marítimo, aos juízos de família e menores, aos juízos do trabalho, aos juízos de comércio, bem como as execuções de sentenças proferidas em processos de natureza criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível. 3 - Para a execução das decisões proferidas pelo juízo central cível é competente o juízo de execução que seria competente se a causa não fosse da competência daquele juízo em razão do valor”;
- Artigo 130.º (Competência): “1 - Os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem competência na respetiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada. 2 - Os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem ainda competência para: (…) c) Exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil, onde não houver juízo de execução ou outro juízo ou tribunal de competência especializada competente; (…) f) Exercer as demais competências conferidas por lei (…)”.
Por outro lado, estando em questão um processo executivo, importa ainda convocar o que, relativamente à competências para a execução fundada em sentença, resulta do disposto no artigo 85.º do CPC: “1 - Na execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo é apresentado no processo em que aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos e sendo tramitada de forma autónoma, exceto quando o processo tenha entretanto subido em recurso, casos em que corre no traslado. 2 - Quando, nos termos da lei de organização judiciária, seja competente para a execução secção especializada de execução, deve ser remetida a esta, com caráter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham (…)”.
Por seu turno, relativamente à comarca dos Açores, estabelece o artigo 66.º do Regulamento da Lei de Organização do Sistema Judiciário (abreviadamente, ROFTJ, aprovado pelo D.L. n.º 49/2014, de 27 de março) o seguinte: “1 - O Tribunal Judicial da Comarca dos Açores integra as seguintes secções de instância central: a) 1.ª Secção cível, com sede em Ponta Delgada; b) 1.ª Secção criminal, com sede em Ponta Delgada; c) 2.ª Secção cível, com sede em Angra do Heroísmo; d) 2.ª Secção criminal, com sede em Angra do Heroísmo; e) Secção de instrução criminal, com sede em Ponta Delgada; f) Secção de família e menores, com sede em Ponta Delgada; g) Secção do trabalho, com sede em Ponta Delgada. 2 - O Tribunal Judicial da Comarca dos Açores integra ainda as seguintes secções de instância local: a) Secção de competência genérica, desdobrada em matéria cível e criminal, com sede em Angra do Heroísmo; b) Secção de competência genérica, com sede na Horta; c) Secção de competência genérica, desdobrada em matéria cível e criminal, com sede em Ponta Delgada; d) Secção de competência genérica, desdobrada em matéria cível e criminal, com sede em Praia da Vitória; e) Secção de competência genérica, desdobrada em matéria cível e criminal, com sede em Ribeira Grande; f) Secção de competência genérica, com sede em Santa Cruz da Graciosa; g) Secção de competência genérica, com sede em Santa Cruz das Flores; h) Secção de competência genérica, com sede em São Roque do Pico; i) Secção de competência genérica, com sede em Velas; j) Secção de competência genérica, com sede em Vila do Porto; k) Secção de competência genérica, com sede em Vila Franca do Campo; l) Secção de proximidade, com sede em Nordeste; m) Secção de proximidade, com sede em Povoação”.
**
IV. Conforme decorre do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 128.º da LOSJ, a competência referente aos processos destinados à apreciação e eventual declaração da situação de insolvência do devedor e aqueles que tenham por objeto a revitalização, enquanto processos especiais, são da competência dos juízos do comércio (nas circunscrições onde estes estejam instalados).
Todavia, como resulta do antes referido, o Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, onde o presente processo pende, não dispõe de juízo de comércio, mas de juízos cíveis de instância central e juízos locais de competência genérica, desdobrada ou não em matéria cível e criminal.
Questiona-se, pois, qual será o tribunal competente para a tramitação de tais processos especiais, quando numa determinada comarca não existam juízos de comércio.
A questão em análise foi já objeto de várias decisões nos tribunais e de discussões doutrinárias, podendo referir-se a existência de três teses relativamente a esta matéria (conforme se dá nota no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-12-2018, Pº 282/18.1T8RGR-A.L1-2, rel. JORGE LEAL):
1ª) Todas as ações elencadas no artigo 128.º da LOSJ, independentemente da sua forma (comum ou especial) e do seu valor, são da competência do juízo central cível (é a posição perfilhada nos Acórdãos da Relação de Lisboa, de 26-03-2015, Pº 702/14.4T8PDL.L1-8, rel. CATARINA ARÊLO MANSO, de 16-06-2015, Pº 457/15.5T8PDL.L1, de 12-04-2016, Pº 507/15.5T8RGR.L1-7, rel. DINA MONTEIRO, de 10-10-2016, Pº 2245/16.2T8PDL.L1-2, rel. EZAGÜY MARTINS e de 12-02-2019, Pº 3396/17.1T8PDL-B.L1-1, rel. RIJO FERREIRA; Salazar Casanova; Notas Breves Sobre a Lei de Organização do Sistema Judiciário, ROA, Ano 73, n.ºs II/III, p. 468 e Bruno Bom Ferreira, “Insolvências – Central ou Local – Eis a Questão…”, in Julgar Online, Outubro de 2015, pp. 10-11).
Argumenta-se, fundamentalmente, com o teor literal do nº 2 do artigo 117.º da LOSJ, confirmado pela divulgada “ratio legis” e pela negação de relevância interpretativa à norma transitória do nº 1 do art.º 104 do RLOSJ.
2ª) As ações de valor superior a 50.000,00 euros, sejam elas de processo comum ou especial, das elencadas no artigo 128.º da LOSJ, são da competência do juízo central cível (é a orientação perfilhada na decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 01-12-2014, Pº 70/14.4T8PDL.L1-1, a expressa nos acórdãos da Relação de Lisboa de 30-06-2015, Pº 431/15.1T8PDL.L1-7, de 28-04-2016, Pº 506/15.7T8RGR.L1-8, rel. MARIA ALEXANDRINA BRANQUINHO e de 02-06-2016, Pº 2210/15.7T8PDL.L1-2; Salvador da Costa e Rita Costa, Lei de Organização do Sistema Judiciário, Almedina, 2014, 2ª ed., p. 182).
Argumenta-se que não fazendo o artigo 128.º da LOSJ distinção entre as ações aí referidas em função do tipo ou forma de processo não há razão para relevar essa circunstância aquando da aplicação da remissão para o nº 1 do art.º 117º. Deverá, no entanto, atender-se ao critério do valor que surge como critério uniforme para todas as situações de determinação de competência, sob pena, aliás, de esvaziar de conteúdo o nº 2 do art.º 117º e mal se compreenderia que, tendo as ações elencadas no art.º 128º sido elevadas á categoria de instância central, reconhecendo-se o seu maior grau de dificuldade técnica e a presumível melhor preparação e amadurecimento dos juízes da instância central, viessem a ser, no caso de inexistência de juízo de comércio, desgraduadas para instância local.
3ª) Só as ações declarativas cíveis de processo comum e valor superior a 50.000,00 euros das elencadas no art.º 128º são da competência do juízo central cível, pelo que, as ações especiais de insolvência e de revitalização, ou as de processo comum de valor não superior a 50.000,00 euros, serão da competência do juízo local cível ou de competência genérica (é a posição perfilhada pelos acórdãos da Relação de Lisboa de 19-03-2015, Pº 1016-14.5T8PDL.L1-6, rel. MARIA MANUELA GOMES; de 22-06-2017, Pº 548/17.8T8PDL.L1-2, rel. ONDINA CARMO ALVES; de 23-10-2018, Pº 291/18.0T8AGH.L1-7, rel. ANA RODRIGUES DA SILVA; de 06-12-21018, Pº 282/18.1T8RGR-A.L1-2, rel. JORGE LEAL; acórdãos da Relação de Évora de 15-01-2015, Pº 469/14.6TBTG-A.E1, rel. MÁRIO SERRANO; de 12-03-2015, Pº 206/11.7TBPTG-M.E1, rel. SÍLVIO SOUSA; e de 29-04-2021, Pº 40/21.6T8ODM-A.E1, rel. FRANCISCO MATOS; Decisão do Vice-Presidente do TRE de 30-01-2015, Pº 163/14.8T8BJA.E1, rel. ANTÓNIO RIBEIRO CARDOSO; e os acórdãos do STJ de 04-07-2019, Pº 291/18.0T8AGH.L1.S2, rel. MARIA OLINDA GARCIA; de 17-10-2019, Pº 2687/18.9T8PDL.S1, rel. GRAÇA AMARAL; e de 08-09-2021, Pº 40/21.6T8ODM-A.E1.S1, rel. LUÍS ESPÍRITO SANTO; António Vieira Cura, Curso de Organização Judiciária, Coimbra Editora, 2ª ed. revista e atualizada, pp. 213 e 222; Teixeira de Sousa; Blog do IPPC, de 20-06-2016 - Jurisprudência (377) - Processo de insolvência; competência material).
Argumenta-se que a remissão do nº 2 do art.º 117º da LOSJ é para a totalidade do nº 1, aplicando-se por inteiro às ações enunciadas no artigo 128.º os critérios enunciados naquele – critério material e da espécie e critério do valor, pelo que, do elenco do artigo 128.º só cabem na competência do juízo central cível as ações cíveis de processo comum de valor superior a 50.000,00 euros.
Acolhe-se relativamente ao mencionado diferendo esta última orientação, parafraseando-se as considerações tecidas no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-12-2018 (Pº 282/18.1T8RGR-A.L1-2, rel. JORGE LEAL) que ora se transcrevem: “(…) Com efeito, não cremos que a busca de atribuição de utilidade a um texto legal justifique, salvo o devido respeito, a subversão do seu conteúdo. O legislador, face a situações de inexistência de juízo comercial numa comarca, preocupou-se, legitimamente (e, afinal, sem êxito), em deixar clara a solução a seguir, sem cuidar se ela seria, ou não, já suficientemente óbvia à luz das regras gerais. Assim, sendo a competência dos juízos comerciais delimitada pela matéria das causas e, nalguns casos, também pela especialidade processual de algumas ações (desde logo, os processos de insolvência, os processos especiais de revitalização e, após as alterações ao CIRE introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 79/2017, de 30.6, os processos especiais para acordo de pagamento, que, nos termos do n.º 3 do art.º 222.º-C do CIRE, correm no tribunal competente para declarar a insolvência do devedor), subsistindo, na inexistência do juízo comercial, tribunais que se regem por critérios diversos de atribuição de competência, despidos de referências ao objeto da causa (para além da genérica menção às causas cíveis), justificava-se enunciar o “código de conversão” das competências. E este, segundo o n.º 2 do art.º 117.º da LOSJ, traduz-se na extensão às causas do juízo do comércio do disposto no n.º 1 do mesmo artigo. Ficando excluídas da competência do juízo central cível as causas que, face ao elenco constante no n.º 1 do art.º 117.º, aí não caibam, por inextensibilidade. (…) Como é sabido, o processo de insolvência não segue a forma de processo comum, mas é, sim, um processo especial; e, além disso, não consubstancia uma ação declarativa mas, conforme expressamente o define o art.º 1.º n.º 1 do CIRE, é um processo de execução universal. Pelo que, apesar do processo que ora nos ocupa ter valor processual superior a € 50 000,00, o teor desta alínea não lhe é extensível. Na al. b) do n.º 1 do art.º 117.º da LOSJ atribui-se competência ao juízo central cível para exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a € 50 000,00, as competências previstas no Código do Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de outro juízo ou tribunal. Como se pondera no acórdão da Relação de Évora, de 15.01.2015, supra citado, esta al. b) refere-se a processos executivos de valor superior a 50.000,00 €, “mas que sejam simultaneamente regulados, na sua globalidade e de forma directa, pelo próprio CPC, e não em legislação especial ou avulsa. É o que se infere da menção a “competências previstas no Código de Processo Civil”: ou seja, estão ali em causa acções executivas de processo comum, e não processos especiais, ainda que de carácter executivo. Ora, sendo o processo de insolvência um processo especial de execução universal, regulado essencialmente no CIRE, apenas com aplicação pontual do CPC, como estabelece o artº 17º do próprio CIRE («O processo de insolvência rege-se pelo Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código»), afigura-se evidente estarmos fora do campo de aplicação da referida al. b) do nº 1 do artº 117º da LOSJ.” A al. c) do n.º 1 do art.º 117.º irreleva para a nossa vexata quaestio, pois refere-se a procedimentos cautelares, ou seja, a tramitações processuais que acompanham, quanto à competência, as ações de que dependem. Finalmente, a al. d) do n.º 1 do art.º 117.º (“Exercer as demais competências conferidas por lei”) é, para o nosso caso, e salvo o devido respeito pela opinião contrária aparentemente sufragada pelos defensores das outras duas teses, irrelevante por vazia de conteúdo, na medida em que não identifica, ela própria, a lei que confere ao juízo central cível a competência “extravagante” aí mencionada. Caberá, pois, ao juízo local com competência na área cível, julgar o processo de insolvência para o qual seja territorialmente competente (…)”.
No caso dos autos, está em causa um processo executivo, onde a exequente veio dar à execução um plano de revitalização de empresas, homologado por despacho de 02-06-2015.
Estabelece o artigo 17.º-F do CIRE que a decisão do juiz vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal, nos termos dos artigos 37.º e 38.º, que emite nota com as custas do processo de homologação. “Na medida em que atribui força vinculativa ao entendimento estabelecido entre devedor e respectivos credores, a decisão homologatória do plano de revitalização a que se refere o artigo 17º-F do CIRE inclui-se na categoria das sentenças condenatórias. Ocorrendo incumprimento do plano de recuperação em processo especial de revitalização podem ser instauradas ações executivas, constituindo a sentença homologatória do plano de revitalização título executivo” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-03-2018, Pº 121/14.2TBAMT.P1, rel. AUGUSTO DE CARVALHO).
Ora, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 85.º do CPC, “na execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo é apresentado no processo em que aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos e sendo tramitada de forma autónoma, exceto quando o processo tenha entretanto subido em recurso, casos em que corre no traslado”.
Assim, “face ao disposto no artigo 85º do C.P.C., o requerimento inicial para execução de decisão judicial condenatória deve ser dirigido ao processo no qual foi proferida a sentença exequenda. De seguida, ao tribunal em que a ação declarativa foi julgada cabe dar cumprimento ao disposto no nº 2 do artigo 85º do C.P.C.” (cfr., o citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-03-2018, Pº 121/14.2TBAMT.P1, rel. AUGUSTO DE CARVALHO), ou seja, quando, nos termos da lei de organização judiciária seja competente para a execução secção especializada de execução, deve ser remetida a esta, com caráter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham.
Ora, não se encontrando instalado na comarca dos Açores juízo de execução, não se encontram verificados os pressupostos de aplicação do n.º 2 do artigo 85.º do CPC.
Todavia, considerando a aplicação do n.º 1 do artigo 85.º do CPC e a circunstância de estar em causa a execução de plano de revitalização objeto de homologação em prévia ação que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo, a execução da sentença deverá correr nos próprios autos da ação preexistente, nos termos dos artigos 85º e 626º do Código de Processo Civil.
Assim, a execução de sentença correrá, em regra, no próprio processo onde foi proferida – artigo 85º, nº 1, do CPC – o que apenas não ocorrerá no caso de existir tribunal com competência especializada de execução – nº 2 do mesmo preceito, sendo que, neste último caso, deverá ser remetida à secção especializada de execução, com caráter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham.
O objetivo estabelecido pelo legislador, efetivamente, foi o de que a sentença seja executada no próprio processo, por forma a vincar a continuidade entre a ação declarativa e a execução e a importância do caso julgado.
No caso em apreço, pretende-se executar uma sentença prolatada pelo Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo.
Atento o que já ficou escrito, o requerimento executivo deveria, então, ter sido apresentado em tal processo, uma vez que neste Tribunal Judicial da Comarca dos Açores não há secção especializada de execução (artigo 85º, nº2 do Código de Processo Civil).
Assim, conforme se concluiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-06-2023 (Processo: 2232/14.5T8LSB.L1-2, Relator: ARLINDO CRUA): “Estando-se perante decisão executável, proferida pelos tribunais portugueses, o princípio geral decorrente do nº. 1, do art.º 85º, do Cód. de Processo Civil, impõe que o requerimento executivo inicial seja apresentado no processo (declarativo) em que aquela foi prolatada, correndo a execução nos próprios autos declarativos, ainda que tramitada de forma autónoma”.
Em conformidade com este entendimento e relativamente a execução de sentença apresentada com base em certidão de sentença que homologou plano de pagamentos em processo de insolvência, nos termos do artigo 233.º, n.º 1, al. c) do CIRE, concluiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-06-2018 (Pº 13487/17.3T8LSB.L1-8, rel. OCTÁVIA VIEGAS) que, “[b]aseando-se a execução em sentença de homologação de pagamento proferida em processo judicial é nesse processo que deve ser apresentado o requerimento executivo (art. 85, nº1, do CPC)”.
Assim, pode concluir-se que, na comarca dos Açores, inexistindo juízo de comércio e juízo de execução, a execução de decisão homologatória de plano especial de revitalização é da competência do juízo onde tal decisão foi proferida, em conformidade com o disposto no artigo 85.º, n.º 1, do CPC, pelo que, no caso, tendo o processo de revitalização corrido termos no Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo, aí correrá termos a respetiva execução, em conformidade com o que resulta da conjugação do disposto nos artigos 80.º, 81.º, n.º 1, 117.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, 128.º, n.º 1, al. a) e n.º 3, 129.º e 130.º, n.ºs. 1 e 2, als. c) e f) da LOSJ, ponderando ainda o disposto no artigo 66.º do ROFTJ.
**
V. Pelo exposto, sem necessidade de mais considerações, decido este conflito, declarando competente para a tramitação da presente ação, o Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo.
Sem custas.
Notifique-se (cfr. artigo 113.º, n.º 3, do CPC).
Baixem os autos.
Lisboa, 16-07-2024,
Carlos Castelo Branco.
(Vice-Presidente, com poderes delegados – cfr. Despacho n.º 2577/2024, publicado no DR., 2.ª série, n.º 51, de 12-03-2024).