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CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Sumário
1. Na situação em apreço, relativamente ao mesmo jovem correu termos, sob o n.º (…)/23.6 Y6LSB, no Juiz “X” do Juízo de Família e Menores de Lisboa, processo tutelar educativo. 2. Dispõe o artigo 32.º, n.º 1, da LTE, sob a epígrafe “Momento da fixação da competência” que, “para efeitos da presente lei, o momento da instauração do processo corresponde àquele em que for determinada a abertura de inquérito pelo Ministério Público.” 3. Não se faz na lei qualquer distinção entre competência territorial ou competência por conexão, nem existe qualquer outro preceito legal que contradiga este, sendo certo que no artigo 11.º do RGPTC nada se diz sobre o momento em que deve ser considerado como instaurado o processo. 4. Assim sendo, com base no disposto no artigo 32.º, n.º 1, da LTE, há que considerar que o processo tutelar educativo com o n.º (…)/23.6 Y6LSB foi instaurado em data anterior ao presente processo tutelar educativo (este vindo a ser ulteriormente distribuído ao Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz “Y”). 5. Verifica-se que, entre os referidos processos há uma relação de anterioridade do processo que correu termos no Juiz “X”, que foi instaurado em primeiro lugar. 6. A circunstância de, na anterior ação, ter sido aplicada medida tutelar educativa já transitada em julgado, não afasta a conexão determinante da competência do Juiz “X” para a apreciação dos ulteriores autos (que foram distribuídos ao Juiz “Y”), sendo certo que a lei não faz depender a sua operatividade do estado do processo e, designadamente, de a primeira ação se encontrar pendente ou ter findado. 7. Do exposto resulta que, por força do supra referido regime de conexão especial, constante do artigo 11.º, n.º 1, do RGPTC e do artigo 81.º, n.ºs. 1 e 4, da LPCJP, continua a ser competente para a tramitação do presente processo tutelar educativo, o Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz “X”.
Texto Integral
I.
1. Em 05-06-2024, no Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz “Y”, após requerida pelo Ministério Público a abertura da fase jurisdicional em relação a “A”, nascido a (…)2008, foi proferido despacho a, ao abrigo dos artigos 11º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) e 81º, n.ºs. 1 e 4, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), decidir “ordenar a remessa dos presentes autos, para apensação, ao processo n.º 3766/23.6Y6LSB que correm termos no J”X”” do Juízo de Família e Menores de Lisboa”, tendo sido expendido nesse despacho, nomeadamente, o seguinte: “Nos termos do disposto no artigo 11º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível: “1 - Se, relativamente à mesma criança, forem instaurados, separadamente, processo tutelar cível e processo de promoção e proteção, incluindo os processos perante a comissão de proteção de crianças e jovens, ou processo tutelar educativo, devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar. O normativo que antecede é secundado pelo artigo 81º, ns.º 1 e 4, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, pretendendo-se com tal determinação que seja um só e o mesmo Tribunal a conhecer e a decidir da situação de vida da criança/jovem. Trata-se de uma imposição ope legis, que não depende de critérios de oportunidade nem objetividade e que visa centralizar o saber da situação de vida da criança/jovem e evitar a prolação de medidas/decisões judiciais contraditórias, inconciliáveis ou mesmo incompatíveis, com o que melhor se garante e protege o superior interesse da criança/jovem. O que releva para efeitos de fixação da competência é a data em que o primeiro processo foi instaurado, sendo o seu estado irrelevante. No caso em apreço, do print que antecede a fls. 86 resulta que em benefício do jovem corre(eu) termos no J”X” deste Juízo de Família e Menores o processo tutelar educativo n.º 3766/23.6Y6LSB.”.
2. Em 25-06-2024, o Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz “X” declarou-se incompetente para a tramitação do processo, “por inexistência de conexão, e declaro competente para esse efeito o Juiz “Y” a quem os autos foram primeiramente distribuídos para abertura da fase jurisdicional”, tendo referido, nomeadamente, o seguinte: “O Juiz “Y” a quem os presentes autos de processo tutelar educativo foram distribuídos em 29.05.2024 para recebimento do requerimento de abertura de fase jurisdicional, relativos ao menor “A” declarou-se incompetente para o seu processamento por ter existido neste Juiz “X” também um processo tutelar educativo referente ao mesmo menor, existindo assim competência por conexão nos termos do art 11º, 2 e art 81º do RGPTC, sendo estes autos os competentes para o seu processamento. Sucede que efetivamente correram termos os autos de processo tutelar educativo relativos ao menor dos autos mas nos quais foi proferida sentença em 23.04.2024 que aplicou por homologação do acordo nos termos do art 104º, nº4 da LTE medida tutelar educativa de acompanhamento educativo, pelo período de 12 meses, nos termos dos artigos 2º, nº1, 4º, nº1, alínea h), 6º, nº1 e nº3, 7º, nº1 e 16º, todos da LTE, sentença esse transitada em julgado em 04.05.2024. Sucede que no que concerne aos processos tutelares educativos existe norma especial que apenas permite a conexão relativamente a processos que se encontrem simultaneamente ma fase de inquérito, na fase jurisdicional, ou na fase de execução- como decorre expressamente do nº2 do art 34º da Lei Tutelar Educativo. Ora os autos principais que correram termos neste juiz “X” estão em fase de execução da medida. Já os presentes autos- que foram distribuídos ao Juiz “Y”- estão em fase jurisdicional, dito de outro modo, não há lugar à conexão, sendo certo que os autos apenas poderão ser apensados quando e se passarem a esta na mesma fase, o que não é o caso (…)”.
3. Foi suscitada a resolução do presente conflito negativo de competência.
4. O Magistrado do Ministério Público na 1ª. Instância foi devidamente notificado.
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II. Mostra-se apurado, com pertinência para a resolução do conflito e de acordo com a documentação constante dos autos, o constante do relatório supra.
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III. Nos termos do n.º 2 do artigo 109.º do CPC, há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão.
Não há conflito enquanto forem suscetíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência (cfr. artigo 109.º, n.º 3, do CPC).
Quando o tribunal se aperceba do conflito, deve suscitar oficiosamente a sua resolução junto do presidente do tribunal competente para decidir (cfr. artigo 111.º, n.º 1, do CPC).
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IV. No caso concreto, os Juízes “Y” e “X”, do Juízo de Família e Menores de Lisboa julgam-se incompetentes para prosseguir os autos em questão, em face da existência de outro processo tutelar educativo relativo ao mesmo jovem (Processo n.º 3766/23.6Y6LSB, que correu termos no Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz “X”) o primeiro, invocando o disposto nos artigos 11.º, n.º 1, do RGPTC e 81.º, n.ºs. 1 e 4, da LPCJP e, o segundo, aludindo ao disposto no n.º 2 do artigo 34.º da Lei Tutela Educativa (abreviadamente, LTE, aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14 de setembro).
A Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro veio aprovar o Regime Geral do Processo Tutelar Cível (abreviadamente RGPTC) estabelecendo “o processo aplicável às providências tutelares cíveis e respetivos incidentes” (cfr. artigo 1.º).
O artigo 11.º do RGPTC regula os casos de “competência por conexão”, dispondo o seguinte: “1 - Se, relativamente à mesma criança, forem instaurados, separadamente, processo tutelar cível e processo de promoção e proteção, incluindo os processos perante a comissão de proteção de crianças e jovens, ou processo tutelar educativo, devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar. 2 - O disposto no número anterior não se aplica às providências tutelares cíveis relativas à averiguação oficiosa da maternidade ou da paternidade, nem às que sejam da competência das conservatórias do registo civil, ou às que respeitem a mais que uma criança. 3 - Estando pendente ação de divórcio ou de separação judicial, os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de prestação de alimentos e de inibição do exercício das responsabilidades parentais correm por apenso àquela ação. 4 - Quando o processo tutelar cível respeitar a mais do que uma criança, pode ser instaurado um único processo e, tendo sido instaurados processos distintos, pode proceder-se à apensação de todos eles ao que foi instaurado em primeiro lugar, se as relações familiares assim o justificarem. 5 - A incompetência territorial não impede a observância do disposto nos n.ºs 1, 3 e 4.”.
Da conjugação do n.º 1 com o n.º 5 do preceito, resulta que a competência “por conexão”, a que se refere o primeiro, sobreleva sobre a competência territorial.
O regime de competência estabelecido no n.º 1 do artigo 11.º do RGPTC traduz um regime especial de competência, dito “por conexão”, que sobreleva sobre a competência territorial (cfr. n.º 5 do mencionado artigo 11.º do RGPTC). “A atribuição de competência por conexão constitui uma exceção à regra geral da competência territorial. (…). A competência por conexão é prevista nos artigos 11.º n. º1 do RGPTC, 81.º n. º1 da LPCJP. Salienta- se o seu carácter especial e deste modo prevalecente em relação às regras de competência territorial, atribuindo a competência a quem já tem para conhecer o outro processo. A conexão processual mantém-se mesmo com a transição para outro Tribunal” (assim, Ana Catarina Martins Sousa; A harmonização das decisões relativas à criança e ao jovem; Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, março de 2019, pp. 44-45, texto consultado em: https://run.unl.pt/bitstream/10362/77155/1/Sousa_2019.pdf).
Dispõem, por seu turno, os n.ºs. 1 e 4 do artigo 81.º da LPCJP (Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro) – com a epígrafe “Apensação de processos de natureza diversa” – que: “1 - Quando, relativamente à mesma criança ou jovem, forem instaurados, sucessivamente ou em separado, processos de promoção e proteção, inclusive na comissão de proteção, tutelar educativo ou relativos a providências tutelares cíveis, devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar. (…) 4 - A apensação a que se reporta o n.º 1 tem lugar independentemente do estado dos processos”.
Por outro lado, dispõe o artigo 34.º (Carácter individual do processo) da Lei Tutelar Educativa (abreviadamente LTE, aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14 de setembro) que: “1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, organiza-se um único processo relativamente a cada menor, ainda que lhe sejam atribuídos factos diversos ocorridos na mesma ou em diferentes comarcas. 2 - A conexão só opera em relação a processos que se encontrem simultaneamente na fase de inquérito, na fase jurisdicional ou na fase de execução”.
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V. Conhecendo:
Em face do regime especial de competência “por conexão”, resultando do n.º 1 do artigo 11.º do RGPTC, “sendo instaurado relativamente à mesma criança ou jovem um processo (…) tutelar educativo (…), e anos depois é instaurado novo processo (…), estando aquele ou aqueles já arquivados, o tribunal e juiz que o decidiu, ainda que estejam findos, continua a manter a sua competência material para todos estes processos (pressupondo que continua a manter competência material para o efeito) (…)”, o que “significa que a existência de qualquer um dos apontados processos determina, no futuro, a competência desse tribunal para todos os demais processos supervenientes relativamente à mesma criança, independentemente de outras vicissitudes ou circunstâncias, exigindo-se, apenas, que esse tribunal continue a manter a necessária competência material para o efeito” (assim, Tomé D’Almeida Ramião; Regime do Processo Tutelar Cível, Anotado e Comentado, 4.ª ed., Quid Juris, 2020, p. 59).
Ora, conforme resulta do exposto, previamente aos presentes autos – de processo tutelar educativo - correram termos - junto do Juiz “X” do Juízo de Família e Menores de Lisboa - outros autos de processo tutelar educativo relativos ao menor dos autos, nos quais foi proferida decisão que, em 23-04-2024, aplicou medida tutelar educativa de acompanhamento educativo, pelo período de 12 meses, nos termos dos artigos 2º, nº1, 4º, nº1, alínea h), 6º, nº1 e nº3, 7º, nº1 e 16º, todos da LTE, sentença esse transitada em julgado em 04-05-2024.
A norma do artigo 34.º da LTE consagra, no n.º 1, o caráter individual do processo tutelar educativo, por forma a que, ressalvada a situação do n.º 2, se organize um único processo relativamente a cada menor, ainda que lhe sejam atribuídos factos diversos ocorridos na mesma ou em diferentes comarcas.
A situação ressalvada no n.º 2 determina que a reunião de factos num único processo só ocorre relativamente a processos que se encontrem simultaneamente na fase de inquérito, na fase jurisdicional ou na fase de execução.
Conforme refere Júlio Barbosa e Silva (Lei Tutelar Educativa Comentada; Almedina, 2013), em anotação do referido artigo 34.º da LTE, “(…) [q]uer-se evitar, com efeito, uma visão parcial do actor principal de todos os processos, pretendendo-se uma visão o mais global e completa possível do percurso delinquente de um determinado jovem. Na verdade, apenas tendo esta visão global estaremos em condições de averiguar, com um carácter de completude, quais as suas reais necessidades educativas numa perspectiva única (…). Esta orientação, desejável, tem, no entanto, e compreensivelmente, o limite imposto pelo n.º 2, a fim de evitar que estejam uns processos a aguardar pelo desfecho de outros, podendo os mesmos estar em fases muito diversas, resultando tal situação em prejuízo do próprio jovem, que assim vê protelada a sua situação jurídica”.
O n.º 2 do artigo 34.º da LTE “limita a incidência da conexão, destinando-se a evitar (…)“que, em nome de eventual pretensão de apensar processos em fases distintas de tramitação, os tribunais possam deixar alguns processos numa situação de pendência, aguardando o desenrolar do processamento daqueles que se encontram numa fase mais atrasada (…)” (assim, Anabela Miranda Rodrigues e António Carlos Duarte-Fonseca; Comentário da Lei Tutelar Educativa; Coimbra Editora, 2000, p. 124).
Salienta Rui do Carmo (em anotação ao referido artigo 34.º da LTE, na Lei Tutelar Educativa Anotada; Coord. de Cristina Dias, Margarida Santos e Rui do Carmo; Almedina, 2018, p. 158) que “[a] organização de um único processo relativamente a cada menor só não deve ocorrer quanto a processos que se encontrem em fases diferentes (n.º 2) ou quando questões de celeridade ou do interesse daquele o justifiquem (art. 36.º)”.
Sucede que, uma coisa é a organização de um único processo relativamente a cada menor, pela atribuição de factos diversos (determinativa da eventual apensação de processos que se encontrem na mesma fase processual), outra coisa, constitui a determinação da conexão relevante para efeitos de determinação da competência para o processamento das causas, em que, logicamente, a exigência de que os processos se encontrem na mesma fase processual, não tem lugar.
Ora, na situação em apreço, relativamente ao mesmo jovem correu termos, sob o n.º (…)/23.6 Y6LSB, no Juiz “X” do Juízo de Família e Menores de Lisboa, processo tutelar educativo.
Dispõe o artigo 32.º, n.º 1, da LTE, sob a epígrafe “Momento da fixação da competência” que, “para efeitos da presente lei, o momento da instauração do processo corresponde àquele em que for determinada a abertura de inquérito pelo Ministério Público.”
Não se faz na lei qualquer distinção entre competência territorial ou competência por conexão, nem existe qualquer outro preceito legal que contradiga este, sendo certo que no artigo 11.º do RGPTC nada se diz sobre o momento em que deve ser considerado como instaurado o processo.
Assim sendo, com base no disposto no artigo 32.º, n.º 1, da LTE, há que considerar que o processo tutelar educativo com o n.º (…)/23.6 Y6LSB foi instaurado em data anterior ao presente processo tutelar educativo.
Ulteriormente, foram instaurados os presentes autos de processo tutelar educativo, tendo sido distribuídos ao Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz “Y”.
Verifica-se que, entre os referidos processos há uma relação de anterioridade do processo que correu termos no Juiz “X”, que foi instaurado em primeiro lugar.
A circunstância de, na anterior ação, ter sido aplicada medida tutelar educativa já transitada em julgado, não afasta a conexão determinante da competência do Juiz “X” para a apreciação dos ulteriores autos (que foram distribuídos ao Juiz “Y”), sendo certo que a lei não faz depender a sua operatividade do estado do processo e, designadamente, de a primeira ação se encontrar pendente ou ter findado.
Do exposto resulta que, por força do supra referido regime de conexão especial, constante do artigo 11.º, n.º 1, do RGPTC e do artigo 81.º, n.ºs. 1 e 4, da LPCJP, continua a ser competente para a tramitação do presente processo tutelar educativo, o Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz “X”.
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VI. Pelo exposto, sem necessidade de mais considerações, decido este conflito, declarando competente para a apreciação do presente Processo Tutelar Educativo, o Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz “Y”, por apenso ao Processo nº. (…)/23.6 Y6LSB.
Sem custas.
Notifique (cfr. artigo 113.°, n.° 3, do CPC).
Baixem os autos.
Lisboa, 17-07-2024,
Carlos Castelo Branco.
(Vice-Presidente, com poderes delegados – cfr. Despacho 2577/2024, de 16-02-2024, pub. D.R., 2.ª Série, n.º 51/2024, de 12 de março).