FINANCIAMENTO BANCÁRIO
GARANTIA
AVAL
LIVRANÇA EM BRANCO
PACTO DE PREENCHIMENTO
NULIDADE
Sumário

1. No domínio das relações imediatas, o avalista que subscreva como parte o contrato de financiamento, donde conste cláusula que autoriza o credor ao preenchimento de livrança entregue em branco, tem legitimidade para arguir a exceção da invalidade desse pacto de preenchimento.
2. Mesmo competindo ao banco, enquanto utilizador das cláusulas contratuais gerais, o ónus de prova da comunicação adequada e efetiva dessas cláusulas (cfr. Art. 5.º n.º 3 do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10), ainda assim, quanto à cláusula constante das condições gerais onde se estabelece a possibilidade de acionamento da livrança subscrita e avalizada em branco, deve ter-se em consideração que a ideia de “aval” e de “ser avalista” está no domínio do senso comum e qualquer pessoa de mediana cultura, instrução e diligência sabe o que é um aval e o que significa ser avalista de alguém.
3. Sendo o Autor também sócio-gerente da sociedade subscritora da livrança, desde o momento da sua constituição, e um empresário experiente que já havia assinado vários outros contratos de financiamento e avalizado livranças por diversas vezes, seria completamente inverosímil ou anormal considerar-se que não estava familiarizado com a figura do aval e com a possibilidade de o banco preencher esse título de crédito, dado em garantia, acionando a mesma.
4. Tendo a mesma cláusula constado de contratos anteriores, que foram sendo cumpridos e substituídos por novos contratos de financiamento posteriores, e verificando-se que em todos eles foi sempre exigida a entrega de livrança subscrita pelo cliente e avalizada pessoalmente pelo seu sócio gerente, é de admitir que o Autor, avalista, teve possibilidade de conhecer atempadamente as condições gerais (cfr. Art. 5.º n.º 2 do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10), muito em particular a “reincidente” cláusula relativa ao pacto de preenchimento, que repetidamente aparecia nos contratos que assinou e rubricou, constando as condições gerais duma parte do contrato imediatamente anterior ao local onde veio a apor a sua assinatura.
5. A cláusula do contrato, constante das condições gerais, que se limita a permitir ao banco acionar a garantia e autorizar o preenchimento da livrança pelo valor das responsabilidades contratuais garantidas, pela sua simplicidade de conteúdo, não carece de aclaração que a justifique (cfr. Art. 6.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10).
6. São requisitos da simulação absoluta: 1) a divergência entre a vontade declarada e a vontade real dos declarantes; 2) o acordo simulatório entre declarante e declaratário; e 3) o intuito de enganar terceiros (cfr. Art. 240.º n.º 1 do C.C.).
7. O não cumprimento do ónus de prova relativamente aos factos constitutivos do direito à declaração da nulidade com fundamento na simulação implicam a absolvição do Réu relativamente a esse pedido (cfr. Art.s 342.º n.º 1 e 240.º n.º 1 do C.C.).

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
PP… veio intentar a presente ação constitutiva e de condenação, em processo declarativo comum, contra Novo Banco, S.A. pedindo que sejam declarados nulos os avais prestados pelo A. por violação, por parte do R., das obrigações emergentes do Dec.Lei n.º 446/85 de 25 de outubro, e por terem sido apostos em livranças em branco, sem pactos de preenchimento; e que seja declarada a nulidade dos contratos de financiamento celebrados entre o A., a V… e o BES, por simulação, e inexistente o aval prestado pelo A. e as livranças subscritas, em virtude dessa nulidade, condenando-se o R. ao pagamento de €20.000,00, a título de danos morais.
Para tanto alegou ser empresário e acionista da “P…-Sistemas de Fixação, S. A.” e “P… Automotive, S.A.”, que são empresas integradas no Grupo P…, fundado em 1983, que em 2007 iniciou um processo de internacionalização, alargando a sua operação para Espanha e Itália.
Em 2007 o A. foi abordado por funcionário do BES que lhe apresentou uma proposta de operação financeira que tinha como fim permitir a esse banco proporcionar ao A. outro nível de rentabilidade e apoios financeiros, o que passaria pela execução duma complexa operação de reestruturação empresarial, que consistia em transferir as participações que detinha, em nome próprio, para uma holding, que, por sua vez, seria financiada diretamente pelo BES, para que, desse modo, pudesse liquidar o preço da transmissão. O produto do encaixe financeiro assim efetuado pelo A., com a transmissão das suas participações, seria posteriormente integralmente aplicado no BES, que passaria a gerir o referido capital através do seu departamento de Private Banking.
Assim, agindo sob instruções do BES, foi constituída, em março de 2007, a sociedade V…, SGPS, Lda., cujo objeto era a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta do exercício da atividade económica, tendo em 3 de outubro de 2007 sido celebrado um contrato de financiamento, pelo montante máximo de €10.000.000,00, concedido pelo BES à V..., para garantia do qual foi subscrita e avalizada uma livrança pelo A. e efetuado um penhor de valores mobiliários de 170.200 ações da Espírito Santo Financial Group (ESFG-AE), valorizadas, à data, em €4.859.210,00; e 3.000.000 obrigações de NATIXIS, valorizadas, à data, em €2.896.500,00.
Esse contrato veio a ser alterado a 14 de outubro de 2010, quanto à taxa de juro e às garantias do crédito relativas ao penhor de carteira de instrumentos financeiros gerida pelo BES, sendo que, em 2 de janeiro de 2012, foi feita uma nova alteração.
Em 22 de outubro de 2012 veio a ser celebrado um novo contrato de financiamento entre o BES e a V…, que serviu exclusivamente para liquidar o contrato de financiamento anterior, sendo o contrato pelo valor máximo de dez milhões de euros e pelo prazo de 5 anos, para garantia do qual foi subscrita e avalizada uma livrança pelo A. e efetuado um penhor de valores mobiliários de: 170.200 ações denominadas por Espírito Santo Financial Group (ESFG-AE), valorizadas, à data, em €927.590,00; mais a carteira de instrumentos financeiros, considerada como uma universalidade, gerida pela ESGP, SA.
Os financiamentos feitos à V... serviram para esta pagar parcialmente a aquisição de 88,57% do capital social da sociedade anónima “P…-Sistemas de Fixação, S.A.”, que pertencia ao A.. Em simultâneo, o A., com o encaixe financeiro efetuado, entregou os fundos do preço recebido ao BES, que através do seu departamento de Private Banking, no uso dos poderes de gestão discricionária, que lhe havia sido concedido, os aplica, investindo numa carteira, composta por valores mobiliários, que foram os que ficaram dados como garantia, através de penhor, ao financiamento concedido pelo BES à V..., ficando cumulativamente o A. como garante da operação, através de aval prestado em livrança em branco, aceite pela V....
Sucede que, desde o início, o BES sempre transmitiu ao A. que a livrança subscrita por este era uma mera formalidade contratual que os funcionários e representantes do banco tinham que cumprir, reiterando e assegurando ao A. que o rendimento (juros) das suas aplicações seriam mais do que suficientes para cumprir com o custo do financiamento e que o valor das aplicações financeiras, efetuadas pelo BES, cobririam o capital financiado.
O contrato de financiamento de Outubro de 2012 foi concedido sem que tivesse sido amortizado um só cêntimo do contrato de financiamento de Outubro de 2007, pois os juros, durante esses cinco anos, tinham sido suportados pelo produto das aplicações que vinham sendo geridas pelo BES.
Na verdade, o BES montou essa operação para angariar capital através dos produtos financeiros que emitia, junto dos seus clientes, para, posteriormente, os canalizar para as atividades empresariais, não financeiras, do então designado Grupo Espírito Santo (GES), sendo que o BES faliu e foi decretada a sua resolução pelo Banco de Portugal em agosto de 2014, caindo assim todo o esquema e todas as empresas do Grupo Espírito Santo (GES), figurando o A. entre os lesados do BES.
Com o colapso do GES, o A. deixou de ter o rendimento das aplicações em ações e obrigações, uma vez que o valor destas ficaram reduzidos a zero euros, tendo as suas poupanças/investimentos sido fortemente delapidados, sofrendo o A. e o Grupo P... os feitos colaterais desse desastre financeiro.
O A. ficou sujeito à pressão doutras entidades bancárias que, com receio da rutura financeira, iniciaram um processo abrupto de desalavancagem, cortando por completo as relações comerciais com o Grupo P..., deixando de o financiar e passando a exigir a liquidação dos financiamentos em aberto.
O A. viu o financiamento que avalizou, relativo ao contrato financiamento entre o BES e a V..., ser cedido/transmitido, no âmbito do despacho de resolução do Banco de Portugal, para o R., Novo Banco, onde ficaram alocados os ativos e passivos considerados não problemáticos, o qual assumiu a posição contratual do BES, como credor da V... e do A., como garante avalista.
A V... não tinha capacidade para fazer face às obrigações resultantes do contrato de financiamento e o A. ficou com a carteira de ativos perdida, sendo que as responsabilidades das empresas emitentes, todas do Grupo Espírito Santo, se encontravam todas em liquidação e sem capacidade para cumprir com as obrigações inerentes aos valores mobiliários por si emitidos.
O R. exigiu que o seu crédito fosse honrado pontualmente, mas tal era totalmente impossível para o A. e para a V..., já que esta última não tinha qualquer fonte de rendimento, como muito bem sabia o R., pois era uma sociedade meramente instrumental, criada para a operação sugerida pelo BES.
Face às perdas avultadíssimas que o A. sofreu com o colapso do GES era impensável que este continuasse a conceder suprimentos, financiando a V... para que esta conseguisse honrar as suas obrigações.
Na sequência de negociações, em que o A. experimentava uma fase de grande ansiedade, quer patrimonial, quer de saúde psicológica, sentindo que não lhe restava outra opção se não atender à solução proposta pelo R., aceitou alterar o contrato de financiamento com a finalidade única a “liquidação de responsabilidades” existentes, que advinham do financiamento concedido pelo BES.
Em 14 de março de 2017 é então celebrado um contrato de financiamento no montante máximo global de sete milhões de euros, concedido pelo R. à V..., sujeito a um plano de amortizações anuais, garantido por livrança subscrita e avalizada pelo A., o qual foi alterado em 20 de abril de 2018. Paralelamente é celebrado um outro contrato de financiamento no valor de três milhões de euros, também garantido por livrança subscrita e avalizada pelo A. e por penhor de: 170.200 ações, denominadas por ESFG-AE, valorizadas, à data, em 0,00€ (zero euros); e da carteira de instrumentos financeiros, considerada como uma universalidade, gerida pela GNB - Sociedade Gestora de Patrimónios, S.A., o qual também foi alterado em 20 de abril de 2018, quanto à taxa de juro aplicável.
Em qualquer das situações, no esquema de operação de financiamento montado pelo BES, bem como pelo R., verificou-se uma violação do dever de informação e de assistência junto do A., nos termos do Art. 77.º do RGICSF.
Por outro lado, as duas livranças subscritas e avalizadas pelo A. foram entregues em branco, na sequência dos contratos de financiamento que celebrou com o R., que eram meros contratos de adesão, sujeitos ao regime das condições gerais dos contratos, instituído pelo Dec.Lei n.º 446/85 de 25 de outubro, sendo que o R. não informou o A. dos aspetos compreendidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justificava, sendo que não lhe foi possibilitado ter um efetivo conhecimento dos contratos que avalizou e cujas condições não negociou, tendo as mesmas lhe sido apenas apresentadas para assinatura. Ao que acresce que sempre lhe foi dito que o aval era uma mera formalidade e que, em nenhum momento, existiram consequências para si e para o seu património pessoal, sendo que não houve qualquer acordo de preenchimento, nem neles é definida a obrigação cambiária, a fixação do seu montante, a data do seu vencimento, o local de pagamento e a estipulação de juros, o que determina a nulidade dos avais prestados, sendo o eventual preenchimento desses títulos abusivo, por não ter sido autorizado pelo A..
Sustenta ainda que na génese da operação de financiamento proposta pelo BES está uma vontade simulada, uma ação fraudulenta e um engano para o A., devendo o contrato de financiamento ser considerado nulo, com as consequências legais adjacentes, o mesmo se passando com os contratos celebrados com o R..
Acresce que o A. estava pressionado pela sua situação pessoal e pelas ameaças do R., caso não fosse regularizado o financiamento acordado com o BES, quando acordou na operação destinada à liquidação do financiamento concedido pelo BES, com novação da dívida anterior, sendo o R. cúmplice e conivente na tentativa de legitimar o financiamento anterior, bem sabendo que estava ferido de nulidade por simulação, o que determina a nulidade dos contratos que o A. celebrou com o R. (cfr. Art. 240.º do C.C.).
Sustenta assim que, a V... será obrigada a devolver as quantias concedidas pelo R., este será obrigado a devolver as quantias que a V... já liquidou para pagar os financiamentos concedidos e as livranças prestadas pelo A. não podem subsistir, sendo de toda a justiça o pagamento de uma indemnização, a título de danos morais, nunca inferior a €20.000,00, por forma a ressarcir o dano que a conduta do R. causou ao A. consubstanciado na perda do bom nome, honra e prestígio adquirido no meio onde está inserido e por toda a ansiedade e desespero que esta situação lhe criou a si e à sua família.
Citado o R. veio apresentar contestação, defendendo-se por impugnação e por exceção, invocando a ilegitimidade do A. por litigar desacompanhado de uma das partes nos contratos, a sociedade V.... Sustentou também que haveria abuso de direito, por ter assumido um comportamento contraditório com o posicionamento anterior na negociação dos contratos com o R.. Sem prejuízo, impugnou os factos alegados, defendendo ter cumprido os deveres de informação e de assistência junto do A., pugnando pela validade do aval prestado e da obrigação cambiária assumida e pela inexistência de preenchimento abusivo ou de simulação, não havendo assim direito a qualquer indemnização por danos morais. Concluindo no final pela procedência das exceções alegadas, pela improcedência da ação e pela condenação do A., em multa, como litigante de má-fé.
O A. veio responder à contestação, pugnando pela improcedência das exceções alegadas e requerendo a intervenção principal provocada da sociedade V..., Lda., que veio a ser admitida.
Após a citação da interveniente chamada, veio a mesma declarar aderir ao articulado do A..
Findos os articulados, foi realizada a audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador que julgou sanada a exceção de ilegitimidade, sendo identificado o objeto do litígio, selecionados os temas de prova e admitida a prova requerida, com o consequente agendamento da audiência final.
Realizada a audiência final, com a produção da prova e discussão da causa, veio a ser proferida sentença que julgou a ação improcedente por não provada, absolvendo o R. de todos os pedidos, julgando ainda não condenar o A. como litigante de má-fé.
É dessa sentença que o A. e a interveniente vêm agora interpor recurso de apelação apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
A. Vêm os Recorrentes apelar da sentença proferida pelo Tribunal a quo, porquanto não concordam com a absolvição do Réu aí vertida.
B. Absolvição esta assente em factos que foram dados como provados, mas que, contrariamente, deveriam constar do elenco de factos não provados e, de igual modo, de factos dados como não provados que deveriam ter sido dados como provados.
C. Nomeadamente, os Apelantes consideram terem sido incorretamente julgados os pontos 12), 75), 116), 121) e 126) da matéria dada como assente e o ponto 17) da matéria dada como não provada.
D. Pelo que a decisão proferida pelo Tribunal a quo deveria ter sido outra: procedência da ação, por se ter provado a nulidade dos avais prestados, em virtude da violação das obrigações emergentes do DL n.º 446/85, de 25 de outubro, em concreto, o dever de informação e, bem assim, a nulidade dos contrato de financiamento celebrado em 2007 entre o Autor, a Interveniente Principal e o BES e sucessivas renovações em 2012 e 2017, entre o Autor, a Interveniente Principal e o Réu, em virtude da simulação existente.
E. Decidindo desta forma, teria o tribunal decidido corretamente, em respeito pelos princípios da verdade material e de justiça.
F. Como tal não aconteceu, na ótica dos aqui Apelantes, e não se conformando estes com a sentença de absolvição do Réu, vêm pelo presente recorrer da mesma, com fundamento na impugnação da matéria de facto e de direito.
G. Cumpre-nos, antes de mais, referir que a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto, que os Recorrentes pretendem ver alterada, não foi a possível de alcançar perante toda prova produzida.
H. De facto, ocorreram erros, incorreções ou incongruências na decisão, relativamente à forma como o Tribunal a quo apreciou a prova, que importam remediar.
I. É evidente que a reapreciação da matéria de facto, no que ao Tribunal da Relação diz respeito, está igualmente subordinada ao princípio da livre apreciação da prova.
J. Porém, caberá também à Relação analisar o processo de formação da convicção do julgador, apreciando, com base na prova gravada e demais elementos de prova carreados, se as respostas dadas apresentam erro evidente e/ou se têm suporte razoável nas provas e nas regras da lógica, experiência e conhecimento comuns, não bastando, para eventual alteração, diferente convicção ou avaliação dos Recorrentes quanto à prova testemunhal produzida.
K. A matéria de facto impugnada está completamente desapoiada da prova recolhida, pelo que ocorre claro erro de julgamento quanto à factualidade fixada nos concretos pontos que adiante se explicitarão.
L. Pelo exposto e por aplicação do disposto no número 1 do artigo 662.º do CPC, os Apelantes pedem a este Venerando Tribunal da Relação a alteração da decisão de facto decretada em 1.ª instância, a qual incide sobre os pontos que se passarão de seguida a expor.
DOS PONTOS 12), 75) e 121) DOS FACTOS PROVADOS
M. Nestes concretos pontos da matéria dada como assente pode ler-se, respetivamente:
“12. A 22 de outubro de 2012, foi celebrado um novo contrato de financiamento pelo BES à V..., com o nr.º …299, com montante máximo global a ascender, novamente, a 10.000.000,00€ (dez milhões de euros) que serviu exclusivamente para liquidar o contrato de financiamento de 2007.”
“75. Em 2017 as três Partes (Réu, o Autor e a V...) assinaram dois novos contratos de financiamento.”
“121. Como o contrato de financiamento celebrado em 03/10/2007 acima referido cessava em Outubro de 2012, e não se encontrava integralmente pago pela Sociedade, foi acordado entre as partes celebrar novo contrato.”
N. O Tribunal fundamentou a sua convicção com base na documentação junta aos autos.
O. Não obstante, tais factos não poderiam ter sido dados como provados, com a concreta redação que lhes foi atribuída.
P. Desde logo, efetivamente resultou da prova produzida (cfr. parte final do ponto 12 e ponto 76 dos factos provados) que, quer o contrato formalizado em 2012, quer os subsequentes contratos formalizados em 2017 tiveram como única finalidade liquidar a responsabilidade existente, que advinha do financiamento concedido pelo BES, isto é, do contrato celebrado em 2007.
Q. Aliás, concluiu inclusive o douto tribunal na respetiva fundamentação jurídica que: “Dos factos resulta ainda que temos apenas uma operação de financiamento, no valor de 10.000.000.00 euros, celebrada com o BES em outubro de 2007 e que quer o contrato de 2012, quer os de 2017 serviram para liquidação das responsabilidades resultantes dos anteriores, como dos próprios contratos resulta.”
R. Nesse sentido, tendo por base os depoimentos prestados pelas várias testemunhas RR, CL e TP, todas elas afirmaram, em plena concordância, que os contratos celebrados em 2012 e 2017 serviam exclusivamente para liquidar o financiamento concedido pelo BES em 2007, de modo a extinguir a obrigação dos aqui Recorrentes.
S. Tratando-se, portanto, de sucessivas renovações ao contrato de financiamento celebrado em 2007 com o BES, como resulta claramente da prova testemunhal ora referida.
T. Ora, ponderada toda a prova produzida, o Tribunal não deveria ter dado como assentes tais factos, com esta configuração, mas sim da seguinte forma, o que se requer:
“12. A 22 de outubro de 2012, foi renovado o contrato de financiamento efetuado pelo BES à V..., com o nr. º …299, com montante máximo global a ascender, novamente, a 10.000.000,00€ (dez milhões de euros) que serviu exclusivamente para liquidar o contrato de financiamento de 2007.”
“75. Em 2017 as três Partes (Réu, o Autor e a V...) procederam à renovação do contrato de financiamento existente, mediante a assinatura de dois contratos de financiamento.”
“121. Como o contrato de financiamento celebrado em 03/10/2007 acima referido cessava em Outubro de 2012, e não se encontrava integralmente pago pela Sociedade, foi acordado entre as partes proceder à sua renovação, mediante a assinatura de contrato idêntico.”
DO PONTO 116) DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA
U. Menciona este ponto que: “Alguns aspetos do contrato de financiamento, nomeadamente, as suas condições particulares, foram alvo de negociações entre Autor e o BES.”
V. Na sua motivação, o Tribunal considerou que “Os depoimentos das testemunhas ouvidas, nomeadamente, RR e IS, confirmam que o contrato de 2007 foi negociado, não negando o Autor e a testemunha MM o interesse pessoal do Autor no negócio, para valorizar o seu património e garantir o financiamento do Banco, não só neste negócio (admitindo que para o Autor era libertar 2.000.000,00 euros de que podia dispor livremente) mas noutros futuros que garantissem o financiamentos das suas empresas, nem os contactos e reuniões havidas em que os termos do negócio foram discutidos”.
W. Os excertos supratranscritos são amplamente suportados pelos documentos juntos aos autos, nomeadamente, o documento n.º 8 junto com a contestação apresentada pelo Réu, correspondente ao fax enviado pelo Réu ao Autor no dia 04/09/2007, do qual se pode ler: “Vimos por este meio confirmar as condições de aprovação da operação de M/ L Prazo (…) Agradecemos a confirmação da aceitação destas condições, tendo em vista a emissão do respetivo contrato.”
X. Do teor do referido documento é possível concluir que, em momento algum se reporta o Réu a quaisquer condições previamente negociadas entre as Partes. Ao invés, resulta claramente, inclusive, do fax enviado pelo Autor ao Réu no mesmo dia 04/09/2007 (documento n.º 9 junto com a contestação apresentada pelo Réu) que: “Vimos pela presente aceitar as condições propostas por V. Exas. para operação de ML/ Prazo de 10.000.000 euros, conforme v/ fax em anexo. Solicitamos também a transferência até ao montante de 8.000.000€ para a conta à ordem n.º …018, em nome de PP….”
Y. Nestes termos, resulta evidente que as condições contratuais do contrato de financiamento celebrado em 2007, nomeadamente, as suas condições particulares, foram apresentadas ao Autor, limitando-se o mesmo, pura e simplesmente, a proceder à confirmação e aceitação das mesmas.
Z. Pelo que não poderá ser dado como provado que tenham existido negociações entre o Autor e o BES, devendo, ao invés, tal facto ser dado como não provado pelo Venerando Tribunal da Relação.
DO PONTO 126) DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA
AA. Neste ponto da matéria dada como assente pode ler-se “O Autor era um conhecedor quer dos tipos de investimento que existiam no BES e no Novo Banco, quer da sua responsabilidade enquanto avalista, dado que o Autor tem contratos semelhantes celebrados com várias sociedades do Grupo P..., nas quais o aqui Autor também exerce funções enquanto membro dos órgãos sociais e atua enquanto seu representante legal.”
BB. Ora, não poderia o Tribunal a quo ter dado como assente tal facto, tal qual o fez.
CC. Desde logo, cumpre referir que, da motivação da convicção do Tribunal, relativamente a este ponto da matéria de facto dada como provada, resulta que “a documentação junta aos autos comprova igualmente os factos 119 a 127”.
DD. Salvo melhor opinião, revela-se incompreensível e infundada a conclusão do Tribunal, pois que, a mesma não encontra suporte em qualquer meio de prova, nomeadamente documental.
EE. Sendo certo que, em todo o caso, o Tribunal não especifica qual a documentação concreta que comprova tal facto, reportando-se, ao invés, globalmente, a toda documentação junta.
FF. No entanto, das declarações de parte do Autor e do depoimento da testemunha MM é possível verificar que, efetivamente, o Autor possui outros contratos junto do BES, sem que, no entanto, os mesmos detenham características “sequer parecidas” às que constam do contrato celebrado em 2007, aqui em questão.
GG. Neste sentido, torna-se evidente que o Autor, embora dotado de experiência ao nível empresarial, não era conhecer do tipo de investimento em questão nos presentes autos, isto é, não estava familiarizado com específicos termos formalizados, que não correspondem aos tipos de investimento usualmente celebrados.
HH. O Autor era conhecedor, em termos genéricos, da responsabilidade inerente a um avalista, em contratos celebrados com “condições normais”, sendo que tal conhecimento não se repercute no contrato em questão, puramente “atípico” e ao qual o Autor não estaria, naturalmente, acostumado e para o qual foi aliciado.
II. Com relevância para o presente ponto da matéria de facto dada como provada, no que concerne ao perfil empresarial do Autor, veja-se, desde logo, que todas as testemunhas sustentam, de um modo geral, que o senhor PP … era conhecedor dos riscos inerentes ao contrato assinado, na medida em que se apresentava como um homem de negócios experiente.
JJ. Com efeito, atente-se a este propósito no documento n.º 5 junto com a contestação apresentada pelo Réu, denominado “Perfil do Investidor”, do qual resulta que: “O questionário de Perfil de Investidor pretende atribuir um perfil de investimento que reflita os seus conhecimentos e experiência nos mercados financeiros, os seus objetivos de investimento e a sua situação financeira.”
KK. Do referido documento constam quatro diferentes perfis de investimento:
“Muito Conservador – Investidor cujo objetivo principal é a preservação do valor investido, preferindo investimentos de risco baixo, assumindo por isso uma expectativa de rentabilidade mais limitada;
Conservador – Investidor que está disposto a assumir um nível de risco entre o médio e o baixo, de modo a perspetivar uma maior rentabilidade a médio e longo prazo;
Moderado - Investidor que está disposto a assumir um risco elevado nos investimentos, de modo a potenciar um crescimento sustentado do capital aplicado a médio e longo prazo;
Dinâmico: Investidor cujo principal objetivo é potenciar um crescimento importante a médio e longo prazo da sua carteira de investimentos, assumindo para tal risco muito elevado nas soluções que subscreve.”
LL. Em concreto, o Recorrente foi enquadrado no Perfil de Investidor Moderado.
MM. Não obstante, na mesma ficha foi igualmente considerado que o Autor “tem alguma perceção dos riscos associados aos diferentes instrumentos financeiros”, portanto, foi enquadrado no segundo nível, sendo o primeiro nível “não tem nenhuma perceção dos riscos associados aos diferentes instrumentos financeiros”, o que, por si só, não permite concluir, com a assertividade apresentada pelo douto tribunal, que Autor era conhecedor quer dos tipos de investimento que existiam no BES e no Novo Banco, quer, no caso concreto, da sua responsabilidade enquanto avalista.
NN. Assim, ponderada toda a prova produzida, andou mal o Tribunal ao dar como assente tal facto, o qual deveria revestir, no limite, a seguinte configuração:
“O Autor era conhecedor dos tipos de financiamento que existiam no BES e no Novo Banco, tendo alguma perceção dos riscos associados aos diferentes instrumentos financeiros e, em termos genéricos, ao que implica a responsabilidade de ser avalista, dado que o Autor possui outros contratos celebrados com várias sociedades do Grupo P..., nas quais o aqui Autor também exerce funções enquanto membro dos órgãos sociais e atua enquanto seu representante legal, os quais, no entanto, não revestem condições semelhantes às do contrato de financiamento celebrado em 2007.”
DO PONTO 17) DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO NÃO PROVADA
OO. Dispõe o ponto 17) da matéria de facto dada como não provada que: “O Autor e a V... nunca quiseram contrair o financiamento de 10.000.000,00 EUR (dez milhões de euros).”
PP. Para tal, considerou o Tribunal a quo na respetiva fundamentação jurídica nos seguintes termos: “O facto não provado com o n.º 17 é infirmado pela alegação do próprio Autor que declara ter aceite fazer a operação que mais não fosse para ganhar um lugar no núcleo reservado do poderoso universo Espírito Santo.”
QQ. Sucede que, da prova produzida não seria possível concluir nos termos supra referidos, pois que, das declarações de Parte do Autor e, bem assim, do depoimento da testemunha MM resulta claramente que, na realidade, o Autor não queria contrair o financiamento de 10.000.000,00€ cuja aparência parece resultar do contrato assinado em 2007 e sucessivas renovações.
RR. Pelo contrário, o Recorrente pretendia, isso sim, garantir o acesso ao Grupo Espírito Santo, pois que, na realidade, resulta evidente que não existe um verdadeiro financiamento, um contrato revestido da tipicidade com que normalmente o Autor PP … se depara nas respetivas negociações.
SS. Sendo que, não é crível que um empresário como o Autor, em concreto, o Grupo P..., com uma solidez notória, necessitasse de um financiamento de tal modo exorbitante, nos concretos termos reduzidos a escrito.
TT. Assim, tendo como base a prova acima explicitada, andou mal o Tribunal, fazendo tábua rasa de imprecisões e “estórias” mal contadas, sem qualquer critério de razoabilidade.
UU. Ficando assim por dar como provado um facto essencial: O Autor e a V... nunca quiseram contrair o financiamento de 10.000.000,00 EUR (dez milhões de euros), nos concretos termos resultantes do contrato ora formalizado pelas partes outorgantes.
DO DIREITO
VV. Entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo não procedeu a uma correta subsunção dos factos ao direito.
Da nulidade do aval prestado pelo Autor
WW. O Tribunal a quo reconheceu, e bem, que os contratos assinados, respeitantes ao financiamento ora em apreço, são constituídos por cláusulas contratuais gerais, nomeadamente, a cláusula respeitante à livrança.
XX. Inclusive, deu o Tribunal como não provado que “o BES e o Réu tenham informado o Autor dos aspetos compreendidos nas cláusulas gerais dos contratos relativas à prestação de aval que lhe foram lidas e explicadas por aqueles”.
YY. No entanto, a final, considerou o Tribunal que “embora não tenha sido considerado provado que a cláusula em questão foi explicada ao Autor, não podemos deixar de concluir que este não poderia ter deixado de compreender o seu alcance, aceitando o respetivo teor” entendendo, desse modo, que “não se mostra comprovado que o Réu tenha o violado o dever de informação”.
ZZ. Para tal, o Tribunal a quo formou a sua convicção com base nas seguintes ilações:
“Por outro lado, não se concebe que o Autor, empresário com décadas de experiência não saiba o que é um aval e o que significa ser avalista.”
“Ora, não corresponde ao que normalmente decorre das regras de experiência comum que alguém como o Autor, que detém participações sociais em empresas de sucesso com incursões no mercado internacional, e que intervém nos contratos de financiamento na dupla qualidade de representante legal do mutuário e de avalista do mutuário, não saiba que em caso de incumprimento das obrigações daquele seria responsável perante o Réu da mesma maneira que o avalizado.”
AAA. No entanto, andou mal o Tribunal, pois que, em conformidade com o aludido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/05/2017, processo n.º 1961/13.5TVLSB.L1.S1 (relator Lopes Rego), o grau de eventual maior literacia financeira da parte a quem são propostas cláusulas contratuais gerais em negócios jurídicos de natureza financeira não dispensa o intermediário financeiro de cumprir o dever de informação que sobre ele recai.
BBB. Assim, o dever de informação, legalmente imposto com base no respeito pelo princípio da boa fé pressupõe uma explicação consistente acerca da funcionalidade do negócio, como um todo, e o devido esclarecimento da contraparte acerca dos riscos financeiros em que incorre, perante uma alteração significativa do quadro económico, de modo a desfazer o eventual equívoco do outro contraente acerca da real natureza do negócio, face à globalidade do respetivo conteúdo.
CCC. Por seu turno, de acordo com o referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/03/2019, proferido no âmbito do processo n.º 1942/12.6TVLSB.L1.S2 (relator Acácio das Neves), para se considerar demonstrado o referido dever de informação, não basta provar que a celebração dos contratos foi precedida de reuniões e de troca de correspondência, quando se mostra provado que o Autor não percebeu na íntegra o teor das cláusulas do contrato.
DDD. Ora, em concreto, o perfil do Recorrente PP … enquanto empresário experiente, não poderia, em caso algum, ser fundamento válido para o incumprimento absoluto do dever de informação por parte do Recorrido.
EEE. Com efeito, analisando, em concreto, a avaliação que terá sido feita ao Recorrente, mediante um questionário de perfil de investidor (cfr. documento 5 junto aos autos com a contestação) verifica-se que na questão “como avalia os seus conhecimentos sobre instrumentos, produtos e mercados financeiros?” existiam quatro respostas diferentes, por níveis, a saber: “Nenhuma perceção dos riscos associados aos diferentes instrumentos financeiros; Alguma perceção dos riscos associados aos diferentes instrumentos financeiros; Conhecimento dos riscos associados aos diferentes instrumentos financeiros; Conhecimento total dos riscos associados aos diferentes instrumentos financeiros.”
FFF. Ora, ao longo dos vários níveis é feita a distinção entre “perceção” e “conhecimento”, tendo sido considerado que o Recorrente possui somente “alguma perceção dos riscos associados aos diferentes instrumentos financeiros”, o que, desde logo, não se compadece com a fundamentação apresentada pelo Tribunal de que não seria concebível que o Autor, sendo um “empresário com décadas de experiência”, não tivesse compreendido a cláusula em questão.
GGG. Com efeito, resulta do disposto no número 2 do artigo 321.º do Código dos Valores Mobiliários (doravante, “CVM”): “Os contratos de intermediação financeira podem ser celebrados com base em cláusulas gerais”.
HHH. Ainda, estipula o número 1 do artigo 312.º do CVM que: “O intermediário financeiro presta, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo as respeitantes: (…) e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;.”
III. Assim, sempre se diga que, no que concerne à formalização dos contratos de 2012 e 2017, conforme referido supra quanto aos pontos 12), 75) e 121) dos factos provados, na realidade, o Recorrente não procedeu à assinatura de novas livranças, nem voltou a ser emitida toda a documentação, sendo que, tal procedimento não permite, de modo algum, acautelar o cumprimento do dever de informação.
JJJ. Pelo que se encontram violadas as normas jurídicas supra, assim como as constantes do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro (artigos 5.º e 6.º).
KKK. Ora, defendendo a exclusão de todas as cláusulas do contrato (cfr. alíneas a e b) do artigo 8.º da LCCG), por violação dos deveres de comunicação e informação consagrados nos artigos 5.º e 6.º da LCCG, pugnam os aqui Recorrentes pela declaração de nulidade do contrato celebrado em 2007 e sucessivas renovações ocorridos em 2012 e 2017, em conjugação com o disposto no artigo 289.º do Código Civil e consequente nulidade dos avais prestados pelo Recorrente PP ….
Da nulidade do contrato de financiamento em virtude da simulação existente
LLL. Entendeu o douto Tribunal que a factualidade apurada não revela qualquer simulação, na medida em que não estão presentes na situação exposta os elementos que caracterizam tal figura jurídica.
MMM. No entanto, não podem os Recorrentes concordar com a fundamentação ora apresentada.
NNN. Efetivamente, para que haja simulação deve existir uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada, traduzida num conluio entre declarante e declaratário com o fim de celebrarem um negócio que não corresponde à sua vontade real, com o intuito de enganar um terceiro.
OOO. Assim, estipula o artigo 240.º do Código Civil:
“1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2. O negócio simulado é nulo.”
PPP. In casu, o que efetivamente deveria ter sido dado como provado é que existe um “autofinanciamento”, ao abrigo do qual os contratos celebrados entre o a V..., o BES e o Réu não poderiam jamais subsistir, pois que os mesmos consubstanciam, efetivamente, uma situação de simulação absoluta.
QQQ. Pois que, dos depoimentos prestados pelas várias testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento e respetiva sucessão de documentos resultou que, desde logo, os contratos de financiamento celebrados com o Réu nos anos de 2012 e 2017, na realidade, consistem numa mera continuação/ renovação do contrato de financiamento celebrado em 2007 com o BES.
RRR. Com efeito, na relação contratual existente, os Recorrentes pretendem, na realidade dos factos, obter o acesso privilegiado, a parceria do Grupo Espírito Santo, não vislumbrando, efetivamente, obter um verdadeiro financiamento no montante de 10.000.000,00€ (dez milhões de euros).
SSS. Por seu turno, o BES visava, conforme referido, alcançar um autêntico autofinanciamento, isto é, “montar” uma operação na qual concede um financiamento a uma empresa, constituída para esse exclusivo efeito (Cfr. ponto 66 da matéria dada como provada), cuja garantia seriam ações e obrigações do próprio Grupo Espírito Santo.
TTT. Assim, verifica-se claramente a existência de uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada, isto é, uma divergência intencional entre o sentido da declaração das partes e os efeitos que elas visam prosseguir com a celebração (simulada) do negócio jurídico, mediante um acordo simulatório: o financiamento.
UUU. Efetivamente, o Autor PP …, o BES e o Réu pretenderam dar a aparência de um financiamento ao encaixe financeiro efetuado, pois que, evidentemente, eram conhecedores de que a Interveniente Principal V..., sociedade meramente instrumental, não teria capacidade para cumprir com o “financiamento”.
VVV. Consequentemente, as Partes, enganaram, indiscutivelmente, as Entidades Reguladoras, entre elas, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e o próprio Banco de Portugal.
WWW. Assim, nos termos do número 1 do artigo 242.º do Código Civil: “Sem prejuízo do disposto no artigo 286.º, a nulidade do negócio simulado pode ser arguida pelos próprios simuladores entre si, ainda que a simulação seja fraudulenta.”
XXX. Sucede que, em simultâneo, o Recorrente PP … viu-se, ele próprio, enganado BES e, subsequentemente, pelo Réu, pois que, as reais motivações subjacentes à sua vontade de contratar (devidamente “escondidas” sobre a simulação documentada) não ocorreram, tendo sido, ao invés, frustradas.
YYY. E isto porquê? Porque, logicamente, em momento algum o Recorrente PP … não imaginava a situação de crise na família Espírito Santo que estaria prestes a aproximar-se, com as avultadas consequências na sua esfera pessoal e empresarial.
ZZZ. Neste sentido, em harmonia com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/05/2012, proferido no âmbito do processo n.º 82/04-6TCFUN-A.L1.S2 (relator Fonseca Ramos), entende-se que na génese da existência de negócios simulados, ainda que para camuflar negócios dissimulados, estão declarações negociais queridas para valer com força vinculativa, mas que não foram sinceras.
AAAA. Note-se que, resulta do disposto no número 2 artigo 394.º do Código Civil que é inadmissível a prova testemunhal para demonstração de negócio simulado, quando a simulação é invocada pelos simuladores.
BBBB. No entanto, em conformidade com o aludido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/11/2019, proferido no âmbito do processo n.º 503/18.0T8GMR.G1 (relator Jorge Teixeira), veja-se que, os números 1 e 2 do artigo 394.º do Código Civil, ao impedir o recurso exclusivo à prova testemunhal e/ou por presunções judiciais, não veda completamente a ponderação de tais meios de prova quando conjugados com meios de prova documental ou outra de valor idêntico que constitua, pelo menos, um princípio de prova do acordo simulatório.
CCCC. Pelo exposto, atendendo à prova testemunhal e documental produzida, dúvidas não parecem subsistir, salvo melhor opinião, de que, in casu, estamos perante um negócio absolutamente simulado, o qual reveste todos os pressupostos que lhe são exigíveis: i. acordo entre declarante e declaratário; ii. intuito de enganar terceiros; iii. divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.
DDDD. Assim, a decisão aqui em crise não se poderá estabilizar na ordem jurídica, sob pena de grave afronta aos princípios de justiça e verdade material, bem como o princípio do dispositivo.
EEEE. Consequentemente, outro não poderá ser o desfecho da presente litigância senão a conclusão de que estamos perante uma simulação, pelo que deverá o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa concluir pela nulidade do contrato de financiamento celebrado em 2007, o que acarreta a nulidade dos subsequentes contratos que, conforme amplamente referido, revestem uma mera renovação daquele.
FFFF. Pelo que, nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve este recurso merecer provimento, com as legais consequências, como é de INTEIRA E SÃ JUSTA!
O R. respondeu ao recurso, sobrelevando das suas contra-alegações as seguintes conclusões:
A) Os Recorrentes vieram recorrer da douta sentença, por entenderem que, atenta a prova produzida em sede de Audiência Discussão e Julgamento, existem factos que foram dados como provados que não estão provados e factos que foram dados como não provados e que deveria ter sido dados como provados;
B) Entenderam ainda que, a Exma. Sra. Juíza a quo não extraiu devidamente das declarações do Autor, depoimento das testemunhas e dos restantes meios de prova, aquilo que verdadeiramente importava quanto ao factualismo trazido a juízo;
C) No entanto, a aqui recorrida não concorda com tais argumentos, por entender que efetivamente a sentença do tribunal a quo é demonstrativa dessa ponderações e análise conjunta com a livre apreciação da prova, até porque a Mm. Juíza a quo aquando da elaboração da matéria dos factos provados e não provados, indicou e correlacionou toda a prova que teve em considerações para considerar determinado facto provado ou não provado.
D) A apreciação da prova deverá ser reconduzível a critérios objetivos para que, assim seja suscetível de motivação e controlo.
E) “o princípio da livre apreciação da prova é um princípio atinente à prova, que determina que esta é apreciada, não de acordo com regras legais pré-estabelecidas, mas sim segundo as regras da experiência comum e de acordo com a livre convicção do juiz, uma livre convicção que não pode ser arbitrária ou subjetiva e, por isso, deve ser motivada. A motivação da convicção apresenta-se pois, como o meio de controlo da decisão de facto, em ordem a garantir a objetividade e a genuinidade da convicção formada pelo tribunal” – ACSTJ de 11/07/2007”.
F) Entende a aqui Recorrida que efetivamente a Mm. Juíza a quo, para indicar os factos provados e não provados, teve em consideração toda a prova documental e testemunhal trazida a juízo e prova disso, é que, se atendermos à sentença, a Mm. Juíza indica especificamente o que é que considerou em termos de prova para proceder à sua decisão.
Vejamos:
G) Os recorrentes pretendem que o douto tribunal análise os pontos 12),75) e 121) dos FACTOS dados como PROVADOS, alegando que a ponderação da prova deveria ter levado a outra decisão:
Ora, facto 12) “12. A 22 de outubro de 2012, foi celebrado um novo contrato de financiamento pelo BES à V..., com o nr.º …299, com montante máximo global a ascender, novamente, a 10.000.000,00€ (dez milhões de euros) que serviu exclusivamente para liquidar o contrato de financiamento de 2007”
H) Da motivação da convicção do Tribunal, verifica-se que na sentença, o Tribunal deu como provado os factos com os n.ºs 8 a 18.º “porque foram aceites pelo Réu e resultam dos documentos juntos com a petição inicial - documento 2 que consubstancia o contrato de financiamento celebrado em 3 de outubro de 2007; documento 3 – Alteração ao contrato celebrado em 14/10/2010; documento 4, alteração ao contrato celebrada a 02/01/2012 e documento 5 que consubstancia o contrato de financiamento celebrado em 22 de outubro de 2012”.
I) Portanto, o tribunal a quo teve em consideração a prova documental que existe nos autos e que foi junta inclusivamente pelo Recorrente, embora este pretenda dar-lhe outro significado, reportando-se a pequenos trechos de gravações do testemunho prestado pelas Testemunhas RR; CL e TP.
J) Vejamos o depoimento que os recorrentes invocam da testemunha CL:
Ao minuto 05:30 da Gravação, a testemunha diz “Foi uma mera Renovação (…) concretamente o que se fez foi renovar o empréstimo por um novo Período (..) do Centro de empresa e concretamente o gestor e a minha pessoa fizemos a mera formalização e renovação do empréstimo com as alterações, aplicações particulares”.
No entanto se atendermos ao minuto 05:24 da Gravação, a testemunha também diz o seguinte: “Sim foi necessário renovar, fazer novos contratos, correndo em 2012 de uma forma pacifica”.
Continuando, no minuto 06:40:
Mandatária da Ré: Mas diga-me uma coisa, eu verifico aqui que o contrato, o novo contrato de financiamento no fundo não foi uma imagem de uma mera renovação, acabou por ser um novo contrato, certo?
Sim eles prorrogaram um novo contrato.
Minutos 06:59 a 7:19
Mandatária da Ré: Qual foi a necessidade …porque é que houve uma necessidade de constituírem um novo contrato e não fazer uma adenda… qual foi no fundo os fundamentos que levou a ter de ser necessário fazer um novo contrato?
Minutos 07:19 a 7:59
Testemunha: Porque o contrato terminava no prazo inicial de 5 anos, tínhamos de fazer um novo contrato porque terminava o prazo...porque a empresa não tinha possibilidades na altura….não foi uma mera renovação
Importante assim, atendermos ao início do depoimento do depoente TP:
Minuto 04:20 até 04:51 do dia 08/09/2023
Mandatária da Ré: Então relativamente aos contratos de financiamento existente em 2007 e 2012, o Dr. TP não teve qualquer conhecimento nem qualquer função, digamos com este processo?
Testemunha: Não, Não tive ligação direta a esses contratos, o que tive foi, o que expliquei, que tive no final de 2016, na negociação do contrato da V...e que iria ocorrer o seu vencimento em março do ano seguinte.
K) Assim, ao contrário do que, os recorrentes querem fazer crer, resultou da prova produzida composta quer por documentos quer pelos depoimentos e quer pelas próprias declarações do Autor PP … que, o contrato celebrado em 2007, tinha a sua maturidade em 5 anos e que no final do último ano, o Autor aqui recorrente teria que cumprir com uma prestação bullet que não conseguiu cumprir, face às dificuldades que a empresa atravessava como todas as empresas em Portugal atravessavam na altura.
L) Foi assim negociado entre as partes (recorrente e recorrida) a constituição de novo contrato de financiamento liquidando os anteriores, subscrição de nova livrança avalizada pelo Autor PP … e ainda subscrição de dois penhores (penhor mobiliário de ações do espírito Santo Financial Group e um penhor de carteira de instrumentos financeiros).
M) Pelo que, decidiu bem o tribunal a quo, quando deu como factos provados, os factos constantes dos n.ºs 12.º, 75.º e 121.º
N) Vejamos agora o ponto 116.º dos Factos provados: “Alguns aspetos do contrato de financiamento, nomeadamente, as suas condições particulares, foram alvo de negociações entre Autor e o BES”.
O) A motivação do tribunal para dar como provado o facto acima referido, teve em consideração os depoimentos não só das testemunhas RR mas também IS; MM e ainda as declarações do Autor.
P) se atendermos às próprias declarações de parte do Autor do dia 23/05/2023, entre as 10h e às 11h31 – minutos 59:00
Mandatária da recorrida: Mas diga-me uma coisa isso foi criado… isso foi uma ideia e foi criado com o seu diretor financeiro? Como é que foi?
Declarações do Autor: Não, isto foi uma coisa que quando fizemos o almoço, eles (BES) propuseram que não podia ficar na empresa, eles já sabiam destas coisas, que tínhamos de fazer à partes, eles é que nos alertaram para isso (…)
Hora: 1:01 até 1:31:03
Mandatário da recorrida: O Sr. PP já disse aqui que, na altura foi o BES que o convidou para ir a uma reunião, porquê os 10 milhões então?
Declarações do Autor: Um almoço
Mandatário da Recorrida: Mas a minha questão é porquê … vai a um almoço ou a uma reunião com pessoas do BES (…) Mas qual é que era o objetivo para si ou para as suas empresas?
Declarações do Autor: Eu quando fui para a reunião não sabia para o que é que ia… lá é que afloraram isso… oh PP tivemos aqui a ver uma coisa boa para si, para ficar nosso parceiro…(…) Mas disseram: para ficar nosso parceiro tem de ter um financiamento de 10 milhões é isso? Não…tem de ter um envolvimento connosco
Mandatária da Recorrida: Mas já não tinha dos outros grupos…. P..., digo?
Declarações do Autor: Não (…) tínhamos pouca coisa o que tínhamos é o que temos hoje.
Mandatária da Recorrida: Ah e interessava-vos a vocês também é isso?
Declarações de Autor: Interessávamo-nos a nós tornava-se muito mais fácil no futuro apoiarem-nos noutras operações, foi uma conversa que se teve ali e interessava-nos.
Mandatária da Recorrida: Ou seja, uma questão negocial tanto para um lado como para o outro?
Declarações do Autor: Não, a mim interessava-me no futuro ter um banco que me apoiasse
Mandatária da Recorrida: No contrato de 2007, houve um desfasamento, ou seja, 8 milhões para aplicações e os outros 2 milhões era para quê? Foi diretamente para si a título particular ou era para a empresa
Declarações do Autor: Não…. foi para mim
Mandatária da Recorrida: Era para quê, na altura justificou ou (…)?
Declarações do Autor: Não não, podia fazer o que quisesse, mas depois comprei uns produtos deles (BES), já não me lembro, mas isso tinha liberdade.
Mandatária da Recorrida: Mas isso era porque o Sr. PP na altura precisava dos 2 milhões é isso?!
Declarações do Autor: Não, eu é que na altura lhe disse a eles… então para mim não há nada? Eles assim, guardamos aqui uma parte.
Q) Embora, o Recorrente tente de uma maneira desesperada fazer crer que não negociou nada, que teve de aceitar as condições dadas pelo BES em 2007 e que até nem queria fazer o negócio, os argumentos caiem por “terra” quando das suas próprias declarações percebemos que houve reuniões, houve conversas sobre o negócio, mas como em todos os negócios, cada parte tenta tirar o melhor partido do negócio.
R) Se por um lado, para o BES, fazer este negócio, seria captar mais um cliente em que a maioria dos seus investimentos pudessem passar pela gestão do Banco fazendo investimentos no grupo, para o Autor aqui recorrente, seria para além de financiamento pessoal de pelo menos 2 milhões, seria o apoio ao investimento nas suas empresas e o reconhecimento pessoal e empresarial.
S) Sendo que, o fax de que os recorrentes falam não é mais do que a formalização do que já havia sido previamente falado e negociado, pelo que, decidiu bem o tribunal a quo.
T) Do Ponto 126) dos factos provados que, os recorrentes entendem não dever ser dado como assente.
U) os Recorrentes entendem que o facto 126.º da matéria assente e que tem a ver com o perfil do Autor e os conhecimentos deste, sob investimentos financeiros e risco, não deveria ter sido dado como assente.
V) ora, não concorda a recorrida com os fundamentos invocados pelos recorrentes, pois que, efetivamente para além da prova documental junta aos autos e sobre a qual o tribunal a quo faz referência, em todos os depoimentos prestados pelas testemunhas, houve uma unanimidade sobre o perfil que o Autor tinha, isto é, que o Recorrente era um homem de negócios, habituado a negociar com a banca, auxiliando-se do seu diretor financeiro da empresa do grupo P... – Dr. MM.
X) Ademais, resulta da prova documental que o aqui Recorrente já era cliente do banco há alguns anos no âmbito de outras empresas de que era Administrador, nomeadamente da P... Automotive e da P... – Sistemas de fixação S.A, entre outras empresas.
Y - Sendo que, a P... faturava bastante bem, com reconhecimento no mercado e este tipo de negócio não era novidade para o Recorrente, nem a subscrição de livranças, nem o tipo de contrato embora cada contrato tivesse é claro, a sua especificidade.
Z - Se dúvidas houvesse, no depoimento da Testemunha MM aos minutos 05:00 até 06:40 do dia 23/05/2024 depoimento das 15:27 a 16:58, onde é notório o perfeito conhecimento dos termos do negócio:
Minutos 06:00 até 06:43
Mm.ª Juíza: Estava previsto no contrato alguma renovação?
Testemunha MM: O contrato era a 5 anos, tanto é que ele foi depois sucessivamente liquidado com novos contratos... Quando se fez o contrato, o espírito era que não havia qualquer risco na operação porque o capital estava garantido, até porque estávamos sobre a chancela da família Espírito Santo que era detido pelo penhor das ações, pelo investimento que estava na esfera particular transitou-se os 10 milhões de um lado passivo e do lado ativo e eles casavam e não havia qualquer risco … eu até estranhei a operação mas face … o contrato tinha o penhor das ações.
AA) - Mais, o Recorrente nas suas declarações ao minuto 03:54 até ao minuto 04:29, em que o Recorrente explica à Mm.ª Juíza como é que o negócio começou, o mesmo diz: eu disse … foi lá que eles me abordaram, o intuito deles era tornarem-me um parceiro do Banco Espirito Santo, onde me prometeram que se fizesse isso, tinha muito mais, pronto, acesso a outro tipo de coisas e que quando precisasse de alguma coisa do banco não tinha problema nenhum , que o banco estava ali sempre para me apoiar pronto essas coisa que normalmente se dizem e foi aí que ele me falou em nós sermos acionistas do Banco e quando eu disse aquilo das ações eu disse: em termos de ações isto é muito complicado o ideal é sermos obrigacionista, não temos nenhum risco (..) e ele disse: ehpah isso até é capaz de ser melhor e então eles propuseram-me comprar obrigações do ESPIRITO SANTO FINANCIAL e a partir daí fui pensar na situação.
AB) Só por aqui, se pode verificar, que o recorrente tinha conhecimento e estava familiarizado com os investimentos em ações e obrigações, e ainda é possível verificar que também sabia o que estava a negociar.
AC) Assim não se pode aceitar os fundamentos invocados em sede do presente recurso, devendo ser mantido o facto n.º 126 dos factos assentes.
AD) Do Ponto 17) dos factos dados como não provados em que, os recorrentes consideram que seria um facto que o tribunal a quo deveria ter dado como provado.
Motivação do douto tribunal para considerar que, o facto teria de ser dado como NÃO PROVADO é infirmado pela alegação do próprio Autor que declarar te aceite fazer a operação que mais não fosse para ganhar um lugar no núcleo reservado do poderoso universo Espírito Santo.
AE) Das declarações do próprio Autor, o mesmo admite que o negócio ainda que pudesse ter sido proposto pelo BES, era um negócio que interessava ao recorrente e aos seus negócios, tendo ainda uma componente de reconhecimento e sucesso profissional perante alguns nomes importantes da sociedade Portuguesa.
AF) Assim, por mais, voltas que, os recorrentes agora pretendam dar ao assunto, porque, as coisas não correram como seria expetável quer para os recorrentes quer também para aqui Recorrida, resulta claro pelas declarações do recorrente, que o facto alegado na petição inicial em que “o Autor e a V… nunca quiseram contrair o financiamento de 10.0000.000,00 EUR (dez milhões de euros)” tivesse que ser dado como facto não provado.
AG) Até porque, se atendermos a este facto, o mesmo fica em contradição com as próprias declarações do Autor, em que o mesmo, disse que a sociedade V... foi criada para este negócio, uma vez que, se o negócio em questão fosse alocado à empresa P... depois teriam problemas com os outros bancos em que tinham financiamento.
AH) É evidente que os recorrentes quiseram contrair o financiamento, até porque a expetativa de rentabilidade era promissora.
AI) Assim, decidiu bem o tribunal a quo, ao decidir que o facto n.º 17 é um facto não provado.
B- Do Direito
1 – Da nulidade do aval prestado pelo Autor
AJ) Entendem os recorrentes que o tribunal a quo não procedeu a uma correta subsunção dos factos ao direito.
AK) Ora, com tal argumento não pode a aqui recorrida concordar.
Al) Entende a recorrida que, o tribunal a quo, entendeu e valorou corretamente as provas que tinha disponíveis, fazendo a correta aplicação do direito.
AM) É aceite quer pela aqui recorrida quer pelos recorrentes quer pelo tribunal, que os contratos aqui em questão efetivamente são integrados por algumas cláusulas contratuais gerais, pelo que estão sujeitos ao regime emergente do DL 446/85 de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos DL 220/95 de 31 de Agosto, DL 249/99 de 7 de Julho e DL 323/2011 de 17 de Dezembro.
AN) De acordo com o disposto nos artigos 5.º e 6.º do referido diploma legal, o proponente tem a obrigação de comunicar as cláusulas contratuais gerais na íntegra aos aderentes que se limitam a subscrevê-las ou a aceitá-las (recaindo sobre o proponente o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva), e informá-los dos aspetos nelas compreendidos, sob pena das mesmas serem excluídas do contrato (Cfr. artigo 8.º).
AO) Só que é muito questionável, conforme reconhecem a doutrina e a jurisprudência, a existência, perante um garante, dos deveres de comunicação e de informação, previstos nos artigos 5.º e 6.º do DL n.º 446/85.
AP) Mesmo que tal dever existisse, e sendo certo que o Autor nem sequer concretiza quais as cláusulas contratuais gerais dos contratos de financiamento em relação às quais terá alegadamente havido incumprimento dos deveres de comunicação e de informação (quando, repita-se, celebrou 4 contratos de financiamento e 5 aditamentos ao longo de 14 anos!), sempre haveria que fazer uma restrição.
AQ) Já que “os avalistas só se podem queixar da falta de cumprimento daqueles deveres relativamente às cláusulas do contrato que têm a ver com a emissão do aval, os pressupostos do preenchimento da livrança e o exercício do direito contra eles (e, por aí, com o incumprimento do contrato). O resto do contrato não tem nada a ver com eles e não lhes tinha de ser comunicado nem informado” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 6798/16.7T8LSB-A.L2-2).
AR) É absolutamente claro que não há qualquer incumprimento dos deveres de comunicação e de informação pelo Réu.
AS) Ora o Recorrente tem uma relação bancária de mais de 14 (catorze) anos e celebrou, ao longo de 14 anos, 4 (quatro) contratos de financiamento, 5 (cinco) aditamentos, avalizou 4 (quatro) livranças em branco e pediu recentemente a adesão ao regime das moratórias, não sendo minimamente crível que não conhecesse as garantias que prestou que foram, aliás, objeto de informação e negociação antes da emissão do contrato final.
AT) O recorrente bem sabe qual foi a sua intervenção no supra referido empréstimo, nomeadamente as obrigações cambiárias por si assumidas, enquanto avalista e garante do bom pagamento da quantia financiada.
AU) Conforme se pode verificar, os contratos celebrados com o Recorrente foram alvo de reconhecimento das assinaturas do Autor, quer como representante legal da mutuária, quer como garante desta.
AV) Ademais, durante a relação que teve com o BES e agora com a aqui recorrida (que se prolonga, portanto, há quase 15 (quinze) anos), o recorrente avalizou diversas livranças em branco e interveio como garante de financiamentos, pelo que, é no mínimo surreal tentar agora demonstrar mais uma vez que não sabe de nada.
AX) A perfeita consciência das suas obrigações é ainda evidenciada, de forma tácita, pelas suas declarações de parte.
AY) Assim Entende a aqui Recorrida que o Tribunal a quo, andou bem, quando decidiu que, mesmo que se pudesse entender ter havido violação dos deveres de informação por parte da recorrida, não era possível considerar nulos os avais prestados pelo recorrente.
2 – Da alegada nulidade do contrato de financiamento em virtude da simulação existente
AZ) Os aqui recorrentes vêm alegar que o tribunal a quo decidiu mal sobre a inexistência de simulação.
BB) Já o tribunal a quo, entendeu após análise de toda a prova, que os factos apurados não revelavam qualquer simulação, não estando presente na situação exposta, os elementos que caraterizariam tal figura jurídica.
CC) Ora conceito de negócio simulado encontra-se explicitado, de harmonia com a doutrina tradicional, no artigo 240.º, n.º 1, do Código Civil, “de que decorre que há simulação sempre que concorram divergência intencional entre a vontade e a declaração das partes, combinação ou conluio que determine a falsidade dessa declaração e a intenção, intuito ou propósito de enganar ou prejudicar terceiros” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 03B2536).
DD) Aplicando o conceito ao caso em apreço e com todo o exposto nos artigos anteriores, não resta margem para dúvidas de que não existe qualquer simulação de negócio.
EE) Quanto ao primeiro requisito, que dá o substrato para a distinção entre a simulação absoluta e a simulação relativa, reconduz-se à divergência intencional entre o sentido da declaração das partes e os efeitos que elas visam prosseguir com a celebração (simulada) do negócio jurídico.
FF) Assim, e contrariamente ao que o recorrente alega, não se reporta a uma divergência entre as vontades dos dois declarantes, i.e. ao objetivo prosseguido por cada declarante com a celebração do contrato.
GG) Ao contrário do alegado pelo recorrente, de que, a sociedade V... não tinha como pagar o financiamento, esta sociedade foi avaliada pela análise de risco do BES com nota bastante positiva e detinha as participações de capital do grupo P... avaliadas contabilisticamente no IES de 2007 em 50.120.000,00 (cinquenta milhões e cento e vinte mil euros).
HH) Toda a análise foi efetuada pelo BES, nada havendo a temer no negócio celebrado com o Autor, pelo que foi efetuado o financiamento por parte do BES, tendo parte da quantia mutuada pelo mesmo, conforme já foi referenciado na presente contestação, sido aplicada na aquisição/subscrição de ações/obrigações que o aqui recorrente bem entendeu.
II) qualificação de um contrato como simulado pressupõe que ambas as partes estivessem em conluio.
JJ) Ora, neste particular, há uma incompatibilidade lógica subjacente à argumentação apresentada pelo Autor: jamais poderia qualquer um dos contratos de financiamento, celebrado entre o BES ou o Réu, conforme aplicável, e a V... e PP …, ser qualificado como acordo simulatório e, simultaneamente, ter o Autor sido ludibriado pela contraparte.
KK) E ainda, conforme o tribunal a quo dispõe na douta sentença: a “queda do BES” e os acontecimentos adjacentes à questão não eram antecipáveis em 2007.
LL) Assim, conclui-se que o Tribunal a quo decidiu bem, ao considerar improcedente a questão da invalidade dos contratos de financiamento, por simulação ou por reserva mental.
MM) Pelo que, nestes termos e nos demais aplicáveis o presente recurso não deverá merecer qualquer acolhimento, confirmando-se a sentença do tribunal a quo, só assim fazendo a inteira justiça!
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II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).
Assim, em termos sucintos, as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) A impugnação da matéria de facto;
b) A nulidade dos avais prestados pelo A. por alegada violação dos deveres de informação; e
c) A nulidade dos contratos de financiamento por alegada simulação.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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                III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. O A., PP …, doravante PP … ou A., é uma pessoa singular, empresário, que vem exercendo a sua atividade empresarial, nas mais diversas áreas industriais, há mais de 40 anos.
2. Por via dessa atividade, o A. foi e ainda mantém a sua qualidade de acionista-administrador de diversas sociedades, sendo as mais relevantes a “P...-Sistemas de Fixação, S.A.” e “P... Automotive, S.A.”, empresas de relevo e de grande destaque no sector em que se inserem.
3. Ambas as empresas integram o atual Grupo P..., cuja fundação remonta a 1983.
4. Em 2007 dá-se início à internacionalização do Grupo P..., alargando a sua operação para Espanha, através da aquisição de uma empresa em Barcelona e para Itália, através da aquisição de uma empresa em Milão.
5. Face ao desenvolvimento que o seu grupo industrial ia adquirindo e à dimensão da operação que geria, passou o A. e as empresas por si geridas a ser “assediado” por diversas instituições financeiras, que procuravam com este estabelecer relações comerciais.
6. Em 2007, um dos parceiros financeiros do A. e das suas empresas era o Banco Espírito Santo (doravante BES).
7. Em março de 2007 foi constituída uma sociedade por quotas, com a firma “V... SGPS, LDA.”, NIPC …, com um capital social de 5.000,00€ (cinco mil euros), cujo objeto nessa altura era a gestão de participação sociais de outras sociedades como forma indireta do exercício da atividade económica.
8. A 3 de outubro de 2007, foi celebrado um contrato de financiamento cujo montante máximo global ascendeu a €10.000.000,00 (dez milhões de euros), feito pelo BES à V..., através do “Financiamento n.º FEC…/07”, por um prazo de 5 anos menos um dia, com taxa de juro Euribor a 3 meses acrescida de 0,375 pontos percentuais e TAEG de 5,2513%, com pagamento de juros a 3 meses e pagamento do saldo em dívida no final do período contratual, constando do mesmo que a finalidade era o apoio ao investimento.
9. Como garantias desse crédito foi subscrita e avalizada uma Livrança pelo aqui A.; efetuado um penhor de valores mobiliários: 170.200 ações de Espírito Santo Financial Group (ESFG-AE), valorizadas, à data, em €4.859.210,00 (quatro milhões oitocentos e cinquenta e nove mil duzentos e dez euros); e 3.000.000 obrigações de NATIXIS 28/06/2010, valorizadas, à data, em €2.896.500,00 (dois milhões oitocentos e noventa e seis mil e quinhentos euros).
10. A 14 de outubro de 2010, foi feita uma alteração ao contrato de financiamento n.º FEC…/07, tendo sido alterada a taxa de juro que passou a corresponder à Euribor a 3 meses arredondada à milésima, acrescida de 2,0 pontos percentuais, passando a TAE para 3,0339% e as garantias do crédito que passaram a ser constituídas, para além do aval prestado pelo A., pelo Penhor de carteira de instrumentos financeiros, considerada como uma universalidade, gerida pelo BES; penhor de valores mobiliários: 170.200 ações de Espírito Santo Financial Group (ESFG-AE), com o valor nominal unitário de €10,00 (dez euros); penhor de valores mobiliários: 250 obrigações do Fundo estruturado a 4 anos, com a valorização, à data, de €240.375,00 (duzentos e quarenta mil trezentos e setenta e cinco euros);e penhor de valores mobiliários: 1000 obrigações do Fundo estruturado a 3 anos, com a valorização, à data, de €985.700,00 (novecentos e oitenta e cinco mil e setecentos euros).
11. A 2 de janeiro de 2012, foi feita uma nova alteração ao contrato de financiamento n.º FEC…/07, que alterou a taxa de juro aplicável para a Euribor a 3 meses, arredondada à milésima acrescida de um spread de 3,75000 pontos percentuais.
12. A 22 de outubro de 2012, foi celebrado um novo contrato de financiamento pelo BES à V..., com o nr.º …299, com montante máximo global a ascender, novamente, a €10.000.000,00 (dez milhões de euros) que serviu exclusivamente para liquidar o contrato de financiamento de 2007.
13. Este contrato foi feito, novamente, por um prazo de 5 anos, menos um dia, com taxa de juro Euribor a 3 meses, arredondada à milésima, acrescida de um spread de 3,75800 pontos percentuais e TAE de 4,11190%, com pagamento de juros a 3 meses e pagamento do saldo em dívida no final do período contratual, constando do contrato que a finalidade era o apoio ao investimento.
14. Como garantia deste novo contrato de financiamento, foi subscrita e avalizada uma Livrança pelo A., efetuado um penhor de valores mobiliários: 170.200 ações, denominadas por Espírito Santo Financial Group (ESFG-AE), valorizadas, à data, em €927.590,00 (novecentos e vinte e sete mil quinhentos e noventa euros) e um Penhor de carteira de instrumentos financeiros, considerada como uma universalidade, gerida pela ESGP, SA.
15. O financiamento feito à V... serviu para esta pagar parcialmente a aquisição de 88,57% do capital social da sociedade anónima “P...-Sistemas de Fixação, S.A.”, sociedade que pertencia ao aqui A..
16. Com o encaixe financeiro proveniente do preço recebido o A. aplicou parte dele, através da sua conta no Departamento de Private Banking do BES em 170.200 ações de Espírito Santo Financial Group (ESFG-AE), valorizadas, à data, em €4.859.210,00 (quatro milhões oitocentos e cinquenta e nove mil duzentos e dez euros); e em 3.000.000 obrigações de NATIXIS 28/06/2010, valorizadas, à data, em €2.896.500,00 (dois milhões oitocentos e noventa e seis mil e quinhentos euros), ações e obrigações que foram as que ficaram como garantia, através de penhor, ao financiamento concedido pelo BES à V....
17. Os juros devidos nos primeiros cinco anos (contrato de financiamento de 2007), foram suportados pelo produto das aplicações que vinham sendo geridas pelo BES.
18. O contrato de 2012, tal como o de 2007, não cobrava quaisquer valores a título de comissões, sejam de montagem, de gestão ou de pagamento antecipado.
19. O BES faliu, sendo decretada a sua resolução pelo Banco de Portugal em agosto de 2014.
20. A 15 de maio de 2014, a Espírito Santo Financial Group (ESFG) e o grupo francês Crédit Agrícole anunciam a dissolução da 'holding' BESPAR, através da qual controlavam o BES, passando a ter participações diretas no banco.
21. No dia 21 desse mês, foi publicado o prospeto relativo ao aumento de capital do BES, que revelou várias informações relativas ao universo Espírito Santo.
22. O prospeto revelava que a auditoria pedida pelo Banco de Portugal (BdP) às contas da ESI "apurou irregularidades nas suas contas e concluiu que a sociedade apresenta uma situação financeira grave". Também, a auditoria interna "identificou irregularidades materialmente relevantes nas contas" da 'holding'.
23. Por imposição do BdP, o ESFG inscreveu uma provisão extraordinária de 700 milhões de euros nas contas de 2013. A preocupação do supervisor era de que várias empresas não financeiras do GES, caso da ESI, não tivessem capacidade de reembolsar o papel comercial colocado junto de clientes do BES.
24. O prospeto do aumento de capital referiu ainda que a ESI tem "em marcha um programa de reorganização do seu grupo e de desalavancagem" para "reequilibrar a sua situação financeira" e "proceder ao reembolso do passivo".
25. O prospeto deu conta da garantia prestada pelo Estado angolano à maior parte dos créditos do banco, de 5.700 milhões de dólares (cerca de 4.200 milhões de euros), para proteger o BESA de possíveis atrasos e incumprimentos por parte das empresas.
26. O prospeto referiu o alegado envolvimento do BES da Florida (EUA) em "atividades ilícitas" e alegadas violações da lei de branqueamento de capitais pelas quais o banco foi multado em 1,2 milhões de euros e que contestou.
27. Somaram-se a "necessidade de revisão de procedimentos" na prevenção do branqueamento de capitais na sucursal do BES de Londres e as buscas da Autoridade da Concorrência a vários bancos em Portugal para recolher provas sobre troca de informação sensível.
28. No dia 27 de maio desse ano, o BES foi autorizado a arrancar com um aumento de capital até 1.045 milhões de euros.
29. Em 11 de junho o aumento de capital do BES foi totalmente subscrito, com a procura a superar a oferta.
30. A 17 de junho, as novas ações começaram a ser negociadas. O objetivo da operação foi reforçar os rácios de capital do banco, que seria submetido aos exercícios do BCE (Banco Central Europeu).
31. Em julho, os receios em torno da solidez financeira do GES, ganharam força após ter sido noticiado que a subsidiária Banque Privée Espírito Santo, na Suíça, estava em incumprimento no reembolso a alguns clientes que tinham aplicações em dívida da ESI, estando esta empresa, à data, a avaliar um pedido de insolvência.
32. O BES emitiu um comunicado a garantir que as potenciais perdas resultantes da exposição ao GES não punham em causa o cumprimento dos rácios de capital.
33. A ESI informou que se candidatou ao regime de gestão controlada no Luxemburgo por não estar "em condições de cumprir as suas obrigações", quanto ao pagamento das dívidas.
34. No dia 22, a Rioforte apresentou também um pedido de sujeição ao regime de gestão controlada ao abrigo da lei luxemburguesa.
35. O ESFG sai do principal índice da bolsa portuguesa, o PSI20, devido "à extensão do período de suspensão" da negociação dos seus títulos, desde 10 de julho, por decisão do comité da gestora da bolsa portuguesa.
36. Depois da ESI e da Rioforte, a ESFG apresentou também um pedido de gestão controlada aos tribunais do Luxemburgo por "não estar em condições de cumprir as suas obrigações".
37. No dia seguinte, o Tribunal de Comércio do Luxemburgo aceita colocar as 'holdings' Rioforte e ESFG sob gestão controlada, depois de já ter tomado a mesma decisão em relação à ESI.
38. A assembleia-geral extraordinária do BES, que estava agendada para dia 31, foi desconvocada a pedido da ESFG e do Crédit Agricole, principais acionistas da instituição.
39. Para desconvocar a reunião magna, o ESFG alegou os 'factos supervenientes e inesperados' entretanto ocorridos, entre os quais, a apresentação dessa sociedade a um pedido de gestão controlada no Luxemburgo.
40. A 30 de julho, o BES divulgou a meio da noite um prejuízo histórico de 3.577,3 milhões de euros entre janeiro e junho.
41. As contas revelam que o banco fechou o primeiro semestre com um rácio de capital de 5%, abaixo do mínimo fixado pelo BdP, e ainda que o Conselho de Administração tinha encontrado passivos que não constavam nos registos contabilísticos do banco a 30 de junho, pelo que constituiu uma provisão suplementar de 856 milhões de euros.
42. Fica-se ainda a saber que o BES corre o risco de perder o controlo do BESA, onde teve um prejuízo de 198 milhões de euros no primeiro semestre, já que o supervisor bancário angolano obrigou a entidade a um "reforço substancial" dos seus capitais e o banco português poderá não ter condições de acompanhar a operação, e que o BES reconheceu nos seus resultados semestrais uma imparidade no valor de 106,1 milhões de euros na participação que detém na PT.
43. Logo às 00:00 do último dia do mês, o BdP emitiu um comunicado em que diz que factos descobertos no BES apontam para a "prática de atos de gestão gravemente prejudiciais" e admite consequências contraordenacionais e até criminais para a ex-equipa de gestão liderada por ….
44. O regulador suspendeu "com efeitos imediatos" os administradores do BES responsáveis pela auditoria, 'compliance' e gestão do risco devido aos "indícios da prática de atos prejudiciais aos interesses do BES".
45. O supervisor inibiu os direitos de voto inerentes à participação da ESFG no BES, ou seja, a família Espírito Santo deixou de ter poder sobre o banco.
46. A CMVM deliberou a suspensão da negociação das ações do BES na bolsa de Lisboa até às 10:00. Pouco depois do fim da suspensão (10:19), as ações do BES estavam a cair em bolsa 49,28% para 0,18 euros.
47. A 1 de agosto, a CMVM suspendeu a negociação das ações do BES até à divulgação de informação relevante, depois de o Banco ter registado um novo mínimo histórico nos 0,105 euros, uma queda de quase 50%.
48. No dia 3, o BdP tomou o controlo do BES e anunciou a separação da instituição em duas.
49. No chamado banco mau ('bad bank'), um veículo que mantém o nome BES, ficaram concentrados os ativos e passivos tóxicos do BES, assim como os acionistas, enquanto no 'banco bom', o banco de transição que foi designado Novo Banco, ficaram os ativos e passivos considerados não problemáticos.
50. Os bancos portugueses propõem, no dia 5, financiar em 635 milhões de euros o Fundo de Resolução para capitalizar o Novo Banco, o que permitiria reduzir o montante proveniente do dinheiro da 'troika' para 3,9 mil milhões de euros.
51. No dia 29, a RioForte Investments, do GES, anunciou ter acordado a venda da sua participada Espírito Santo Viagens (ES Viagens) à empresa suíça Springwater, por um valor não revelado.
52. A ESFG anunciou que vai pedir a insolvência e que também a sua subsidiária ESFIL - Espírito Santo Financière fará o mesmo pedido.
53. Um dia depois, o Tribunal do Luxemburgo declarou a insolvência da ESFG, assim como da sua subsidiária ESFIL.
54. Segundo o documento da Comissão Europeia que aprovou a resolução daquele que era o terceiro maior banco a operar em Portugal, o BdP estimou que uma resolução não ordenada do BES, como a imediata liquidação ou a bancarrota, iria gerar elevadas perdas que poderiam ascender até ao máximo de 28 mil milhões de euros.
55. A 17, o Tribunal do Luxemburgo rejeitou o pedido de gestão controlada da Rioforte e da ESI.
56. Já no final do mês, a 31, o mesmo Tribunal do Luxemburgo declarou a falência da ESI, numa decisão de 27 de outubro, o que significa que a empresa do GES não consegue fazer pagamentos nem obter crédito.
57. A Espírito Santo Control S.A., 'holding' de topo da família no centro da polémica com o GES, solicitou a sua insolvência, que foi aceite, no dia 5 de novembro, pelo Tribunal do Comércio do Luxemburgo.
58. A 12 de novembro, o BdP alertou que o efeito das perdas assumidas pelos acionistas e credores subordinados do BES que residem em Portugal, bem como pelos expostos a outras empresas do GES, pode refletir-se na procura doméstica, logo, na economia portuguesa.
59. O Novo Banco registou um resultado líquido negativo de 467,9 milhões de euros desde que foi criado, em agosto de 2014, na sequência da resolução do BES, até ao final do ano de 2014.
60. O segundo bloco da auditoria que a Deloitte conduziu ao BES indica que poderá ter havido "gestão ruinosa" na exposição do banco ao BESA.
61. Com o colapso do Grupo Espírito Santo, o valor das ações da ESFG AE ficou reduzido a zero euros.
62. O A. viu o financiamento que avalizou (Contrato Financiamento referido anteriormente) entre o BES e a V... ser cedido/transmitido para o “Banco Bom”, que foi criado no âmbito do despacho de resolução do Banco de Portugal, ou seja, o aqui R. (apontado como um banco de transição - designado Novo Banco -, onde ficaram alocados os ativos e passivos considerados não problemáticos).
63. Face a esse motivo, passou o NB a assumir a posição contratual do BES, na referida relação contratual.
64. Passando a V... a ser agora devedora do Novo Banco (aqui Réu) e o A. garante, através do Aval prestado.
65. Efetuando, então, várias abordagens para que fosse regularizada a situação do contrato de financiamento de 22/10/2012.
66. A sociedade V..., Lda. era uma sociedade meramente instrumental, criada para a operação a celebrar com o BES em 2007.
67. Pelo que só através de esforços individuais e sucessivos do A. (que foi fazendo sucessivos suprimentos à V...) seria possível não ser confrontado com o incumprimento do Contrato e, consequentemente, que visse o acionamento dos meios coercivos de cobrança (desde logo a livrança que prestou), o que acabaria por ter efeitos drásticos nas participadas do Grupo P....
68. A 13 de Março de 2015 o A. enviou uma carta ao R. onde escreveu o seguinte: “A V... é uma sociedade meramente instrumental, constituída em 2007, com o capital social mínimo de 5.000,00 euros. Por sugestão do BES foi organizada uma operação de financiamento à V... no montante de 10.000.000,00 euros e, simultaneamente, foi constituída uma carteira de títulos que ficou a servir de colateral ao financiamento. Por conveniência do Banco esta carteira foi constituída essencialmente por títulos do próprio do BES/GES. A operação de financiamento foi proposta pelo BES nestes moldes como sendo algo que se efetuava na generalidade das empresas portuguesas com alguma dimensão, e teria como objetivo consolidar a relação de parceria entre o BES e a P... que o próprio Banco apregoava com insistência. Hoje, tendo em consideração tudo o que ocorreu nos últimos meses, facilmente podemos concluir que estas operações tinham como propósito o financiamento indireto das empresas do GES. Mesmo a aquisição de ações do ESFG, dada a reduzida liquidez em bolsa deste título, teve que ser concertada pelo próprio BES/GES.
Segundo o BES a operação era perfeitamente sustentável em termos financeiros, uma vez que os dividendos/juros dos colaterais (ações e obrigações ESFG) seriam suficientes para cobrir os juros do financiamento concedido; Por outro lado, não apresentava qualquer risco para ambas as partes, pois os colaterais eram controlados pelo grupo BES/GES de forma direta ou indireta e, caso houvesse necessidade de efetuar uma eventual amortização de capital bastaria proceder à liquidação, por igual montante, de parte da carteira de títulos (além de toda a imagem do BES, à época). Além da carteira detida no BES, acima mencionada, e que servia de colateral ao financiamento concedido, perdemos o investimento efetuado em obrigações Rio Forte com vencimento em 8 de Agosto de 2014 – que não foram reembolsados – no montante de 990.000,00 euros. A V..., enquanto sociedade meramente instrumental, não tem qualquer fonte de rendimento e, para conseguir proceder ao pagamento dos juros do financiamento obtido, recorria exclusivamente a suprimentos concedidos pelo seu sócio PP …. Ora, considerando as perdas avultadíssimas que o mesmo sofreu com o colapso do BES/GES, não se afigura sustentável a manutenção desta forma de financiamento da empresa; Deste modo e considerando os que os produtos financeiros do BES/GES foram adquiridos da forma que foram e no pressuposto de que nunca sofreriam uma perda de valor (por serem controlados pela mesma entidade), vem a V... muito respeitosamente propor a renegociação do contrato de financiamento de 10.000.000,00 euros com um perdão considerável. Para o efeito somos a solicitar uma reunião com V. Exas a fim de ser estudada a melhor forma de resolver a situação. Esta proposta enquadra-se na relação de parceria BES/P... mantida há várias décadas e pressupõe a manutenção futura das normais relações com o Novo Banco, o qual manterá o interesse em ter como cliente um grupo de empresas de natureza exportadora e que pode também geral bons negócios para o Banco no futuro (incluindo as contas de centenas de trabalhadores).”
69. Nessa data, as outras empresas do A. atravessavam também elas uma delicada crise empresarial, transversal a todo o setor, consequência da crise das dividas soberanas que varreu o mundo e particularmente os mercados para onde exportava.
70. E o próprio A., a título pessoal, experimentava uma fase de grande ansiedade, uma vez que havia perdido milhões de euros com o colapso do Grupo Espírito Santo, o que gerou no A. grande receio pela sua família e pelo futuro das suas empresas.
71. Foi neste quadro que o A. aceitou a solução proposta pelo R. e plasmada na alteração de 22 de janeiro de 2016 ao contrato de Financiamento com o nr.º …299.
72. A alteração celebrada reuniu como partes o aqui R., o A. e a V....
73. Nos termos dos Considerandos da alteração, lê-se o seguinte:
“O Banco Espírito Santo, S.A. concedeu ao cliente um financiamento em 22/10/2012, pelo valor inicial de 10.000.000,00 EUR;”
“Por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de Agosto de 2014, nos termos do nr.º 5 do art. 145º-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo D.L. n.º 298/92, de 31 de dezembro, foi constituído o NOVO BANCO, S.A., com sede na Av. da Liberdade n.º 195, em Lisboa, com o capital social de 4.900.000.000,00 Euros com o número único … de pessoa coletiva e de registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, para o qual foram transferidos determinados ativos e passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A., identificados na referida deliberação, incluindo o presente financiamento”.
74. A alteração efetuada ao Contrato, além de o R. assumir a posição do BES no Contrato, deveu-se a uma nova mudança à taxa de juro do Contrato.
75. Em 2017 as três Partes (R., o A. e a V...) assinaram dois novos contratos de financiamento.
76. Tanto um como outro tiveram como finalidade única a “liquidação de responsabilidades”, ou seja, tiveram ambos a finalidade única de liquidar a responsabilidade existente, que advinha do financiamento concedido pelo BES.
77. Desta feita, a 14 de março de 2017, foi celebrado um contrato de financiamento cujo montante máximo global ascendeu a €7.000.000,00 (sete milhões de euros), concedido pelo R. à V..., através do “Financiamento n.º …423”.
78. O Plano de amortização/reembolso do crédito está devidamente identificado na cláusula 9. das condições particulares do contrato:
▪ Ano de 2018 - pagamento global de €300.000,00.
▪ Ano de 2019 - pagamento global de €500.000,00.
▪ Ano de 2020 - pagamento global de €600.000,00.
▪ Ano de 2021 - pagamento global de €650.000,00.
▪ Ano de 2022 - pagamento global de €700.000,00.
▪ Ano de 2023 - pagamento global de €750.000,00.
▪ Ano de 2024 - pagamento global de €3.500.000,00 (prestação bullet)
79. Como garantia desse crédito foi subscrita e avalizada uma Livrança pelo A..
80. A 20 de abril de 2018, foi feita uma alteração ao contrato de financiamento n.º …423, que apenas se debruçou sobre a taxa de juro aplicável.
81. Paralelamente ao Contrato de financiamento n.º …423, foi celebrado, nessa mesma data (14 de março de 2017), um segundo Contrato de Financiamento cujo montante máximo global ascendeu a €3.000.000,00 (três milhões de euros), concedido pelo R. à V..., através do “Financiamento n.º …426”,
82. Como garantias desse crédito:
▪ Foi subscrita e avalizada uma Livrança pelo PP…;
▪ Efetuado um penhor de valores mobiliários: 170.200 ações, denominadas por ESFG-AE, valorizadas, à data, em €0,00 (zero euros).
▪ Penhor de carteira de instrumentos financeiros, considerada como uma universalidade, gerida pela GNB - Sociedade Gestora de Patrimónios, S.A..
83. Também a 20 de abril de 2018, foi feita uma alteração ao contrato de financiamento n.º …426, que apenas se debruçou sobre a taxa de juro aplicável.
84. Os dois contratos de financiamento celebrados encontram-se a ser cumpridos regularmente pela V....
85. Do 1.º contrato, de €7.000.000,00 (sete milhões de euros), encontra-se em dívida atualmente a quantia de €6.050.000,00 (seis milhões e cinquenta mil euros).
86. Do 2.º contrato, de €3.000.000,00 (três milhões de euros), respeitante ao pagamento mensal de juros, a V... encontra-se a cumpri-lo regularmente.
87. O A. entregou duas livranças em branco na sequência dos contratos de financiamento que celebrou com a R. que vem mencionada na cláusula 18.ª das condições gerais de cada um dos contratos mencionados.
88. Onde se lê:
“18. Livrança
§1. O Banco poderá acionar ou descontar a livrança que lhe é entregue pelo cliente no caso de incumprimento das obrigações assumidas no contrato.
§2. O Banco fica autorizado pela cliente e pelo(s) avalista(s), caso existam, a preencher a livrança com uma data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação garantida e por quantia que o cliente lhe deva ao abrigo do contrato”.
89. No sentido de ir ao encontro do pedido do BES que, à data, era o maior banco privado português pelo que era de extrema importância manter boas relações com a família Espírito Santo, o A. (a nível pessoal e em nome da V...) aceitou fazer a operação também para facilitar a chegada de investimento à Espírito Santo Financial Group (ESFG).
90. Sabendo que a banca portuguesa tinha pouca liquidez, o A. considerou que o investimento feito era uma maneira de parecer que estavam investidores a comprar obrigações e ações da Espírito Santo Financial Group, nunca imaginando que, ao invés, o BES estava a falir.
91. Um mês antes da celebração do primeiro contrato de financiamento, o BES enviou à V... uma carta em que autoriza esta a ter a sua conta a descoberto por €8.000.000,00 (oito milhões de euros) até ao dia 03/10/2007, data da celebração do primeiro financiamento
92. O valor da carteira de títulos que o A. era titular era na sua globalidade no ano de 2010: €7.491.960,00 (sete milhões quatrocentos e noventa e um mil novecentos e sessenta euros).
93. E no ano de 2015 era na sua globalidade: €2.623.719,61 (dois milhões seiscentos e vinte e três mil setecentos e dezanove euros e sessenta e um cêntimos).
94. As 170.200 ações da ESFG que o A. detinha, que valiam, em 2010, €2.518.960,00 (dois milhões quinhentos e dezoito mil novecentos e sessenta euros), em 2012 €927.590,00 (novecentos e vinte e sete mil quinhentos e noventa euros) e com o crash do BES, passaram a valer €0,00 (zero euros).
95. No contrato de “financiamento” de sete milhões e no o contrato de “financiamento” de dois milhões, não é cobrada qualquer comissão, tanto de montagem, como de gestão, como de liquidação antecipada.
96. O A. sentiu ansiedade e desespero com toda esta situação.
97. No dia 3 de Agosto de 2014, por deliberação do Banco de Portugal, foi aplicada uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A. (doravante, “BES”).
98. O Banco de Portugal determinou na sua deliberação de 3 de Agosto de 2014:
• Ponto Um – constituir o Novo Banco e aprovar os respetivos estatutos (Anexo 1 da deliberação);
• Ponto Dois – transferir para o Novo Banco determinados ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES (Anexo 2 e 2A da deliberação);
• Ponto Três – designar uma entidade independente para avaliação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos transferidos para o Novo Banco;
• Ponto Quatro – designar os membros dos órgãos sociais do BES.
99. No Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal integrou na categoria de “Passivos Excluídos” – responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que se mantiveram na sua esfera jurídica, não tendo sido transferidos para o Novo Banco – “quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais” [alínea b), subalínea (v) e (VII)].
100. Posteriormente, por deliberação de 11 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal decidiu clarificar e ajustar o perímetro dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES transferidos para o Novo Banco.
101. Nesta deliberação, o Banco de Portugal entendeu que deveria “ser definido de modo mais preciso as exclusões constantes da subalínea (v) da alínea b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto” [Considerando (21) da deliberação de 11 de agosto de 2014].
102. Assim, a subalínea (v) da alínea b) do Anexo 2 passou a ter a seguinte redação “quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais” [alínea H) da deliberação de 11 de Agosto].
103. Finalmente, em 29 de Dezembro de 2015, a subalínea (vii) da alínea b) do n.º 1 do Anexo 2, ínsita na deliberação de 3 de Agosto de 2014 na versão consolidada pela Deliberação de 11 de agosto de 2014, foi objeto de uma nova clarificação através de duas novas deliberações do Banco de Portugal.
104. Nessas deliberações, o Banco de Portugal decidiu:
A) Clarificar que, nos termos da alínea b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto, não foram transmitidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de Agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos, independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES;
B) Em particular, clarificar não terem sido transferidos do BES para o Novo Banco inter alia:
• Qualquer responsabilidade que seja objeto de qualquer dos processos descritos em anexo à deliberação.
C) Na medida em que, não obstante as clarificações efetuadas, se verifique terem sido efetivamente transferidos para o Novo Banco quaisquer passivos do BES que devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, são os referidos passivos retransmitidos do Novo Banco para o BES, com efeitos às 20:00 horas do dia 3 de Agosto de 2014;
D) Determinar o Conselho de Administração do BES e o Conselho de Administração do Novo Banco a praticar todos os atos necessários à implementação e eficácia das clarificações e retransmissões operadas pelo Banco de Portugal, em particular, inter alia:
• Praticar todos os atos, sejam estes de natureza procedimental ou processual, nos processos em que sejam parte de modo a dar adequada execução às decisões do Banco de Portugal referidas na alínea A), incluindo aqueles que sejam necessários para reverter atos anteriores que tenham praticado contrários àquelas decisões;
• Requerer a imediata junção da deliberação do Banco de Portugal aos autos em que sejam parte.
105. Por outro lado, e ainda com o objetivo de dissipar quaisquer dúvidas que pudessem subsistir, as deliberações de 29 de Dezembro de 2015 vieram clarificá-las com a redação que deram à subalínea (vii) da alínea b) do n.º 1 do Anexo 2: “Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo de contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v), que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respetivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respetivo vencimento) já se ter verificado, e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de Junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do BES e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”
106. Também resulta evidenciado no Anexo 2C à deliberação de 29 de dezembro, uma “clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas alíneas (v) e (vii).”.
107. No Anexo I àquela deliberação estão listados processos similares aos que estão aqui em causa (aquisição de ações da ESFG), que ficaram igualmente excluídos da transmissão do BES para o Novo Banco [subalínea (vii) da alínea B) da Deliberação de 29 de Dezembro de 2015] o presente processo judicial não está evidentemente incluído naqueles anexos mas apenas porque foi proposto num momento temporal posterior.
108. O A. participa no capital social de diversas empresas, sendo administrador das mesmas.
109. Entre tais empresas, incluem-se a seguintes:
• S… – LDA., com o NIF …;
• P... Automotive, S.A., com o NIF .., anteriormente designada por P... II – Componentes Industriais LDA;
• P... – Sistemas de Fixação S.A, com o NIF … (doravante, “P... Sistemas de Fixação”);
• R… – LDA., com o NIF …;
• P... – LDA, com o NIF … (doravante, “P...”);
• P… – Imobiliária S.A., com o NIF …;
• P… II – Promoção Imobiliária LDA, com o NIF …
110. O A. é um empresário e um investidor experiente.
111. Que beneficia de assessoria económico-financeira,
112. E que dispõe de conhecimentos suficientes para identificar e distinguir os riscos dos diferentes financiamentos e investimentos que decidiu contratar com o BES.
113. Em 29/05/2007, a V... celebrou um contrato de compra e venda de ações com o A., ao abrigo do qual este vendeu àquela, por um preço global de €50.000.000,00 (cinquenta milhões de euros), as ações que detinha no capital social da P... Sistemas de Fixação, a principal empresa do Grupo P....
114. A V..., constituída em 07/03/2007, e cuja firma social inicial era “V... SGPS, Lda.”, tinha como sócios fundadores o aqui A. e a P...expor.
115. Do contrato celebrado entre o BES, o A. e a V... em outubro de 2007, faz parte também uma Ata da assembleia geral da sociedade V..., onde se pode ler o seguinte: “Aos dois dias do mês de Outubro de 2007 (…) Esteve presente o senhor PP …  (…) em sua representação e da sociedade P... – … Lda., o qual decidiu que a assembleia geral se constituísse sem observância de formalidade prévias, nos termos do artigo cinquenta e quatro do Código das Sociedade Comerciais, com a seguinte ordem de trabalho:”
“Após análise das condições do contrato, foi decidido o seguinte: Primeira: celebrar um contrato de mútuo com o Banco Espírito Santo, S.A no montante de dez milhões de euros, com vista a apoio ao investimento. O contrato em questão será celebrado de acordo com as seguintes condições: prazo de cinco menos um dia liquidação integral no vencimento, juros trimestrais à taxa resultante da Euribor a três meses acrescida de um spread de 0,375 Para garantia do contrato acima mencionado, a sociedade dará ao Banco Espírito Santo, S.A., as seguintes garantias: livrança subscrita pela empresa com aval do Sr. PP …. (…)”, a Ata encontra-se assinada pelo aqui A..
116. Alguns aspetos do contrato de financiamento, nomeadamente, as suas condições particulares, foram alvo de negociações entre A. e o BES.
117. Em 04/09/2007, o BES – Empresas Norte enviou um fax dirigido à V..., ao cuidado do A. (enquanto representante legal da empresa), a solicitar a confirmação da aceitação das condições previamente negociadas, nos seguintes termos: “Montante: €10 milhões Prazo: 5 Anos -1 dia Condições: Eur 3M + 0,375% (S/ar), juros trimestrais Reembolso: Liquidação total do Capital no vencimento Garantias: Livrança Subscrita Empresa C/aval do Sr. PP …. Penhor aplicações: €5 Milhões Ações E. Santo Financial Holding e €3 Milhões Lxis Energias Renováveis 3Y. Agradecemos a confirmação da aceitação destas condições, tendo em vista a emissão do respetivo contrato”.
118. Em resposta ao fax do BES, o A., em representação da V..., enviou um fax, a informar que aceitava as condições propostas para a operação de M/L prazo de €10.000.000,00 (dez milhões de euros), solicitando ainda a transferência, até ao montante de €10.000.000,00 (dez milhões de euros) para a conta à ordem n.º …018, em nome do A..
119. A V... recebeu os €10.000.000,00 (dez milhões de euros) e transferiu para o A. em pagamento de parte do preço da já referida aquisição da P... Sistemas de Fixação.
120. Após a celebração do contrato com o BES, foram efetuadas alterações ao contrato, relativas às taxas de juros e às garantias do crédito, nomeadamente a 14/10/2010 e a 2/01/2012, que foram previamente negociadas entre as partes e elaboradas e subsequentemente formalizadas, através de aditamentos ao contrato.
121. Como o contrato de financiamento celebrado em 03/10/2007 acima referido cessava em Outubro de 2012, e não se encontrava integralmente pago pela Sociedade, foi acordado entre as partes celebrar novo contrato.
122. Sendo que os juros do financiamento foram sendo liquidados por débitos em conta da empresa V..., estando a conta provisionada para o efeito.
123. Para além das livranças em branco subscritas pela Sociedade e avalizadas pelo A., foram inicialmente dadas em garantia aplicações financeiras do A. (i.e. ações da ESFG e uma carteira de instrumentos financeiros, afeta ao contrato de gestão discricionária de carteira n.º 4180).
124. Para além das aplicações financeiras subscritas na ESFG-AE, o A. tem contratadas outras aplicações financeiras com o R., em relação às quais também não é garantido a reembolso de capital ou a remuneração através de juros.
125. Os contratos de financiamento celebrados a 14/03/2017 foram também objeto de negociação, entre as partes, relativamente às taxas de juro aplicáveis aos financiamentos, tendo as alterações contratuais negociadas sido formalizadas através de aditamentos celebrados em 20/04/2018.
126. O A. era um conhecedor quer dos tipos de investimento que existiam no BES e no Novo Banco, quer da sua responsabilidade enquanto avalista, dado que o A. tem contratos semelhantes celebrados com várias sociedades do Grupo P..., nas quais o aqui A. também exerce funções enquanto membro dos órgãos sociais e atua enquanto seu representante legal.
127. Os contratos celebrados com o R. foram alvo de reconhecimento das assinaturas do A., quer como representante legal da mutuária, quer como garante desta.
*
    O Tribunal julgou ainda por não provados os seguintes factos:
1. Previamente à celebração do contrato de financiamento de 2007, foi o A. abordado por um dos funcionários do BES, do departamento de empresas, da agência do Porto, Dr. RR, o qual apresenta uma proposta de operação financeira que tinha como fim, nas suas palavras, permitir ao BES proporcionar ao A. outro nível de rentabilidade e apoios financeiros.
2. Para esse efeito, o A. passaria a executar uma complexa operação de reestruturação empresarial, que, no essencial, consistia em transferir as participações que detinha, em nome próprio, para uma holding, que, por sua vez, seria financiada diretamente pelo BES, para que, desse modo, pudesse liquidar o preço da transmissão.
3. O produto do encaixe financeiro efetuado pelo A., com a transmissão das suas participações, seria, posteriormente, integralmente aplicado no BES; o qual passaria a gerir o referido capital através do seu departamento de Private Banking.
4. O A., com o encaixe financeiro efetuado, entrega os fundos do preço recebido ao BES, que através do seu departamento de Private Banking, no uso dos poderes de gestão discricionária, que lhe havia sido concedido, os aplica, investindo numa carteira, composta por valores mobiliários.
5. Quer no momento inicial (em 2007), quer na altura da renovação efetuada (em 2012), o BES sempre transmitiu ao A. que a livrança subscrita por este era uma mera formalidade contratual, que eles, representantes do Banco, tinham que cumprir.
6. Sendo, reiteradamente, assegurado ao A. que o rendimento (juros) das suas aplicações seriam mais do que suficientes para cumprir com o custo do financiamento.
7. E que o valor das aplicações financeiras, efetuadas pelo BES, cobririam o capital financiado.
8. A operação de financiamento aqui em causa integra-se no esquema que o BES montou para, dessa forma, conseguir angariar capital, através dos produtos financeiros que emitia, junto dos seus clientes, para, posteriormente, os canalizar para as atividades empresariais, não financeiras, do então designado Grupo Espírito Santo (GES).
9. Aquando da primeira abordagem para a realização desta operação, foi dito pelos representantes do BES que seria uma operação feita pela generalidade das grandes empresas portuguesas ou por empresários com uma forte presença no mercado em que se inseriam, como era o caso do A..
10. Referiram os representantes do BES que esta operação tinha também o objetivo de consolidar a relação de parceria entre o BES e o grupo P....
11. O único propósito da “relação de parceria” era de financiar indiretamente as empresas do BES/GES, através da aquisição de ações e obrigações ESFG.
12. O BES assegurou igualmente ao A. não haver qualquer risco para nenhuma das partes (tanto do Autor como da V...) já que os colaterais eram controlados pelo grupo BES/GES de forma direta ou indireta e, caso houvesse necessidade de efetuar uma eventual amortização de capital, bastaria proceder à liquidação, por igual montante, de parte da carteira de títulos.
13. O A. viu um outro investimento que efetuou em obrigações na RIO FORTE, no montante de €990.000,00 (novecentos e noventa mil euros), não ser reembolsado.
14. Sabendo da pressão a que o A. ficou sujeito, outras entidades bancárias, com receio da rutura financeira deste, iniciam um processo abrupto de desalavancagem, cortando por completo as relações comerciais com o Grupo P..., deixando de o financiar,
15. E passando a exigir a liquidação dos financiamentos em aberto.
16. Para o A. e para a V... era totalmente impossível regularizar o contrato de financiamento de 22/10/2012.
17. O A. e a V... nunca quiseram contrair o financiamento de 10.000.000,00 EUR (dez milhões de euros).
18. De toda esta situação resultou a perda do bom nome, honra e prestígio adquirido no meio onde o A. está inserido;
19. O BES e o R. informaram o A. dos aspetos compreendidas nas cláusulas gerais dos  contratos relativas à prestação de aval que lhe foram lidas e explicadas por aqueles.
Tudo visto, cumpre apreciar.
*
IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Estabelecidas as questões fundamentais que fazem parte do objeto do presente recurso de apelação, vejamos então da procedência dos fundamentos invocados pela sua ordem de apreciação lógica, começando inevitavelmente pela questão da impugnação da matéria de facto.
1. Da impugnação da matéria de facto.
Estabelece o Art. 662º n.º 1 do C.P.C. que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documentos superveniente, impuserem decisão diversa.
Nos termos do Art. 640º n.º 1 do C.P.C., quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito concretiza-se que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Sendo que ao Recorrido caberá o ónus de designar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.
A este propósito, escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/5/2016 (Relatora: Maria Amélia Ribeiro - Proc. n.º 1393/08) que: «É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum».
No Acórdão da Relação do Porto de 6.3.2017 (Relator: Miguel Morais, Proc. n.º 632/14), afirma-se que: «tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas, nos termos do Art. 607º, nº 4), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando, designadamente, reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos ou indicar, de forma acrítica, um determinado documento.
«Deste modo, na motivação de um recurso, para além da alegação da discordância, é outrossim fundamental a alegação do porquê dessa discordância, isto é, torna-se mister evidenciar a razão pelo qual o recorrente entende existir divergência entre o decidido e o que consta dos meios de prova invocados.
«Nesse sentido tem sido interpretado o segmento normativo “impunham decisão diversa da recorrida” constante da 2ª parte da al. b) do n.º 1 do Art. 640º, acentuando-se que o cabal exercício do princípio do contraditório pela parte contrária impõe que sejam conhecidos de forma clara os concretos argumentos do impugnante.»
No caso dos autos, os Recorrentes vieram sustentar que os factos constantes dos pontos 12), 75), 121) e 126) da matéria de facto provada deveriam merecer outra redação, que sugeriu; o ponto 116) deveria ser dado por não provado; e a matéria do ponto 17) dos factos não provados, deveria ser julgada por provada, com redação que igualmente propôs. Para tanto tiveram o cuidado de indicar os documentos, os depoimentos testemunhais e declarações de parte gravados, cujo conteúdo relevante transcreveram, os quais, no seu entender, deveriam conduzir ao julgamento desses factos no sentido por si pugnado.
O Recorrido, por seu turno, sustentou o julgamento feito pelo Tribunal a quo, indicando a prova relevante para esse efeito, não pondo em causa a admissibilidade da impugnação assim apresentada, mas defendendo a improcedência desta.
Diremos assim que os Recorrentes satisfizeram os ónus de impugnação estabelecidos na lei processual aplicável, cumprindo assim apreciar a mesma, o que faremos de seguida, respeitando a ordem dos factos apresentada nas alegações de recurso.
1.1. Dos factos provados nos pontos 12), 75) e 121).
O primeiro conjunto de factos cujo julgamento os Recorrentes pretendem impugnar são os que ficaram a constar dos pontos 12), 75) e 121) dos factos provados, sustentando sucintamente que os contratos aí concretamente referidos não são “contratos novos”, tal como resulta da redação dada por provada na sentença recorrida, mas sim sucessivas “renovações” do contrato originário de 2007.
Assim, no ponto 12) propõem que não fique provado que em 22 de outubro de 2012 “foi celebrado um novo contrato de financiamento”, mas sim que “foi renovado o contrato de financiamento”. De igual modo, no ponto 75), relativamente a 2017, não deveria ficar provado que foram assinados “dois novos contratos de financiamento”, mas sim que nessa data “procederam à renovação do contrato de financiamento existente, mediante a assinatura de dois contratos de financiamento”. Finalmente, quanto ao ponto 121), e de igual modo, não deveria ficar provado que foi celebrado um “novo contrato de financiamento”, mas sim que “procederam à sua renovação, mediante a celebração de um contrato idêntico”.
Realçam os Recorrentes que o Tribunal a quo fundamentou a sua convicção apenas com base na documentação junta aos autos, mas consideram que ficou claro da prova produzida em audiência que, quer o contrato formalizado em 2012, quer os subsequentes contratos formalizados em 2017, tiveram como única finalidade liquidar a responsabilidade existente, que advinha do financiamento concedido pelo BES no contrato celebrado em 2007, o que é reconhecido na fundamentação jurídica da sentença e foi referido nos depoimentos prestados pelas testemunhas RR, CL e TP, que confirmaram, de forma concordante, que os contratos de 2012 e 2017 serviam exclusivamente para liquidar o financiamento concedido pelo BES em 2007, de modo a extinguir a obrigação do A. e da sociedade V....
Quanto ao depoimento da testemunha RR, põem os Recorrentes em evidência que aquele terá dito (aos minutos 47:35 da gravação) que: «(…) eu acredito que o que tenha acontecido é que ao fim de cinco anos não houve possibilidades de reembolsar a operação e renovou-se ou fez-se uma nova ou idêntica que liquidou a primeira…». Do depoimento da testemunha CL realçam que o mesmo disse (aos minutos 5:30 da gravação): «Foi uma mera renovação. (…) concretamente o que se fez foi renovar o empréstimo por um novo período (…). (…) fizemos a mera formalização e renovação do empréstimo com as alterações, aplicações particulares». E do depoimento a testemunha TP (aos minutos 22:29 da gravação) resultou que o mesmo disse que: «A operação de crédito é a mesma»; que estava escrito no contrato que «liquida os créditos anteriores»; que «havia 2 opções à data, e foi feita a opção de fazer contratos novos, tanto como podia ter sido feito uma opção de fazer adendas»; que o contrato se reportava ao «crédito que estava aberto desde 2012, que por sequência vinha de 2007»; e que «Escolheu-se fazer um contrato novo. Podia-se ter feito por adenda, sim. Tecnicamente era uma hipótese». Ainda a mesma testemunha disse (aos minutos 24:30 da gravação) que em 2017 «foram mantidos os mesmos documentos», reportando-se às livranças que o A., PP …, teria de assinar.
Em suma, defendem que a prova gravada produzida permite concluir que, quer o contrato de 2012, quer os subsequentes de 2017, tiveram como única finalidade liquidar a responsabilidade existente, que advinha do contrato de financiamento celebrado com o BES em 2007, tal como é referido na fundamentação jurídica da sentença, havendo portanto sucessivas renovações do contrato de financiamento original celebrado em 2007.
O Recorrido, por seu turno, contrapõe que do depoimento da testemunha RR resulta a expressão “provavelmente renovou-se”, ou fez-se “uma nova ou idêntica que liquidou a primeira”, o que demonstra que não tinha a certeza dos moldes contratados em 2012, uma vez que não teria tido qualquer intervenção nessa contratação.
Já quanto à testemunha CL, reconheceu o Recorrido que o mesmo, ao minuto 05:30 da gravação, falou em «mera renovação»; que o «que se fez foi renovar o empréstimo por um novo período»; e que o que fizeram foi uma «mera formalização e renovação do empréstimo com as alterações, aplicações particulares». Mas, aos minutos 5:24, essa mesma testemunha também disse que: «Sim, foi necessário renovar, fazer novos contratos, correndo em 2012 de uma forma pacifica»; e aos minutos 6:40 falou que: «eles prorrogaram um novo contrato»; e aos minutos 07:19 a 7:59, para explicar a necessidade de serem celebrados novos contratos, respondeu que: «Porque o contrato terminava no prazo inicial de 5 anos, tínhamos de fazer um novo contrato, porque terminava o prazo... porque a empresa não tinha possibilidades na altura… não foi uma mera renovação».
Quanto à testemunha TP, o Recorrido veio dizer que os extratos da gravação reproduzidos nas alegações de recurso foram descontextualizados, realçando que, aos minutos 4:20 a 4:51 da gravação, essa testemunha disse que não teve ligação direta com os contratos de 2012 e 2017, embora tenha participado nas negociações em 2016, e que confirma que efetivamente foram feitos novos contratos, que liquidaram os créditos anteriores.
Acrescenta ainda o Recorrido que do contrato de 2007 resulta que tinha uma maturidade a 5 anos e o próprio A. reconheceu, em declarações de parte, que teria que cumprir com uma prestação bullet que não conseguiu cumprir, em face das dificuldades que a empresa atravessava, e foi assim que foi negociada a constituição de novo contrato de financiamento liquidando os anteriores, com subscrição de nova livrança por si avalizada e ainda com subscrição de dois penhores.
Em suma, defendeu o Recorrido que a matéria de facto provada fala em “novos contratos”, porque efetivamente foram efetuados novos contratos, com novas garantias e liquidação dos anteriores montantes.
Apreciando, cumpre dizer que a sentença recorrida efetivamente fundamentou a sua convicção quanto ao ponto 12) nos seguintes termos: «Os factos provados com os nºs 8 a 18 foram aceites pelo Réu e resultam dos documentos juntos com a petição inicial – documento 2 que consubstancia o contrato de financiamento celebrado em 3 de outubro de 2007; documento 3 - alteração ao contrato celebrada em 14/10/2010; documento 4, alteração ao contrato celebrada a 2/01/2012 e documento 5 que consubstancia o contrato de financiamento celebrado em 22 de outubro de 2012». Quanto ao ponto 75), diz-se aí apenas que: «Os factos 72 a 75 foram aceites pelo Réu». E quanto ao ponto 121) é dito na sentença que: «A documentação junta aos autos comprova igualmente os factos 119 a 127». Evidencia-se assim que aí não foi feita qualquer menção à prova testemunhal ou à prova gravada produzida em audiência.
Visto isto, e para compreender o assim decidido, é preciso ter em consideração que foi o A. quem, no artigo 16.º da petição inicial, alegou explicitamente que: «16. A 22 de outubro de 2012, foi celebrado um novo contrato de financiamento pelo BES à V..., com o nr.º …299, que serviu exclusivamente para liquidar o contrato de financiamento anterior (o contrato junto como documento n.º 2)» (sic - com negritos e sublinhados constante da alegação original). Tal como foi o A. quem alegou nos artigos 172.º e 173.º da petição inicial que: «172. As três Partes (Réu, o Autor e a V...) assinaram dois novos contratos de financiamento»; e «173. Tanto um como outro tiveram como finalidade única a “liquidação de responsabilidades”, ou seja, tiveram ambos a finalidade única de liquidar a responsabilidade existente, que advinha do financiamento concedido pelo BES» (sic - com negritos e sublinhados constante da alegação original). Portanto, os factos provados na sentença recorrida, tal como constam dos pontos 12) e 75), mais não são que a reprodução, praticamente “ipsis verbis”, do que foi alegado pelo próprio A. na sua petição inicial, sendo que a interveniente V... aderiu a esse articulado.
O facto que ficou provado no ponto 121) da sentença recorrida, por sua vez, é a reprodução do que foi alegado pelo R. na sua contestação no artigo 85.º, onde se pode ler: «85º- Como o contrato de financiamento celebrado em 03/10/2007 acima referido cessava em Outubro de 2012, e não se encontrava integralmente pago pela Sociedade, foi acordado entre as partes celebrar novo contrato» (sublinhado nosso). O que mais não é que a aceitação pelo R. do que foi alegado pelo A. nos artigos 16.º e 172.º da petição inicial, no que se refere, desde logo, à consideração de que se tratavam de “contratos novos”. Pelo que, essa factualidade deveria ser julgada logo por assente, porque admitida por acordo na fase dos articulados (cfr. Art. 574.º n.º 2 do C.P.C.).
Temos ainda de dizer que da prova gravada, tendo logo em consideração os segmentos relevados pelas partes nas alegações e contra-alegações de recurso que atrás reproduzimos, facilmente se percebe que as testemunhas, na maior parte dos casos, não se preocuparam muito com o rigor terminológico-jurídico das expressões que empregaram, apesar da forma tendenciosa como as questões lhe foram sendo colocadas pelos mandatários das partes. Fica-se com a sensação de que se fossem abandonadas à espontaneidade dos seus depoimentos, as mesmas utilizariam as expressões “novo contrato” ou “renovação do contrato” como se fossem em sinónimos, no contexto concreto desta relação negocial. Admitimos assim que mais perto da realidade terá estado o depoimento da testemunha TP quando chegou ao ponto de admitir que era indiferente celebrar um “novo contrato” ou fazer um “aditamento” ao contrato anterior, ainda que no final tenha acabado por dizer que, perante essa alternativa, optou-se efetivamente pela solução de celebrar um novo contrato.
Dito isto, resta-nos ainda ter em atenção o que decorre dos contratos documentados nos autos.
O documento n.º 2 da petição inicial, que corresponde ao documento n.º 7 junto com a contestação, reporta-se ao contrato original, celebrado entre o BES, a V... e o A., datado de 3 de outubro de 2007, relativo à concessão do crédito de 10 milhões de euros, pelo prazo de 5 anos menos 1 dia, nos termos do qual esse valor deveria ser reembolsado no fim do prazo convencionado, com uma taxa de juros correspondente à Euribor a 3 meses, acrescida de 0,375%, servindo-lhe de garantia uma livrança avalizada e o penhor de 170.200 ações da ESFG-AE, valoradas em €4.859.210,00, e 3 milhões de Obrigações da Natixis, valoradas em €2.896.500,00.
O documento n.º 3 da petição inicial, correspondente ao documento n.º 10 junto com a contestação, é curiosamente denominado por “Alteração ao Contrato de Financiamento”, e mostra-se datado de 14/10/2010, reportando-se claramente à alteração do contrato atrás mencionado. As alterações aí mencionadas referem-se: à taxa de juro, nomeadamente aditando-se 2% à taxa da Euribor a 3 meses; e ainda aos penhores de valores mobiliários, referindo-se que as 170.200 ações de ESFG passaram a ter o valor de €10,00, e passaram-se a incluir obrigações de fundos estruturados aí identificados. Sobreleva dele ainda que aí é dito explicitamente, na cláusula 1.ª que, quanto ao mais, se mantêm as demais condições particulares e gerais em vigor.
O documento n.º 4 da petição inicial, que corresponde ao documento n.º 11 junto com a contestação, também está identificado como “alteração” ao contrato de financiamento, e mostra-se datado de 2 de janeiro de 2012, reportando-se a uma nova alteração da taxa de juro. Também aí se estabelece, uma vez mais, na cláusula 1.ª, que se mantêm as restantes condições particulares e gerais em vigor.
O documento n.º 5 da petição inicial consta de um contrato de financiamento celebrado em 22 de outubro de 2012, reportando-se ao financiamento de 10 milhões de Euros, pelo prazo de 5 anos menos um dia, reembolsável no final desse prazo, à taxa de juro correspondente à Euribor a 3 meses, arredondada à milésima, acrescida de spread de 3.750%, tendo por fim “apoio ao investimento”, referindo-se explicitamente que as garantias são uma livrança avalizada e o penhor de 170.200 ações da ESFG-AE no valor de €927.590,00 e a carteira de títulos gerida pela ESGP, S.A.. Sendo que neste contrato não é feita qualquer menção à manutenção das condições contratuais do contrato de financiamento de 3 de outubro de 2007, a que se reporta o documento n.º 2 da petição inicial, corresponde ao documento n.º 7 da contestação.
O documento n.º 9 da petição inicial, correspondente ao documento n.º 13 da contestação, datado de 22 de janeiro de 2016, volta a ser identificado como “Alteração ao Contrato de Financiamento” e nos seus considerando-se refere-se explicitamente ao contrato de financiamento de 22 de outubro de 2012, no valor de 10 milhões de Euros, mencionando-se aí, na cláusula 1., que se mantêm as restantes condições particulares e gerais em vigor.
Os documentos n.º 10 e 12 da petição inicial, correspondentes aos documentos n.º 17 e 18 da contestação, reportam-se aos contratos de financiamento datados de 14 de março de 2017, que também não fazem qualquer menção à manutenção das demais condições gerais e particulares em vigor, referindo-se à concessão dos créditos de 3 milhões e 7 milhões de Euros, respetivamente, para liquidação das responsabilidades do devedor, que claramente se reportam ao financiamento anterior de 22 de outubro de 2012.
Finalmente, os documentos 11 e 13 da petição inicial, correspondentes aos documentos n.º 19 e 20 da contestação, datados de 20 de abril de 2018, são identificados como “alterações” aos contratos de financiamento a que se reportam os documentos n.ºs 10 e 12 da petição inicial, ou n.ºs 17 e 18 da contestação, referindo-se na cláusula primeira que, quanto às restantes condições gerais e particulares, as mesmas se mantêm em vigor.
Portanto, o que resulta da sequência destes contratos escritos, e da literalidade do respetivos textos, é que: quando os contratos posteriores ao de 3 de outubro de 2007 são “meras alterações”, isso é dito explicitamente no texto escrito das suas cláusulas; quanto tal não sucede, é porque as partes celebraram contratos que não são meras alterações e, consequentemente, podem ser entendidos como “novos contratos”. É isso que um declaratário depreenderá da leitura sequencial desses documentos (cfr. Art. 236.º n.º 1 e 238.º n.º 1 do C.C.).
Acresce que também se percebe perfeitamente o motivo pelo qual se “optou” pela celebração de “novos contratos” em 2012 e 2017, pois no contrato original, de 3 de outubro de 2007 (doc. 2 da p.i.), estabelecia-se um prazo final de 5 anos para reembolso do financiamento prestado, sem se prever explicitamente a possibilidade de renovação, o mesmo se tendo passado com o contrato de 22 de outubro de 2012 (cfr. doc. 5 da p.i.). O que inculca a ideia de que a prática seguida pelas partes foi sempre no sentido da necessidade da celebração de um “novo contrato”, porquanto o anterior havia chegado ao seu termo final sem possibilidade de renovação, mesmo sendo certo que o novo financiamento acordado a cada 5 anos liquidava as responsabilidades financeiras do contrato imediatamente anterior, cuja vigência tinha acabado, tal como já consta provado, quer na redação do ponto 12) dos factos provados, quer na do ponto 76) da matéria de facto, relativamente aos contratos de 22 de outubro 2012 e de 14 de março de 2017, respetivamente.
Em suma, razões não existem para ser alterada a redação dos pontos 12), 75) e 121) dos factos provados, improcedendo a impugnação assim apresentada pelo Recorrente nesta parte.
1.2. Do provado no ponto 116) da matéria de facto.
O facto seguinte impugnado é o que consta do ponto 116) dos factos provados da sentença recorrida, que no entender dos Recorrentes deveria ser, pura e simplesmente, julgado por não provado.
Resulta desse ponto da matéria de facto ficou provado que: “Alguns aspetos do contrato de financiamento, nomeadamente, as suas condições particulares, foram alvo de negociações entre Autor e o BES.”
O tribunal a quo fundamentou a sua convicção relativamente a este facto nos seguintes termos: «Os depoimentos das testemunhas ouvidas, nomeadamente, RR e IS, confirmam que o contrato de 2007 foi negociado, não negando o Autor e a testemunha MM o interesse pessoal do Autor no negócio, para valorizar o seu património e garantir o financiamento do Banco, não só neste negócio (admitindo que para o Autor era libertar 2.000.000,00 euros de que podia dispor livremente) mas noutros futuros que garantissem o financiamentos das suas empresas, nem os contactos e reuniões havidas em que os termos do negócio foram discutidos».
Os Recorrentes contrapõem agora que a testemunha MM disse que: «não negociamos nada» (gravação aos minutos 16:45); e que «o contrato estava negociado», «o montante tinha sido definido» (cfr. gravação ao minutos 17:36). Mais realçaram que o documento n.º 8, junto com a contestação, que correspondente a fax enviado pelo R. ao A. no dia 4 de setembro de 2007, é uma proposta a pedir a confirmação da aceitação das condições da operação, tendo em vista a emissão do respetivo contrato, e o documento n.º 9, do mesmo articulado, é a resposta do A. a aceitar essas condições propostas. Pelo que, desses documentos resulta que as condições contratuais foram apresentadas ao A. unilateralmente pelo BES para este as aceitar.
O Recorrido, por sua vez, realça que o Tribunal a quo teve em atenção os depoimentos das testemunhas RR, IS, MM e ainda as declarações do A.. Ora, destas últimas, destaca que o mesmo, quando confrontado com o argumento de que esse negócio teria sido criado pelo seu diretor financeiro, responde: «Não. Isto foi uma coisa que, quando fizemos o almoço, eles [funcionários do BES] propuseram que não podia ficar na empresa, eles já sabiam destas coisas, que tínhamos de fazer à parte, eles é que nos alertaram para isso» (gravação aos minutos 59:00); também disse que os funcionários do BES, ainda na reunião realizada no contexto do almoço, fizeram essa proposta, e que o A. tinha interesse nela, porque «tornava-se muito mais fácil no futuro apoiarem-nos noutras operações» (gravação aos minutos 1:01:00); e quando confrontado com o desfasamento de 2 milhões verificados entre os 10 milhões de financiamento que vieram a ser acordados e os 8 milhões das aplicações, explicitou que isso foi no seu interesse, que nessa parte «podia fazer o que quisesse», que «depois [comprou] uns produtos deles [BES]», e que nisso «tinha liberdade», acabando por justificar os 2 milhões como uma parte que se destinava a si próprio.
Portanto, sustenta o Recorrido que ficou provado que houveram negociações, como decorre das próprias declarações do A., porque houveram conversas sobre esse negócio, nas quais o A. quis tirar o melhor partido dele, tendo beneficiado de um financiamento pessoal de cerca de 2 milhões de euros, que poderia gastar onde bem entendesse e que poderia funcionar também como apoio ao investimento nas suas empresas e ao seu reconhecimento pessoal e empresarial dentro do meio. Nessa medida, os faxes mencionados pelos Recorrentes mais não são que a formalização do que já havia sido previamente falado e negociado, devendo ser mantido o decidido pelo Tribunal a quo.
Apreciando, temos de dizer, antes de mais, que a prova documental junta aos autos, nomeadamente a referida nas alegações, não se afigura particularmente decisiva. Pelo menos, não o é no que se refere às negociações do contrato de 3 de outubro de 2007, que é aquele a que o ponto 116), aqui impugnado, parece referir-se apenas.
Quanto à prova testemunhal, não podemos deixar de referir que houve uma acareação entre as testemunhas IS, que era o Diretor do Centro de Empresas do BES de Aveiro à data em que ocorreram as alegadas “negociações” e a consequente celebração do contrato de 3 de outubro de 2007, por um lado, e a testemunha MM, que era o responsável financeiro das empresas do grupo P..., que pertence ao A., por outro. O primeiro, disse que foi o A. quem propôs ao BES os termos do contrato que veio a ser celebrado em 3 de outubro de 2007. Pelo contrário, o segundo, disse que quem propôs os termos desse contrato foram os funcionários do BES. Feita a acareação, ambos mantiveram os seus depoimentos iniciais, não sendo absolutamente conclusivo saber quem estaria a falar a verdade.
Também fica claro da auscultação da gravação que tivemos uma prova de fação. Desde logo, quanto a este concreto facto controvertido, tivemos, por um lado, o A. e a testemunha MM e, por outro, as testemunhas IS e RR, sendo que as contradições foram evidentes, desde logo tendo justificado a acareação a que supra nos referimos de forma resumida.
Admitimos que não tenha fica claro quem propôs inicialmente o negócio à outra parte, mas o que não se nos afigura minimamente razoável é que, num contrato em que as partes estão em vias de acordar num financiamento de 10 milhões de Euros (sublinhe-se: 10 milhões de Euros!), não haja negociação alguma e que tudo seja imposto unilateralmente, seja pelo banco, seja pelo seu cliente.
Desde logo, não faz qualquer sentido, por princípio, que seja o Banco a propor um financiamento de 10 milhões de euros a uma empresa, se isso não corresponder, no mínimo, a um interesse conhecido e efetivo desta última. Tal como não faz sentido nenhum que a empresa beneficiária do financiamento proposto, no mínimo, não expresse a sua vontade em vir a aceitar essa proposta e que o venha a fazer sem negociar nenhum dos seus termos, nomeadamente quanto à fixação do valor do crédito, à ponderação da taxa de juro, ao estabelecimento do modo de pagamento dos juros e capital e às garantias acordadas que, em termos muito resumidos, são as situações que ficaram a constar das condições particulares do contrato de financiamento datado de 3 de outubro de 2007, junto como documento n.º 2 à petição inicial.
Aliás, como muito bem refere o Recorrido, nas suas contra-alegações, o A., em declarações de parte, acabou por admitir que, na qualidade de representante da V... (ou do grupo P...), o valor de 10 milhões de financiamento acabou mesmo por ser negociado no seu interesse, desde lodo, e nomeadamente, no que se refere ao diferencial de 2 milhões de euros, como atrás deixámos reproduzido.
Portanto, houveram certamente negociações sobre os aspetos do contrato mais relevantes, nomeadamente os que constam das condições particulares. Sendo perfeitamente legítimo e razoável presumir (cfr. Art. 351.º do C.C.) que os faxes juntos com a contestação como documento n.º 8 e 9 sejam efetivamente o resultado de um período negocial precedente, que culminou com a proposta do banco sobre as condições particulares relevantes e a sua aceitação pelo A., como resultou dos depoimentos das testemunhas IS e RR.
Mais, em face de toda prova produzida em audiência de julgamento, estamos convencidos que, no período imediatamente anterior à celebração desse contrato, o A. não se encontrava em condições de poder sequer ser forçado a acordar em tais condições. Nesse momento (em 2007) não havia qualquer situação de desespero que justificasse a necessidade de celebração desse contrato sem qualquer discussão. Por isso, sabendo-se que o A. era um empresário de prestígio reconhecido – como foi referido por todas as testemunhas que trabalharam no BES, ou no Novo Banco – e com experiência, como ficou provado no ponto 110) da matéria de facto, certamente que não se colocaria na posição de se limitar a assinar o contrato de 3 de outubro de 2007, sem negociar as condições que para si eram as mais relevantes, nomeadamente as que ficaram a constar das condições particulares. Defender o contrário é negar as qualidades de empresário responsável que todos reconheceram ao A..
Aliás quanto aos restantes sucessivos contratos, os depoimentos das demais testemunhas funcionários do BES, e depois do Novo Banco, referiram-se sempre a períodos negociais prévios, muitas vezes despoletados pelo próprio A., o que pontualmente está documentado nos autos e mostra-se refletido na matéria de facto provada. O que nos transmite uma imagem mais consentânea com o que de verdade se passou relativamente à negociação de todos os contratos. 
Com todo o devido respeito, não podemos aceitar que um negócio em que se assumem responsabilidades de 10 milhões de Euros possa ter sido apenas assinado de cruz pelo A., sem qualquer tipo de negociação, sem qualquer ponderação dos riscos e de contraposição dos seus interesses próprios. Ninguém é assim tão irresponsável… Nem o A. corresponde a esse perfil de empresário. Para mais quando no seu grupo empresarial existia um responsável financeiro que certamente estaria em condições de lhe prestar aconselhamento técnico, caso fosse necessário, conforme também ficou provado no ponto 111) da matéria de facto.
Já quanto às condições gerais desse contrato, porque aparecem nele como um clausulado predisposto unilateralmente pelo Banco, que aparenta ter sido criado para um conjunto indeterminado de contratos celebrados pelo BES com outros clientes, admitimos que, relativamente a elas, o A. ou a V..., não tivessem qualquer possibilidade de negociação.
Por todo o exposto, julgamos que não existe fundamento para deixar de julgar como provado o que ficou a constar do ponto 116) da matéria de facto da sentença recorrida, improcedendo também nesta parte a impugnação.
1.3. Do provado no ponto 126) da matéria de facto.
De seguida os Recorrentes impugnam a matéria que ficou a constar do ponto 126) dos factos provados da sentença recorrida.
Ficou aí dado por assente que: «O A. era um conhecedor quer dos tipos de investimento que existiam no BES e no Novo Banco, quer da sua responsabilidade enquanto avalista, dado que o A. tem contratos semelhantes celebrados com várias sociedades do Grupo P..., nas quais o aqui A. também exerce funções enquanto membro dos órgãos sociais e atua enquanto seu representante legal».
Decorre da sentença que o Tribunal a quo formou a sua convicção relativamente a esse facto, nos seguintes termos: «A documentação junta aos autos comprova igualmente os factos 119 a 127».
Contrapõem os Recorrentes que esta decisão é incompreensível e infundada, pois não se encontra suportada em qualquer meio de prova, nomeadamente documental, que não se mostra sequer identificada.
Apesar disso, os Recorrentes acabam por reconhecer, nas suas alegações de recurso, que a testemunha Rui Brito disse que o A.: «fruto da sua capacidade de gestão e desenvolvimento empresarial que tinha com o que é um dos grupos maiores da zona de Águeda e de referência em termos de crescimento, tinha perfeitamente conhecimentos dos produtos e do risco que estavam inerentes, tanto mais que uma pessoa com os conhecimentos do senhor PP … ao investir também em ativos bolsistas, também sabe que nunca tem o capital garantido» (cfr. gravação aos minutos 19:35); e que a mesma testemunha também referiu que esses eram investimento habituais feitos por diversos empresários, esclarecendo que o banco costuma apresentar uma ficha técnica relativa a cada produto, que depois, normalmente, é explicada pelos gestores do private banking (cfr. gravação aos minutos 28:28); também se referiu ao questionário de perfil de investidor que era preenchido e completo (cfr. gravação aos minutos 30:29).
Neste contexto, realçaram também que do depoimento da testemunha HV, relativamente à questão do perfil de investidor do A., que este era «uma pessoa bem informada muito conhecedora dos mercados», «é um empresário com muita experiência» (cfr. gravação aos minutos 57:20); e, mais à frente, reconheceu que o questionário de perfil foi feito em 2010, mas não havia sido processado pelo departamento da testemunha, negando que tivesse sido feito no contexto da operação dos autos e que fosse um documento realizado, e assinado, do tipo “chapa 5” (cfr. gravação  aos minutos 01:12:45, idem aos minutos 01:15:31)
Relativamente à testemunha CL, também reconhecem que esta referiu que o A. era um empresário conhecido e perfeitamente entendido, «um empresário capaz, um empresário de sucesso» que «avalizava na altura, e avaliza agora, pelo menos mais de 50 ou 60 milhões de responsabilidades na banca» e «sabe o que é que é um aval» (cfr. gravação aos minutos 08:21).
A testemunha IS também teria identificado o A. como: «empresário, homem de negócios, dos mais experimentados que eu conheci. Era um homem muito conhecedor, um homem muito informado, com uma assertividade bastante grande sobre a evolução, quer dos mercados internos, quer dos mercados externos, mesmo sobre os mercados financeiros era uma pessoa muito bem informada. E, portanto, a decisão das aplicações eu não tenho qualquer dúvida, foi única e exclusivamente do Sr. PP ...» (cfr. gravação aos minutos 24:16).
Os Recorrentes também alegaram que o BES classificou o A. como “investidor moderado”, ou seja que «está disposto a assumir um risco elevado nos investimentos, de modo a potenciar um crescimento sustentado do capital aplicado a médio e longo prazo», constando igualmente da sua ficha que foi considerado que «tem alguma perceção dos riscos associados aos diferentes instrumentos financeiros», enquadrando-o no segundo nível, por contraposição ao primeiro nível, que se refere a quem “não tem nenhuma perceção dos riscos associados aos diferentes instrumentos financeiros”.
Apesar disso, vincaram que o A., nas declarações de parte prestadas em audiência, referiu que o contrato de 2007 era isento de comissões, porque não tinha despesas, como foi logo discutido de princípio (cfr. gravação aos minutos 33:30); e mais à frente referiu que, quanto a outras empresas do grupo, estas tinham poucas coisas com esse banco (cfr. gravação ao minutos 1:02:18); e quanto à sua qualidade como “grande empresário”, como outras obrigações ou ações, disse que: «podia ter algumas ações, mas assim grandes investimentos não tinha» (cfr. gravação aos minutos 1:07:37); também quanto à questão de saber se tinha subscrito e avalizado uma livrança, respondeu que só muito depois teve essa noção, rematando com a circunstância de nenhuma ter sido acionada (cfr. gravação aos minutos 1:17:03).
Por outro lado, realçaram do depoimento de MM que o nascimento da sociedade V... resultou duma proposta feita por funcionários do BES, que passa pela criação de “um veículo”, «uma empresa para vender a participação que ele tinha na altura como sócio na P... e que seria uma operação basicamente sem qualquer risco» (cfr. gravação aos minutos 3:00); que apesar do crescimento do grupo P..., ainda hoje não faz operações no valor de 10 milhões de euros, caracterizando essa operação como “atípica” e estranha, não estando habituados a fazer esse tipo de operações, e que é impossível fazer operações de 10 milhões sem plano de amortização e relativamente a uma empresa sem passado (cfr. gravação aos minutos 07:04, 10:19, 13:04 e 23:10).
Pelo que, sustentam os Recorrentes, que o A. celebrou efetivamente outros contratos com o BES, mas de características diferentes ao de 2007 e, apesar de dotado de experiência ao nível empresarial, não era conhecedor do tipo de investimento em questão nos presentes autos, não estando familiarizado com os seus termos específicos, que não correspondem aos tipos de investimento usualmente celebrados. Por isso não poderia ser dado por provado o que ficou a constar do ponto 126), sugerindo que fosse eventualmente aditado à sua redação que os outros contratos celebrados com as sociedades do Grupo P…, nas quais o A. também exerce funções enquanto membro dos órgãos sociais e atua enquanto seu representante legal “não revestem condições semelhantes às do contrato de financiamento celebrado em 2007”.
O Recorrido não concorda com a conclusão de que o A. não tinha conhecimentos sobre investimentos financeiros e riscos que assumiu, pois para além da prova documental junta aos autos, em todos os depoimentos prestados pelas testemunhas houve uma unanimidade sobre o perfil que o A., como homem de negócios, habituado a negociar com a banca e beneficiário do apoio de um diretor financeiro na empresa do grupo P.... Não existira assim qualquer novidade neste tipo de negócio, nem na subscrição de livranças, nem no tipo de contrato, sem prejuízo de cada contrato ter as suas especificidades.
Realçou o que a este propósito a testemunha MM disse aos minutos 05:00 até 06:40 e 15:27 a 16:58 da gravação, onde é notório o perfeito conhecimento dos termos do negócio. Nomeadamente quando refere: «O contrato era a 5 anos, tanto é que ele foi depois sucessivamente liquidado com novos contratos... Quando se fez o contrato, o espírito era que não havia qualquer risco na operação porque o capital estava garantido, até porque estávamos sobre a chancela da família Espírito Santo que era detido pelo penhor das ações, pelo investimento que estava na esfera particular transitou-se os 10 milhões de um lado passivo e do lado ativo e eles casavam e não havia qualquer risco … eu até estranhei a operação mas face … o contrato tinha o penhor das ações».
De igual modo o A., em declarações de parte (cfr. gravação dos minutos 03:54 até ao minuto 04:29), disse: «o intuito deles era tornarem-me um parceiro do Banco Espirito Santo, onde me prometeram que se fizesse isso, tinha muito mais, pronto, acesso a outro tipo de coisas e que quando precisasse de alguma coisa do banco não tinha problema nenhum , que o banco estava ali sempre para me apoiar pronto essas coisa que normalmente se dizem e foi aí que ele me falou em nós sermos acionistas do Banco e quando eu disse aquilo das ações eu disse: em termos de ações isto é muito complicado o ideal é sermos obrigacionista, não temos nenhum risco (...) e ele disse: “Epá isso até é capaz de ser melhor” e então eles propuseram-me comprar obrigações do Espírito Santo Financial, e a partir daí fui pensar na situação».
Apreciando, parece claro, até dos excertos transcritos dos depoimentos das testemunhas RB, HV, CL e IS feitos pelo próprio Recorrente, conjugado com a circunstância de o A. ter sido classificado como “investidor moderado”, “disposto a assumir um risco elevado nos investimentos, de modo a potenciar um crescimento sustentado do capital aplicado a médio e longo prazo”, que não existem razões para o facto provado no ponto 126) não deva continuar a ser dado como assente.
Quanto ao aditamento à redação desse facto proposto pelos Recorrentes, no sentido de se evidenciar que os demais contratos não têm condições semelhantes às do contrato de 2007, não conseguimos, só com base nas declarações de parte do A. e do depoimento da testemunha MM chegar a essa conclusão.
Não é que não possam haver originalidades neste contrato, nomeadamente quanto à circunstância de não serem devidas “comissões”. Mas esse facto não nos merece particular relevância, até por constituir um benefício para o devedor.
Seja como for, o que nos parece é que o contrato de financiamento de 2007, em si mesmo, não assume qualquer originalidade relevante em termos do clausulado aí especificamente convencionado. Na verdade, a única originalidade relevada, quer pelo A., quer pela testemunha MM, relaciona-se apenas com o valor do financiamento (10 milhões de Euros), que alegadamente será muito superior ao de qualquer outro contrato celebrado por empresas do Grupo P.... Mas, tal não é suficiente para se concluir que as condições do financiamento não são semelhantes.
De igual modo, a circunstância de ter sido feito um financiamento a uma empresa “veículo”, recém criada e sem histórico, não assume para o caso uma relevância particular, porque ficou claro que esse “veículo” é titular de participações sociais nas demais empresas do mesmo Grupo e, portanto, para o banco, estaria sempre em causa um negócio com o Grupo P..., assegurado por garantias pessoais prestadas pelo empresário responsável e legal representante dessas outras sociedades, sendo que o A. admitiu que já havia avalizado outras livranças relativas a outros contratos dos mesmo Grupo, ainda que nenhuma vez tenham sido acionadas.
Podem até existir originalidades de contexto que estejam na base do contrato de 2007. Cada contrato terá necessariamente as suas especificidades de contexto. Mas não deixa de estar em causa um contrato de financiamento, em que o banco disponibiliza determinada quantia ao seu cliente e este, por sua vez, faz uso desse valor para as finalidades que entenda, ficando obrigado a restituir a quantia mutuada nas condições que pontualmente sejam acordadas.
Em suma, pelas razões expostas, não vemos motivos para deixar de dar por provado o que ficou a constar do ponto 126) dos factos provados, nem para fazer o aditamento proposto nas alegações de recurso. Nessa medida, improcede também nesta parte a impugnação.
1.4. Do facto não provado em 17) da sentença.
Finalmente, impugnam os Recorrentes o facto que ficou dado por não provado no ponto 17) da sentença recorrida, que no seu entender deveria ser julgado por provado.
Em causa está que não se provou que: “O A. e a V... nunca quiseram contrair o financiamento de 10.000.000,00 EUR (dez milhões de euros)”.
Resulta da sentença que esse facto não se provou, porque: «é infirmado pela alegação do próprio Autor que declara ter aceite fazer a operação, que mais não fosse para ganhar um lugar no núcleo reservado do poderoso universo Espírito Santo».
Entendem os Recorrentes que assim não é, porque o A., em declarações de parte, disse que o primeiro contrato «foi uma operação um bocadinho especial, porque foi um empréstimo feito no valor total, em que o banco nem sequer cobrou despesas nenhumas e fez pelo montante de 10 milhões de euros e depois para pagar aquilo renovava-se ao fim de 5 anos e foi … foi alimentado assim. Porque o objetivo desta operação, era uma operação super rentável, segundo eles diziam, e era uma forma de a gente ficar ligado digamos assim à estrutura do banco e termos o banco como nosso parceiro (…)»; «aqui como o empréstimo era um empréstimo… que só se fazia contas ao fim de 5 anos, portanto não se punha o problema de amortização (…). Ao fim de 5 anos a promessa que havia era de renovar outra vez. Isto aqui era evidente» (cfr. gravação aos minutos 12:45). E, mais à frente (aos minutos 35:39 da gravação), explicitou que o seu interesse era: «Libertar 2 M€ e fazer com que este contrato me custasse zero. Eles prometiam que com o tempo isto ia ser diluído» e que o interesse do BES «Era espalhar os produtos deles», respondendo afirmativamente à pergunta de que teve um “papel” que não tinha nada a ver com o acordo que fizeram. Concluindo (aos minutos 53:00 da gravação) por responder negativamente à pergunta sobre se teria celebrado esse contrato se soubesse onde o seu dinheiro ia ser aplicado e as circunstâncias que estavam por detrás daquela operação.
De igual modo, realçaram que a testemunha MM disse (aos minutos 5:54 da gravação) que: «O Contrato era a 5 anos, tanto é que ele depois foi sucessivamente liquidado com novos contratos. Quando se fez o contrato, o espírito é que não havia qualquer risco na operação porque o capital estaria garantido, até porque estávamos sob a chancela da família Espírito Santo». E quando perguntado se daria parecer negativo a essa operação respondeu (aos minutos 7:30 da gravação) que: «Eu achei estranho. Por acaso achei estranho, mas a única coisa que o PP ... me dizia, era, “não te preocupes que é a chancela do Espírito Santo “ e a família Espírito Santo quer se queira quer não, agora é fácil falar, correu tudo mal, mas até essa altura, dentro da banca portuguesa, do setor bancário português, eram os únicos considerados banqueiros. E o banco efetivamente apoiava as empresas industriais e quando foi feito essa operação, essa operação era um bocadinho para criar uma parceria entre o Banco, na altura estavam a aliciar foi o que o sr. PP ..., na altura me disse e depois, as próprias pessoas nos bancos falavam, estavam a aliciar alguns grupos médios para entrar nessas operações chamadas colaterais, que depois nós viemos a saber que era para financiar a parte não financeira do Espírito Santo. A nossa intenção, na altura, achamos que não havia qualquer hipótese de perda de capital, tanto é que não tem plano de amortização, é uma operação técnica. (…)». Depois referiu que seria impossível um financiamento destes a uma sociedade com 5 mil Euros de capital social, sem um plano de amortização, tratando-se duma operação atípica em que o banco considerava não haver risco (cfr. gravação aos minutos 8:50).
Com base nesta prova, entendem os Recorrentes que provaram que o A. e a V... não queriam contrair o financiamento de 10 milhões de Euros, que só na aparência parece resultar do contrato assinado em 2007. O que pretendiam era garantir o acesso ao Grupo Espírito Santo e não um verdadeiro financiamento.
O Recorrido, por seu turno, contrapõe que é claro das declarações do A. que o contrato lhe interessava a si e aos seus negócios, tendo ainda uma componente de reconhecimento e sucesso profissional perante alguns nomes importantes da sociedade portuguesa. A circunstância das coisas não terem corrido como seria expetável, não habitada a conclusão de que o A. e a V... nunca quiseram contrair o financiamento de 10 milhões de Euros. Até porque o A. também disse que se o negócio fosse feito diretamente com a P..., depois teriam problemas com os outros bancos em que tinham financiamento.
Apreciando, parece evidente, das declarações de parte do A., que o mesmo quis efetivamente celebrar este contrato, porque ele servia os seus interesses. Isso é indiscutível, independentemente das particularidades que estavam, ou possam ter estado, subjacentes à contratação.
A impressão com que se fica da prova gravada, apreciada no seu conjunto, é que a questão que motiva todo este litígio não foi uma falta de informação sobre os contornos subjacentes a todo este negócio, nem, muito menos, que o A. não quisesse celebrar este contrato de financiamento, como um real contrato de financiamento de 10 milhões de Euros através da criação duma empresa “veículo”. O único e verdadeiro problema subjacente a este litígio é que, em 3 de outubro de 2007, data em que foi assinado e acordado o contrato de financiamento, ninguém contava com a crise internacional que sobreveio em finais de 2008 nos mercados financeiros, que alterou definitivamente os pressupostos deste negócio, em prejuízo, muito particularmente, do A..
Admitimos que o A. esteja agora arrependido de ter assumido estas responsabilidades financeiras, que inicialmente se apresentavam como praticamente isentas de risco, mas estamos plenamente convictos que em 2007 quis celebrar esse contrato. Tanto assim foi que, mesmo depois de ter desabado a crise do “SubPrime”, continuou a diligenciar pelo cumprimento desse contrato, acordando inicialmente uma alteração ao mesmo e, depois, liquidando essa responsabilidade pela assunção de novo financiamento, o que ocorreu com o acordo do BES.
Em suma, também nesta parte improcede a impugnação, devendo a matéria de facto provada e não provada na sentença recorrida manter-se nos mesmos termos.
2. Da nulidade dos avais prestados pelo A..
Fixada a matéria de facto provada, cumpre agora tomar conhecimento do mérito da causa.
O primeiro pedido formulado pelo A. na sua petição inicial referia-se à pretensão de:
«b) Serem os avais declarados nulos por:
«- Violação, por parte do Réu, das obrigações emergentes do DL n.º 446/85, de 25 de outubro; e
«- Aposto em livranças em branco sem pactos de preenchimento».
A ação veio a ser julgada totalmente improcedente, sendo o R. absolvido de todos os pedidos.
Os Recorrentes discordam desta decisão, porque ficou não provado, no ponto 19 da sentença recorrida, que: «19. O BES e o R. informaram o A. dos aspetos compreendidos nas cláusulas gerais dos  contratos relativos à prestação de aval que lhe foram lidas e explicadas por aqueles». Ao que acresce que não poderia o tribunal assentar na experiência do A. como empresário para concluir que compreendia o alcance das cláusulas contratuais gerais numa situação em que o R. não cumpriu o dever de informação. Apelaram ainda ao disposto no Art. 312.º do CVM para sustentar que os contratos de mediação mobiliária podem ser celebrados com recurso a cláusulas contratuais gerais, mas devem ser cumpridos os deveres de informação, por forma a ser tomada uma decisão esclarecida e fundamentada, o que, não sendo respeitado, por força do Art. 5.º, 6.º e 8.º als. a) e b) do Dec.Lei n.º 446/85, deveria conduzir à exclusão da cláusula ou à nulidade dos sucessivos contratos.
Apreciando, o Art. 1º n.º 1 do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, sujeitou a esse diploma: «as cláusulas contratuais gerais elaboradas de antemão, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respetivamente, a subscrever ou aceitar».
As cláusulas contratuais gerais caracterizavam-se assim essencialmente pela pré-formulação, pela generalidade e imodificabilidade (vide, a propósito: Almeno Sá in “Cláusulas Contratuais Gerais e Diretiva Sobre Cláusulas Abusivas”, 2ª Ed., págs. 211 a 217).
São pré-formuladas as condições contratuais que são preparadas ou organizadas antes da conclusão do contrato, com um propósito de utilização homogéneo e reiterado, independentemente do seu aspeto formal (seu modo de reprodução, ser dactilografado ou não, etc.) ou do facto de não ter sido o utilizador desses formulários o autor do texto proposto.
Não basta a pré-elaboração das cláusulas, é necessário que essa pré-formulação tenha tido o escopo de funcionar para uma pluralidade de contratos ou generalidade de pessoas, mesmo que na prática só venham a ser usadas num só contrato. Condições predispostas para um contrato singular nunca serão tidas como cláusulas contratuais gerais, exceto se passarem a ser utilizadas de forma reiterada em contratos futuros.
Não é imprescindível que o texto predisposto tenha sido concebido para um número indeterminado de utilizações, compreendendo-se no conceito de cláusulas contratuais gerais as cláusulas que tenham sido pensadas para uma pluralidade determinada de situações ou destinatários «pois o “uso geral” implicado pelo conceito não é posto em causa pela identificação do círculo de parceiros, efetivos ou potenciais, do utilizador (Cfr. Almeno Sá, Ob. Loc. Cit., pág. 215).
Finalmente, quanto à imodificabilidade, ela deve ser determinada em função das reais partes contraentes, sendo sindicáveis pelo regime das cláusulas contratuais gerais todas as situações que resultem do poder unilateral de conformação das condições contratuais por iniciativa do seu utilizador.
A imodificabilidade é o traço último da constatação da ausência de qualquer negociação. Para além de predispostas (pré-elaboradas) no interesse duma única parte (o utilizador), sem qualquer salvaguarda para a generalidade dos casos e das pessoas a que se podem destinar, as cláusulas contratuais gerais não são discutidas, ficando a parte contrária, normalmente economicamente mais débil, na posição de se limitar a aderir ao modelo contratual proposto.
De referir que o Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10 sempre teve uma finalidade mais vasta que a mera regulamentação das relações jurídicas de consumo, pois estabelece proibições de cláusulas estabelecidas em negociações entre empresários (Art.s 17º e ss.).
No caso concreto dos autos, é evidente que todos os contratos juntos, a que as partes se reportam, contêm “cláusulas contratuais gerais”, como aliás se infere da sua mera análise formal, sendo mesmo identificadas como tais em todos os contratos (v.g. docs. n.º 2, 5, 10 e 12 da petição inicial e n.º 7, 17 e 18 da contestação).
Nos termos do Art. 5.º do Dec.Lei n.º 446/85, de 25/10:
«1– As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
«2– A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência.
«3– O ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais».
Por sua vez, o Art. 6º estabelece que:
«1–O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.
«2–Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados».
Finalmente, o Art. 8.º do mesmo diploma estabelece que:
«Consideram-se excluídas dos contratos singulares:
«a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º;
«b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efetivo;
«c) As cláusulas que, no contexto em que surja, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real;
«d) As cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes».
Mas o Art. 9.º ressalva que:
«1- Nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afetada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos.
«2- Os referidos contratos são, todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no número anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspetos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé».
No caso, está em causa a subscrição de livranças pela sociedade devedora, beneficiária de financiamentos prestados por um banco, que foram avalizadas pelo A., que assinou esses títulos, por um lado, como gerente da sociedade subscritora, e por outro, a título pessoal, como avalista.
Ora, o A. também assinou os contratos de financiamento que motivaram a subscrição e aval das livranças, quer na qualidade de gerente da sociedade devedora, a V...e SGPS, Lda., quer na qualidade de “prestador da garantia”, constando a sua rúbrica em todas as folhas dos vários contratos juntos aos autos, quer na parte das condições particulares, quer na parte das condições gerais. Aliás, assinou esses contratos, sempre por duas vezes, nessas duas mencionadas qualidades, mesmo no final da última folha das “condições gerais”. Pelo que, teve a perceção necessária de que os contratos que então assinou eram compostos por “condições gerais” que faziam parte dos mesmos.
Todas essas livranças foram entregues em branco. Ou seja, encontravam-se por preencher quanto ao valor a pagar, à data e lugar de pagamento, e data e local de emissão. Portanto, tratavam-se de livranças incompletas, por não conterem todos os elementos formais previstos no Art. 75.º da LULL, não podendo por isso produzir os seus efeitos como livranças, sem prejuízo de algumas menções poderem ser supridas pela aplicação das regras supletivas quanto à data e lugar de pagamento e lugar de emissão (cfr. Art. 76.º da LULL).
Sobreleva particularmente que a livrança deve conter uma promessa pura e simples de pagamento duma quantia determinada (cfr. Art. 75.º n.º 2 da LULL). O que, no caso, não se verificava.
Sucede que a entrega duma livrança, subscrita pelo cliente e avalizada, já era explicitamente mencionada na cláusula 13 das condições particulares do contrato de 3 de outubro de 2007 (cfr. página 2 do Doc. n.º 2 da p.i.). O que se repetiu com as cláusulas 12 das condições particulares dos contratos de 22 de outubro de 2012 (cfr. página 2 do Doc. n.º 5 da p.i.) e de 14 de março de 2017 (cfr. página 2 dos Docs. n.º 10 e 12 da p.i.).
Considerando que os contratos anteriores já se mostram extintos pelo pagamento das inerentes responsabilidades, neste momento apenas estão em vigor os contratos celebrados em 14 de março de 2017 e as duas livranças entregues no âmbito da sua celebração.
Ora, para além da referência feita na cláusula 12 das condições particulares, é na cláusula 18.ª das “condições gerais” de cada um desses dois contratos que vem estabelecido o seguinte:
«18. Livrança
«§1. O Banco poderá acionar ou descontar a livrança que lhe é entregue pelo cliente no caso de incumprimento das obrigações assumidas no contrato.
«§2. O Banco fica autorizado pela cliente e pelo(s) avalista(s), caso existam, a preencher a livrança com uma data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação garantida e por quantia que o cliente lhe deva ao abrigo do contrato».
Há que referir que no contrato original não havia cláusula semelhante, porque apesar de se dizer a que se destinava a livrança e de se prever a possibilidade do seu acionamento (cfr. cláusula 17.ª §2 e cláusula 33 §1 al. c) do contrato de 3 de outubro de 2007), não havia uma declaração expressa do garante a autorizar o seu preenchimento. Circunstância que já não se verificava no contrato seguinte, de 22 de outubro de 2012, onde já existia uma cláusula 18.ª com o mesmo teor da dos contratos de 2017, tal como supra transcrita.
É indiscutível que uma livrança pode ser entregue ao credor, subscrita e avalizada, sem indicação de algum dos elementos constitutivos, tal como previstos no Art. 75.º da LULL, desde que haja uma autorização de preenchimento.
Estando o título de crédito incompleto, pode ser posteriormente completado em conformidade com o acordado entre as partes, sendo-lhe aplicável, com as devidas adaptações, o disposto no Art. 10.º da LULL, onde se estabelece que: «Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave».
Sendo certo que, no caso dos autos, por nos encontrarmos ainda no domínio das relações imediatas, pois o avalista e subscritor das livranças, subscreveu igualmente os contratos de financiamento onde se menciona a entrega desses títulos para sua garantia, é evidente que as exceções relacionadas com o incumprimento do acordo de preenchimento são oponíveis ao portador das livranças e autorizado a completá-las por força desses pactos de preenchimento.
De facto, nos termos do Art. 17.º da L.U.L.L., aplicável às livranças por força do Art. 77.º da L.U.L.L., estabelece-se que os devedores identificados nesses títulos de crédito não podem opor ao legítimo portador as exceções fundadas nas relações pessoais delas com o beneficiário original do título ou com os portadores anteriores. No entanto, no domínio das relações imediatas, esta exceção não se aplica (Vide, a propósito: Ferrer Correia in “Lições de Direito Comercial”, 1.º, pág. 187 e 188).
O mesmo princípio aplica-se igualmente aos avalistas, nomeadamente se estes tiverem intervindo pessoalmente no contrato de onde emerge a emissão da letra ou livrança.
Neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4/3/2008 (Proc. n.º 07A4251 – Relator: Moreira Alves), de onde se destaca o seguinte sumário:
«I - Tendo o oponente assinado o contrato de mútuo, embora exclusivamente na qualidade de avalista de uma livrança subscrita pelos mutuários e entregue à mutuante nos termos contratuais, significa isto que, no caso concreto, existe claramente entre a exequente (credora cambiária) e a oponente (avalista), uma relação causal, subjacente ao aval, por via da qual se estipulou determinado pacto de preenchimento para a livrança em branco subscrita pelos mutuários e avalizada pela oponente.
«II - Quer dizer, no caso, estamos no domínio de relações imediatas, mesmo em relação à oponente avalista, pelo que lhe era lícito chamar à colação o não cumprimento do dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais integradas no contrato de mútuo, pelo menos daquelas relacionadas com o não cumprimento e com o preenchimento da livrança avalizada.
«III - Pela mesma ordem de razão, podia, no caso concreto, a oponente opor ao credor cambiário a exceção de preenchimento abusivo da livrança.»
Na mesma linha temos também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/10/2013 (Proc. n.º 4720/10.3T2AGD-A.C1 – Relator: Alves Velho): «Quando o avalista tenha tomado parte no pacto de preenchimento de livrança em branco, subscrevendo-o, devam ser qualificadas de imediatas as relações entre ele e o tomador ou beneficiário da livrança – pois que não há, nesse caso, entre o avalista e o beneficiário do título interposição de outras pessoas –, o que confere ao dador da garantia legitimidade para arguir a exceção, pessoal, da invalidade do pacto de preenchimento.»
E ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31/3/2009 (proc. n.º 08B3815 – Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) de cujo sumário consta:
«1. Tendo intervindo na celebração do pacto de preenchimento de uma livrança incompleta, o avalista pode opor ao beneficiário a exceção material do preenchimento abusivo, quando a execução foi por este instaurada.
«2. Cabe então ao avalista o ónus da prova dos factos constitutivos dessa exceção.»
Assim, no caso dos autos, em causa estão agora apenas as cláusulas 18.ªs das condições gerais dos dois contratos de 14 de março de 2017.
É certo que o A. se limitou a alegar de forma muito genérica que não foi cumprida a obrigação de comunicação das cláusulas contratuais gerais, mas será a falta de comunicação desta cláusula 18.ª que terá a virtualidade de determinar a “nulidade” do aval relativo às livranças entregues em branco, na vertente da exclusão da declaração contratual donde consta uma autorização de preenchimento desses títulos de créditos.
É um facto que foi julgado por não provado que, quer o BES, quer o R., informaram o A. sobre os aspetos compreendidos nas cláusulas gerais relativos à prestação do aval (cfr. facto não provado em 19). Por outro lado, é inquestionável que quem tinha o ónus de prova da comunicação adequada e efetiva das cláusulas contratuais gerais era o banco (cfr. Art. 5.º n.º 3 do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10), o que objetivamente não foi cumprido quanto aos “aspetos compreendidos nas cláusulas gerais relativos à prestação do aval”.
Deve ter-se, no entanto, em atenção que o que o A. alegou a este propósito na petição inicial.
Aí pode ler-se que:
«204. A Ré não informou o aqui Autor dos aspetos compreendidos nas referidas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justifique (artigo 6º do referido DL).
«205. Mais do que isso, sempre lhe foi dito que o aval era uma mera formalidade e que, em nenhum momento, existiram consequências para si e para o seu património pessoal.
«206. Face a esta fantasia criada pela Ré, o que sucedeu é que ao Autor não lhe foi possibilitado ter um efetivo conhecimento dos contratos que avalizou, cujas condições não negociou, tendo as mesmas lhe sido apenas apresentadas para assinatura.
«207. Verdadeiramente, o aqui Autor não teve a perceção dos termos dos contratos e das obrigações que alegadamente contraiu, ou seja, de todos os elementos constitutivos do negócio.
«208. Sendo certo que, não obstante as declarações constantes do contrato imediatamente precedente às assinaturas (onde é costume afirmar-se que foram conhecidas todas as condições e cláusulas do referido contrato e que das mesmas foram devidamente informados) não é verdade, nem as mesmas lhe foram lidas, nem explicadas».
Ou seja, o A. não invoca propriamente que não teve a perceção da existência de “condições gerais” nos contratos que assinou. Simplesmente vem sustentar que não foi informado dos aspetos compreendidos nas referidas cláusulas cuja aclaração se justificava, parecendo muito claro que teve a noção de que tinha prestado um aval, embora alegadamente tivesse sido convencido pelos funcionários do BES que era uma mera formalidade e que a aval não era para acionar (facto último este, que também consta dos factos não provados - v.g. facto não provado no ponto 5 da sentença recorrida).
Dito isto, reconhecendo o A. que tinha entregue duas livranças em branco, por si subscritas, na qualidade de gerente da sociedade devedora, e por si pessoalmente avalizadas; sabendo que foi negociada a necessidade de entregar esses títulos nessas condições, a qual se mostra explicitamente referida na cláusula 12 das condições particulares dos contratos de 2017 (cfr. docs. n.º 10 e 12 da p.i.); e que essa exigência já havia sido negociada desde o primeiro contrato celebrado com o BES (cfr. facto provado 116), o que se foi repetindo nos contratos subsequentes (cfr. docs. n.º 2, 5, 10 e 12 da p.i.); sabendo o A. que existiam condições gerais, que rubricou, assinando os contratos no final das mesmas (cfr. cit.s docs.); sabendo que assinou todos esses contratos, sempre por duas vezes, uma na qualidade de gerente da sociedade devedora e outra como “prestador da garantia do aval e do penhor de valores mobiliários”, tal como consta da identificação das partes nesses contratos (cfr. cit. docs.), fica no mínimo demonstrado que o A. teve a perceção sobre a existência efetiva de condições gerais e sobre a assunção de responsabilidades como garante na qualidade de avalista.
O lugar onde consta a identificação da qualidade de avalista do A., bem como a indicação de entrega de livrança subscrita pelo cliente e avalizada, não constam das condições gerais dos contratos. Formalmente, essa parte dos contratos não contêm “cláusulas contratuais gerais”. Tratam-se de segmentos textuais que só se aplicam a esses concretos contratos e que foram negociados especificamente para eles.
O problema coloca-se assim apenas relativamente ao cumprimento do dever de comunicação e informação quanto ao conteúdo da cláusula 18.ª das condições gerais, donde consta, por um lado, a possibilidade de acionamento da livrança em caso de incumprimento das obrigações contratuais aí assumidas e, por outro, a declaração de autorização ao banco, pelo cliente e pelo avalista, relativamente ao preenchimento da livrança pelo valor das responsabilidades contratuais.
Não se tendo provado que o banco sempre garantiu ao A. que as livranças não eram para ser acionadas (cfr. facto não provado em 5), não se pode dizer que houvesse surpresa na existência de semelhante cláusula, nomeadamente quando se celebra um contrato de crédito em que se exige a entrega duma livrança em branco, subscrita pelo cliente e avalizada pelo garante.
É expectável que a exigência duma livrança subscrita e avalizada, entregue em branco, tenha por propósito servir de titulação das responsabilidades do devedor e do avalista.
O A. é comprovadamente um empresário experiente e não era a primeira vez que assinava contratos de financiamento, nem que subscrevia e avalizava livranças, como o próprio reconheceu em declarações de parte. Isto independentemente de sustentar que este contrato tinha as suas especificidades próprias e que, segundo alegou, nunca foi efetivamente acionado pelo incumprimento de nenhum desses outros contratos.
O certo é que o A. não poderia deixar de ter a perceção que assumiu a garantia pessoal de cumprimento destes créditos, na qualidade de avalista, e portanto, em caso de incumprimento, o banco poderia acionar as garantias assim por si prestadas voluntariamente.
Acresce que, como já vimos, esta cláusula já constava do contrato de 22 de outubro de 2012 (cfr. doc. n.º 5 junto com a p.i.), precisamente com a mesma redação. Portanto, não era nenhuma novidade o seu reaparecimento nos novos contratos de 2017, considerando a continuidade da exigência da prestação dessas garantias e a necessidade duma nova entrega de livranças, nas mesmas condições. O que nos permite concluir, com relativa segurança, que o A. teve possibilidade de conhecer atempadamente as condições gerais, muito em particular a “reincidente” cláusula relativa ao pacto de preenchimento, que repetidamente aparecia nos contratos que assinou e rubricou, que constavam duma parte do contrato imediatamente anterior ao local onde veio a apor a sua assinatura (cfr. Art. 5.º n.º 2 do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10).
Queixou-se o A. que não foi informado dos aspetos compreendidos na cláusula 18.ª cuja aclaração se justificaria (cfr. artigo 204.º da petição inicial). No entanto, não especificou quais os aspetos que justificavam aclaração, sendo que é evidente que não carece de especial justificação ou aclaração uma cláusula que se limita a permitir ao banco credor o acionamento da livrança em caso de incumprimento e o preenchimento do título, nomeadamente através da aposição do valor correspondente às responsabilidades contratuais garantidas.
Deste ponto de vista reafirmamos o que foi sustentado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/4/2018 (Proc. n.º 4/17.4T8PDL-A.L1-7 – Relator: José Capacete, mas também subscrito pelo aqui relator, ali na qualidade de 1.º Adjunto), onde se pode ler: «a ideia de aval e de avalista está, desde há muito, no domínio do senso comum; qualquer pessoa de mediana cultura, instrução e diligência sabe o que é um aval e o que significa ser avalista de alguém». E, num caso até muito semelhante ao presente, em que o A. era sócio-gerente da sociedade desde o momento da sua constituição, a qual é a própria subscritora e beneficiária dos financiamentos concedidos pelo R., em garantia dos quais foram emitidas duas livranças em branco, considerou-se ainda que: «não é verissímil, não é crível, escapa às regras da lógica e da experiência da vida, daquilo que é normal nestes casos, que não estivesse familiarizado com a figura do aval».
Diga-se ainda que, como sustentam Almeida Costa e Menezes Cordeiro (in “Cláusulas contratuais Gerais – anotação ao Dec.Lei n.º 446/85de 25/10”, 1993, pág. 25): «o dever de comunicação é uma obrigação de meios: não se trata de fazer com que o aderente conheça efetivamente as cláusulas, mas apenas de desenvolver, para tanto, uma atividade razoável».
Na mesma linha, Almeno de Sá (in Cláusulas Contratuais Gerais e Diretiva Sobre Cláusulas Abusivas”, 2.ª ed., pág. 61) defende que: «a imposição ao utilizador deste ónus de comunicação tem como correlato, do lado do aderente, a necessidade de adoção de uma conduta que possa ter-se como razoável ou exigível. Tal conduta é aferida segundo o critério abstrato da diligência comum, o que nos conduz ao cuidado ou zelo normal do tipo médio de agente pressuposto pela ordem jurídica, colocado na situação em causa». E acrescenta mais à frente: «o que se visa é que o utilizador clarifique aqueles concretos pontos do regulamento contratual predisposto que postulem, nas particulares circunstâncias do caso, uma advertência suplementar, por forma a que a contraparte tome consciência do seu significado e alcance no quadro global do programa contratual. (…) parece-nos que há-de desempenhar aqui um papel decisivo o particular objetivo da regulação em jogo, em ligação com a sua relevância para a formação de uma decisão racional por parte do cliente (…). A lógica do mútuo consenso como pressuposto de vigência das condições gerais está também subjacente à norma que proíbe as chamadas cláusulas-surpresa. Parte-se da ideia de que determinados fatores externos ligados à conclusão do contrato, como a epígrafe das cláusulas, o contexto em que surgem ou a sua apresentação gráfica, evidenciam, só por si, a falta de uma verdadeira concordância do aderente relativamente ao conteúdo regulativo nelas consagrado» (Cfr. Ob. Cit., pág. 62).
Neste contexto, José Manuel Araújo de Barros (in “Clausulas Contratuais Gerais”, págs. 59 e ss. ), faz a distinção entre as obrigações de comunicação e de informação, considerando-as complementares. Ambas visam tornar eficaz apreensão da proposta contratual, mas o dever de comunicação procura garantir o conhecimento efetivo da cláusula, enquanto o dever de informação propõe-se assegurar a compreensão da mensagem que lhe está subjacente, o qual deve ser articulado com o primeiro.
Pinto Monteiro (in “Contratos de Adesão/Cláusulas Contratuais Gerais”, EDC, nº 3, pág. 140), neste mesmo contexto, não deixa de defender que: «o conteúdo deste dever de informação, bem como os termos por que deve ser feita a comunicação prévia das cláusulas contratuais dependem das circunstâncias, sendo de considerar, designadamente, o facto de existirem já anteriores relações contratuais ou de o aderente ser uma empresa ou um simples consumidor final».
Já Ana Prata (in “contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais”, pág. 252) refere que: «a separação entre a obrigação de comunicação e a de informação é relativamente forçada ou artificial. No modo como o artigo anterior [Art. 5.º do Dec.Lei n.º 446/85] concebe a primeira vão contidas as informações necessárias à compreensão do conteúdo do contrato. A utilidade autónoma deste preceito reside sobretudo no seu nº 2. Admite-se, todavia, que a lei tenha querido enfatizar a necessidade de cabal esclarecimento das cláusulas contratuais com o nº 1 deste artigo. (…)
«A obrigação de comunicação é muitas vezes insuficiente para assegurar que o acordo do aderente foi livre e esclarecido. Não raro o mero teor literal das cláusulas não permite apreender o seu sentido por uma pessoa de diligência média. Há cláusulas que, pela sua complexidade e pelo seu significado jurídicos, a generalidade das pessoas - mesmo com alguma preparação jurídica - não compreende, ou não compreende completamente. Há outras que, por terem que ver com a complexidade tecnológica do bem que é objeto do contrato, uma pessoa de preparação e diligência médias não percebe, mesmo conhecendo o seu teor literal. E há ainda cláusulas cujo significado é diverso do aparente, já que carecem de uma interpretação combinada com outras - que podem estar até sistematicamente distantes no texto do clausulado -, não se apercebendo o aderente do seu sentido, salvo se lhe for explicada a articulação que tem de ser feita entre elas. (…).
«Deste artigo 6.° não decorre que o predisponente das cláusulas tenha a obrigação de explicar a cada cliente, uma por uma, cada uma das cláusulas e o seu significado (porventura complexo); no entanto, quando se trate de cláusulas que, dadas as circunstâncias - isto é, em razão da dificuldade objetiva da compreensão do seu alcance ou/e da impreparação da contraparte que vai aceitá-las, justifiquem uma aclaração, um esclarecimento sobre o seu sentido, o predisponente, independentemente de pedido do aderente, tem de prestar essa informação circunstanciada. (…).».
Ora, o que resulta da cláusula 18.ª das condições gerais é evidente e não carece de qualquer aclaração: o banco podia acionar a garantia, ou seja propor uma ação destinada a obter o pagamento do que fosse devido, e estava autorizado a preencher a livrança pelo valor que fosse devido por força do incumprimento do contrato.
Por outro lado, essa cláusula, no contexto da relação comercial estabelecida entre as partes não é nova, já contava do contrato anterior, sendo uma repetição duma exigência já anteriormente feita pelo banco e sempre aceita pelo A., que, pelo menos, por duas vezes antes já a havia satisfeito.
Neste contexto, julgamos perfeitamente legítima a interrogação feita por Carolina Cunha (in “Manual de Letras e Livranças”, 2016, págs. 221 a 223), quando refere: «a disciplina do art. 5.º do diploma das c.c.g. visa assegurar que se formou, tecnicamente, um consenso quanto a determinado conteúdo contratual; é por isso que o art. 8.º a), vem considerar excluídos do acordo das partes os conteúdos que não tenham sequer logrado chegar ao conhecimento do aderente. Mas quem subscreve e entrega um letra ou livrança em branco no instante que celebra um contrato de financiamento não poderá, em princípio, deixar  de possuir uma noção sumária de que está com esse comportamento a assumir uma garantia de cumprimento do contrato, a qual poderá, portanto, ser acionada (através do preenchimento do título) em caso de incumprimento. Sendo assim, como é possível sustentar que a cláusula que, afinal, se limita a reproduzir graficamente semelhante conteúdo de vontade, não foi “comunicada” ao aderente?» (sublinhado nosso). Por isso, essa autora sugere que esse problema deve ser resolvido noutro plano, nomeadamente alegando e provando a existência de erro, por falta de consciência da declaração, ou erro sobre a natureza do negócio, apelando às especiais obrigações de informação impostos por lei às entidades bancárias. Mas, o recurso a esse tipo de soluções, no caso concreto, não tem aplicação, no que concretamente se refere às obrigações assumidas por aval, pelas razões de senso comum que já expusemos.
Acrescenta ainda a mesma autora que: «Fora estas situações patológicas. Mesmo que a c.c.g. contendo o pacto de preenchimento devesse considerar-se excluída do contrato a questão sempre teria de se resolver com o auxílio do art. 9.º do diploma em causa, que remete para as regras de integração do negócio jurídico. E basta, geralmente, conjugar o natural conhecimento, pelo cliente, das condições particulares básicas do financiamento que contrai (montante do crédito, taxas de juros, plano de amortização, o montante das prestações e a data de vencimento) com o ato material da subscrição do título cambiário para concluir pela consciência e vontade de, por essa via, prestar uma garantia ao cumprimento do contrato» (idem pág. 223).
Concordando com o assim exposto, não temos dúvidas em subscrever a decisão recorrida quando refere: «(…) tendo por assente que a cláusula do contrato referida supra foi comunicada ao Autor, cuja assinatura consta após a sua inserção no contrato, temos que concluir que a mesma não é complexa na sua redação ou no seu conteúdo, nem demanda exigente esforço interpretativo sendo que para a sua cabal compreensão não é necessário mais do que relacioná-la com as condições particulares do contrato, onde constam o respetivo montante, taxa de juro e prazo.
«Por outro lado, não se concebe que o Autor, empresário com décadas de experiência não saiba o que é um aval e o que significa ser avalista.
«E não é de menor significado para a apreciação da questão, verificar que o Autor subscreveu os contratos de financiamento em causa, como avalista e como gerente da sociedade mutuária V..., Lda.
«Ora, não corresponde ao que normalmente decorre das regras de experiência comum que alguém como o Autor, que detém participações sociais em empresas de sucesso com incursões no mercado internacional, e que intervém nos contratos de financiamento na dupla qualidade de representante legal do mutuário e de avalista do mutuário, não saiba que em caso de incumprimento das obrigações daquele seria responsável perante o Réu da mesma maneira que o avalizado.
«Também não se retira dos factos provados que o Autor alguma vez tenha solicitado algum esclarecimento sobre a referida cláusula que vem fazendo parte de todos os contratos de financiamento assinados pelo Autor desde 2007.
«Assim, embora não tenha sido considerado provado que a cláusula em questão foi explicada ao Autor, não podemos deixar de concluir que este não poderia ter deixado de compreender o seu alcance, aceitando o respetivo teor.
«Não ficou igualmente provado que o Banco tenha garantido ao Autor que a prestação de aval correspondesse a uma mera formalidade e que as livranças nunca seriam acionadas.
«Porém, o que os factos nos mostram é que as livranças não foram, até à data, efetivamente, acionadas e, sendo assim, a questão do preenchimento abusivo nem se chega a colocar.
«Por todas estas razões, de que se destaca o facto da cláusula ter sido comunicada e de não ser de esperar que a mesma não fosse compreendida pelo Autor, entendemos que não se mostra comprovado que o Réu tenha violado o dever de informação a que se reportam os art.s 5º e 6º da LCCG.
«No entanto, ainda que da prova resultasse o contrário, a consequência para a violação dos deveres de informação pelo predisponente não é a nulidade do título, mas a exclusão da cláusula não comunicada ou explicada – vd art.s 8º LCCG.
«Com a exclusão da cláusula 18º das condições gerais os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afetada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos conforme dispõe o art. 9º, nº1 LCCG.
«Com efeito, para que os contratos pudessem ser considerados nulos teria que ocorrer uma indeterminação insuprível de aspetos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé – art. 9º, nº2 LCCG, o que não é manifestamente o caso.
«Assim, mesmo expurgados os contratos das referidas cláusulas, relativas aos pactos de preenchimento das livranças, a sua exclusão não afetaria os avais enquanto negócios cambiários.
«Conforme é referido no Ac. do STJ de 22.10.2013, «se o avalista opta por lançar mão da invalidade da cláusula que integra o pacto de preenchimento em que interveio, com a respetiva exclusão do contrato, autoexclui-se da intervenção no acordo de preenchimento e, consequentemente do posicionamento que detinha no campo das relações imediatas com a beneficiária da livrança, a coberto das quais poderia invocar e fazer valer a exceção do preenchimento abusivo».
«Em conclusão, mesmo que no caso concreto se pudesse entender ter havido violação dos deveres de informação por parte do Réu, não poderíamos ainda assim considerar nulos os avais prestados pelo Autor».
Cumpre ainda dizer que o apelo feito pelo Recorrente à aplicação ao caso do disposto no Art. 321.º do Código dos Valores Mobiliários (CVM) parece-nos descontextualizado, porque as cláusulas postas em crise inserem-se em contratos de crédito bancário e não em contratos de intermediação para aquisição de valores mobiliários. Sendo que o Art. 77.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31/12, mencionado na petição inicial, que se reporta ao dever de informação e assistência devido pelas instituições de crédito nas suas relações comerciais com os seus clientes, não afasta o reconhecimento necessário de que o A., pela sua experiência empresarial e pela subsistência desta relação creditória desde 2007, teve consciência necessária de que assumiu pessoalmente a garantia de pagamento das responsabilidades emergentes destes contratos através de avais por si prestados, o que objetivamente não carecia de especial esclarecimento no contexto deste relacionamento contratual.
Também é claro que, mesmo que fossem afastadas as demais cláusulas contratuais gerais relacionadas com a possibilidade de resolução dos contratos por incumprimento e suas consequências, sempre subsistiriam responsabilidades patrimoniais perfeitamente determináveis pelo mero funcionamento das regras gerais dos contratos (v.g. Art.s 781.º e 1142.º e ss. do C.C.), bastando a simples constatação de que, das condições particulares, consta que foi financiado um determinado valor, por determinada taxa de juros, com o estabelecimento de um plano de pagamentos ou com especificação da data de vencimento (cfr. docs. n.º 10 e 12 da petição inicial). Pelo que, haveria sempre forma de garantir que o preenchimento das livranças pelo banco não poderia ser abusivo.
Em suma, julgamos que improcedem todas as conclusões contrárias ao exposto, devendo a sentença recorrida ser mantida nos seus precisos termos no que se refere à questão da validade dos avales.
3. Da nulidade dos contratos de financiamento por simulação.
Os segundos pedidos formulados pelo A. na sua petição inicial, cujo julgamento aqui é posto igualmente em causa na presente apelação, são os seguintes:
«c) Ser declarada a nulidade dos contratos de financiamento celebrados entre o Autor, a V... e o BES, face à simulação que existe;
«d) Ser declarada a nulidade dos dois contratos de financiamento celebrados entre o Autor, a V... e o Réu, face à simulação que existe».
Ambos foram julgados improcedentes pela sentença recorrida, por se ter entendido que não se verificaram os requisitos da simulação relativamente a nenhum dos contratos dos autos.
Os Recorrentes discordam desta apreciação, por entenderem que provaram que a relação contratual, estabelecida entre as partes desde 2007 e sucessivamente renovada em 2012 e 2017, tinha por propósito obter o acesso privilegiado ou uma a parceria com o Grupo Espírito Santo, e não um verdadeiro financiamento de 10 milhões de Euros, sendo que o BES pretendia autofinanciar-se através desta operação, que por si foi montada, concedendo um financiamento a uma sociedade meramente instrumental, constituída para esse exclusivo efeito, garantida por ações e obrigações do próprio Grupo Espírito Santo. Portanto, haveria uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada, porque não queriam o financiamento; com o intuito de enganar a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e o Banco de Portugal, sendo que o A. se viu ele próprio enganado pela situação de crise na família Espírito Santo. Acrescentando que, nos termos do n.º 2 Art. 394.º do C.C., apesar de ser inadmissível a prova testemunhal para demonstração de negócio simulado quando a simulação é invocada pelos simuladores, tem-se entendido que ela pode ser admissível se sustentada em prova documental que lhe sirva de princípio de prova. O que aconteceu no caso dos autos.
Apreciando, pretendia-se ver reconhecida a nulidade dos contratos celebrados pelo A. e interveniente principal com o BES e o R., por simulação absoluta.
Nos termos do Art. 240.º do C.C.:
«1- Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
«2- O negócio simulado é nulo».
São requisitos da simulação absoluta: 1) a divergência entre a vontade declarada e a vontade real dos declarantes; 2) o acordo simulatório entre declarante e declaratário; e 3) o intuito de enganar terceiros (vide, a propósito, entre outros: Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4.ª Ed., pág. 227; Mota Pinto in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª Ed., pág. 472; Pedro Pais de Vasconcelos in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª Ed., pág. 520; e Menezes Cordeiro in “Tratado de Direito Civil Português – I Parte geral, Tomo I, 2.ª Ed., 2000, pág. 631).
Uma parte substancial dos fundamentos da presente apelação passavam largamente pela prova da existência da divergência entre a vontade real e a declarada, o que pressupunha em grande medida a procedência da impugnação da matéria de facto relativamente ao que ficou a constar do ponto 17) dos factos não provados da sentença recorrida.
Ocorre que, nessa parte, improcedeu a apelação (cfr. parte 1.4. do presente acórdão), continuando assim dado por não provado que: «O Autor e a V... nunca quiseram contrair o financiamento de 10.000.000,00 EUR (dez milhões de euros)».
Visto isto, na verdade, não resulta dos factos provados que houvesse qualquer divergência entre a vontade real e a declarada relativamente a qualquer dos contratos juntos aos autos, celebrados entre o A. e a V..., por um lado, e o BES ou o R., por outro.
A prova produzida permite concluir que o A. e a V... quiseram efetivamente celebrar o contrato de financiamento de 3 de outubro de 2007, bem como todos os restantes que se lhe seguiram, quer eles fossem meras alterações, quer eles fossem novos contratos destinados a liquidar as responsabilidades emergentes do contrato precedente que então estivesse em vigor. Mesmo que o A. tivesse inicialmente tido interesse de, por esta via, passar a aceder a uma parceria com o grupo BES que lhe permitiria um tratamento privilegiado, tal não invalida que tenha querido celebrar um financiamento com esse banco. Mesmo que esse financiamento tenha permitido os meios financeiros que levaram à aquisições de valores mobiliários de empresas do grupo BES, que depois foram em garantia do cumprimento do contrato, o A. e a V... quiseram celebrar esse contrato de investimento.
Em suma, não há divergência entre a vontade real e a declarada, porque não se provou. Tal como não se demonstrou haver acordo simulatório, nem intenção de enganar quem quer que seja. Logo, a conclusão só pode ser uma: não há simulação.
Não há simulação no contrato de 2007 e também não há simulação nos contratos de 2012 ou de 2017, que se destinaram a liquidar as responsabilidades patrimoniais dos contratos de financiamento que imediatamente os precediam.
A matéria de facto provada não permite ter por verificados os requisitos da simulação (cfr. Art. 240.º n.º 1 do C.C.). Pelo que, não tendo o A. cumprido o ónus de prova dos factos constitutivos do seu direito (cfr. Art. 342.º n.º 1 do C.C.), a ação tem de improceder necessariamente nessa parte, tal como decidido pela primeira instância.
De igual modo, o pedido seguinte, constante da alínea e) do petitório da petição inicial, relativo a ser declarada a nulidade do aval prestado pelo A. e inexistentes as livranças subscritas, em virtude da nulidade por simulação dos contratos celebrados com o R., só poderia ser julgado por improcedente também.
Resta dizer que ainda existia um outro pedido, na alínea f), de condenação do R. no pagamento duma indemnização, que igualmente foi julgado por improcedente, mas a presente apelação não tem por objeto essa parte da sentença recorrida.
Decorre assim de todo o exposto que todas as conclusões de recurso apresentadas pelos Recorrentes, porque contrárias ao sentido do decido, improcedem, devendo a sentença ser confirmada nos seus precisos termos.

V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente por não provada, mantendo-se a sentença nos seus precisos termos.
- Custas pelos apelantes (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).
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Lisboa, 24 de setembro de 2024
Carlos Oliveira
Alexandra de Castro Rocha
Rute Sabino Lopes