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EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA
CASA DE HABITAÇÃO
REALOJAMENTO DO INQUILINO
VENDA
Sumário
I) A efetivação da entrega da casa que constitua habitação principal do executado deverá, caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento, de ser precedida de comunicação antecipada do agente de execução à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes, de harmonia com o disposto no n.º 6 do artigo 861.º do CPC. II) A referida comunicação do agente de execução deverá ocorrer com uma antecedência de, pelo menos, 10 dias em relação à data designada para a efetivação da entrega. III) Não tendo ainda sido concretizada a venda, não existe motivo para que se diligencie, desde já, por tal comunicação.
(Sumário elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do CPC).
Texto Integral
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
* 1. Relatório:
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1. Nos autos de execução que, com o n.º 4347/15.3T8SNT, correm termos no Juízo de Execução de Sintra – Juiz (…), em 04-02-2024 foi proferido despacho – notificado ao executado por comunicação efetuada em 05-02-2024 -do seguinte teor: “Pelas razões já consignadas no despacho de 27.09.2023, não autorizo a venda do imóvel pelo valor da melhor proposta apresentada, de €364.383,33. Porém, não podendo a venda eternizar-se, desde já se advertem as partes que se autorizará a venda pelo valor da melhor proposta que venha a ser apresentada em nova publicitação da venda, ainda que não superior ao da melhor proposta agora apresentada. Notifique, pois, o agente de execução para prosseguir com a venda por negociação particular, com nova e derradeira publicitação no portal e-leilões. Notifique.”.
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2. Em 07-02-2024, o agente de execução elaborou informação onde se lê, nomeadamente o seguinte: “INFORMAÇÃO (…), com a cédula número (…), Agente de Execução no processo em epígrafe, informa da publicação em 07-02-2024 às 13:51, do bem abaixo identificado. BEM Tipo de Bem: Imóvel Descrição do Bem: Fracção autónoma designada pela letra – (…) - composta por apartamento, designado pelo número seiscentos e dois, situado no piso seis, para habitação, com 80 metros quadrados, do prédio urbano denominado - Edifício (…)- situado na Rua (…), da União das Freguesias de Cascais e Estoril e do concelho de Cascais, inscrito na respectiva matriz predial com o artigo (…), da freguesia e do concelho acima mencionados, e descrito na (…).ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º (…)/Cascais. Valor Base: 509.000,00€ Valor de Avaliação: 193.945,44€ Modalidade da Venda: Venda por negociação particular Data da Venda: 2024-03-12 14:30 Valor da Venda: 432.650,00€ Data Limite da Publicação: 12-03-2024 OBSERVAÇÕES ADVERTE-SE A TODOS OS INTERESSADOS QUE A VENDA ESTÁ A DECORRER ATRAVÉS DA PLATAFORMA E-LEILÃO, PELO QUE: 1) Devem ler as regras de funcionamento da plataforma onde decorre o leilão electrónico em https://www.eleiloes.pt/regras.aspx e consultar a legislação aplicável e em vigor. 2) Apenas são aceites as propostas efectuadas através da plataforma E-leilão. 3) Para efeitos de agendamento de visitas devem contactar o (a) fiel depositário (a), cujo seu contacto apenas se encontra disponível na plataforma E-Leilão (e após efectuar o registo). 4) A caderneta predial urbana e descrição predial, apenas se encontra disponível para consulta na plataforma E-Leilão (após efectuar o registo). 5) Para efectuarem licitações e aceder ao contacto da fiel depositário devem efectuar o registo na plataforma.”.
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3. O termo do leilão eletrónico da venda por negociação particular do imóvel penhorado no auto de penhora de 17-04-2015, foi designado para o dia 12-03-2024, pelas 14h e 30m.
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4. Em 13-03-2024, o agente de execução elaborou decisão – cuja notificação foi expedida para o executado nessa data - do seguinte teor: “(…) DECISÃO DO AGENTE DE EXECUÇÃO Lisboa, 13-03-2024 DECISÃO No âmbito dos autos acima identificados, em que são partes: EXEQUENTE: Hefesto Stc, S.A., com o NIPC (…), com sede na (…), em Lisboa, habilitada para substituição do Banco Santandet Totta, S.A.. EXECUTADO: “A”, com o NIF (…), solteiro, maior, com domicílio na Estrada (…), em Cascais. DECIDE-SE o seguinte: - Ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 822.º do Código de Processo Civil (CPC), encontra-se em venda por negociação particular a fracção autónoma designada pela letra – (…) - composta por apartamento, designado pelo número seiscentos e dois, situado no piso seis, para habitação, com 80 metros quadrados, do prédio urbano denominado - Edifício (…)- situado na Rua (…), da União das Freguesias de Cascais e Estoril e do concelho de Cascais, inscrito na respectiva matriz predial com o artigo (…) da freguesia e do concelho acima mencionados, e descrito na (…).ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º (…)/Cascais. - Foi nomeado como encarregado da venda o ora signatário, nos termos no disposto no artigo 833.º n.º 1 do CPC. - A melhor proposta foi apresentada por “B”, com o NIF (…), casada no regime de comunhão de adquiridos, com “C”, com o NIF (…), com domicílio na Rua (…), em Alcabideche, no montante de 400.500,00 Euros (quatrocentos mil e quinhentos euros). - Foi deferida autorização judicial para a menciona venda, através do douto despacho de 05/02/2024, que se junta. - Pelo que se decide vender o identificado bem à ora proponente. - O instrumento de venda será lavrado logo que se mostrem liquidadas e pagas as respectivas obrigações fiscais em sede de IMT e IS. JUNTA-SE: O (s) supra aludido (s) documento (s) (…)”.
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5. Em 04-04-2024, o agente de execução elaborou decisão do seguinte teor: “(…) DECISÃO DO AGENTE DE EXECUÇÃO Lisboa, 04-04-2024 DECISÃO No âmbito dos autos acima identificados, DECIDE-SE o seguinte: 1. Encerrado o leilão eletrónico da venda por negociação particular do imóvel objeto de penhora nos presentes autos e melhor identificado no auto de penhora de 17/04/2015 (Fração autónoma designada pela letra – (…)- composta por apartamento, designado pelo número seiscentos e dois, situado no piso seis, para habitação, com 80 metros quadrados, do prédio urbano denominado - Edifício (…) - situado na Rua (…), da União das Freguesias de Cascais e Estoril e do concelho de Cascais, inscrito na respetiva matriz predial com o artigo (…), da freguesia e do concelho acima mencionados, e descrito na (…).ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º (…)/Cascais) verificou-se que a melhor proposta foi apresentada por – “B” em nome individual, no valor de 400.500,00 Euros (quatrocentos mil e quinhentos euros). 2. Veio a melhor proponente, através do documento que se junta, requerer a alteração do nome da proponente para a sociedade “D” Unipessoal, Lda com o NIPC (…), conforme certidão permanente anexa. 3. A alteração do nome da proponente não traduz em qualquer prejuízo para as partes, nem acarreta qualquer invalidade da proposta apresentada. 4. Pelo que se decide alterar e assim determinar como melhor proponente a sociedade “D” Unipessoal, Lda., com o NIPC (…), em substituição da respetiva sócia-gerente que apresentou em seu nome a respetiva proposta, adjudicando-se à mencionada sociedade o imóvel sub judice. Da presente decisão, serão notificadas as partes e a primitiva proponente; desta decisão cabe reclamação, nos termos gerais, para o Mmo. Juiz do processo (…)”.
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6. Em 04-04-2024, foi remetida notificação ao advogado do executado, referente à decisão do agente de execução elaborada nessa data e referida em 5.
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7. Em 02-05-2024, o executado requereu nos autos o seguinte: “(…) 1. No dia 22 de março de 2024 o Executado “A” subscreveu um requerimento que enviou aos autos por email, tendo dado conhecimento do teor do mesmo ao Sr. Agente de Execução e ao seu mandatário. 2. No dia de hoje solicitou que o mandatário verificasse qual se já havia resposta ao seu requerimento, pelo que, em função desse pedido, o mandatário acedeu ao processo e constata que o requerimento do Executado “A”, enviado por email, não está no processo, pelo menos não está visível no processo. 3. Nesta conformidade, e porque importa que o tribunal aprecie o pedido pelo Executado “A”, junto envio todos os documentos que foram enviados aos autos, por aquele, no dia 22/03/2024 (…)”.
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8. Em 22-05-2024, nos autos de execução acima referidos, foi proferido o seguinte despacho: “O executado “A” mostra-se representado nos autos por ilustre mandatário judicial, sendo através deste que se deve dirigir ao Tribunal. Não obstante, sempre se dirá que tendo transitado em julgado o despacho proferido em 04.02.2024, onde se autorizou a venda do imóvel penhorado pelo valor de €364.383,33 ou superior, mostra-se esgotado o poder jurisdicional do Tribunal quanto a essa matéria. Relativamente ao pedido de diferimento da desocupação, conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 861.º, n.º 6, e 863.º, n.ºs 3 a 5, do Código de Processo Civil, o incidente aí previsto é dividido em duas fases: uma fase de suspensão liminar pelo agente de execução e uma fase de apreciação para confirmação pelo juiz da causa, a ser requerida pelo executado ou terceiro detentor da coisa, no prazo de dez dias contados da correspondente “advertência” do agente de execução (cfr. Rui Pinto, in «Manual da Execução e Despejo», Coimbra Editora, 2013, págs. 1148 e segs.). No caso, conforme resulta dos autos, a venda do imóvel penhorado nem sequer foi ainda concretizada, pelo que é o pedido de diferimento é manifestamente prematuro. E os fundamentos invocados também não se integram na previsão do n.º 3 do art.º 863.º do Código de Processo Civil, únicos que, no caso, poderiam justificar a suspensão das diligências executórias. Termos em que se indefere o requerido, devendo o agente de execução providenciar pela concretização da venda. Notifique.”.
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9. Não se conformando com esta decisão, dela apela o executado, pugnando seja dado provimento ao recurso, com revogação do despacho recorrido e sua substituição por decisão que “indefira o pedido de junção de documentos formulado”, tendo formulado, na alegação que apresentou, as seguintes conclusões: “(…) a) O ora recorrente foi notificado pelo Sr. Agente de Execução no dia 13/03/2024, o qual dava conta da decisão de venda do imóvel à proponente da melhor proposta, a Sra. “B”, assim como advertia o Execu[t]ado para no prazo de 10 dias “Respeitar e reconhecer o direito do proponente, desocupando o imóvel de pessoas e bens, e, bem assim, com vista a investir o proponente na posse do imóvel, entregar voluntariamente ao Agente de Execução signatário, ... a chave do imóvel, b) Essa mesma notificação foi feita com a advertência expressa, dirigida ao Executado/Recorrente, que caso não respeitasse o teor da decisão poderia incorrer na prática de um crime de desobediência, p. e p. nos termos do artigo 348.º do CP; c) O Recorrente, tendo presente os prazos processuais, reagiu aquela notificação do AE e apresentou um requerimento ao MM juiz no qual alega, além do mais, que o imóvel vendido constitui a sua casa de morada de família e do seu agregado familiar, é a única residência e não dispõe de outra, e requer que o tribunal não autorize a venda do imóvel pelas razões que, no requerimento, adianta e fundamenta; d) Após motivar a sua pretensão, o Executado termina o seu requerimento com o seguinte pedido: “Nestes termos e nos demais de direito, sempre com o mui suprimento de V/Ex.a, Requer-se a V/Ex.a que não autorize a venda do imóvel, na medida em que o valor de venda ser 40% a 50 % inferior ao valor de mercado do 6em, o que, a suceder, causará um prejuízo irreparável para o executado. Caso assim não se entenda, então, Requer-se que seja determinada a sustação da entrega do imóvel ao adquirente, nos termos conjugados no n.º 6 do art.º 861.º do CPC com a Lei de Bases da Habitação, enquanto as entidades competentes - Câmara Municipal de Cascais, Segurança Social e outras entidades assistenciais competentes -, não arranjarem uma alternativa de realojamento para o Executado e o seu agregado familiar (o qual integra um menor estudante) que, num cenário de despejo e perda de habitação, será privado dos mais elementares direitos constitucionais, nomeadamente o direito à dignidade, o direito a uma vida condigna, direito a ter um teto onde residir, direito à saúde e à educação, porquanto, ao ser despejado coercivamente, isto é, lançado na rua, o filho do Executado não terá mais condições para prosseguir com a sua escolaridade e percurso académico”; e) Sobre o requerimento e pedido supra identificado, recaiu despacho do MM juiz no sentido de indeferir o peticionado, sendo que, por não concordar e não se conformar com o teor do referido despacho, o Executado vem dele recorrer para apreciação de V/Ex.as; f) No despacho recorrido, em relação ao primeiro pedido formulado pelo Executado, o MM Juiz considerou estar esgotado o poder jurisdicional relativo à questão de autorização de venda do imóvel, em face do despacho proferido em 04/02/2024; g) No que concerne ao segundo pedido efetuado, de deferimento da desocupação do imóvel, o tribunal recorrido considerou que o pedido foi manifestamente prematuro, na medida em que a venda do imóvel não havia sido sequer concretizada; h) Porém, o tribunal ignora que o Executado agiu em conformidade com a própria orientação sufragada, e transcrita, no despacho quando se afirma que “o incidente aí previsto é dividido em duas fases: uma fase de suspensão liminar pelo agente de execução e uma fase de apreciação para confirmação pelo juiz da causa, a ser requerida pelo executado ou terceiro detentor da coisa, no prazo de dez dias contados da correspondente “advertência” do agente de execução (Cfr. Rui Pinto, in «Manual da Execução e Despejo», Coimbra Editora, 2013, págs. 1148 e segs)”; i) Ora, foi precisamente isso que o Executado fez quando foi notificado pelo AE para proceder à entrega das chaves do imóvel e para desocupar o mesmo, não podendo o Executado correr o risco de esgotar o prazo legal de reação contra aquele despacho; j) Daí que, não podendo o Executado correr o risco de perder o prazo de reação ao despacho proferido pelo MM juiz a quo, independentemente da venda estar, ou não, concretizada, a verdade é que o tribunal recorrido pronunciou-se sobre o Requerimento do Executado e entendeu que não lhe assistia razão; k) Conferindo legitimidade ao aqui Recorrente para, em tempo, reagir contra tal despacho; l) Ora, no requerimento cujo despacho recorrido se pronunciou, nos artigos 13º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 38º, o Executado descreve a sua situação económica, a total falta de solução habitacional, os esforços em vão para conseguir uma solução habitacional, o efeitos perversos que toda esta situação pode impactar na vida do seu filho menor etc..., e termina pedido ao tribunal a suspensão da entrega do imóvel até que haja uma solução por partes das entidades assistenciais com competência para tal, nos termos do preconizado no disposto no nº 6, do art.º 861º do CPC, que o tribunal a quo não atendeu; m) Da leitura deste normativo, art.º 861º, n.º 6, in fine do CPC, parece resultar que o legislador consagrou duas situações distintas entre si: O caso em que o executado preenche os requisitos do art.º 863º, n.ºs 3 a 5 situação de “suspensão de execução” e o caso em que o executado não preenche os requisitos do art.º 863º, n.ºs 3 a 5 mas ainda assim existem "sérias dificuldades no seu realojamento" como sucede in casu e o recorrente fundamentou nesse sentido; n) Daí que, no primeiro segmento da norma o fundamento não tem que ver com dificuldades de alojamento, mas sim com a ocorrência de situações que impliquem risco para a vida da pessoa pelo simples facto de ter de desocupar a habitação: Neste caso, suspende-se a Execução; o) No segundo caso não existe qualquer risco para a vida dos desalojados, apenas existem "sérias dificuldades no realojamento" do Executado e do seu agregado familiar, mormente, o seu filho menor “E” com 16 anos de idade, não havendo lugar à suspensão da execução, mas à comunicação antecipada por parte do AE às entidades com competência assistencial; p) Daí que, salvo melhor entendimento, tal obrigação de comunicação antecipada não pode ter outro sentido que não seja o de, perante as sérias dificuldades no realojamento do Executado, a câmara municipal ou as entidades assistenciais competentes poderem intervir atempadamente de molde a impedir que pessoas (seres humanos, crianças, jovens menores de idade), fiquem, de um dia para o outro, sem alojamento, na rua, ao relento, com todas as consequências que isso importará nas suas vidas; q) Daí que temos para nós que a ratio legis de tal preceito radica na circunstância de a habitação do Executado, o seu domicílio, ter de ser visto como uma projeção especial da pessoa que reside em certa habitação, uma forma de afirmação da dignidade pessoa humana, a qual deve prevalecer pontualmente sobre o direito de propriedade do adquirente investidor; r) Note-se que este mesmo tribunal da Relação de Lisboa já se pronunciou sobre uma situação semelhante à dos presentes autos, ordenando aliás a prévia "investigação sobre as dificuldades de realojamento da executada" (Acórdão do TRL de 02-07-2013, Processo 23647/09.5T2SNT.L1); s) O entendimento que aqui se sufraga tem aparo em decisões judiciais das mais altas instâncias, tanto que o Executado no seu requerimento, art.º 49º, citou o acórdão o Tribunal da Relação, processo no 23647/09.5T2SNT-B.L1-7, onde foi decidido que: “Penhorada e vendida ou adjudicado um imóvel que constitua a casa de morada de família do/a executado/a, caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento deste, não pode o imóvel ser entregue ao adquirente sem que tal facto seja antecipadamente comunicado à câmara municipal e às autoridades assistenciais competentes - 86iº, nº 6, do CPC”; t) A crise na habitação e os problemas daí advenientes é um facto notório e que tem sido objeto da atenção do legislador, razão pela qual, face à EXTREMA dificuldade na obtenção de habitação -, suscitada essa questão pelo Executado, caberia ao Sr. Agente de Execução realizar as diligências juntos das entidades assistenciais para se conseguir obter uma solução de alojamento para o Executado e para o seu agregado familiar, o que não foi feito até à presente data; u) E, uma vez verificadas dificuldades de realojamento, deve-se suspender a diligência de entrega coerciva em busca de uma solução digna que evite lançar na rua toda uma família, pois é disso que se trata; v) Ou seja, não se trata de suspender a execução, mas sim de suspender a concreta diligência de entrega coerciva do imóvel por um período, que se quer naturalmente curto, até que as entidades competentes possam articular entre si e consigam uma solução habitacional; w) Portanto, o que o Executado alega e o que resulta da norma citada, segundo aquela que cremos ser a melhor interpretação, não se pretende que a suspensão da diligência seja ad eternum, mas tão só que permita às entidades competentes - o Estado, as instituições do Estado, as instituições governamentais - conseguir o realojamento do Executado e do seu filho menor que, de outro modo, ficaram na rua, desamparados, e ao relento; x) É em nome da Lei, nomeadamente da Lei Fundamental e da dignidade da pessoa humana que o próprio Tribunal (e o agente de execução, nos casos em que exista) deve suspender "o despejo" em tais circunstâncias e deve exigir por parte da câmara municipal e das entidades assistenciais competentes o cumprimento dos princípios de uns e deveres de outros) de natureza constitucional em presença - art.º 46º, 47º, 50º do requerimento apresentado; y) Ora, o despejo do Executado e do seu filho menor, poderá, inclusive, conduzir à abertura de um processo de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo, que, no limite e face a qualquer ausência de solução habitacional, poderá determinar que o menor “E” seja acolhido em uma instituição para menores; z) Ora, quando o legislador fez constar na letra da lei esta obrigação de comunicação antecipada por parte do Agente de Execução às entidades com competência para prestar apoio e assistência, teve em vista, precisamente, conferir as essas entidades a possibilidade de avaliar a situação das pessoas a desalojar e, eventualmente, confirmar se as dificuldades de realojamento se mostram verdadeiras e caso essas entidades disponham de possibilidades efetivas de realojamento providenciar pela solução para o problema; aa) Tal desiderato é tão mais importante e premente quando há crianças e menores em risco de serem desalojados, correndo o risco de ficar na rua, ao relento, à mercê da sorte e da providência divina, porque os seus progenitores não têm condições económicas para lhe proporcionar uma habitação condignam; bb) Razão pela qual o recorrente não se conforma com o teor do despacho recorrido, apelando, para V/Ex.ªs do mesmo”.
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10. Dos autos não consta terem sido apresentadas contra-alegações.
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11. Foi proferido – em 02-07-2024 - despacho de admissão do recurso, como apelação, a subir em separado e com efeito suspensivo da decisão no que respeita à questão da entrega.
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12. Inscritos os autos em tabela para julgamento, foram colhidos os vistos legais.
* 2. Questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , a questão a decidir é a de saber:
A) Se deve ser revogada a decisão de 22-05-2024?
* 3. Fundamentação de facto:
Constituem factos relevantes para a decisão do presente recurso, os elencados no relatório, de acordo com a documentação constante dos autos.
* 4. Fundamentação de Direito:
* A) Se deve ser revogada a decisão de 22-05-2024?
Na decisão recorrida proferida em 22-05-2024 sobre a pretensão expressa pelo executado em 02-05-2024, o Tribunal recorrido – para além de outras considerações – analisou o pedido de diferimento da desocupação, concluindo que o incidente correspondente é dividido em duas fases: uma fase de suspensão liminar pelo agente de execução e uma fase de apreciação para confirmação pelo juiz da causa, a ser requerida pelo executado ou terceiro detentor da coisa, no prazo de dez dias contados da correspondente “advertência” do agente de execução, concluindo que, no caso, a venda do imóvel penhorado nem sequer foi ainda concretizada, pelo que é o pedido de diferimento é prematuro, não se integrando os fundamentos invocados na previsão do n.º 3 do art.º 863.º do Código de Processo Civil “únicos que, no caso, poderiam justificar a suspensão das diligências executórias”.
Por tal motivo, o Tribunal indeferiu a pretensão do executado.
Não se conformando com tal decisão, o recorrente entende que caberia ao Sr. Agente de Execução realizar diligências juntos das entidades assistenciais para se conseguir obter uma solução de alojamento para o Executado e para o seu agregado familiar, o que não foi feito até à presente data e, uma vez verificadas dificuldades de realojamento, dever-se-ia suspender a concreta diligência de entrega coerciva do imóvel por um período, que se quer naturalmente curto, até que as entidades competentes possam articular entre si e consigam uma solução habitacional.
Vejamos:
No âmbito da execução para entrega de coisa certa, o artigo 861.º do CPC trata da matéria atinente à “entrega da coisa”, dispondo nos seguintes termos: “1 - À efetivação da entrega da coisa são subsidiariamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições referentes à realização da penhora, procedendo-se às buscas e outras diligências necessárias, se o executado não fizer voluntariamente a entrega; a entrega pode ter por objeto bem do Estado ou de outra pessoa coletiva referida no n.º 1 do artigo 737.º. 2 - Tratando-se de coisas móveis a determinar por conta, peso ou medida, o agente de execução manda fazer, na sua presença, as operações indispensáveis e entrega ao exequente a quantidade devida. 3 - Tratando-se de imóveis, o agente de execução investe o exequente na posse, entregando-lhe os documentos e as chaves, se os houver, e notifica o executado, os arrendatários e quaisquer detentores para que respeitem e reconheçam o direito do exequente. 4 - Pertencendo a coisa em compropriedade a outros interessados, o exequente é investido na posse da sua quota-parte. 5 - Efetuada a entrega da coisa, se a decisão que a decretou for revogada ou se, por qualquer outro motivo, o anterior possuidor recuperar o direito a ela, pode requerer que se proceda à respetiva restituição. 6 - Tratando-se da casa de habitação principal do executado, é aplicável o disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo 863.º e, caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado, o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes”.
Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-01-2015 (Pº 161/06.5TCSNT.L1-6, rel. MARIA DE DEUS CORREIA), “[d]a leitura conjugada dos artigos 861.º n.º 6 e 863.º n.º 3, resulta que existem duas situações distintas: (i) aquela prevista nos n.ºs 3 a 5 do art.º 863.º em que “por atestado médico se mostre que a diligência põe em risco de vida a pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda”. Nesse caso, as diligências executórias são suspensas, durante prazo que o atestado médico indicar necessário. (ii) aquela em que “se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado”. - Na primeira situação, obviamente, não pode estar em questão a dificuldade ou não de realojamento. O que está em causa é o perigo para a vida de uma pessoa no acto de remoção da mesma da casa onde se encontra. Por conseguinte, haja ou não dificuldade no realojamento, a diligência suspende-se sempre que se mostre que a diligência põe em risco de vida a pessoa. - Na segunda situação, a lei não diz que a diligência se suspende, como no caso previsto no art.º 863.º n.º 3. Neste caso em que se suscitem sérias dificuldades de realojamento, “o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes”. - A antecipação refere-se à data em que esteja designada a diligência de execução da entrega do imóvel. Logo, tal comunicação destina-se a garantir que, na data designada, a diligência se executará, porque, entretanto, é suposto que as entidades notificadas tiveram tempo de analisar e providenciar pela solução do problema do alojamento do executado”.
Pressuposto para o acionamento da comunicação antecipada a que se reporta o n.º 6 do artigo 861.º do CPC é, para além da circunstância de se dever tratar da casa de habitação principal do executado, a de que se prevejam sérias dificuldades no realojamento do executado.
Anotando o n.º 6 deste preceito legal, referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, 2022, pp. 294-295) que, “[s]e o imóvel a entregar constituir a casa de habitação principal do executado, pode ocorrer a suspensão das diligências executivas, verificados os requisitos enunciados no n.º 3 do art.º 863.º. Suscitando-se sérias dificuldades no realojamento do executado, o agente de execução, antecipadamente e em tempo útil, deve comunicar o facto à Câmara Municipal e às entidades assistenciais competentes (n.º 6). A jurisprudência vem decidindo que a comunicação em causa não determina a suspensão das diligências executivas para entrega do imóvel, entendendo que, na data designada, a diligência se executará, no pressuposto de que as entidades notificadas tiveramoportunidade para analisar a situação e providenciar pela solução do problema do alojamento do executado. Mesmo que tal não tenha ocorrido, a execução da entrega de imóvel não se suspende, uma vez que a lei não o afirma, ao contrário do caso previsto no n.º 3 do art.º 863.º, sendo que o legislador terá ponderado que não seria justo onerar o exequente com a inércia ou a incapacidade dos organismos oficiais, cometendo-lhe uma tutela de facto que legalmente não lhe caberia, com a inerente e injustificada compressão dos seus direitos (…)”.
Compreende-se, pois, que haja uma relação entre a necessidade de realojamento e os procedimentos de entrega da casa que constitua habitação do executado.
Note-se que, o direito à habitação constitui um direito a prestações positivas do Estado e de outros entes públicos territoriais, os quais são os seus sujeitos passivos, não sendo exercitável em via direta contra tais entidades e, muito menos, contra particulares. Sob a reserva do possível, cabe ao Estado desenvolver políticas que fomentem a habitação, designadamente para os mais carenciados. “Em caso de despejo de indivíduos ou famílias vulneráveis, cabe ao Município, ao ISS, IP e ao IHRU, IP o acompanhamento da situação, cabendo a tais entidades diligenciar pela procura de soluções de realojamento (Artigo 13º da Lei nº 83/2019, de 3.9 e Artigo 4º do Decreto-lei nº 89/2021, de 3.11). A execução do despejo deve ser precedida da comunicação pelo agente de execução ao Município em causa, ao IHRU, IP e ao ISS, IP da existência de dificuldades do realojamento do executado casos estas tenham sido reconhecidas ou invocadas no processo (…). Essa comunicação do agente de execução deverá ocorrer com uma antecedência de, pelo menos, 10 dias em relação à data designada para a execução do despejo” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-07-2024, Pº 29703/22.7T8LSB-A.L1-7, rel. LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA).
De todo o modo, conforme também se enfatiza neste aresto, a realização da comunicação do agente de execução “não significa que a execução do despejo só seja admissível mediante asseguramento prévio do realojamento do executado. Não cabe ao Tribunal assegurar realojamento ao executado, mas apenas comunicar a necessidade do mesmo ao Município, ao ISS, IP e ao IHRU, IP, cabendo a estes diligenciar pelo suprimento de tal necessidade. O Tribunal não supre necessidades de habitação, limitando-se a dirimir litígios, no caso entre privados” (pronunciando-se no mesmo sentido, vd. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-01-2024, Pº 587/19.4T8VFX-E.L1-1, rel. FÁTIMA REIS SILVA).
Assim, deverá o agente de execução comunicar antecipadamente (antes da diligência de entrega efetiva) as necessidades de realojamento do executado – caso se entenda reconhecer existirem sérias dificuldades de tal realojamento - à camara municipal e às entidades assistenciais competentes.
Se assim é, parece claro que não tendo ainda tido lugar a concretização da venda, não se mostram verificados os pressupostos que determinarão – concretizada que seja aquela – a entrega da casa, com a consequente necessidade de realojamento.
Verifica-se, pois, que bem decidiu o Tribunal recorrido, ao reconhecer que não se justifica o deferimento do requerido, desde logo, por prematuridade.
Em suma:
- A efetivação da entrega da casa que constitua habitação principal do executado deverá, caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento, de ser precedida de comunicação antecipada do agente de execução à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes, de harmonia com o disposto no n.º 6 do artigo 861.º do CPC;
- A referida comunicação do agente de execução deverá ocorrer com uma antecedência de, pelo menos, 10 dias em relação à data designada para a efetivação da entrega; e
- Não tendo ainda sido concretizada a venda, não existe motivo para que se diligencie, desde já, por tal comunicação.
Em conformidade com o exposto, haverá que julgar improcedente a apelação do apelante, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.
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O apelante - atento o seu integral decaimento – suportará a responsabilidade tributária do recurso interposto – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
* 5. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, na integra, a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique e registe.
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Lisboa, 26 de setembro de 2024.
Carlos Castelo Branco
Fernando Besteiro
Paulo Fernandes da Silva