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ACÇÃO POPULAR
INTERESSES DIFUSOS
Sumário
Invocando um grupo de autores o incumprimento parcial e defeituoso de um contrato de viagem que celebraram com uma agência de viagens e pedindo a condenação numa indemnização para cada um, a forma processual a ter em conta não é a acção popular, mas antes uma acção comum.
Texto Integral
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
I- Relatório
B................. e C................, acompanhados de mais sete autores, todos por si e em representação de mais dezassete outros, intentaram contra D................. e Companhia de Seguros X............., acção popular civil, sob a forma ordinária, alegando incumprimento parcial e cumprimento de defeituoso de um contrato de viagem que celebraram com a 1ª ré que organizou, promoveu e vendeu àqueles uma viagem de peregrinação à Terra Santa e Itália na celebração do 2º Milénio depois de Cristo e pedindo por isso a condenação das rés a pagar-lhes uma indemnização no total de 44.332,86€, mas que individualizam para cada um dos autores, conforme pedido formulado.
A ré companhia de seguros X.............., invocou na sua contestação a ineptidão da petição inicial, pelo facto de os autores terem utilizado a acção popular- civil, sem, fundamento para tal.
Os autores responderam à invocação desta nulidade e defenderam que a mesma não ocorre e a situação nunca seria de ineptidão mas de erro na forma do processo), porquanto os pedidos não estão em contradição com a causa de pedir, verificando-se sim que os interesses que se pretendem defender assumem a natureza jurídica de interesses individuais homogéneos, pertencentes a uma pluralidade de pessoas determinável, decorrentes de origem ou fonte comum e como tal compreendem-se na sistemática e lógica da Lei nº 83/95.
No despacho saneador entendeu-se que a situação não se enquadrava na ineptidão da petição inicial, tal como prevista no artº 193º do CPC, mas sim em erro na forma do processo (artº 199º do CPC).
E em despacho fundamentado justificou-se que não se estava em presença de interesses individuais homogéneos, para efeitos do exercício da acção popular, configurando-se a situação como a de uma normal acção com vista à efectivação da responsabilidade civil contratual, pois o que os autores pretendem é ser ressarcidos pelos danos decorrentes do alegado incumprimento das suas obrigações por parte da ré que organizou a viagem
Em consequência deste entendimento concluiu-se pela verificação de erro na forma de processo ao utilizar-se a acção popular civil, quando se devia ter utilizado a acção Civil comum, anulou-se todo o processado e ordenou-se que os autores apresentassem nova petição inicial, seguindo-se depois os termos do processo comum.
Os autores não se conformaram com esta decisão e dela interpuseram recurso, tendo no final das respectivas alegações formulado as seguintes conclusões:
1.Os interesses dos agravantes, consumidores dos serviços de viagem organizada que a ré D.............. se obrigou a prestar, pela sua matéria, inscrevem-se no âmbito de aplicação da Lei nº 83/95 de 31 de Agosto.
2. No caso sub judice, depara-se um congressamento de interesses individuais homogéneos.
3. São interesses individuais homogéneos aqueles que se objectivam em bens inteiramente divisíveis, que, ademais, se polarizam em um aglomerado identificado de titulares paralelamente justapostos.
4. Em virtude da origem comum de que promanam e das comuns questões de direito e de facto que suscitam (corporizados, no caso, no ilícito contratual que à agravada vai imputado no petitório inicial) os interesses individuais homogéneos, de par com os difusos e colectivos, acham-se incluídos no domínio de aplicabilidade da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto.
5. Desterrar os interesses individuais homogéneos do âmbito de aplicabilidade da lei da acção popular deriva, só pode derivar, de uma interpretação do artigo 1° da Lei 83/95, de 31 de Agosto que dele retire um significado normativo contrário aos imperativos dos artigos 52°, nº3 e 60°, nº1 da Constituição da República Portuguesa.
Em contra-alegações, as Rés pugnaram pela manutenção da decisão recorrida.
Corridos os vistos cumpre decidir:
II- Fundamentos
a)- A matéria de facto a considerar é a constante do relatório atrás enunciado, complementada por todo o teor da petição inicial e despacho que sobre ela incidiu, o que aqui se tem por inteiramente reproduzido nos termos do artº 713º nº 6 do CPC.
b)- Apreciação do mérito do recurso de agravo.
Sendo pelas conclusões que se determina o objecto do recurso (arts.684º, nº 3 e 690º, nº1 do CPC), salvo quanto às questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado, vejamos, então, do seu mérito.
Enquadramento fáctico do recurso:
1-Um grupo de oito autores, apresenta-se por si e em nome de mais dezassete a propor uma acção popular ao abrigo da Lei nº 83/95 de 31/9.
Todos pretendem afinal uma indemnização da Ré D.............., que organizou, promoveu e lhes vendeu uma viagem à Terra Santa e a Itália, em relação à qual os autores alegam factos configuradores de ter existido incumprimento do contrato e cumprimento defeituoso do mesmo.
Em síntese, os autores alegaram que logo no início da viagem, a 1ª ré se atrasou com o autocarro que asseguraria o seu transporte a Lisboa onde tomariam o avião rumo a Milão e daí para Telavive.
Por virtude desse atraso inicial perderam o voo, o que veio a desencadear não só despesas iniciais em alimentação que tiveram que fazer na área de serviço de Santarém, como a não poder ser cumprido o programa traçado para a viagem. E também na viagem em Itália, foi-lhes fornecido um autocarro que não cumpria os requisitos de comodidade para enfrentar temperaturas superiores a 40º, vindo a avariar e a provocar transtorno a todos e em particular a uma passageira que teve problemas de saúde, necessitando de receber assistência médica.
Por todos estes acontecimentos, cada um dos autores peticiona das rés uma indemnização pelo incumprimento do contrato de viagem e também pelo incumprimento defeituoso do mesmo.
2-Para configurar esta acção como acção popular, os primeiros oito autores apresentam-se a defender os seus interesses em nome próprio e com base nos mesmos factos pretendem também por esta via pedir igual indemnização para os restantes dezassete autores, actuando em sua representação.
Mais concretamente o primeiro grupo de oito autores passou procuração ao mandatário que subscreveu a acção e os restantes dezassete, porque representados pelos primeiros oito não conferiram qualquer mandato, apoiando-se, assim, parecendo apoiar-se no que dispõem o artº 14º e o artº 20º quanto à isenção de preparos, ambos da Lei nº 83795 de 31 de Agosto.
No entanto, para todos é pedida desde já, individualmente uma indemnização pelos danos sofridos e causados pela conduta da 1ª ré na organização da viagem em causa.
Configurará isto uma situação compreendida na letra e no espírito da Lei nº 83/95 de 31/9, ou tratar-se-á aqui de uma normal situação em que os autores atenta a mesma e única causa de pedir se deviam pura e simplesmente coligar activamente e formular os diferentes pedidos para cada um individualmente, de acordo com os prejuízos efectivamente sofridos em face dos factos alegados?
Vejamos então:
3-A argumentação nuclear dos recorrente ao discordar do despacho que lhes mandou apresentar uma nova petição em termos de uma normal acção comum, é a de que, no caso, se está em presença de interesses individuais homogéneos, no sentido de que se objectivam em bens inteiramente divisíveis e que, ademais, se polarizam em um aglomerado identificado de titulares paralelamente justapostos.
Segundo os recorrentes em virtude da origem comum de que promanam e das comuns questões de direito e de facto que suscitam (corporizados, no caso, no ilícito contratual que à agravada vai imputado no petitório inicial) os interesses individuais homogéneos, de par com os difusos e colectivos, acham-se incluídos no domínio de aplicabilidade da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto.
4-Antes da publicação da Lei nº 83/95 de 31/9 discutia-se o âmbito dos direitos difusos e da legitimidade processual para os defender e disso são exemplo os vários estudos publicados na Revista do Ministério Público, Direitos Fundamentais do Cidadão - Da Lei À Realidade - III Congresso do MP - 1990 - Caderno n. 5, pág. 183 e ss, da autoria de João Pereira Reis- Direito Ao Ambiente - Interesse Difuso ou Direito Subjectivo, pág. 183 e ss; Carlos Lopes Rego - Reflexos Imediatos da Consagração Constitucional Do Direito De Acção Popular No Âmbito Da Jurisdição Civil, pág. 203 e ss; José Manuel Meirim, A Tutela Dos Interesses Difusos - A Acção Popular e o Papel Do Ministério Público, pág. 209 e ss e. João Correia –Interesses Difusos e legitimidade Processual, pág.223 e ss).
Deles se destaca o artigo do Dr. João Correia, que então definia já os interesses difusos como “aqueles interesses ou situações jurídicas que pertencem com a mesma identidade, a uma pluralidade de sujeitos, determinável ou indeterminável, eventualmente unificada mais ou menos estreitamente com uma colectividade e que têm por objecto bens não susceptíveis de apropriação exclusiva".
Há ainda a salientar um importante artigo sobre esta matéria de autoria de Luís Filipe Colaço Antunes, proferido escrito por ocasião do Seminário sobre a Tutela dos Interesses Difusos e o Acesso ao Direito e à Justiça levado a cabo nos dias 17 a 19 de Janeiro de 1990 e que se encontra publicado em Textos do Ambiente do Centro de Estudos Judiciários .
5-Actualmente já não se coloca o problema do que seria desejável ficar consagrado em lei, mas sim como interpretar a própria lei existente.
Na Constituição da República Portuguesa, no capítulo II respeitante a Direitos, Liberdades e Garantias de Participação Política encontra-se no seu artº 52º nº 3-a) (redacção dada pela Revisão Constitucional de 1997 que alterou este nº 3) consignado o seguinte:
"É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para:
a)Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida ,a preservação do ambiente e do património cultural.
b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das Regiões autónomas e das autarquias locais.”
6-Há que referir antes demais que esta redacção do nº 3 do artº 52º da CRP harmonizou-se com o texto da Lei da Acção Popular que entretanto havia sido publicada em 1995-Lei nº 83/95 de 31/9, pois que antes a Constituição referia na sua versão anterior (revisão de 89), apenas a saúde pública, a degradação do ambiente e da qualidade de vida ou a degradação do património cultural e concedia o direito de acção a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa.
A Lei de acção popular estendeu a legitimidade às fundações e refere também o domínio público e o consumo de bens e serviços.
Foi também isto que o actual artº 26º-A do CPC, veio a estabelecer neste aspecto.
7-Citando agora GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA na sua CRP anotada, 3ª edição-1993, pág. 281, a que também se refere o Acórdão do STJ de 23.09.1997-Proc. 97B50, em que se apoia o presente recurso (Acórdão esse transcrito em texto integral na Base de dados da dgsi- JSTJ) diremos que a abertura da acção popular, nos termos e com a extensão prevista no nº3 (mesmo com a anterior redacção), fazem desta norma uma das mais importantes conquistas processuais para a defesa de direitos fundamentais constitucionalmente consagrados.
Embora na data em que foi feita esta anotação (1993) pelos referidos autores não estivesse, como se disse, consagrada ainda a regulamentação da acção popular, já os mesmos a admitiam, conforme as situações constante da nota nº VIII, o que não importa aqui agora considerar.
E definiam os mesmos autores que "O objecto da acção popular é, antes de mais, a defesa de interesses difusos”.
Porém, em virtude do feixe de interesses que converge ou pode convergir sobre determinado bem, dizem estes autores que há que distinguir:
1-O interesse individual, isto é, o direito subjectivo ou interesse específico de um indivíduo;
2-O interesse público ou interesse geral, subjectivado como interesse próprio do Estado e dos demais entes territoriais, regionais e locais;
3-O interesse difuso, isto é, a refracção em cada indivíduo de interesses unitários da comunidade, global e complexivamente considerada;
4-O interesse colectivo, isto é, o interesse particular comum a certos grupos e categorias.
E concluem que “A acção popular tem sobretudo incidência na tutela de interesses difusos, pois sendo interesses de toda a comunidade, deve reconhecer-se aos cidadãos uti cives e não uti singuli, o direito de promover, individual ou associadamente, a defesa de tais interesses".
8-Cremos que é no conteúdo destes conceitos, agora integrados na CRP e na Lei da acção popular que deve encontrar-se a solução para o caso dos autos, sem esquecer que a perseguição do direito dos consumidores (os autores consideram que neste caso foram violadas regras dos direitos dos consumidores) terá de ser sempre relacionada com a defesa dos interesses difusos conexionados com a violação desses direitos constitucionalmente protegidos.
Mas uma coisa é a legitimação para a defesa de interesses difusos e outra a legitimação para o ressarcimento por danos patrimoniais individualizáveis.
O texto constitucional, dizem os citados autores (pág.283, nota XIII), sugere a fortemente a possibilidade de, no caso da existência de danos individualizáveis, o ressarcimento ou indemnização ser pedido não apenas pelos lesados, mas também pelos promotores da acção popular.
Quando o nº 3 fala de "indemnização dos lesados" isso não significa que não haja outros danos, para além dos sofridos pelos particulares como consequência de infracções contra a saúde pública, o ambiente e o património cultural e … os direitos dos consumidores.
Há que distinguir entre:
(1) dano sofrido pelos particulares... (2) danos causados à colectividade - dano público ambiental... (3) dano difuso ambiental... (4) danos colectivos particulares...".
"O texto da Constituição aponta para a possibilidade de os cidadãos ou as associações poderem tomar a iniciativa (legitimidade activa) ou intervir no processo através da acção popular, nos termos a definir pela lei, em qualquer das hipóteses acabadas de referir".
E acrescentam:
"A acção popular não tem de limitar-se aos casos individualizados no nº 3 (defesa de saúde pública, defesa do ambiente, defesa do património cultural e dizemos nós agora direitos dos consumidores)".
"A norma tem CARÁCTER EXEMPLIFICATIVO, como decorre do seu próprio enunciado textual, nomeadamente, ela permite dar cobertura desde logo aos casos de acção popular no âmbito do poder local e as mesmas razões podem reclamar a extensão da acção popular à defesa dos direitos dos consumidores (C.R.P., artigo 60) à defesa do domínio público (C.R.P., artigo 84)... e a outros casos"
9-A lei da acção popular - Lei n. 83/95, de 31 de Agosto, no seu artigo 1º prescreve o seguinte:
1 - A presente lei define os casos e termos em que são conferidos e podem ser exercidos o direito de participação popular em procedimentos administrativos e direito de acção popular para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções previstas no n. 3 do artigo 52 da constituição.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, são designadamente interesses protegidos pela presente lei a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público".
Desde logo não podemos deixar de concluir que a concretização do nº 2 se reporta ao âmbito dos chamados interesses difusos, incluídos no nº 3 do artº 52º da CRP.
E tal como acima se referiu esses interesses são os interesses unitários da comunidade, global e complexivamente considerada, que têm refracção em cada indivíduo de per si;
É certo que nestes interesses se podem incluir (como se sustenta no referido Ac. STJ, apoiando-se nos ensinamentos de ADA PELLEGRINI GRINOVER, Revista Portuguesa de Direito de Consumo, nº 5, Janeiro, 1996, página 10) os chamados "os interesses individuais homogéneos" que representam todos aqueles casos em que os membros da classe são titulares de direitos diversos, mas dependentes de uma única questão de facto ou de direito, pedindo-se para todos eles um provimento jurisdicional de conteúdo idêntico.
Porém, importa não perder de referência que o objecto da acção popular é antes demais, a defesa de interesses difusos, interesses da comunidade, global e complexivamente considerada.
10- F. Nicolau Santos Silva, na sua obra –Os interesses supra-individuais e legitimidade processual civil activa também justifica (pág. 9) que a tutela dos interesses supra individuais está incindivelmente correlacionada com a garantia constitucional do acesso à justiça que o carácter marcadamente individualista da legitimidade processual não permite concretizar.
Por isso é que o processo tradicional tem uma desvantagem em relação à acção popular quando se trate da defesa da tutela dos interesses supra-individuais .
Tal como defende este autor (pág. 19) “a crescente tendência para um aumento da qualidade de vida, leva em praticamente todos os casos, a uma preocupação com as formas de conservação e melhor aproveitamento das condições idóneas ao desenvolvimento do indivíduo e da comunidade. Aumenta a preocupação com a preservação do meio ambiente, de modo a proporcionar o desenvolvimento harmonioso das espécies, com a protecção da saúde, com a defesa do consumidor, com a manutenção e recuperação do património cultural.
A satisfação destas necessidades é conseguida através da atribuição de tutela pelo ordenamento jurídico”.
Daí que partindo do principio de que o interesse só assume a qualidade de jurídico a partir do momento em que seja reconhecido por uma norma, importa perscrutar qual o alcance das que estamos analisando.
11-E desde logo se salienta que face aos interesses que pertencem a cada um e a todos os membros de uma comunidade, que tem uma titularidade difusa, no sentido de não pertencerem em exclusivo a determinados membros, muitas vezes a forma de proteger o interesse individual de cada um é através do reconhecimento normativo da tutela de um interesse comum.
Os interesses que emergem destas normas de interesse comum é o que os autores designam (fls. 47 da obra de Nicolau Santos Silva) de meta-individuais, trans-individuais ou supra-individuais.
São estes interesses supra-individuais que excedem o indivíduo singularmente considerado que aqui estão em causa e têm a sua origem num aumento da qualidade de vida, resultando de bens jurídicos novos e que no caso português foram consagrados constitucionalmente e regulamentados em lei ordinária, no caso, a LAP.
12-Ora passando agora ao concreto desta acção constatamos desde logo que os interesses aqui em causa (embora de conteúdo igual e por isso interesses individuais homogéneos) são duma comunidade restrita, aquela que participou na viagem contratada com a 1ª ré e que pretende exigir dela uma indemnização por não ter sido cumprido ou cumprido com defeito o contrato de viagem que celebraram.
Os autores não se socorrem sequer do que dispõe o artº 14º da LAP, propõem-se oito grupos de autores por si e em representação de mais 17 pedir desde logo indemnização directa aos réus, com dispensa de preparos.
A acção popular embora possa revestir qualquer das formas previstas no CPC (artº 12º,nº 2 da LAP), contém determinada tramitação -artºs 13º a 21º9 que fogem às normas do processo comum ordinário, como seria o caso atento o valor dado à causa, 44.332,86€.
13-Neste caso não foi pedida nem a citação dos titulares dos interesses em causa, nos termos do artº 15º da LAP, pois que todos os lesados foram desde logo identificados que vem evidenciar que não se está em presença de interesses de uma comunidade global e colectiva.
Aquele artigo 15º permite pressupor, quando a petição inicial assim é apresentada a pressupor que de facto se admite existirem interesses protegidos pela lei de protecção ao consumo de bens e serviços (como no caso), para que em face da acção popular possa nela intervir ou se excluírem da representação que lhes é proposta.
É certo que no aludido acórdão do STJ se acabou por concluir que os interesses individuais homogéneos", tendo presente o referenciado alcance conceptual e o alcance e sentido da norma insíta no n. 1 do artigo 15 da Lei n. 83/95, implicam que as normas do artigo 1º, do mesmo diploma legal, sejam interpretados no sentido de abarcarem não só "os interesses difusos", mas também "os interesses individuais homogéneos". E que nos "interesses individuais homogéneos" abrangidos no artigo 1 da Lei n. 83/95, destaca-se um dos direitos dos consumidores: "o caso do direito à reparação de danos".
Contudo com o devido respeito por opinião contrária embora se admita que os autores têm em si interesses individuais homogéneos, os mesmos não estão relacionando com interesses difusos, interesses da comunidade global e complexivamente considerada.
Os seus interesses podem ser exercidos na acção comum e nada têm de especial para poderem fazer uso da acção popular, que tem o âmbito do artº 1º da Lei nº 83/95 de 31/9, e é concretização das infracções previstas no nº 3 do artº 52º da CRP.
Se bem atentarmos no artº 52º da CRP (concretizado na citada LAP) inserido no capitulo dos direitos, liberdades e garantias de participação política, confere-se o direito de acção popular …para promover..ou perseguir judicialmente infracções contra os direitos dos consumidores, tal como definidos no artº 60º da CRP e igualmente concretizados na Lei nº 24/96 de 31/7.
14-Os autores pretendem acção por responsabilidade civil de um contrato particular onde alegaram ter sido praticadas infracções aos seus direitos de consumidores, mas que podem e devem ser exercidas normalmente por via da acção comum, tal como foram mandados apresentar no despacho recorrido.
Por isso também esta dimensão de se tratar de contratos particulares e não de interesses públicos e globais, leva a que não se possa compreender a pretensão dos requerentes de exercitar o seu direito de indemnização através da acção popular.
No tocante a este aspecto Lebre de Freitas-in-Estudos Sobre Direito Civil e Processo Civil, pág.423 (que corresponde à conferência proferida na Universidade Lusíada por ocasião dos 75 anos da Coimbra Editora-1978) salienta mesmo que face ao Texto da constituição-artº 52º nº 3 e ao que prevê a Lei nº 83/95, artº 1º, continua esta a não prever o recurso à acção popular para conseguir a condenação do réu no pagamento da indemnização devida. E isto porque a fórmula utilizada nesses artigos é a de acção popular para prevenção, cessação ou perseguição judicial das infracções prevista no nº 3 do artº 52º da CRP e a lacuna, segundo este autor, é pouco compensada com o artº 22º da LAP, que prevê a responsabilidade do agente causador das violações, no dever de indemnizar o lesado ou lesados pelos danos causados.
Também o mesmo autor Lebre de Freitas agora na sua obra em Introdução ao Processo Civil, pág.80, a propósito da acção popular refere o seguinte:
“tal como aparece consagrado no artº 20º da Constituição, o direito de acção tem como finalidade a tutela dum direito ou interesse próprio de quem o exerce. Consagração paralela é feita no artº 268º da CRP, em sede de jurisdição administrativa: tal como o recurso contencioso do acto administrativo (nº4), a acção propor nos tribunais administrativos (nº 5) é garantida aos administrados (e interessados) para tutela dos «seus direitos ou interesses legalmente protegidos»”.
Este apelo à titularidade, ainda que meramente afirmada, do direito ou interesse que se quer fazer valer em juízo é dispensado no exercício de acção popular que, de acordo com o artº 52º-3 da CRP, com o artº 1º da Lei nº 83/95 de 31/9 e artº 26º-A do CPC, é conferido, no âmbito dos interesses colectivos e difusos a qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, bem como às associações e fundações que tenham como objecto estatutário a defesa dos interesses em causa, nomeadamente para a defesa da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, do património cultural, do domínio público e da qualidade do consumo e de bens de serviço.
E fala-se de interesses colectivos e difusos para qualificar interesses individuais generalizados, como tais próximos dos interesses públicos, mas de natureza ainda fundamentalmente privatística. Em causa está sempre a fruição de bens de uso pessoal não susceptíveis de apropriação exclusiva (sendo as definições de interesses colectivo e difuso aquela que já transcrevemos da CRP anotada de Gomes Canotilho e Vital Moreira).
Conclui Lebre de Freitas que quer no caso de interesses colectivos ,quer difusos, a natureza geral do interesse leva a atribuir o direito de acção a pessoas em que pode radicar (pessoas singulares) ou não radicar nunca(associações e fundações) a titularidade individual do interesse em causa”.
15-Continuando a explicitar o alcance da acção popular recordemos também aqui as palavra de Gomes Canotilho, agora na sua obra- Direito Constitucional e Teoria da Constituição-1998:
“através do direito de acção popular consagrado no artº 52º-nº3 da CRP a deu-se guarida a um reforço das acções populares tradicionais e à introdução de acções populares ou colectivas destinadas à defesa de interesses difusos”.
Neste segundo grupo inclui-se, segundo o autor, qualquer cidadão individualmente ou associado (associações de defesa), mesmo não invocando o interesse público, pode intentar uma acção em defesa de um interesse de um público em geral ou de categorias ou classes com grande número de pessoas- interesses difusos-, (saúde pública, ambiente, qualidade de vida, património cultural) e dos seus próprios direitos subjectivos (direito ao ambiente, direito à qualidade de vida, direito á saúde).
E conclui este autor que quer as acções do primeiro grupo (as tradicionais acções populares do Código de Procedimento administrativo, quer as acções populares colectivas destinadas à defesa dos interesses difusos, tendem hoje a confundir-se porque a defesa de interesses difusos coincide com a defesa de interesses públicos e a defesa de direitos individuais.
(cfr ainda Lebre de Freitas –Estudo in revista Sub Judice (Janeiro/Março de 2003), intitulado "A Acção Popular no Direito Português" (págs. 15 e seguintes) e Miguel Teixeira de Sousa - "A legitimidade Popular na Tutela dos Interesses Difusos" (Lisboa, 2003), pág. 165 e seguintes e Texto publicado em Direito do Ambiente-1994, pág.409 e ss, publicado pelo INA-Instituto Nacional de Administração.
Sobre esta matéria, na jurisprudência, além do Ac. do STJ de 23-9-97 acima citado, cfr. também:
a)-Processo: 99B895
Nº Convencional: JSTJ00037989
Data do Acórdão: 18/11/99
b)-Processo: 02B3292
Nº Convencional: JSTJ000
Data do Acórdão: 05/12/02
c)-Processo: 03A1243
Nº Convencional: JSTJ000
Data do Acórdão: 07/10/03
d)-Processo: 02A3665
Nº Convencional: JSTJ000
Data do Acórdão: 05/12/02
e)-Processo: 98B1090
Nº Convencional: JSTJ00036627
Data do Acórdão: 14/04/99
f)-Processo: 98A200
Nº Convencional: JSTJ34211
Data do Acórdão: 23/09/98
g)-Processo: 9931269
Nº Convencional: JTRP00027725
Data do Acórdão: 09/12/99
h)-Processo: 0230661
Nº Convencional: JTRP00034605
Data do Acórdão: 16/05/02
i)-Processo: 0130857
Nº Convencional: JTRP00031682
Data do Acórdão: 21/06/01
j)-Processo: 0220317
Nº Convencional: JTRP00034454
Data do Acórdão: 23/04/02
k)-Processo: 0091106
Nº Convencional: JTRL00031224
Data do Acórdão: 26/11/00
l)-Processo: 0000836
Nº Convencional: JTRL00004763
Data do Acórdão: 28/03/96
16-Posto isto, de toda esta doutrina enunciada, o que ressalta inequívoco, é de que a acção popular pode de facto ser intentada por um qualquer cidadão, o de por pessoas com interesses individuais homogéneos, invocando ou não o interesse público, mas terá de ser sempre uma acção em defesa de um interesse de um público em geral ou de categorias ou classes com grande número de pessoas- interesses difusos-, (saúde pública, ambiente, qualidade de vida, património cultural) e dos seus próprios direitos subjectivos nesses direitos ao ambiente, direito à qualidade de vida, direito à saúde, direito à qualidade de bens e serviços de consumo).
17-Analisando a pretensão dos autores, entendemos ,tal como no despacho recorrido, que a mesma não se enquadra no âmbito de uma acção popular civil (artº 12º, nº 2, 22º e 23º da LAP).
A situação dos autores tem em vista a efectivação da responsabilidade civil contratual da ré e os autores apenas pretendem ser ressarcidos dos danos decorrentes do alegado incumprimento das obrigações assumidas, por parte da que organizou a viagem
Por isso não se trata aqui, como concluem os recorrentes, de desterrar os interesses individuais homogéneos do âmbito de aplicabilidade da lei da acção popular, mas tão só de fazer uma interpretação ajustada do artigo 1° da Lei 83/95, de 31 de Agosto em conjugação os artigos 52°, nº3 e 60°, nº1 da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos não assiste razão à apelante, não merecendo a sentença qualquer censura e por isso se.
III- Decisão.
Pelo exposto acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Porto, 3 de Março de 2004
Gonçalo Xavier Silvano
Fernando Manuel Pinto de Almeida
João Carlos da Silva Vaz