I - Não ocorre nulidade por omissão de pronúncia como sustenta o arguido por não lhe ter sido aplicado no acórdão recorrido o regime decorrente do DL 401/82, de 23 de Setembro (regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos) uma vez que a decisão condenatório proferida em 1.ª instância, e integralmente confirmada pelo acórdão do tribunal da Relação, ponderou a aplicação àquele do aludido regime, tendo concluído pelo seu afastamento pelas razões aí aduzidas.
II - Como tem vindo a ser assinalado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, a aplicação desse regime penal especial, não é obrigatória, nem automática, devendo ser ponderada e decidida pelo tribunal quando se suscite a aplicação de pena de prisão a cominar a prática de crime por agente com mais de 16 e menos de 21 anos de idade, e não já, em caso de concurso de crimes, no momento da fixação da pena única, como sucede no presente caso.
III - Considerando que o arguido, num período de pouco mais de 14 meses, cometeu 8 crimes, sendo 5 de roubo e destes, 2 de roubo agravado, tendo-se feito acompanhar de outros indivíduos para assim melhor lograr os seus intentos e impedir as vítimas de reagir, tendo ainda praticado um crime de furto qualificado num estabelecimento comercial, um de evasão e um derradeiro de detenção de arma proibida, e agido em todos os crimes com intenso dolo directo, a que acresce a circunstância de ter desobedecido ao determinado judicialmente de não contactar por qualquer meio e em qualquer lugar com os restantes coarguidos, de ter infringido a obrigação imposta pelo tribunal de permanência na habitação e violado o dispositivo do equipamento de vigilância eletrónica, ausentando-se para parte incerta até ao momento em que foi detido, não tendo revelado qualquer arrependimento pelos factos praticados, nem pedido desculpa às vítimas ou feito menção de as compensar pelos danos sofridos, nos termos do art. 77.º, n.º 2, do CP, dado que no presente caso a pena aplicável no concurso de crimes tem como limite mínimo 4 anos de prisão e como limite máximo 14 anos e 11 meses de prisão, ponderando o conjunto dos factos e a personalidade do agente, e porque dada a juventude do arguido (à data dos factos contava menos de 21 anos), e o contexto em que os factos foram praticados se não pode concluir pela verificação de tendência para a prática do crime, não se afigura excessiva e desproporcionada a pena única aplicada ao arguido, de seis anos, onze meses e vinte dias de prisão.
5.ª Secção
Acordam na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
1. Relatório
1.1. Recorre o arguido AAdo acórdão cumulatório proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal do ... - Juiz ..., que lhe aplicou a pena única de seis anos, onze meses e vinte dias de prisão.
Concluiu a sua motivação nos seguintes termos:
I. O recorrente AA foi condenado em cúmulo jurídico na pena única de seis anos, onze meses e vinte dias de prisão efetiva.
II. Pese embora, se tenha feito constar na decisão recorrida, que “Apesar de todos os crimes terem sido cometidos agindo o condenado com a modalidade mais intensa do dolo, que se mostra direto, pelo que, sendo a forma mais gravosa de dolo, representa maior desvalor, o certo é que da imagem global dos crimes levados a cabo pelo condenado permite ainda concluir que o conjunto dos factos cometidos ainda é reconduzível a um particular contexto da sua vida”.
III. E bem assim, que não seria de se atribuir, um efeito particularmente agravante dentro da respetiva moldura penal conjunta aplicável, tal não foi repercutido na decisão recorrida.
IV. De igual forma, ainda que conste da decisão recorrida que o relatório social do arguido e a sua atualização foram valorados, a decisão proferida acaba por se distanciar dessa alegada valorização.
V. Foram, neste sentido, considerados como provados factos resultantes dos referidos relatórios, que atestam que o agregado em que se inseria o arguido lhe permite beneficiar de necessária retaguarda familiar, dispondo o arguido nomeadamente, de apoio financeiro suficiente para assegurar o seu sustento, tendo inclusivamente, sido dado como provado que existe uma dinâmica familiar solidária e disponibilidade dos familiares de AA para o apoiarem.
VI. O que deveria ter sido positivamente, valorado a favor do recorrente, permitindo assim que o mesmo cumprisse o resto da sua pena em liberdade, ainda que, naturalmente, adstrito a um regime de prova com obrigações e deveres.
VII. Para esta conclusão, concorre ainda o efeito contraproducente exponenciado com a manutenção da prisão efetiva do arguido, atendendo ao período de tempo de reclusão já cumprido (dois anos e meio), ao facto de ainda ser muito jovem, e aos riscos de manutenção de convívio com os seus pares em meio prisional.
VIII. As exigências de prevenção geral e especial que aqui se levantam, não justificam a manutenção da reclusão do arguido, provocando, ainda esta, um rude golpe na pretensão ressocializante que sempre se almeja com a aplicação de qualquer pena.
IX. Termos em que, o tribunal recorrido acaba por entrar em contradição insanável com a fundamentação que desenvolveu e expôs na sua decisão, conforme melhor se prevê no artigo 410.º n.º 2 b) do Código de Processo Penal.
X. Neste sentido ainda, não obstante, o tribunal recorrido ter referido secundar-se nos relatórios sociais mencionados, cujo teor não foi impugnado ou contraditado, olvidou considerar como provado, nomeadamente, as seguintes menções do último relatório social: AA é desconhecido do meio comunitário de residência do agregado do seu pai, uma vez que esta família só há 3 anos é que reside na localidade, são considerados pessoas pacatas e bem integradas na comunidade, não havendo assim qualquer impacto negativo, caso o condenado venha a residir naquele meio. Os avós paternos do condenado pretendem vender a casa em que habitavam em ..., entendendo que esta mudança de residência será benéfica para AA, afastando-o da convivência com anterior grupo de pares, associado a comportamentos desviantes.
XI. Menções, estas que, militam inegavelmente, a favor do arguido, e que também fundamentam a aplicação de uma pena única de prisão cujo quantitativo permitisse a suspensão da sua execução, com a sua consequente aplicação, ainda que, condicionada a um regime de prova, conforme acima já se defendeu.
XII. O tribunal recorrido, tampouco, se pronunciou sobre a exclusão das referidas menções, e como tal, o tentou justificar, o que torna a decisão nula, já que, olvidou enumerar os parágrafos supramencionados do relatório social em questão, na sua fundamentação quanto aos factos provados, tendo assim, igualmente, deixado de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, tudo conforme melhor vem previsto no artigo 379.º n.º 1 a) e c) e artigo 374.º n.º 2 ambos do Código de Processo Penal, nulidades que, desde já, se arguem, nos termos previstos no artigo 410.º n.º 3 do mesmo diploma legal.
XIII. O tribunal a quo violou igualmente normas jurídicas e o sentido como as interpretou e com que as aplicou, em contraposição ao sentido com que deviam ter sido interpretadas e com que deviam ter sido aplicadas (artigos 40.º, 42.º, 71.º e 77.º do Código Penal, artigos 97.º n.º 5, 127.º e 374.º n.º 2 do C.P.P. e o DL n.º 401/82, de 23 de setembro).
XIV. Isto igualmente, porque, pressupostos penais como a personalidade do infrator, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior à prática dos factos, às suas circunstâncias, e à conclusão, por parte de quem decide, de que a simples censura do facto e a ameaça da sanção realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição foram em suma desatendidas e incorretamente apreciadas.
XV. Neste mesmo sentido, o recorrente manifestou, uma vez mais (para além do momento em que foi julgado, e após ter sido condenado e já recluído) o seu arrependimento, reconheceu a ilicitude e a gravidade das suas condutas, tendo manifestado interiorizar o mal que causou aos ofendidos e à comunidade em geral, em relação ao qual aceita ter que ser responsabilizado, tudo conforme não deixa igualmente, de constar dos seus relatórios sociais.
XVI. Trata-se de mais uma factualidade que não surge enumerada nos factos provados da fundamentação da decisão, o tribunal recorrido tampouco se pronuncia ou enumera esta factualidade, o que faz o acórdão recorrido recair no vício já mencionado na al. b) do n.º 2 do artigo 410.º do C.P.P. e nas nulidades previstas no artigo 379.º n.º 1 a) e c) do C.P.P., nulidades que, desde já, se arguem nos termos previstos no artigo 410.º n.º 3, do mesmo diploma legal.
XVII. Acresce ainda que, à data da prática dos factos, o recorrente tinha menos de vinte e um anos o que implicava para si uma apreciação mais benéfica à luz do regime penal aplicável a jovens delinquentes, tal não foi acolhido pelo tribunal recorrido, sendo que, nenhuma razão foi tampouco na decisão recorrida adiantada para o efeito.
XVIII. O que determinava que a avaliação norteada e regulada nos artigos 40.º, 42.º, 70.º e 71.º do Código Penal quanto à determinação da pena e da sua medida fosse realizada em termos ainda mais favoráveis e menos penalizantes para o arguido jovem.
XIX. A decisão encontra-se, nestes temos, igualmente, ferida por nulidade, tratando-se questão sobre a qual o tribunal recorrido teria que se pronunciar (379.º n.º 1 alínea c), do Código de Processo Penal, doravante C.P.P.).
XX. O tribunal de julgamento violou igualmente as regras de experiência comum na determinação do quantum exato da pena que não se encontra devidamente fundamentado e contraria os demais factos supra referidos que imporiam uma decisão diversa, peca assim ao recair numa condenação excessiva, quantificação que se revelou exagerada, desconforme e desproporcional, e não se encontra sustentada.
XXI. Não se verificaram as exigências de prevenção e da culpa para uma condenação na pena de seis anos, onze meses e vinte dias de prisão efetiva, quantificação que se revelou exagerada, desconforme e desproporcional.
XXII. A realização de novo cúmulo jurídico reabriu a possibilidade do tribunal competente, reapreciar factos com relevo para a aplicação da pena única, devendo-se sempre socorrer duma perspetiva atualista, o mais fiel e próxima, da atual realidade do recluso, tendo como diretrizes as disposições legais atrás indicadas (os artigos 40.º, 42.º, 71.º e 77.º n.º 1 do Código Penal, por sua vez norteados pelo regime previsto pelo DL n.º 401/82, de 23 de setembro), como se de um tribunal de execução de penas, verdadeiramente, se tratasse.
XXIII. Não foi esta a posição acolhida pelo tribunal recorrido, tendo desaproveitado a referida possibilidade, isto, conforme vem refletido na pena única que decidiu aplicar, o que não pode deixar de merecer a crítica, fundada, do recorrente.
XXIV. Em suma, a decisão encontra-se afetada pelos vícios da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, tendo-se o tribunal recorrido deixado de pronunciar sobre questões que lhe estavam impostas, tendo ainda omitido da enumeração dos factos provados, factualidade que deveria aí ser enumerada, tudo conforme melhor vem previsto nos artigos 410.º n.º 2 b) e n.º 3, 374.º n.º 2 e 379.º nº 1 a) e c) todos do C.P.P.
XXV. Termos em que a pena que lhe foi aplicada deverá ser reduzida no seu quantum e sobretudo deverá ser suspensa na sua execução.
XXVI. O tribunal a quo distanciou-se da lógica interpretativa imposta pelas regras do bom senso e da experiência comum, e que o próprio trilhou na motivação e fundamentação da decisão, exigia-se-lhe um esforço interpretativo superior e sustentado, e o mais atualizado da atual realidade vivencial do arguido, o que não ocorreu.
XXVII. Está imposto ao julgador a concreta fundamentação das decisões que profira em obediência aos comandos legais previstos, nomeadamente nos artigos 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 97.º n.º 5 do Código de Processo Penal, normas que foram igualmente violadas, o que também fere a decisão recorrida de Inconstitucionalidade que desde já se aduz. O tribunal a quo violou nomeadamente os artigos 97.º n.º 5, 127.º e 374.º n.º 2 do C.P.P., sendo nulo o acórdão nos termos do artigo 379.º n.º 1 a) e c) do C.P.P., nulidades que se invocam nos termos do artigo 410.º n.º 3 do C.P.P., violou igualmente os artigos 40.º, 42.º, 71.º e 77.º do Código Penal, bem como, o regime previsto pelo DL n.º 401/82, de 23 de setembro, e ainda o artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, entre outros que V. Exas. doutamente, melhor suprirão, o que o faz padecer de nulidade que, desde já, se argui e de inconstitucionalidade que igualmente, se aduz.
TERMOS EM QUE, E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADO O ACORDÃO RECORRIDO, DEVENDO V. EXAS DECIDIR PELA APLICAÇÃO DE PENA ÚNICA INFERIOR A CINCO ANOS DE PRISÃO A QUAL DEVERÁ SER SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO, AINDA QUE, COM REGIME DE PROVA CONDICIONADA AOS DEVERES E REGRAS DE CONDUTA QUE V. EXAS MELHOR ENTENDEREM POR CONVENIENTES, TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS. AINDA DEVERÁ, SER DECLARADO NULO O ACÓRDÃO NOS TERMOS DO ARTIGO 379.º N.º 1 A) E C) DO C.P.P., NULIDADES QUE SE INVOCAM NOS TERMOS DO ARTIGO 410.º N.º 3 DO C.P.P., E SER DECLARADO INCONSTITUCIONAL POR VIOLAÇÃO DO ARTIGO 205.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA. DECIDINDO V. EXAS EM CONFORMIDADE FARÃO, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA.
1.2. O Ministério Público respondeu ao recurso, tendo concluído nos seguintes termos:
1- No presente caso o arguido insurgiu-se contra a medida concretada pena única que lhe foi determinada, pretendendo vê-la reduzida e suspensa na respetiva execução.
2- Concordamos inteiramente com o douto acórdão cumulatório proferido e com a medida concreta da pena única aplicada ao arguido.
3-No caso em apreço, não se encontram violados os critérios de determinação da pena enunciados nos artigos 40.º, n.º 1 e 71.º do Código Penal, nem foi desrespeitado o princípio da proporcionalidade na graduação da pena.
4- Não se verificando qualquer das nulidades ou inconstitucionalidade invocadas uma vez que na douta decisão proferida o tribunal a quo ponderou todos os factos que fundamentaram a sua decisão e não existe qualquer contradição entre tal fundamentação e a decisão tomada que aplicou ao arguido a pena única de 6 anos, 11 meses e 20 dias de prisão.
1.3. Remetidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, foi aberta vista ao Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto, tendo o mesmo emitido parecer onde fez constar o seguinte:
“(…)
4 – Não se suscita qualquer questão que obste ao conhecimento do recurso interposto, devendo o mesmo ser julgado em conferência, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do C.P.P.
5 – Delimitado o objecto dos recursos, como é pacífico, pelas conclusões apresentadas, delas resulta arguir o recorrente a nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), e 374.º, n.º 2, do C.P.P., numa dupla perspectiva: a primeira, no que respeita à inconsideração pelo Tribunal a quo de um conjunto de circunstâncias pessoais constantes dos relatórios sociais, que o recorrente entende deveriam constar do elenco dos factos provados (cfr. conclusões X a XII, XV e XVI); prende-se a segunda com a (não) aplicação do regime penal especial consagrado pelo Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, que a sua idade, de menos de 21 anos, justificaria (conclusões XVII, XVIII e XIX).
O recorrente assaca ainda à decisão recorrida o vício de contradição insanável da decisão com a fundamentação, a que alude o artigo 410.º, n.º 2, alínea b) do C.P.P. (conclusões IX e XVI).
E, por fim, questiona a medida da pena única aplicada, clamando pela sua redução para menos de 5 anos de prisão e subsequente suspensão na sua execução.
5.1 - Percorrida a decisão recorrida, é patente não enfermar a mesma de qualquer das vicissitudes que lhe aponta o recorrente.
5.1.1 - Não padece de nulidade por omissão de pronúncia, no que concerne ao conjunto de circunstâncias pessoais referidas nos relatórios sociais que o recorrente entende deveriam constar do elenco dos factos provados, já que esta problemática não se coloca nesse âmbito, mas antes no quadro da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, observados que sejam, naturalmente, os termos próprios previstos na lei.
É manifesto não ter sido essa a via seguida pelo recorrente, pelo que tal matéria está arredada do objecto do recurso, sendo que, de resto, se acaso fosse esse o seu sentido, o seu conhecimento não competiria ao Supremo Tribunal de Justiça (cfr. artigo 434.º do C.P.P.).
5.1.2 - E também não enferma de nulidade por omissão de pronúncia, relativamente à (não) aplicação do regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, consagrado pelo Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro.
O que a inconsideração deste regime, em termos de consequência para a decisão recorrida, poderia configurar seria antes o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, se se estivesse na presença de situação a exigir a ponderação da sua aplicação, como sucederia, e sucedeu, aquando do julgamento do arguido, ora recorrente, de que adveio a sua condenação nas penas parcelares indicadas.
A aplicação desse regime especial, que não é nem obrigatória, nem automática, deve ser ponderada e decidida pelo tribunal quando se suscite a aplicação de pena de prisão a cominar a prática de crime por agente com mais de 16 e menos de 21 anos de idade, e não já, em caso de concurso de crimes, no momento da fixação da pena única.
As penas parcelares de prisão em concurso que foram aplicadas ao recorrente são insusceptíveis de alteração, estão estabilizadas, e só àquelas poderia ter sido aplicado o referido regime penal especial, e não já à pena única.
De resto, e tal como decorre do acórdão condenatório proferido em 1.ª instância, datado de 26.09.2022, integralmente confirmado por acórdão de ........2023 do Tribunal da Relação do Porto, o tribunal da condenação equacionou, como era sua obrigação, a aplicação do regime penal especial a que se tem vindo a fazer referência, para concluir pelo seu afastamento (cfr. fls. 163 a 165 e 168 a 170 do acórdão de ........2022).
5.1.3 – Entende-se, por fim, que não afecta a decisão recorrida qualquer dos denominados vícios da decisão, e designadamente o da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, alegado pelo recorrente.
Como é sabido, é pressuposto da sua verificação que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, como se preceitua no n.º 2 do artigo 410.º do C.P.P., por ser um vício intrínseco da sentença, sem recurso a prova pessoal (como sejam designadamente, declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou instrução), ou documental.
Ora, a integração que o recorrente faz do vício que considera existir tem por base, como se vê, os relatórios sociais que expressamente invoca, o que faz soçobrar irremediavelmente a perspectiva que o anima.
5.2 – Da medida da pena única aplicada.
Sobre o concurso de crimes e sua punição, regulam os artigos 77.º e 78.º do Código Penal, dispondo o primeiro destes normativos, sob a epígrafe Regras da punição do concurso, e no que ora releva:
1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores (…).
“A medida concreta da pena do concurso é determinada, tal como a das penas singulares, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, segundo os ditames dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, havendo, porém, que atender a um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente (artigo 77.º, n.º 1, parte final, ainda do Código Penal).
O que significa que à visão atomística inerente à determinação das penas singulares, sucede, nesta, uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a sopesar a gravidade desse ilícito global enquanto enquadrada na personalidade unitária do agente, «tudo deve[ndo] passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique» cfr. Figueiredo Dias, in "Consequências Jurídicas do Crime", 1993, p. 291 e 292.
E sendo que nessa «avaliação da personalidade – unitária – do agente» releva «sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma "carreira") criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade», que só primeira, que não a segunda, tem «um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta».
E nela assumindo especial importância «a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)» em que são de considerar «múltiplos factores entre os quais: a amplitude temporal da atividade criminosa; a diversidade dos tipos legais praticados; a gravidade dos ilícitos cometidos; a intensidade da atuação criminosa; o número de vítimas; o grau de adesão ao crime como modo de vida; as motivações do agente; as expetativas quanto ao futuro comportamento do mesmo».
Servindo, como já dito, as finalidades exclusivamente preventivas da protecção de bens jurídicos – prevenção geral positiva ou de integração – e da reintegração do agente na sociedade – prevenção especial positiva ou de socialização –, devem elas «coexistir e combinar-se da melhor forma e até ao limite possível» na pena única, «porque umas e outras se encontram no propósito comum de prevenir a prática de crimes futuros».
Finalidades – e também culpa – que, tendo intervindo, já, na determinação da medida das penas parcelares, operam aqui por referência ao «conjunto dos factos e à apreciação geral da personalidade», o que «não se confunde com a ponderação das circunstâncias efetuada relativamente a cada crime, que é necessariamente parcelar» e não envolve, por isso, violação do princípio da dupla valoração.
E pena única que, também ela, deve respeitar os princípios da proporcionalidade, necessidade, adequação e proibição de excesso decorrentes do art.º 18º da CRP.”
Seguindo tais directrizes, e considerando agora o caso concreto, importa ter presente, desde logo, a moldura penal abstracta aplicável.
A medida da pena única a aplicar tem o limite mínimo de 4 anos de prisão, correspondente à pena parcelar mais elevada das concretamente aplicadas, e o limite máximo de 16 anos e 9 meses de prisão, soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Na fundamentação da escolha e medida da sanção, é dito na decisão recorrida:
(…).
No presente caso, são elevadas as exigências de prevenção geral que se fazem sentir para se restabelecer a confiança na vigência e validade das normas violadas e que, assim, apontam para um maior sancionamento dos agentes deste género de criminalidade, face à frequência inquietante que assumem na atualidade e, em particular, neste município.
AA apenas 2 meses e 20 dias depois de ter praticado, na mesma ocasião, 2 dos 4 primeiros crimes aqui em causa, cometeu 1 crime, volvidos 2 meses e 24 dias cometeu outro crime e, volvidos 3 meses e 15 dias, cometeu outros 2 crimes, pelos quais viria a ser condenado.
Seja como for, após o cometimento desses crimes alvo de condenação autónoma, AA viria a cometer mais 4 crimes. Ora, aqueles 4 primeiros crimes aqui em causa são crimes de roubo, sendo um deles agravado mediante a exibição de uma arma. Por outro lado, dos 4 crimes posteriores àqueles crimes alvo de condenação autónoma, 1 deles é um crime de roubo agravado, sendo os demais de distintas naturezas. Convém também salientar que esse crime de roubo foi cometido mediante a utilização de uma arma de agressão, sendo que, 2 meses e 29 dias depois, AA viria a ser encontrado na posse de duas armas proibidas.
Os referidos crimes foram cometidos ao longo de um percurso criminal que só foi interrompido com a prisão preventiva que lhe foi aplicada nestes autos. Acresce que 6 dos 8 crimes aqui em causa, são punidos com penas de máximo igual ou superior a 8 anos de prisão, sendo 5 deles classificados por lei como criminalidade especialmente violenta (cfr. art.º 1.º, al. l), do C.P.). E, na verdade, trata-se de crimes que, até pelas concretas circunstâncias em que foram cometidos, são criadores de vincado eco e notória ressonância na comunidade face ao forte sentimento de insegurança, repúdio e alarme que provocam.
É muito elevado o grau de ilicitude dos factos cometidos, muito grave o modo de execução, sendo muito elevado o desvalor da ação. Na verdade, cumpre salientar que se verificou uma notória desproporção entre o número de agentes e, assim, de forças, e a respetiva vítima, o que lhe diminuía fortemente a possibilidade de defesa e/ou resistência, sendo que, em duas ocasiões, a respetiva vítima estava até sozinha.
No que se refere aos crimes de roubo, ocorreram situações em que a atitude coativa ou constrangedora foi dirigida contra várias pessoas, outras em que foram praticadas várias das modalidades da ação típica, incluindo violência física, resultando lesões físicas para a respetiva vítima, evidenciando uma dela elevada agressividade e forte desproporção entre a conduta coativa ou constrangedora praticada e os bens de que também apropriou, tendo uma das vítimas sido deixada descalça.
Acresce que, em algumas das situações, era o condenado que trazia, exibiu e/ou utilizou a arma.
Acresce que, pelo menos 1 dos crimes demostrados foi cometido de noite, o que diminuía ainda mais a possibilidade de defesa da respetiva vítima.
Por outro lado, verifica-se a ocorrência de outra circunstância agravante quanto a um dos crimes de roubo agravado e outra qualificativa quanto ao crime de furto qualificado que cometeram. Na verdade, e quanto ao roubo agravado ocorrido em ...-...-2021, uma das coisas de que AA se apropriou foi de um veículo automóvel que possuía o valor de cerca de 21 000 EUR e, assim, de valor consideravelmente elevado, isto é, que excedia 200 unidade de conta avaliadas no momento da prática do facto (cfr. arts. 202.º, al. b), 204.º, n.º 2, al. a), e 210.º, n.º 2, al. b), do C.P.), o que, necessariamente foi por ele representado (cfr. art.º 14.º, n.º 1, do C.P.). Na verdade, uma unidade de conta corresponde à quantia monetária equivalente a um quarto do valor do indexante dos apoios sociais (IAS) vigente em ... do ano anterior, arredondada à unidade Euro, sendo assim atualizada anual e automaticamente, pelo que se cifrava à data dos factos aqui em causa em 102 EUR (cfr. arts. 22.º, 26.º, 27.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26-02, tendo presente o art.º 156.º da Lei n.º 64-A/2009, de 31-12, e 5.º, n.º 2, e n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, 2.º da Portaria n.º 9/2008, de 03-01, 3.º do Decreto-Lei n.º 323/2009, de 24-12, 73.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30-03, 266.º da Lei n.º 42/2016, de 28-12, 178.º da Lei n.º 114/2017, de 29-12, 182.º da Lei n.º 71/2018, de 31-12, e 210.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de março). Por outro lado, e quanto ao crime de furto qualificado, AA introduziu-se no dito estabelecimento comercial por local não destinado normalmente à entrada (cfr. arts. 202.º, al. e), e 204.º, n.º 3, do C.P.), sabendo e querendo fazê-lo, pelo que dolo direto com que atuou também abarcou a referida circunstância qualificativa em causa.
Acresce que, numa situação, o valor das coisas apropriadas, ou de que se pretendia apropriar, é já de relevo, mas diminuto (cfr. art.º 202.º, al. c), do C.P.) nas restantes, o que não tem grande poder atenuativo face ao desproporcional desvalor da ação que ressalta das condutas praticadas.
Embora em duas ocasiões tenha ocorrido recuperação total das coisas de que as respetivas vítimas foram desapossadas, tendo noutra ocasião a recuperação sido total, o que não poderá deixar de se ter em conta, o certo é que a mesma não foi motivada por uma ação voluntária do condenado, pelo que não poderá haver lugar a qualquer efeito atenuativo.
Por outro lado, numa das situações em que ocorreu restituição parcial, tal ficou a dever-se a um desinteresse dos agentes pelas coisas que devolveram, tendo, ainda assim, se apropriado de coisas de valor significativo, pelo que tal condita também não poderá ter qualquer poder atenuativo.
No que ao crime de furto qualificado diz respeito, para além do número dos agentes, do facto de terem agido de noite, cumpre salientar que o fizeram fora do horário de funcionamento do estabelecimento comercial onde se encontravam as coisas furtadas, militando também contra si os próprios instrumentos de que se serviram, o que diminuía fortemente a possibilidade de defesa do respetivo proprietário.
No entanto, ter-se-á que atender ao papel mais censurável do condenado, porque mais ativo, tendo-se socorrido de instrumentos suscetíveis de serem usados como armas de agressão ou agredindo fisicamente as vítimas.
AA manteve-se evadido durante 1 mês, tendo-se iniciado com a violação, de forma não apurada, por parte daquele do sistema de controlo técnico à distância da obrigação de permanência na habitação a que se encontrava sujeito. Contudo, terá que que ser valorado que se estava perante uma medida de coação a cumprir na habitação, o que tornava mais fácil a fuga, e não perante uma medida de coação ou uma pena a cumprir em estabelecimento prisional, para fugir do qual seria necessário praticar conduta mais elaborada.
Finalmente, e no que se refere à detenção da arma proibida, cumpre salientar que a conduta praticada por cada um deles diz respeito a diferentes instrumentos proibidos.
Foi plúrima a atuação do condenado, que se prolongou ao longo de 1 ano, 4 meses e 4 dias, denotando-se uma similitude na sua atuação e, assim, uma reiteração da sua conduta.
Os factos cometidos revelam forte resolução criminosa e persistência na resolução tomada.
Não existiu qualquer reparação ou sinal de arrependimento dos danos causados.
AA ainda não havia cometido qualquer crime quando praticou os 4 primeiros crimes aqui em causa (3 crimes de roubo e 1 crime de roubo agravado), o que milita a seu favor. Não obstante, logo após, e antes de cometer os demais crimes aqui em causa (1 crime de roubo agravado, 1 crime de furto qualificado, 1 crime de evasão e 1 crime de detenção de arma proibida, todos na forma consumada), viria a praticar 2 crimes de condução de veículo sem habilitação legal e 2 crimes de roubo, comportamento que não poderá deixar de militar contra si.
Sob o ponto de vista pessoal, AA está habilitado com o 3.º ciclo do ensino, tendo abandonado a progressão da sua formação, sendo breves as duas experiências profissionais que teve.
Foi alvo de intervenção atempada do sistema de promoção e proteção até à maioridade.
O suporte familiar é prestado pelos avós paternos, com quem vivia e o sustentavam, pese embora o avô esteja acamado há vários anos.
Apesar de ser consumidor de estupefacientes, o que é um inegável fator de risco, não recorreu a qualquer intervenção especializada disponível nos serviços clínicos do estabelecimento prisional onde se encontra à ordem dos presentes autos.
A personalidade do condenado caracteriza-se pela instabilidade pessoal, conflituosidade familiar, permeabilidade às influências, a manutenção de laços sociais transgressivos e rebeldia desviante, que eleva as exigências de socialização.
Acresce que alguns dos crimes que aqui cometeu foram praticados juntamente com o coarguido BB com quem, fruto da medida de coação que então lhe havia sido aplicada, estava proibido de contactar, o que evidencia uma reduzida capacidade de colaboração, um descomprometimento com a execução das regras, uma resistência ao seu cumprimento, o que faz elevar ainda mais as exigências de socialização.
No Estabelecimento Prisional tem mantido um comportamento consentâneo com as normas institucionais, o que se espera de qualquer recluso (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27-01-2021, processo n.º 1613/19.2S6LSB.L1-3, in www.dgsi.pt), exercendo ocupação laboral na cantina, o que não pode deixar de militar a seu favor.
Apesar de todos os crimes terem sido cometidos agindo o condenado com a modalidade mais intensa do dolo, que se mostra direto, pelo que, sendo a forma mais gravosa de dolo, representa maior desvalor, o certo é que da imagem global dos crimes levados a cabo pelo condenado permite ainda concluir que o conjunto dos factos cometidos é ainda é reconduzível a um particular contexto da sua vida.
Assim, não será de atribuir à pluralidade de crimes cometidos pelo condenado um efeito particularmente agravante dentro da respetiva moldura penal conjunta aplicável.
Tudo ponderado, afiguram-se adequadas às circunstâncias do caso a pena única de 6 anos, 11 meses e 20 dias de prisão.
Face à medida concreta da pena única aplicada não se mostra possível aplicar uma pena de substituição não detentiva, nomeadamente a suspensão da execução da respetiva pena única de prisão (cfr. art.º 50.º do C.P.).
Deste modo, AA cumprirá prisão efetiva.(…)
Patenteia-se, como se vê, uma análise cuidada e objectiva da situação vertente, configurando-se correctas a ponderação e a valoração da ilicitude do facto e da culpa do agente, e respectivos graus, das circunstâncias que rodearam a prática dos factos, bem como das exigências de prevenção geral e especial, havendo que concluir, como tal, que a pena única aplicada respeita os parâmetros decorrentes dos critérios legais fixados nos artigos 40.º, 71.º e 77.º, do Código Penal, sendo justa, adequada e proporcional à gravidade dos factos e à perigosidade do agente, avesso ao direito e à vida em sociedade, não se vislumbrando fundamento para que a mesma seja alterada.
É, assim, de entender que a pena única aplicada, de 6 (seis) anos, 11 (onze) meses de 20 (vinte) dias de prisão – bem mais próxima do limite mínimo do que do limite máximo, a menos de 1/4 da penalidade a considerar – respeita os parâmetros decorrentes dos critérios legais fixados nos artigos 40.º, 71.º e 77.º, do Código Penal, sendo, por conseguinte, justa, por adequada e proporcional à gravidade dos factos e à perigosidade do agente, não se descortinando fundamento para que a mesma seja reduzida.
Pena que, pelo seu quantum, não é susceptível de suspensão na sua execução, impedindo-a a norma do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.
6 – Pelo exposto, e acompanhando a posição do Ministério Público na 1ª instância, emite-se parecer no sentido de o recurso em apreço dever ser julgado improcedente, por ser de manter a decisão recorrida.
1.4. Foi observado o disposto no art.º 417.º n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta.
1.5. Após exame preliminar e recolha dos vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir
2. Objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso integrado pelas conclusões, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem em aquilatar se ocorre nulidade da decisão por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia; contradição insanável da fundamentação e contradição insanável entre a fundamentação e a decisão; redução da medida da pena, devendo esta ser suspensa na sua execução e inconstitucionalidade por violação do disposto no art.º 205.º, da CRP.
3. Fundamentação de facto
No âmbito do presente Processo Comum Coletivo n.º 979/19.9..., do juízo central criminal do ... (juiz 14), AA foi em ...-...-2022 condenado, em concurso efetivo:
- como coautor e sob a forma consumada, de 1 crime de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 204.º, n.º 2, al. f), 210.º, n.º 1, n.º 2, al. b), do C.P., que vitimou CC, praticado em ...-...-2020, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
- como coautor e sob a forma consumada, de 1 crime de roubo, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 204.º, n.º 2, al. f), n.º 4, 210.º, n.º 1, n.º 2, al. b), do C.P., praticado em ...-...-2020, na pena de 2 anos de prisão;
- como coautor e sob a forma consumada, de 1 crime de roubo, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 210.º, n.º 1, do C.P., que vitimou DD, praticado em ...-...-2020, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
- como coautor e sob a forma consumada, de 1 crime de roubo, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 210.º, n.º 1, do C.P., que vitimou EE, praticado em ...-...-2020, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
- como coautor e sob a forma consumada, de 1 crime de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 202.º, al. b), 204.º, n.º 2, als. a) e f), 210.º, n.º 1, n.º 2, al. b), do C.P., praticado em ...-...-2021, na pena de 4 anos de prisão;
- como coautor e sob a forma consumada, de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 202.º, als. d) e e), 204.º, n.º 2, al. e), do C.P., praticado de ...-...-2021 para ...-...-2021, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
- como autor imediato e sob a forma consumada, de 1 crime de evasão, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 352.º, n.º 1, do C.P., praticado em ...-...-2021, na pena de 9 meses de prisão;
- como autor imediato e sob a forma consumada, de 1 crime de detenção de arma proibida, na forma consumada, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, do C.P. e 2.º, n.º 1, al. m) e an), 3.º, n.º 2, als. i) e ab), e 86.º, n.º 1, al. d), do Regime jurídico das armas e suas munições, praticado em ...-...-2021, na pena de 1 ano de prisão;
Foi considerada provada a seguinte factualidade:
I - No dia ...-...-2020, cerca das 15h15min, no ..., nesta cidade do ..., FF, GG e AA abordaram HH, que ali se encontrava acompanhado de II, colocando-se os dois primeiros daqueles três indivíduos nas costas deste e o último daqueles três à sua frente.
Nisto, AA retirou do bolso um instrumento corto perfurante, de características não apuradas, e perguntou-lhe: “O que é que tens aqui?”
Ato contínuo, AA retirou um par de sapatilhas da marca e modelo NIKE MX720-818, cor branca, com pontos em amarelo e preto, no valor de € 190, e uma bolsa em tecido da marca Jordan, no valor de 25 EUR, que continha no seu interior uns AirPods da marca Apple, cor branca, com respetiva caixa de arquivo e capa protetora em acrílico, no valor de, pelo menos, 175 EUR, um telemóvel e uma carteira que, por sua vez, continha no seu interior 2 EUR, tudo propriedade daquele CC, e que se encontravam pousados junto do mesmo.
Na posse da dita bolsa, AA verificou o seu conteúdo e, apercebendo-se que o telemóvel se encontrava bloqueado com reconhecimento facial devolveu o mesmo a CC.
De seguida retirou do interior da carteira a quantia de 2 EUR, devolvendo aquela a CC.
De seguida, colocaram-se em fuga em direção à ..., na posse dos referidos artigos, que fizeram seus.
BB, JJ e AA agiram da forma descrita, de comum acordo e em comunhão de esforços, sabendo e querendo retirar e fazer seus os ditos objetos e quantia, mediante a intimidação do seu detentor e proprietário por força da sua superioridade numérica, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física deste e a utilização do dito instrumento corto perfurante, objetivamente apto a ferir e a matar, colocando aquele na impossibilidade de resistir, bem sabendo que o faziam contra a vontade e sem o consentimento do detentor e proprietário daqueles objetos e quantia, com o intuito concretizado de se apoderarem dos referidos objetos e quantia que não lhes pertenciam.
Agiram de forma livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
No dia ...-...-2020, cerca das 17h55min, na ..., nesta cidade do ..., um grupo de quatro indivíduos, entre eles GG, AA e KK, abordaram LL, cidadão de nacionalidade ..., que ali seguia apeado. Nisto, MM encostou ao pescoço daquele LL uma navalha multiusos, da marca ..., com 15, 5 cm de comprimento total, sendo 6, 2 cm de lâmina, ao mesmo tempo que dizia “Give me Money!”.
Enquanto isso, JJ e AA cercavam aquele LL, desse modo impedindo a sua fuga.
De imediato, revistaram LL, a que este não se opôs por temer pela sua vida e integridade física, tendo-lhe retirado duas notas de 20 EUR, ficando uma com JJ e outra com MM.
De seguida, colocaram-se em fuga, fazendo sua a referida quantia.
JJ, AA e MM agiram da forma descrita, de comum acordo e em comunhão de esforços, sabendo e querendo retirar e fazer sua a dita quantia, mediante a intimidação do seu detentor e proprietário por força da sua superioridade numérica, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física deste e a utilização do dito instrumento corto perfurante, objetivamente apto a ferir e a matar, colocando aquele na impossibilidade de resistir, bem sabendo que o faziam contra a vontade e sem o consentimento do detentor e proprietário daquela quantia, com o intuito concretizado de se apoderarem de tal quantia que não lhes pertencia.
Agiram de forma livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Em ...-...-2020 foi apreendida a JJ a quantia de 65 EUR e a MM a quantia de 22, 50 EUR.
No dia ...-...-2020, cerca das 17h, nas imediações da faculdade de..., nesta cidade do ..., NN, GG, AA e KK, surpreenderam pelas costas OO e PP, ambos estudantes e naturais do ....
De seguida, disseram ter na sua posse uma faca, que não chegaram a exibir, e questionaram DD sobre se possuía duas notas 10 EUR para trocar por uma nota de 20 EUR.
Receando pela sua integridade física, DD de imediato entregou duas notas de 10 EUR, recebendo, em troca, o que aparentava ser uma nota de 20 EUR, mas que, afinal, se tratava de reprodução de uma nota de 20 EUR obtida por impressão offset. De seguida, exigiram a QQ que entregasse a sua carteira, no que o mesmo anuiu, e da qual aqueles retiraram a quantia de 15 EUR, devolvendo-lhe a carteira.
RR, JJ, AA e MM levaram consigo aquelas quantias que integraram no seu património.
RR, JJ, AA e MM agiram da forma descrita, de comum acordo e em comunhão de esforços, sabendo e querendo retirar e fazer suas as ditas quantias, mediante a intimidação dos seus detentores e proprietários por força da sua superioridade numérica e de ameaça com perigo iminente para a sua integridade física e vida, colocando-os na impossibilidade de resistir, bem sabendo que o faziam contra a vontade e sem o consentimento dos mesmos, detentores e proprietários daquelas quantias, com o intuito concretizado de se apoderarem de tais quantias que não lhes pertenciam.
RR, JJ, AA e MM agiram de forma livre e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
No âmbito do presente processo, FF e AA foram detidos, fora de flagrante delito, pelas 08h00min do dia ...-...-2021 e, privados de liberdade, foram submetidos a interrogatório judicial, findo o qual, no dia ...-...-2021, foi determinado que aguardassem os ulteriores termos do processo sujeitos às obrigações decorrentes do termo de identidade e residência a que cada um deles foi sujeito em cumulação com a proibição de contactar por qualquer meio e em qualquer lugar com os restantes coarguidos e à obrigação de se apresentarem todos os dias entre as 09h00min e as 19h00min no posto policial mais próximo da respetiva residência, tendo sido restituídos à liberdade pelas do dia 00h05min do dia ...-...-2021.
No dia ...-...-2021, pelas 16h20min, na ..., em ..., BB e AA e SS dirigiram-se a TT, que então se encontrava junto da sua viatura automóvel de matrícula ..-VE-.., que acabara de estacionar.
AA desferiu com um bastão uma pancada na cabeça de UU, que inicialmente ofereceu resistência desferindo-lhe um soco.
Um dos outros dois desferiu ainda uma outra pancada na cabeça de UU e, os restantes, pancadas na cabeça e na perna esquerda daquele, enquanto lhe exigiam que entregasse dinheiro.
Em consequência, UU caiu no chão e perdeu os sentidos.
BB e AA e VV retiraram a UU a quantia de 75 EUR em dinheiro, bem como um cordão de prata com um cruxifixo, de valor não concretamente apurado e que aquele trazia no pescoço, bem como as chaves da sua viatura, de valor não concretamente apurado, mas cerca de 21 000 EUR.
No imediato, BB e AA e VV entraram na viatura, que fizeram sua, abandonando o local.
BB, AA e WW indivíduos agiram da forma descrita, de comum acordo e em comunhão de esforços, sabendo e querendo retirar e fazer seus os ditos objetos e quantia, mediante a intimidação do seu detentor e proprietário por força da sua superioridade numérica e molestando-o fisicamente, com utilização do dito bastão, instrumento objetivamente apto a ferir, colocando-o na impossibilidade de resistir, bem sabendo que o faziam contra a vontade e sem o consentimento do detentor e proprietário daqueles objetos e quantia, de valor global consideravelmente elevado, com o intuito concretizado de se apoderarem dos referidos objetos e quantia que não lhes pertenciam.
Agiram livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Fruto da intervenção policial, o dito veículo veio a ser apreendido no dia ...-...-2021 e a ...-...-2021 foi o mesmo entregue a UU.
Na noite de ...-...-2021 para ...-...-2021, na dita viatura de matrícula ..-VE-.., BB, AA e VV deslocaram-se ao estabelecimento comercial denominado “...”, sito no ....
De seguida, retiraram o vidro de uma das janelas com uma chave de fendas, desse modo logrando abrir a mesma e entrar no interior do referido estabelecimento comercial.
Após, retiraram do interior daquele estabelecimento comercial os seguintes artigos:
a) 1 LCD TV, de cor preta, da marca Panasonic, modelo Tx-L42E5E, com o número de série NC-2540538;
b) 156 maços de tabaco de diversas marcas;
c) 2 caixas de pastilhas elásticas da marca Klets;
d) 66 tabletes de chocolate de diversas marcas;
e) 29 embalagens de gomas de marca Fini;
f) diversos chupa-chupas;
g) 2 caixas de pastilhas abertas, da marca Penha frutus, de sabor limão; h) 1 caixa de pastilhas de marca Frutus, de sabor a morango;
i) 1 caixa de pastilhas de marca Penha Frutus de sabor a mirtilo;
j) 1 caixa de Hall, de saber a mel e limão;
k) 1 caixa de Hall, de sabor extraforte;
l)1 caixa de pastilhas de marca Tridente, de sabor a melancia;
m) 1 caixa de pastilhas de marca Tridente de sabor a framboesa e limão;
n) 5 pacotes de pastilhas de marca Tridente de sabor a pêssego, limão e mentol;
o) 1 caixa de mentos de sabor a fruta e menta;
p) 9 ovos de chocolate de maca Kinder;
q) 3 pacotes de batatas fritas, de marca Ruffles;
r) 2 pacotes de Doritos;
s) 1 pacote de batatas fritas de mara Lays;
t) 8 embalagens de mini chocolates de marca Kit-kat;
u) 9 embalagens de chocolates de marca Twit;
v) 8 embalagens de chocolates de marca Mars;
w) diversas pastilhas elásticas de marca Gorila;
x) 5 garrafas de marca Luso, de sabor a frutos vermelhos;
y) 3 garrafas de marca Luso, de sabor a limão;
z) 4 garrafas de marca Luso de sabor a maçã;
aa) 4 garrafas de marca Compal, de sabor a manga/laranja;
bb) 5 garrafas de água de marca Vimeiro;
cc) 1 caixa de chocolates de marca Nestlé Snack;
dd) 46 isqueiros da marca Bic;
ee) 25 chocolates da marca M&M;
ff) 15 chocolates da marca Malteses;
gg) 4 chocolates da marca Kinder Bueno;
hh) 11 chocolates da marca Mars;
ii) 1 máquina de brindes, de cor azul e amarela, sem referência;
- 1 garrafa de whisky, aberta, de marca Jameson;
jj) 1 garrafa de whisky de marca Jameson;
kk) 1 peça de plástico de marca Azkoyen, de cor preta e vermelha, presumivelmente pertença da máquina de tabaco, com a ref.ª ...;
ll) 1 comando de bloqueio de máquina de tabaco;
mm) 1 balde de cor branca, com a designação Elite Dental Stones;
nn) 1 nota de 10 EUR;
oo) 1 nota de 5 EUR;
pp) 8 EUR em moedas de 2 EUR;
qq) 36 moedas de 1 EUR;
rr) 10, 50 EUR em moedas de 0, 50 EUR;
ss) 28 EUR em moedas de 0, 20 EUR;
tt) 17, 60 EUR em moedas de 0, 10 EUR;
uu) 1, 55 EUR em moedas de 0, 05 EUR;
vv) 4 EUR em moedas de 0, 02 EUR;
ww) 2, 14 EUR em moedas de 0, 01 EUR;
xx) 1 chave de fendas;
yy) 2 garrafões de água da marca Luso;
zz) 1 placar azul de exposição de chocolates;
aaa) 1 garrafa Licor Beirão;
bbb) 1 garrafa de água da marca Luso, sabor maça;
ccc) 1 garrafa de cerveja da marca Super Bock;
ddd) 2 garrafas de sumo da marca Compal, de sabor manga/laranja;
eee) 1 expositor de chupa-chupas vermelho;
fff) 1 caixa de cartão castanha de exposição de diversos chocolates;
ggg) 1 caixa de cartão branca de exposição de chocolates Ovo Kinder surpresa;
hhh) 1 pacote de mentos;
iii) 1 maço de tabaco da marca L&M;
jjj) 1 maço de tabaco da marca Ventil;
kkk) 2 pastilhas;
lll) 300, 00 euros da caixa registadora, em moedas e notas do Banco Europeu;
Tudo no valor global de 2 500 EUR, os quais levaram consigo e integraram no seu património.
BB, AA e VV agiram de comum acordo e em comunhão de esforços, sabendo e querendo retirar um vidro da janela daquele estabelecimento, abrir e transpor a mesma a fim de se introduzirem no interior daquele estabelecimento comercial e daí retirarem e fazerem seus a dita quantia e objetos, que não lhes pertenciam, contra a vontade e sem o consentimento do seu proprietário, com intenção de se apropriar dos mesmos.
Agiram de forma libre e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Fruto da intervenção polícia, em ...-...-2021 os objetos e quantias ditos em a) a kkk) foram apreendidos, tendo nesse mesmo dia os objetos ditos em a) a mm) sido entregues a XX, proprietário do estabelecimento comercial.
No dia ...-...-2021, pelas 10h30min, AA foi detido fora de fragrante delito e, privado de liberdade, foi sujeito a interrogatório judicial findo o qual foi em ...-...-2021 proferido despacho judicial determinando que aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coação de prisão preventiva, situação em que se manteve até ...-...-2021, data em que foi proferido despacho determinando que aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito à obrigação de permanência na habitação sita na ..., com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, tendo sido para aí conduzido no dia ...-...-2021, data em que tais meios foram aí instalados.
Contudo, no dia ...-...-2021, pelas 20h50min, AA violou, de forma não concretamente apurada, o dispositivo do equipamento de vigilância eletrónica, ausentando-se de seguida e sem qualquer autorização da referida habitação para parte incerta.
Só no dia de ...-...-2021, pelas 17h05min, na ..., em ..., AA foi detido quando trazia consigo, mais concretamente no bolso esquerdo do casaco que trazia vestido, os seguintes objetos:
- Um bastão extensível, de marca e modelo desconhecidos, construído numa liga metálica com bastante rigidez e dureza, com três segmentos ocos, cilíndricos e telescópicos: o primeiro com 2, 75 cm de diâmetro e 20, 5 cm de comprimento, com um revestimento em borracha, correspondendo à zona do cabo/empunhadura; os outros correspondem ao corpo do bastão e possuem 14, 9 cm e 18 cm de comprimento com diâmetro de 1, 60 cm e 1, 21 cm, respetivamente, sendo que o diâmetro vai diminuindo (da empunhadura para a ponta posterior) de modo a que, quando recolhido, as secções que correspondem ao corpo, possam entrar na secção que corresponde ao cabo/empunhadura; e
- Uma faca de caça submarina, da marca “Kikusui Cutelary”, de origem japonesa, com lâmina fixa, corto-perfurante de um só gume, com o comprimento total de 27, 7 cm, sendo 14., 9 cm de lâmina, com uma extensão perfurante de 12, 3 cm e uma espessura máxima de 0,4 0 cm, sendo o gume serrilhado em metade da sua extensão, apresentando no contra gume uma serrilha com 5 cm de comprimento, sendo o seu cabo construído em plástico rígido, com guarda-mão, apresentando 12, 9 cm de comprimento, razão pela qual foi detido em flagrante delito.
AA não justificou a posse da dita faca fora do local do seu normal emprego.
AA agiu sabendo e querendo furtar-se à privação de liberdade que lhe havia sido judicialmente determinada, abandonando a habitação onde devia permanecer.
AA agiu sabendo e querendo deter as ditas armas, cujas características conhecia, bem sabendo que não as podia deter.
AA agiu de forma livre e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
II. O itinerário maturativo de AA possui referências afetivas diversificadas, algumas gratificantes, promovidas no agregado dos avós paternos, contexto familiar em que foi acolhido e protegido desde tenra idade, e outras traumatizantes, associadas ao sentimento de abandono parental, figuras incapazes de assegurarem os cuidados educativos e que se reorganizaram em vidas próprias, autónomas e com reduzido contacto com AA.
Habilitado com o 3.º ciclo do ensino em curso de informática, AA tentou prosseguir a qualificação profissional pela frequência de curso de soldadura. Todavia, o crescendo de instabilidade e de conflituosidade familiar, a maior permeabilidade às influências dos pares e às experiências de uso de drogas, o aumento do absentismo e da indisciplina escolares mereceram a intervenção da ..., que o acompanhou até aos 18 anos de idade, momento em que desistiu do referido curso.
As experiências laborais proporcionadas num cal center e num armazém de produtos alimentares foram breves e insuficientes para alterarem a tendência à conduta rebelde desviante, a encetar ausências do agregado familiar sem proferir satisfações e a manter o consumo de drogas.
À data de ocorrência dos factos, AA detinha como referência domiciliária a residência do agregado dos avós paternos, vivenciava período de instabilidade pessoal, de manutenção laços sociais transgressivos e de abuso de drogas, sem recurso a qualquer enquadramento terapêutico.
O imóvel é propriedade dos avós de AA, corresponde a uma habitação de tipologia 2, está dotada das condições de conforto e inserido em meio residencial e urbano do ....
Estes ascendentes mudaram a sua residência de ... para a ..., integrando o agregado de YY, o pai do condenado.
Trata-se de uma moradia própria, sita na ..., com três pisos, dotada de condições de habitabilidade e conforto, situada em aldeia onde todos os habitantes se conhecem, não existindo problemáticas sociais associadas.
O agregado paterno é composto por YY, de 44 anos, por ZZ, de 38 anos, AAA, 17 anos, BBB, de 69 anos e CCC, de 70 anos, respetivamente, pai, madrasta, meio irmão e avós paternos do condenado.
A condição económica destes dois núcleos é descrita como suficiente para suportar as despesas do condenado, resulta dos rendimentos profissionais obtidos pelo pai e pela madrasta do condenado, num total mensal de 1 500 EUR, valor acrescido das pensões de reforma auferidas pelos avós paternos, em valor mensal global de 850 EUR e pela exploração em tempo parcial de um bar de uma associação desportiva numa localidade próxima, efetuado por YY.
Os avós paternos do condenado pretendem vender a casa em que habitavam em ....
AA continua a congregar o suporte familiar prestado pelo agregado dos avós paternos, sexagenários, constrangidos pelos problemas de saúde do avô, vítima de acidente vascular cerebral, acamado há cerca de 10 anos e dependente dos cuidados prestados pela avó.
Existe uma dinâmica familiar solidária e disponibilidade dos familiares de AA para o apoiarem.
Em meio prisional, AA tem adotado uma conduta de adequação, de cumprimento das regras e de ocupação laboral, exercida na cantina do estabelecimento prisional.
AA não recorreu a qualquer intervenção especializada disponível nos Serviços Clínicos do estabelecimento prisional quanto à problemática aditiva.
III. No âmbito do Processo Abreviado n.º 26/20.8..., do juízo local de pequena criminalidade do ... (juiz 1), AA foi em ...-...-2021 condenado na pena de 80 dias de multa à taxa diária de € 6, pela prática em ...-...-2020 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, tendo a respetiva decisão transitado em julgado em ...-...-2021.
A dita pena de multa não foi paga, tendo sido convertida prisão subsidiaria que foi cumprida até ...-...-2022.
No âmbito do Processo Comum Singular n.º 341/20.0..., do juízo local criminal de ..., AA foi em ...-...-2022 condenado na pena única de 12 meses de prisão, substituída por 360 dias de multa à taxa diária de € 5, pela prática em ...-...-2020 de 2 crimes de roubo, ps. e ps. pelo art.º 210.º, n.º 1, do C.P., tendo a respetiva decisão transitado em julgado em ...-...-2022.
A dita substituição foi revogada.
No âmbito do Processo Comum Singular n.º 387/20.9..., do juízo local criminal de ... (juiz 3), AA foi em ...-...-2023 condenado na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 5 EUR, pela prática em ...-...-2020, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, tendo a respetiva decisão transitado em julgado em ...-...-2023.
A dita pena foi declarada perdoada ao abrigo do disposto no art.º 3.º, n.º 2, al. a), da Lei n.º 38-A/2023, de ....
Factos Não Provados
Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contradição com os que foram dados como assentes.
4. Fundamentação de Direito
4.1. Da nulidade da decisão por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia
Invoca o arguido, ora recorrente, que a decisão recorrida é nula por nela se terem inconsiderado as circunstâncias pessoais do arguido constantes do relatório social e por se não ter aplicado o regime decorrente do DL 401/82, de ....
Nos termos do n.º 1, do art.º 379.º do CPP
“É nula a sentença:
a) Quando não contiver as menções referidas no n.º 2 (…) do art.º 374.º (…);
(…)
b) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).”
Argui o arguido, ora recorrente, a nulidade do acórdão recorrido (artigos 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), e 374.º, n.º 2, do CPP), na dupla perspectiva de o tribunal a quo não ter tido em consideração as suas circunstâncias pessoais constantes dos relatórios sociais, e não ter aplicado o regime penal especial consagrado pelo DL401/82, de 23 de Setembro, em virtude de o mesmo à data dos factos ter menos de 21 anos de idade.
Desde já se adianta que o arguido, não tem razão.
Com efeito, no que se refere à nulidade referida na alínea a), do art.º 379.º, (falta de menção do referido no n.º 2 do art.º 374.º do CPP), analisando o acórdão recorrido dele resultam todos os elementos a que se refere o dito art.º 374.º n.º 2 do CPP. Efectivamente, dele constam o relatório (pág. 1), a fundamentação de facto (ao contrário do que refere o recorrente, com indicação dos factos provados e não provados) e a indicação do exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e a fundamentação de direito (págs. 1 a 12, 13 a 21), e o dispositivo (págs. 21 e 22).
No que diz respeito à invocada omissão de pronúncia, a que se refere a citada alínea b), do art.º 379.º, como emerge do próprio texto legal, a sentença é nula quando deixe de se pronunciar sobre as questões devesse apreciar. A esse propósito não deve olvidar-se que nos termos do art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável “ex vi”, do ar.º 4.º do CPP, o juiz “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…).” Sendo que por questões, como há muito se vem entendendo, se consideram os assuntos/problemas suscitadas pelos sujeitos processuais e não os argumentos, as teses e os pareceres por eles apresentados para sustentar as questões invocadas. Como se decidiu no Ac. do STJ de 08.04.2014, proc. 7/10.0TELSB.L1.S1 “A omissão de pronúncia, vício que conduz à nulidade da decisão, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, há-de reportar-se a questões que o tribunal está obrigado a decidir, colocadas pela acusação, pela defesa ou que resultem da discussão da causa e sejam pertinentes com o objecto do processo, o «thema decidendum», e não sobre argumentos ou razões apresentados pelos interessados). Anota-se ainda que a omissão só opera quanto à falta total de fundamentos de facto ou de direito e não quando seja deficiente a sua enumeração, devendo relembrar-se que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5.º, n.º 3, do CPC aplicável “ex vi”, do art.º 4.º do CPP).
Com base no referido entendimento, ao analisarmos o acórdão recorrido verificamos que nele constam elencados os factos relativos às condições pessoais e sociais do arguido, tendo essas condições sido consideradas em sede de fundamentação da decisão, no que concerne, concretamente, à escolha da medida da pena, nos termos que o tribunal a quo considerou pertinentes.
No que diz respeito à falta de aplicação ao arguido do disposto no DL 401/82, de 23 de Setembro (regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos), também aqui, reitera-se, está o arguido carecido de razão.
Na verdade, como tem vindo a ser assinalado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, a aplicação desse regime especial, não é obrigatória, nem automática, devendo ser ponderada e decidida pelo tribunal quando se suscite a aplicação de pena de prisão a cominar a prática de crime por agente com mais de 16 e menos de 21 anos de idade, e não já, em caso de concurso de crimes, no momento da fixação da pena única, como sucede na presente situação (Ac. do STJ de 19-02-2015, proc. 1735/10.5PBGMR.S1, www.dgsi.pt).
Para além disso, resulta dos presentes autos que no acórdão condenatório proferido em 1.ª instância, datado de ........2022, integralmente confirmado pelo acórdão de ........2023 do ..., se ponderou a aplicação do aludido regime penal especial, tendo-se concluído pelo seu afastamento pelas razões aí aduzidas (fls. 163 a 165 e 168 a 170 do aludido acórdão de ........2022).
Indefere-se, assim, a arguida nulidade do acórdão recorrido em qualquer das vertentes assinaladas.
4.2. Da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão
Sustenta o recorrente que a decisão recorrida padece de contradição insanável da fundamentação e de contradição entre a fundamentação e a decisão. Refere, para o efeito, que manifestou (no momento em que foi julgado, e após ter sido condenado e já recluído), o seu arrependimento, tendo reconhecido a ilicitude e a gravidade das suas condutas, tendo manifestado interiorizar o mal que causou aos ofendidos e à comunidade em geral, em relação ao qual aceita ser responsabilizado, não se pronunciando o tribunal recorrido sobre essa factualidade.
Nos termos do art.º 410.º do CPP,
“1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão
(…)
3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.”
O vício que o recorrente assaca à decisão recorrida, porque diz respeito à estrutura desta, tem de resultar do seu próprio texto por si só ou conjugado com as regas da experiência.
Conforme tem vindo a ser assinalado a este respeito por este Supremo Tribunal, o “recurso interposto para o STJ de acórdão final proferido por tribunal coletivo, que condene em pena superior a cinco anos de prisão, além da matéria de direito, pode também fundar-se nos vícios da decisão previstos no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, cuja indagação pelo tribunal ad quem constitui ainda “uma tarefa puramente jurídica”, que se basta com o texto da própria decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência, sem qualquer recurso a elementos a ela externos, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 434.º e 432.º, n.º 1, al. c), do mesmo diploma legal” (Ac. do STJ de 31.01.2024, proc. 908/17.4PDAMD.L1.S1).
Por outro lado, a contradição da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão a que se refere o mencionado art.º 410.º n.º 2, alínea b), do CPP, apenas redundará efetivamente no vício da sentença quando a contradição se revele insanável, ou seja, quando existir incoerência, oposição, incompatibilidade manifesta entre diferentes passos da sentença, afetando a sua estrutura lógica, de forma inultrapassável para o tribunal de recurso. O apontado vício verifica-se, pois, quando no texto da decisão constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respectivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito (Vd. Acórdãos do STJ de 23.11.2023, proc. 419/21.3PCLSB.L1.S1 e de 18.02.2021, proc. 87/11.0GBSXL.L2.S2, in www.dgsi.pt).
No presente caso, não se vislumbra qualquer contradição ou incoerência lógica entre os fundamentos de facto ou entre os fundamentos a decisão, impondo-se assinalar que a matéria da confissão referida pelo arguido não foi dada como provada na decisão da 1.ª instância, nem tão pouco acórdão do tribunal da Relação, pelo que, obviamente, não tinha a mesma de constar do texto do acórdão (cumulatório) recorrido. Assim, e perante o texto deste, através de um raciocínio lógico e racional, consegue-se apreender a fundamentação de facto e o motivo pelo qual, com base na fundamentação aí constante, se chega à decisão - não padecendo o dito acórdão de qualquer erro de que o homem médio facilmente se desse conta.
Destarte, não se verificando nenhum dos apontados vícios a que se refere o art.º 410.º n.º 2 alínea b), do CPP, e encontrando-se, ademais, o acórdão recorrido devidamente fundamentado à luz do disposto no art.º 205.º da nossa Constituição, apenas resta concluir pela improcedência da presente questão.
4.3. Da redução da pena única aplicada e da suspensão da sua execução
Insurge-se o recorrente contra a pena única que lhe foi aplicada.
Pretende que o tribunal deveria ter-se socorrido duma perspetiva atualista, o mais fiel e próxima, da atual realidade do recluso, tendo como diretrizes os artigos 40.º, 42.º, 71.º e 77.º n.º 1 do CP, por sua vez norteados pelo regime previsto pelo DL 401/82, de 23 Setembro.
A pena única aplicada, em seu dizer, é exagerada, desproporcional e não fundamentada.
Relativamente à não aplicabilidade do regime penal dos jovens decorrente do DL 401/82, de 23 de Setembro, já acima nos pronunciámos quanto à sua não aplicabilidade no âmbito da aplicação da pena única, pelo que nada mais há a aludir a esse respeito.
Quanto ao mais, importa dizer o seguinte:
Segundo o art.º 77.º, do CP
“ 1- Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
(…)”
A propósito da punição do concurso de crimes de que trata o supra citado preceito, têm a jurisprudência e a doutrina vindo a entender que o modelo ali previsto não se traduz no sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo), nem no da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), mas sim num sistema misto, apelidado de cúmulo jurídico, em que a pena conjunta tem como limite mínimo a pena mais elevada que foi aplicada ao arguido e como limite máximo a soma resultante das penas concretamente aplicadas. A pena única aplicada resulta, como se refere no Acórdão do STJ de 17.02.2022, proc. 57/18.8GEPTM.E1.S1, «da imagem global do facto e da personalidade do agente».
Relativamente à punição do concurso de crimes (concurso de penas), e à sua razão de ser, refere Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal”, III Volume, Verbo, pág. 181 que a pena tem essencialmente, como função a prevenção de futuros crimes, sendo a finalidade da prevenção a razão da unidade de aplicação da pena única no concurso de crimes. Deste modo, não tendo a pena finalidade exclusivamente punitiva ou retributiva, adianta aquele autor que “se tendo o agente praticado vários crimes antes da condenação por qualquer deles devesse cumprir cumulativamente todas as penas correspondentes a qualquer dos crimes, isso significaria que a lei não considerava o efeito reintegrador da pena, não atribuindo qualquer efeito ao cumprimento da 1.ª das penas executadas”. (Itálicos nossos).
Por outro lado, na fixação da pena conjunta do concurso, deve atender-se à “culpa do agente e às exigências de prevenção” (art.º 71.º do Código Penal), tendo-se em consideração que “A aplicação das penas e medidas de segurança visam a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, sendo que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” - art.º 40.º n.ºs 1 e 2, do CP.
Em caso de concurso, como se viu, na fixação da pena unitária, devem respeitar-se os limites das penas em concurso, e ter-se em consideração o disposto no art.º 77.º do Código Penal (“conjunto, dos factos e a personalidade do agente”).
Os fundamentos deste regime decorrem do disposto no art.º 18.º, n.º 2, da Constituição, por via do qual “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
A privação do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (art.º 27.º, n.º 2, da Constituição), deve submeter-se, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra, como é sabido, nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade, adequação e da proporcionalidade, de modo a que pena encontrada o seja na “justa medida”, e não desproporcionada ou excessiva (Vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “CRP Anotada”, Coimbra Editora, Vol. I, págs. 65 e 65).
Ao referir-se no art.º 77.º ao “conjunto, dos factos e a personalidade do agente”, faz o legislador apelo a que se considere na determinação da pena conjunta com se pretende sancionar o agente, não apenas os factos individualmente considerados, mas também e especialmente o respectivo conjunto, entendido este «não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente», visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, e não unitariamente, os factos e a personalidade do agente. A decisão que determine a medida concreta da pena do cúmulo «deverá correlacionar conjuntamente os factos e a personalidade do condenado no domínio do ilícito cometido por forma a caracterizar a dimensão e a gravidade global do comportamento delituoso do agente, na valoração do ilícito global perpetrado» (Vd. Ac. do STJ de 27-01-2021, proc. 1663/16.0T9LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt).
Como salienta Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1.ª Edição, págs. 290 a 291 “Estabelecida a moldura penal do concurso o tribunal ocupar-se-á, finalmente, da determinação, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontrará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. Nem por isso se dirá com razão, no entanto, que estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida da pena. Com efeito a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais da medida da pena contidos no art.º 72.º, nº 1, um critério especial «na determinação da medida concreta da pena serão considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente”. (Itálicos e sublinhados nossos).
A este respeito, como tem sido assinalado pela jurisprudência, “Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes com efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
(…)
“Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos pois que a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a recetividade á pena pelo agente deve ser objeto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.”
“A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspetiva de existência de uma pluralidade de ações puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais.
Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação. Afinal, a valoração conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o Código Penal.
“Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspetiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objetivos do agente no denominador comum dos atos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a atividade criminosa expressa pelo número de infrações, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela atividade”.
“Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”. (Itálicos e sublinhados nossos). (Vd. Os Acórdãos do STJ de 23.02.2022, proc. 16048/94.OTDPRT-B.S1, de 27.01-2016, proc. 178/12.0PAPBL.S2, e de 12-02-2014, proc. 1335/12.5JAPRT.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt ).
Na presente situação o recorrente/arguido, foi condenado na pena única de seis anos, onze meses e vinte dias de prisão.
O tribunal recorrido ponderou todos os factos apurados, o circunstancialismo que os envolveu bem como as condições pessoais do agente.
Importa relembrar que o arguido foi julgado e condenado como coautor e sob a forma consumada, de 1 crime de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 204.º, n.º 2, al. f), 210.º, n.º 1, n.º 2, al. b), do C.P., que vitimou CC, praticado em ...-...-2020, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; como coautor e sob a forma consumada, de 1 crime de roubo, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 204.º, n.º 2, al. f), n.º 4, 210.º, n.º 1, n.º 2, al. b), do C.P., praticado em ...-...-2020, na pena de 2 anos de prisão; como coautor e sob a forma consumada, de 1 crime de roubo, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 210.º, n.º 1, do C.P., que vitimou DD, praticado em ...-...-2020, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; como coautor e sob a forma consumada, de 1 crime de roubo, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 210.º, n.º 1, do C.P., que vitimou EE, praticado em ...-...-2020, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; como coautor e sob a forma consumada, de 1 crime de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 202.º, al. b), 204.º, n.º 2, als. a) e f), 210.º, n.º 1, n.º 2, al. b), do C.P., praticado em ...-...-2021, na pena de 4 anos de prisão; como coautor e sob a forma consumada, de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 202.º, als. d) e e), 204.º, n.º 2, al. e), do C.P., praticado de ...-...-2021 para ...-...-2021, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; como autor imediato e sob a forma consumada, de 1 crime de evasão, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 352.º, n.º 1, do C.P., praticado em ...-...-2021, na pena de 9 meses de prisão; como autor imediato e sob a forma consumada, de 1 crime de detenção de arma proibida, na forma consumada, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, do C.P. e 2.º, n.º 1, al. m) e an), 3.º, n.º 2, als. i) e ab), e 86.º, n.º 1, al. d), do Regime jurídico das armas e suas munições, praticado em ...-...-2021, na pena de 1 ano de prisão.
Considerando o conjunto dos factos e a personalidade do agente, cumpre desde já assinalar que é muito intensa a culpa revelada pelo arguido, que agiu sempre com dolo directo, sendo muito elevada a ilicitude dos factos. Com efeito num período de pouco mais de 14 meses (de ...-...-2020 a ...-...-2021), o arguido cometeu nada menos do que 8 crimes. Destes crimes, cinco são de roubo e destes, dois de roubo agravado. Praticou ainda de crime de furto qualificado, num estabelecimento comercial, um de evasão e o derradeiro de detenção de arma proibida. Em todos os crimes o arguido agiu com dolo directo, sendo que nos crimes e roubo se fez acompanhar de outros indivíduos para assim melhor lograr os seus intentos, na medida em que era assim mais difícil às vítimas reagir. Em dois dos crimes de roubo, a violência sobre as vítimas foi particularmente acentuada, tendo o arguido usado objecto num deles, para coagir a vítima, um objecto corto perfurante e no outro um bastão com o qual agrediu na cabeça a vítima, tendo-se apropriado da viatura desta.
A conduta grave e socialmente desviante do arguido retira-se ainda do facto de não obstante ter sido detido em ........2021 e submetido a interrogatório judicial, findo o qual, no dia ........2021, foi determinado que aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito às obrigações decorrentes do termo de identidade e residência e proibido de contactar por qualquer meio e em qualquer lugar com os restantes coarguidos, com a obrigação de se apresentar todos os dias entre as 09h00min e as 19h00min no posto policial mais próximo da respetiva residência, tendo sido restituído à liberdade pelas do dia 00h05min do dia ........2021, logo no dia ...-...-2021, voltou a delinquir tendo praticado, em coautoria, para além do referido crime de roubo qualificado com o uso de bastão, um crime de furto a um estabelecimento comercial, tendo-se apropriado de vários bens, sendo que se é certo vários deles não tinha valor significativo, no seu total ascendiam a 2.500,00 euros, valor que se não pode considerar insignificante. A sequência de prática de factos criminosos não se ficou por aqui. Pois, pese embora o arguido tenha sido detido em ........2021, e sujeito à medida de prisão preventiva, que veio a ser substituída por ........2021, pela obrigação de permanência na habitação, tendo sido para aí conduzido no dia ...-...-2021, data em que tais meios foram aí instalados, no dia ........2021, pelas 20h50min, o arguido AA violou, de forma não concretamente apurada, o dispositivo do equipamento de vigilância eletrónica, ausentando-se de seguida e sem qualquer autorização da habitação para parte incerta até ...-...-2021, data em que foi novamente detido. Cometeu assim um crime de deserção.
Na altura da detenção foram-lhe encontrados um bastão extensível e uma faca de caça submarina, de origem japonesa, com lâmina fixa, corto-perfurante de um só gume, com o comprimento total de 27,7 cm, o que o fez incorrer no crime de detenção de arma proibida, nos termos supra referidos.
Acresce que não obstante a viatura furtada tenha sido recuperada e entregue ao seu proprietário, e grande parte dos bens furtados tenham sido restituídos igualmente ao seu dono, a recuperação de tais bens não se ficou a dever à iniciativa conduta do arguido. Este não revelou arrependimento pelos actos que praticou, não pediu desculpas às vítimas, nem fez menção de as compensar pelos danos sofridos.
Pese embora o referido circunstancialismo fáctico apurado, tendo em consideração o circunscrito período temporal em que os factos ocorreram, atendendo a que o arguido à data dos factos ainda não tinha 21 anos de idade, afigura-se-nos que se não pode concluir estarmos perante uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa, mas tão só perante ainda ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade.
No que às condições pessoais do arguido diz respeito, importa ponderar que o mesmo tem como referências familiares positivas os seus avós paternos, sendo que estes pela sua idade e estado de saúde (o avô está acamado e ao cuidado da avó do arguido) e condições económicas modestas, não poderão no futuro continuar a sustentá-lo e a prestar-lhe apoio.
O arguido AA, é apenas detentor do 3.º ciclo do ensino, tendo abandonado a progressão da sua formação. Não revela hábitos consistentes de trabalho, tendo sido apenas duas e breves as suas experiências profissionais.
Para além disso, tem tido experiência com uso de drogas, não se tendo submetido a qualquer tratamento no exterior e no estabelecimento prisional onde se encontra, o que constitui um factor de risco para a prática de futuros crimes.
O arguido no Estabelecimento Prisional onde se encontra recluído tem mantido um comportamento consentâneo com as normas institucionais, o que, aliás, se espera de qualquer recluso, exercendo ocupação laboral na cantina.
Todavia, no seu computo global, afigura-se-nos traduzir a conduta do arguido manifesta contrariedade ao direito e aos padrões sociais vigentes, sendo prementes as exigências de prevenção geral, o que se atesta pela prática dos referidos crimes, alguns deles muito graves, e cometidos com elevada agressividade, violência sobre as vítimas e com uso de arma proibida.
É ainda de assinalar, o seu carácter instável, rebelde e desobediente, onde se conta a violação da obrigação imposta pelo tribunal de não contactar com outro coarguido, bem como a intensidade da violação da ordem judicial de permanecer na sua habitação com equipamento electrónico, que apenas veio a cessar com a sua detenção e não por sua iniciativa. Assim como o uso, no contexto de evasão de armas proibidas.
Desta feita, tendo em consideração que por força do disposto no citado art.º 77.º n.º 2 do CP, a pena aplicável ao concurso de crimes praticados pelo arguido tem como limite mínimo 4 anos de prisão e como limite máximo 14 anos e 11 meses de prisão, afigura-se-nos perfeitamente ajustada e proporcional à culpa do agente e ao grau de ilicitude da sua conduta, a pena única seis anos, onze meses e vinte dias de prisão, tal como lhe foi fixada no acórdão recorrido, não se vislumbrando qualquer inconstitucionalidade.
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Acresce que sendo a medida da pena única ora fixada superior a cinco anos de prisão não é a mesma susceptível de ser suspensa na sua execução - art.º 50.º, do CP.
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No presente caso, atenta a data da prática dos factos, tal como assinalado no acórdão recorrido, haverá ainda que ter em consideração o disposto na Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, cuja aplicação deverá ser efetuada na 1.ª instância, em conformidade com o disposto no artigo 14.º desse diploma (Acórdãos deste STJ, de 27.09.2023, proc. 179/22.0PSLSB.S1 e de 14.12.2023, proc. 130/18.2JAPTM.2.S1).
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Para além disso, determinando o art.º 78.º, n.º 1, do CP, que, no conhecimento superveniente do concurso, a pena que já tiver sido cumprida é descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes. Referindo, por seu turno, o art.º 80.º, n.º 1, do mesmo diploma, que as medidas processuais (a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido), serão descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão e o seu art.º 81.º, n.º 1, que se a pena imposta por decisão transitada em julgado for posteriormente substituída por outra, nesta é descontada a pena anterior, no presente caso, no cumprimento da pena conjunta imposta ao arguido, terão de ser descontadas, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação que aquele haja sofrido.
4. Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça:
Em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA
Em determinar que o tribunal recorrido proceda à eventual aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (art.º 513.º, n.º 1 e 3, do CPP, e art.º 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).
Lisboa, STJ, 2024-05-23
Albertina Pereira (Relatora)
Jorge Bravo (1.º Adjunto)
Agostinho Torres (2.ª Adjunto)